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A Mulher Não Existe.

Atualizado: 22 de set. de 2024



“Não se nasce mulher, torna-se mulher.” Beauvoir. Por Dan Mena.

A afirmação muito provocadora de Jacques Lacan de que “a mulher não existe” é um ponto de partida para adentrar no hermetismo da identidade feminina pela nossa visão psicanalítica. Desafiando as noções convencionais de identidade de gênero, é, questionando a ideia de que “a mulher” pode ser minimizada a uma categoria estática e homogênea. Podemos, então, examinar a suposta inexistência dela sob a perspectiva do Simbólico, do Imaginário e do Real, enquanto consideramos suas implicações para o discernimento da feminilidade, devendo necessariamente passar sobre às discussões contemporâneas. Partindo dos primórdios, Freud propôs uma abordagem muito criticada pelos movimentos feministas, ditos como sexistas, uma vez que promoveriam o conceito de inveja do pênis como determinante dessa existência. Contemporaneamente ele aborda a questão a partir de diversos ângulos teóricos, iniciando os estudos na década de 1920. Neste período da história da psicanálise surge o interesse cultural pelo feminino, pelo corpo, particularmente pelo aparecimento da histeria. Estes sintomas histéricos que chamaram a mulher para o seu reparo, atenção sobre a substância corporal da sua constituição. Ditas manifestações e ocorrências incitaram a neurologia da época, como elementos dissociativos de conversão e os fenômenos psicossomáticos reais, que não correspondem às redes do sistema nervoso. A histeria, presente no feminino, enredou o saber médico e distorceu as leis neurocientíficas, o que virá consequentemente a constituir a psicanálise. Este atiçamento lacaniano, que choca num primeiro momento, não implica absolutamente em negar a existência das mulheres, senão questiona a ideia central de uma essência ou identidade feminina fixa e universal, uma leitura muito mal compreendida que pode ser facilmente explicada. Boa leitura.


“A identidade da mulher é moldada desde a infância por meio de relações interpessoais e pela busca de sua própria identidade.” Chodorow.


Como captar sua assimilação?


Construção: A identidade feminina não é algo inerente ou biologicamente determinado, mas sim uma elaboração social e cultural. As normas de gênero, papéis sociais e expectativas variam amplamente entre as diferentes culturas e ao longo do tempo. Portanto, não podemos definir a identidade feminina de maneira genérica.


Complexidade da Psique: A mente e super intrincada, sabemos que ela é moldada por experiências, linguagem e simbolismos. Mulheres são submetidas a uma variedade de influências desde a infância, incluindo relações familiares, normas sociais e representações culturais que contribuem para a formação de sua identidade.


Rejeição de Estereótipos: Ao questionar a existência de uma “mulher” universal e absoluta, se está na verdade, rejeitando arcabouços simplistas de gênero, onde representações fixas de feminilidade são redutivas e limitantes, lugar que a identidade de uma mulher é muito mais multifacetada do que qualquer categoria padronizada poderia capturar.


Abordagem Simbólica: Usando os conceitos como o Simbólico, o Imaginário e o Real para analisar a construção da identidade feminina, é, como ela será fortemente influenciada pelo registro do Simbólico, sendo o domínio da linguagem e das normas sociais. Essas regras, que moldam como as mulheres se veem é são vistas pelos outros(as).


Respeito pela Singularidade: Ao negar dita existência de uma identidade ecumênica, se convida à consideração da especificidade, onde cada mulher é única em sua experiência e personalidade, sendo extremamente importante respeitar essa unidade, em vez de impor categorias pré-determinadas ou colocar sua excepcionalidade em um conceito de caixinha.


O Simbólico: Normas, Linguagem e Gênero.


O Simbólico é o registro da linguagem e das idealizações sociais, onde as normas e papéis de gênero são construídos. A identidade feminina é moldada por uma multiplicidade de discursos que impõem expectativas e limitações. Seria logo, a base fundamental na criação de uma esfera feminina, e, ao mesmo tempo sua natureza opressiva.


“O Simbólico é o lugar onde as normas de gênero são inscritas na psique, moldando a identidade feminina de acordo com padrões pré-determinados.”


O Imaginário: Autoimagem e Representações Sociais.


