Frustração e Conflito.
- Dan Mena Psicanálise
- 4 de abr. de 2023
- 8 min de leitura
Atualizado: 22 de set. de 2024
A frustração é a mãe do desejo, e o desejo, é a energia que nos move e sustenta. De um ponto de vista psicológico, é uma resposta emocional que experimentamos quando temos uma excitação, uma necessidade, um impulso... e não conseguimos satisfazê-lo...

Por que vivemos tão mal?
O que é a frustração e como funciona?
A frustração é a mãe do desejo, e o desejo, é a energia que nos move e sustenta. De um ponto de vista psicológico, é uma resposta emocional que experimentamos quando temos uma excitação, uma necessidade, um impulso... e não conseguimos satisfazê-lo, então, sentimos raiva e desilusão, um estado de certo vazio, onde quanto maior for a barreira ao propósito, maior será o naufrágio resultante. Uma força motriz para o desenvolvimento psíquico, é o desejo de recuperar a experiência da singularidade primordial e omnipotente através do Ideal do Eu. A ideia é, que este caminho seja encurtado, e o seu consequente sofrimento atenuado. Nesse contexto, a maturação e a evolução trazem como consequência a dor do crescimento. Este, não será alcançado pela negação da separação ou a busca de um ideal erótico, estético ou religioso, com o seu consequente autossacrifício.
A frustração necessária ao desenvolvimento psicológico das crianças.
O que está em jogo, a um nível profundo nas crianças, é que frustrá-las as ajuda a se separar dos pais e lança um impulso para a construção de um desejo que se pode expandir para um futuro próprio. Estabelecer limites ao seu desejo, tal como os adultos se impõem a si próprios ou como lhes são impostos por outros, e o caminho para que o indivíduo em progressão encontre a sua trilha de desenvolvimento, tal como o fizeram nossos pais. A criança terá de deixar a sua mãe e o seu pai para encontrar o seu próprio desejo, porque na sua família de origem estão condenados(as) a serem frustrados(as). Se a criança é tudo para os pais, tem tudo, recebe tudo, é mesmo assim, pede mais, é contínua a ser atendido(a)... viverá ameaçada(o) por impulsos mortais, que têm a ver com uma involução, um retrocesso de retorno ao ventre materno, tornando-se dependente, em vez de ser impelida(o) para o futuro libertador da sua necessária autonomia.
Embora às emoções nos ajudem a compreender e a reagir ao nosso ambiente, não significa que todos saibamos como interpretá-las corretamente. Algumas pessoas podem aprender e refletir sobre experiências negativas, tirando conclusões positivas e superando-as, enquanto outras, simplesmente se deixam afundar nelas. É curioso que a palavra que acompanha a frustração seja a tolerância, pois implica que não é nada que possamos aceitar de bom agrado, e que talvez requeira alguma formação. Tolerar, é a capacidade de resistir e aceitar um lugar que envolve algum desagrado, dor ou impacto no nosso corpo. No seu livro “O Mal-estar na Civilização” Freud ensina, que se o homem se esforça incansavelmente pela sua perfeição perdida, nunca poderá verdadeiramente alcançá-la. Parece que esta busca é a base das nossas realizações mais sublimes, mas também dos erros mais nefastos que possa vivenciar o espírito humano. Quando o desenvolvimento habitual do nosso comportamento motivado é bloqueado por um obstáculo de qualquer tipo, tentamos adaptá-lo à situação, e procuramos alcançar o objetivo por outra via. O termo frustração, designa este tipo de situação, em que um contratempo ou acontecimento frustrante modifica o comportamento individual. O malogro e os reveses, podem ter consequências muito diferentes, dependendo de muitos fatores: a natureza do objeto frustrante, e a força da motivação, estão conectados a personalidade do sujeito que a experimenta, é como ele(a) lida com suas resoluções.