O registro do fantasioso lida com a imagem e a percepção, incluindo a reprodução e translado que as mulheres têm de si mesmas, e a metáfora, que a sociedade projeta sobre elas. Neste domínio, a elevação dessa identificação é consumida por conceituações sociais, estereótipos e pressões culturais.


“A identidade feminina no imaginário, é fortemente moldada por estereótipos, que podem limitar a autonomia e a autopercepção das mulheres.”


O Real: Uma Realidade Inapreensível.


Reconhecer que o Real e o registro dessa bagagem não mediada, que permanece inapreensível e elusiva. A vivência das mulheres não pode ser completamente capturada pela linguagem ou pelas estruturas cívicas. “O Real representa a realidade inacessível, aquilo que transcende a linguagem e as fundações sociais. A identidade feminina não pode ser totalmente apreendida por categorias predefinidas.”


Então, o quê significa ser mulher?


É importante reconhecer que esta abordagem pode ser interpretada como uma simplificação excessiva. Esta proposta, sugere que não é possível explicar de uma forma geral o que ''significa ser mulher''. Embora, o que isso pode designar, dar sentido para cada mulher esteja relacionado e conectado com suas tramas discursivas e proscritivas, onde posso citar exemplos; ser bonita, mãe, amante, sensual, profissional, independente, esposa, poderosa, promíscua, sexy, rapariga, mandona, feia, submissa, etc., o que, ao mesmo tempo, não se esgota nelas. “A mulher não é um 'outro' a ser compreendido, mas sim um sujeito com uma psicologia única e complexa.” Kristeva. Por esta razão, persistimos na questão da peculiaridade que as excede, extrapola o que é possível reconhecer conscientemente, e que possa de alguma forma ser filtrado pelas palavras que a ela própria transbordam. Autora de uma originalidade que parte do excepcional, e contrafeita obliquamente por aspectos inconscientes e pulsionais. Mas, para além da discussão exegética de Lacan, não seria inadequada sua correlação com os pressupostos feministas modernos. A questão do que é ser mulher se debate sob dita teorização, onde diferentes refutações, réplicas e respostas continuam a coletar implicações de toda ordem, seja sociais, políticas e culturais. Nomeadamente, a questão política do feminismo impõe uma permanente controvérsia global. Podemos citar como um paradigma, óticas e prismas, onde uma mulher trans não é considerada mulher, e para outras(os) sim. Assim, podemos verificar claramente que ditas interpretações partem de ideologias feministas que em algum ponto apelaram para certas abordagens lacanianas positivamente, as apoiando, enquanto outras, se posicionaram reprovando, criticando e combatendo. Virando a página para um retrocesso cronológico, a adolescente acessará o universo adulto cerceada pela lei e regras sociais imperativas que vão coibir, censurar, reprimir e tolher o livre exercício do seu desejo, condicionada, logo, a uma moral sexual que a define perante si e outras mulheres e homens como um tipo X de mulher. Destarte, e ao contrário do seu congênere masculino, precisará controlar os seus impulsos sexuais, desenvolver controles para suas lascívias, geralmente baseadas no pavor e consequências possíveis de todo tipo de perseguição que resultariam da concretude da sua satisfação, ou julgada sob princípios rígidos e morais. Fosse pouco, ainda deverá enfrentar o desequilíbrio narcísico que a própria dubiedade e hesitação da feminilidade incorpora. Por fim, vale destacar os três destinos da sexualidade feminina; em primeiro lugar, uma sina sem destino; ou seja, uma ausência de sexualidade, ou melhor, eu diria, uma sexualidade não partilhada. O segundo: tendência a desenvolver a masculinidade, por consequência o lesbianismo, a terceira: a feminilidade definitiva, quando a mulher toma o pai como modelo e identifica o seu marido com ele, faz então dele o seu objeto de amor e, ao mesmo tempo, rivaliza com ele. Uma última afirmação acontece dentro dessa tricotomia, com o marido, ela recicla sua má relação infantil com sua mãe.


A anatomia não é suficiente para definir o que determina ou faz uma mulher ou um homem, diz Freud, “[…] o que constitui a masculinidade ou a feminilidade é um caráter incógnito e misterioso que a anatomia não pode aprender”; “[…] tanto os homens como as mulheres são bissexuais num sentido psicológico, eu deduziria, que eles decidiram tacitamente fazer coincidir o ativo com o ”masculino”. e o passivo com o “feminino”. Fica evidente, portanto, que tanto no aspecto ativo como no passivo da sexualidade há uma satisfação da economia libidinal.


“A mulher não é uma simples cópia do homem. Ela tem suas próprias necessidades e desejos, sendo igualmente válidos.” Horney.


A psicologia feminina, o inconsciente coletivo e os arquétipos.


Para escapar da dimensão lacaniana, será necessário adentrar na introdução ao conceito de inconsciente coletivo. Jung o define como “uma camada profunda da psique que contém elementos universais compartilhados por todas as culturas e sociedades humanas” (Jung, 1968). O inconsciente compartilhado é a fonte dos arquétipos, os quais são imagens e padrões simbólicos inatos que moldam nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos. Eles transcendem a experiência individual e são comuns, conjuntos e coletivos. É uma parte fundamental da psique que intervêm em nossa compreensão de mundo e de nós mesmos. Para ilustrar essa penetração, cito: “O inconsciente coletivo é como um vasto oceano, cujas profundezas abrigam inúmeras criaturas e tesouros desconhecidos. Ele é a fonte inesgotável das nossas experiências mais profundas e arquetípicas” (Jung, 1968).


Representações universais da feminilidade.


Essas estruturas citadas anteriormente representam os aspectos essenciais do traquejo das mulheres, o que influenciará como elas se veem, interagem com os outros e compreendem a feminilidade em um contexto mais amplo. Um dos esquemas femininos mais conhecidos é o da ''Grande Mãe''; “uma montagem interpretativa da maternidade, fertilidade e do cuidado maternal” (Jung, 1959). A Grande Mãe simboliza a ligação entre a mulher e a natureza, e sua influência pode ser vista em mitologias e narrativas culturais de diferentes sociedades ao longo da história. Posso resumir da seguinte forma:


Representação da Maternidade e da Fertilidade: A “Grande Mãe” é vista como uma catadura polivalente da maternidade e da fertilidade. Simboliza a capacidade de criar e nutrir a vida, refletindo o papel vital da mãe na sobrevivência e no desenvolvimento da criança.


Símbolo de Cuidado e Proteção: Além da maternidade, também é associada ao cuidado com o bebê e sua salvaguarda, espelha o desejo primário de segurança e proteção, especialmente nas fases iniciais da vida.


Conexão com a Natureza: Está muitas vezes ligada à natureza e vista como uma personificação da terra ou do biossistema selvagem, com uma conexão profunda entre o ser e o mundo natural.


Aspectos Negativos: Seus enfoques como possessividade, controle excessivo e domínio. Possuem uma polaridade, o que significa que podem ser expressos de maneiras positivas ou negativas, dependendo das circunstâncias e da trama psicológica de um indivíduo.


A anima é a personificação.


Embora Jung não tenha especificamente abordado o conceito de “Sophia” ou “Sabedoria,” suas ideias sobre individuação, autoconhecimento, busca de significado e a importância dos símbolos podem ser interpretadas como sinônimos da busca pela sapiência interior. Para destacar a importância dos cânones standards da mulher, ele escreveu: “A Anima é o arquétipo da feminilidade na psique masculina. Ela configura a dimensão feminina na tarimba de cada homem e desempenha um papel primacial na compreensão das mulheres e de si” (Jung, 1963).


Individuação e Autoconhecimento: O processo de se tornar um indivíduo único e completo, onde; “Individuação significa se tornar um em si, e não como o ''outro'' quer que sejamos”, isso assinala a importância de se conhecer profundamente em vez de ser definido pelas expectativas externas.


Busca de Significado: Significado da vida; “O sentido da nossa existência não reside no que fazemos, mas no que somos e nos tornamos” Jung. Isso reflete sua crença de que a realização pessoal está estreitamente ligada à compreensão de quem somos.


Conexão com o Inconsciente: A relação entre o consciente e o inconsciente; “Quem olha para fora sonha; quem olha para dentro acorda” Jung. Essa citação, ressalta a importância de explorar o mundo interior, o que está alinhado com a ideia de buscar a sabedoria interna.


Símbolos e Mitos: Quanto ao papel dos símbolos e dos mitos na psicologia; dize; “Os mitos são as histórias de nossos desejos mais profundos” Jung. Isso sugere que eles podem nos ajudar a acessar nosso saber de si, e a compreender os desejos mais agudos, impetuosos e íntimos.