Lutereau diz: "A resposta mais comum à frustração é agir, ou seja, sair para fazer algo rapidamente, em busca de satisfação para compensarmos a perda". São estas características visíveis da sociedade atual contemporânea, onde a questão da contrariedade torna muito difícil para os indivíduos tolerarem a tribulação, produzindo grandes doses de atuação e agressividade. Vivemos numa época em que o imediatismo e o excesso de objetos bloqueiam nossa capacidade de desejar, para além de uma posição de consumo. A resposta que criamos a esta dinâmica são os diferentes vícios: adições ao celular, ao trabalho excessivo, a múltiplos parceiros sexuais, à alimentação desenfreada, consumo de drogas, calmantes e uso descontrolado de psicotrópicos, aos jogos de vídeo, apostas compulsivas, etc. Os diferentes objetos enunciados, trabalham como pilulas de conforto, que tentam bloquear superficialmente a possibilidade do encontro com o vazio interior, com a perda, e tentam acalmar a angústia, a raiva e o mal-estar que a frustração diária produz. Para Freud, a insatisfação aparece como uma variação das satisfações parciais em torno de uma proibição que é simbólica, (a própria insígnia da castração), e se acha regulamentada nas leis da cultura impeditivas do acesso à satisfação irrestrita.
É possível dividir os acontecimentos frustrantes em dois setores principais:
— A frustração primária. Neste caso, o acontecimento frustrante é constituído pela ausência do objeto necessário fundamental para a satisfação do comportamento, tal é o caso da ausência de alimentos para alguém com fome.
— Frustração secundária. Aqui encontramos um obstáculo que aparece no caminho para a satisfação da motivação. Este bloqueio pode ser interno ou externo ao indivíduo; pode ser passivo, atuando pela sua mera presença, ou ativo, sendo um componente dinâmico que opera na direção oposta ao impulso, e pode ter vários desdobramentos:
A frustração tende a provocar uma agressão direta contra a fonte desse desgosto;
O ato agressivo pode ser inibido. A inibição varia na proporção direta da punição esperada, caso o sujeito realize o ato;
O objeto de agressão pode ser deslocado. Quanto mais forte for a inibição da agressão direta, mais intensa é a tendência para o deslocamento. Isto é constantemente observado na vida quotidiana: é o caso de um sujeito que é repreendido, é por sua vez, repreende aqueles que estão sob sua guarda ou proteção;
A forma de agressão é mediada culturalmente, em geral, a agressão direta é inibida e assume formas indiretas e sutis. Este é o caso da ironia, que por vezes se esconde numa agressão modificada;
Há também o recurso da automutilação, que aparece quando a agressão é mais fortemente inibida do que a própria agressão;
Cada ato de hostilidade constitui, até certo ponto, uma catarse que reduz o incitamento a novas agressões;
A psicanálise aprofundou o estudo das formas pelas quais os seres humanos tentamos resolver os conflitos e como tentamos nos defender do desconforto causado pela sua motivação;
Eis que surge, em detrimento desta, a teoria dos mecanismos de defesa.
Mecanismos de defesa.
Eles foram elaborados por Anna Freud, com base na estrutura da mente proposta pelo seu pai: Freud, ou seja, a mente dividida em três partes: o ego, o superego e o id. O Ego encontra-se numa posição de compromisso entre as exigências do impulso do Ego, os imperativos do Superego e as exigências da realidade. A sua posição não é uma posição fácil. É por isso que o Ego é frequentemente presa de angústia. A procura de equilíbrio não é fácil, tem de criar mecanismos de defesa para evitar impulsos excessivos. É aqui que encontramos a causa de muitos conflitos psicopatológicos. Os mecanismos de defesa são estratégias utilizadas pelo Ego para se manter equilibrado. Podemos também defini-los como recursos da mente destinados a resolver situações de ansiedade que geralmente atuam deformando a percepção, a memória, a motivação e o pensamento. São meios para combater a frustração, é, portanto, uma privação que implica renúncia, e esta desistência deve ser tolerada pelo sujeito, caso contrário pode produzir efeitos ou ações diferentes:
Os principais mecanismos defensivos que utilizamos são:
1. — Repressão: Este é um dos mais importantes, consiste em colocar uma barreira intransponível a sentimentos inconfessáveis, onde o Superego atua se sobrepondo ao Ego. Um tipo de repressão que consiste em esquecer uma situação emocionalmente forte, neste caso o esquecimento responde a motivações subjetivas; (esquecemos inconscientemente o que não nos convém recordar).
2. — Racionalização: Mecanismo normalmente utilizado na juventude e na vida adulta. O Ego tenta explicar ao Super-ego com argumentos racionais, o quê é uma desculpa para o Super-ego não ouvir às forças motrizes.
3. — Negação da realidade. Consiste em negar um fato como consequência da incapacidade do Ego poder assumir sua resolução.