“A Sophia, ou Sabedoria, é um arquétipo que transcende a ideia de uma feminilidade meramente biológica. Ela simboliza a busca do conhecimento e da compreensão, tanto para homens quanto para mulheres” (Jung, 1968).


A psicologia feminina é enriquecida por essa teoria do inconsciente coletivo e dos arquétipos. Sua experiência é tocada por imagens e padrões simbólicos que transcendem as fronteiras culturais e temporais. Ao explorar esse conceito pela teoria junguiana, a psicologia se destaca pela riqueza e diversidade dos domínios e competências das mulheres no contexto mais amplo da psique.


Para ser mulher.


O surgimento da psicanálise foi numa era marcada por uma mentalidade conservadora, nessa época se buscava privar as mulheres dos seus quereres, caprichos e do direito ao prazer. A análise psicanalítica restitui à mulher a obtenção da dimensão sexual, e, por meio da prática clínica, cava essa divergência em contraposição do masculino e feminino. Freud, foi equivocadamente associado a uma tentativa de oprimir e negar os direitos as diferenças de gênero. Opostamente, como pai da matéria que foi, tem o mérito de ter se envolvido e desafiado em dita disparidade arcaica, refletindo sobre um dos elementos essenciais que constituem a nossa natureza, a sexualidade. Nossa aproximação mais atualizada ao tema não é essencialista, Lacan submerge em diferentes prismas, pensamentos e sentidos pelas quais estabelecemos contato com o mundo real e a formação de uma identidade tida como expressão. Atualmente, essas fisionomias sociais estão em constante mudança, antes mais definidas, agora, se formam conforme os prazeres individuais, moldadas ao bel-prazer de cada um. Sua evolução ocorre na esfera da era capitalista, onde a exultação desse deleitamento está inciso em cada sujeito, ocupando o majestoso lugar de um impossível ideal. No entanto, mesmo diante dessa truculência embaralhada, podemos encontrar rastros e traços comuns que interrelacionam o prazer como resultado do real. Falo então de uma jucundidade, um deleite associado à essência mais única da existência de cada pessoa, onde não se considera mais a questão da diferença sexual; e, que por sequela do regozijo e satisfação se constrói essa diferença, que traz à existência do corpo feminino. Esse sistema econômico numulário está perfeitamente enfileirado com esse prazer que exclui a pessoa hetera e suas diferenças, mas que não apresenta nenhum obstáculo em perfazer e disponibilizar todas as variedades sexuais disponíveis. Destarte, no tocante a parte feminina da coisa, para ser mulher é preciso exercer a sexualidade, mas para ser uma respeitável, ainda é preciso reprimir o desejo. Também, manter a postura moral e se opôr à impulsividade. Para ser valorizada como mulher, é preciso ter experiências sexuais e não pode ser vista como ultrapassada, tola ou ignorante. Isso pressupõe que ela deva ser sexy, sedutora, cativante, e deva usar todas essas ferramentas para manipular os mecanismos do desejo e se tornar uma narcisista que prefere ser amada a amar.


O que quer uma mulher?


“A grande pergunta que nunca foi respondida e que não consigo responder, apesar de meus trinta anos de pesquisa na alma feminina, é: ''O que quer uma mulher?” Freud.


Seria muita petulância eu poder responder dito questionamento, já que o próprio Freud admite sua não conclusão e improficiência. É pensando bem… por que deveria ser conclusivo? Talvez a resposta esteja exatamente aonde não deva ser localizada, no próprio mistério de não se revelar, de ser subjetivo. De qualquer forma, sou tentado, me permito errar, como homem, analista, a tecer minhas considerações pessoais, longe de querer qualquer aprovação ou aproximação com a impossibilidade da sempre abstrata verdade feminina. Vamos lá. A compreensão dos anseios femininos tem sido uma área de investigação e reflexão na psicanálise, condição que pode ser encontrada, não no que ela representa no seu discurso, na narrativa que faz de si, mas no lugar que ela pode encontrar no desejo, o qual é determinante o desejo sexual. Uma mulher não pode se definir, nem mesmo dizer o que é, enquanto mulher, mas sim, consegue saber o que deseja perfeitamente. É estes seus intrínsecos quereres serão concretizados, a contra corrente do que for, mais tarde, menos tarde, nada a impedirá. Pode afirmar também, que o que lhe falta é um homem, mas quando vai a caça de uma resposta que possa dar nome a essa relação entre ambos, tida como o laço da excitação sexual sua linguagem falha, da curto-circuito. Destarte, não encontrará nesse percurso uma chave conclusiva que lhe indique o caminho mais seguro para alcançar o ''outro'' com o qual o rol dessa libido vai progredir, se garantir, embora, nem será mesmo um indicativo para uma satisfação que se consubstancie e afirme com o deleitamento desse presumível ''outro''. 


A dualidade dos desejos femininos: Gozar e Ser Amada.


A mulher, como sujeito da psicanálise, se encontra frequentemente confrontada com uma ambiguidade desejante, o desejo de gozar e o de ser amada. Essa duplicidade formativa cria uma tensão psicológica intrincada, como observado por Lacan; O que uma mulher quer?. Ela está sempre no meio de uma ponte, entre gozar e ser querida e amada, se debate perante o desafio de equilibrar essa gangorra por prazer pessoal e a necessidade de amor, paixão e reconhecimento. Eis o seu tormento, tal embate, de ser dividida, fragmentada pelo gozo do par, de ser ultrapassada pela sua própria fruição do desfrute e com uma exigência de amor impossível de comprazer. Esse dilema, que se entrecruza na relação com o gozo, pode criar uma complexidade adicional em suas vidas amorosas, onde a busca por amor assume uma intensa demanda emocional e afetiva. “Ela deseja o que não tem, aceitando que nunca o terá” (Lacan, 1960).


O Homem como símbolo do desejável.


Uma das características distintivas da psicologia feminina, é a busca pelo desejo no outro, especialmente no homem. A mulher regularmente o reconhece como o símbolo do que é ambicionável para ela. Essa dinâmica assume um papel preponderante na busca da satisfação; “é o homem que o tem e, portanto, que nele está o símbolo do que é desejável para ela” (Lacan, 1960). Mas quando os homens veem as mulheres a partir da lógica masculina, da razão fálica, dizem; “O desejo feminino é possessivo, querem nos castrar, amarrar, nos ter ao seu serviço, querem tirar até nossas palavras, procuram em nós o que lhes falta… ”. E isso, para um homem neurótico é absolutamente intolerável. Ele se perguntar sobre como goza uma mulher lhe é particularmente difícil, ao não permitir que suas defesas elaboradas o auxiliem, e assim negando, produz apenas as respostas que lhe interessam ao próprio contentamento machista. Em; ''A Lógica do Fantasma'', Lacan explica; “segurar a questão do gozo feminino” abre “a porta a todos os atos perversos”. “Se o homem deseja a mulher, só a alcança caindo no campo da perversão”.


A Mulher como instigadora do desejo.


Uma faceta intrigante da psicologia feminina é sua capacidade de incitar o desejo nos outros, de fazer com que talentosamente anseiem por ela. Buscam ativamente fazer as pessoas falarem, criando assim desejos. “A mulher, também quer fazer as pessoas falarem, o que é fazer com que elas desejem” (Soler, 2007). Essa capacidade de provocar o desejo nos outros é um elemento importante na sua dinâmica, lugar que de forma alguma pode ser generalizado ou reduzido a estereótipos, sua singularidade precisa ser enxergada particularmente. Estão sempre mais sintonizadas com o aspecto singularizante do gozo, de maneira muito diferente dos homens. Frequentemente têm fantasias duradouras, intermináveis e fixas, que não se encaixam nas normas tradicionais de gênero, lidam de forma incrível coma a ideia do “Real” de maneira única e habilidosa.


Homem ou mulher enfrentam à rejeição do feminino.


Seja para eu me afirmar homem ou mulher, haverá sempre uma questão a ser solucionada, a de saber como resistir, enfrentar, contrapor à rejeição do feminino. Cada um que se assina como tal, quer se chame homem ou mulher, tem de lidar com esta recusa. Mulheres resistem muito mais, podem defender bravamente essa posição de refutação e objeção. A história evidência que carregar o corpo de uma mulher é em si um perigo, uma constante ameaça, porque torna o vazio e o gozo espalhado e presente em todo o corpo. As mulheres existem uma a uma, individualmente, sem ter nada em comum, elas simplesmente coexistem não só com os homens, mas também no convívio com outras. Opostamente, homens se definem numa unicidade por sua condição sexual referida ao falo, de onde podemos extrair e encontrar uma frase popular após uma desilusão amorosa: “Os homens são todos iguais, é só isso que querem”. Deduzimos, portanto, que o amor em si, não resolve o contraditório dos prazeres, me parece que o prazer feminino está na exclusão, num sentimento de estar mais num consenso com a provável solidão. Aquela coisa da má companhia, aonde entra outro velho ditado que pode ser aplicado; “antes só do que mal acompanhada” confirma ser muito verdadeiro.