4. — Fantasia: Outra forma de negar a realidade, fazendo que a imaginação trabalhe, para o que não se pode realizar. Um bom exemplo desta tendência são as mentiras que praticamos.
5. — Projeção: Consiste em refletir e espelhar os meus sentimentos, que pela sua natureza são insuportáveis para o Eu. A projeção ocorre frequentemente em situações sociais afetivas, um bom exemplo, podem ser os ciúmes.
6. — Retorno: Ato de regressão, voltar à origem. Psicologicamente significa recondução a uma fase anterior da vida, onde o meu Ego estava mais protegido, geralmente este subterfúgio trata de um fenômeno, na busca de um lugar típico da infância.
7. — Sublimação: Significa transformar algo impuro em puro, trata-se de transformar o instintivo, o impuro, em algo diferente, que pode ser uma expressão artística, algo moralmente valioso.
8. — Compensação: Tentativa de compensar o fracasso de uma atividade ou afeto importante, tentando substituí-la com o triunfo subjetivo de outra.
9. — Supercompensação: Tentativa de dar uma contrapartida, gerar contrapeso. Naquilo em que, segundo os outros, fracassarei.
10.— Reação: Quando aspectos pessoais entram em conflito com o Super-ego, sendo rejeitados como inadmissíveis, pode ocorrer um reflexo, uma resposta, que consiste no desenvolvimento de um comportamento externo contrário ao impulso ou sentimento de rejeição.
11— Deslocamento: Como um dos mecanismos defensivos mais utilizados e, como seu nome indica, consiste em deslocar, mover algo de um lugar para outro. Neste caso, um sentimento de afeto, é transferido de um lugar original para um substituto, que pode imaginariamente ser capaz de o acolher e receber para minimizar minha dor.
Como vimos, possuímos grande criatividade em gerar mecanismos de defesa, que representam a necessidade imperiosa de justificar a si próprios, mediante um arsenal de mentiras, a fim de preservar nossa harmonia psíquica. Objetivamente, qualquer um de nós, que experimente frustração como sistema, deve levar tempo se repensando, investindo em se conhecer mais profundamente. Isto é necessário para alcançar uma aceitação pessoal, mas não me refiro a uma anuência racional, senão uma emocional, que implica e contempla estar consciente dos fatos e realidades do passado, partes de mim que não conheço, ou que simplesmente não aceito que me componham.
Acho extremamente importante que aprendamos a ser frustrados, é a lidar com isso verdadeiramente, porque só a partir dessa posição podemos ter um encontro consigo, podendo libertar-nos dos laços, dos múltiplos manequins que nos tomam como marionetes, dando alcance para acalmar a ansiedade e frustrações diárias, que normalmente nos desviam do desejo. Muitas das situações que enfrentamos têm uma recompensa tardia, pela qual vale a pena persistir e perguntar a si próprio:
O que estou realizando; está me aproximando dos meus objetivos ou me afastam deles?
Este questionamento pode servir para reforçar nossa capacidade de tolerância à frustração, uma vez que ajuda a identificar se estamos numa trilha positiva, caminhando no sentido da realização. Embora os desapontamentos, decepções e desencantos, sejam sentidos como dolorosos, são um estado emocional normal e provisório, razão pela qual, devemos reconhecer quando às coisas não estão correndo como desejado, e assim, atingir um estado de aceitação e resolução. A psicanálise nos mostra que é só mediante vivências que trazem algum tipo de frustração podemos formar um aparelho mental mais fortalecido, saber lidar com o sofrimento, faz com que as experiências de prazer e felicidade sejam intensas, apesar do “desprazer” e das frustrações da vida.
Como lidar com a frustração?
Desenvolva sua inteligência emocional;
Seja resiliente;
Analise a situação na totalidade;
Alinhe suas expectativas;
Foque em suas vitórias;
Conte com uma ajuda profissional para lidar com suas frustrações.
Un poemita...
Frustração - Miguel Torga
Foi bonito
O meu sonho de amor
Floriram em redor
Todos os campos em pousio.
Um sol de Abril brilhou em pleno estio,
Lavado e promissor.
Só que não houve frutos
Dessa primavera.
A vida disse que era
Tarde demais.
E que as paixões tardias
São ironias
Dos deuses desleais.
Até a próxima!
Por Dan Mena. Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 - CNP 1199 Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 - CBP 2022130
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