Afinal? Como se sustenta o narcisismo feminino?


No homem há uma conciliação entre o gozo e a satisfação narcísica, por outro lado, o gozo feminino ultrapassa, extrapola a mulher, que não a identifica. Apesar dos orgasmos, ela perseverará, desacreditando se é realmente uma verdadeira mulher. Será compulsoriamente sujeita a se discernir pelo amor de um homem, e o que ela espera dele é que a torne seu desejo, que a admita como tal, a reconheça como sua causa, concupiscência e assanhamento, pois o narcisismo feminino é puramente o lugar do desejo. Logo, eu poderia continuar discursando, é um tema inesgotável, aonde deixei para trás pontos tecnicamente imperdoáveis da teoria psicanalítica, más não e esse meu propósito, eu equaciono, corto, pulo, misturo e tento resumir. Para encerrar, Freud estava trabalhando no tema da compaixão, o humor como sucessor da dor, onde ele cita: “A piada e sua relação com o inconsciente”, neste ponto, ele relaciona Twain com um texto: “O Diário de Adão e Eva” capítulo: “Depois da queda”, onde Eva fala assim… e me parece um texto muito assertivo quanto tudo o dito, pertinente.


''Quando olho para o passado, o jardim me parece um sonho. Era lindo, encantadoramente lindo, mas agora está perdido e não o verei mais. Ele me ama mais do que pode, eu o amo com toda a força da minha natureza apaixonada, e penso, que isso é próprio da minha idade e do meu sexo; se me perguntarem porque o amo, descubro que não sei, e não me interessa saber; por isso, suponho que este tipo de amor não é o produto do raciocínio e da estatística. Acho que deve ser assim. Amo certos pássaros pelo seu canto, mas não amo o Adão pelo seu canto, no entanto, lhe peço que cante, porque quero aprender a gostar de tudo o que lhe interessa; não é pela sua inteligência que o amo, não, não é por isso. Não é pela sua inteligência tal como ela é, porque não foi ele que a criou. Não é pela sua graciosidade e consideração, e pela sua delicadeza que o amo. Não, não é isso. Acho que é algo que ele traz consigo, e não sei porque é que ele quer esconder isso de mim. Não é pelo seu cavalheirismo que o amo. Não, não é isso. Então, por que é que o amo? Simplesmente porque é um homem, acho eu. É forte e bonito, o amo por isso, o admiro e me orgulho dele, mas poderia amá-lo sem essas qualidades. Sim, acho que o amo simplesmente porque é meu, e é um homem. É algo que acontece e não tem explicação. Sou Eva, sou apenas uma mulher e sou a primeira que se debruça sobre esta questão''.


Se por todos os motivos elencados, em algum momento da sua vida ler, assistir o ouvir alguém dizendo… “A Mulher não existe”, agradeça, pois ao ''não existir a mulher'' ela terá a inigualável oportunidade de se ''fazer existência'', ao seu modo, na sua forma, no seu desejo.


Ao poema de Gilka Machado — Ser mulher.


Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada

para os gozos da vida: a liberdade e o amor;

tentar da glória a etérea e altívola escalada,

na eterna aspiração de um sonho superior…


Ser mulher, desejar outra alma pura e alada

para poder, com ela, o infinito transpor;

sentir a vida triste, insípida, isolada,

buscar um companheiro e encontrar um senhor…


Ser mulher, calcular todo o infinito curto

para a larga expansão do desejado surto,

no ascenso espiritual aos perfeitos ideais…


Ser mulher, e, oh! atroz, tantálica tristeza!

ficar na vida qual uma águia inerte, presa

nos pesados grilhões dos preceitos sociais!


Até breve, Dan Mena. Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 - CNP 1199 Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 - CBP 2022130

 
 
 

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