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Páscoa e Quaresma.

Atualizado: 22 de set. de 2024



Depois de 3 anos longe do Carnaval, chega a Quaresma, o jejum, a continuação. Acontece, então, o período da Quaresma que corresponde à preparação para a Páscoa.

Seria muito interessante poder contar às origens históricas e arqueológicas comprovadas e documentadas da Páscoa, sua semelhança paralela com outros eventos litúrgicos do atual calendário ocidental, do qual vou me abster de incluir em razão da minha fé. Gostaria apenas de resumir, que dita celebração encontra seus primeiros registros arqueológicos na primeira civilização humana, os Sumérios, quando na Suméria, terras que mais tarde seriam a Babilônia, por volta do ano 10.000 a.C. Na época, era anunciada como um evento astronômico, celebrando a Morte do Sol e a chegada do inverno. A Páscoa para os Sumérios era quando o Sol morria no horizonte, descendo depois para o Hemisfério sul até ao Trópico de Capricórnio, que era engolido pela constelação de Escorpião ou do Diabo. O Sol da Vida é morto pelo Diabo, a Serpente Velha ou Escorpião, e viaja através dos Infernos, lugares mais baixos, durante seis meses de frio, escassez e escuridão. Para uma sociedade agrícola como era, a Páscoa representava a morte ou o fim do ciclo anual. Após a Páscoa ou Morte, vem a celebração da Ressurreição do Sol, que nessa altura, no mês de abril, é quando o Sol regressa ao Trópico de Câncer no Hemisfério norte, sob o signo de Áries ou do chamado Cordeiro Pascal. Assim, o Sol morreu, depois ressuscita, traz nova vida e com ele a alegria, abundância e felicidade, juntamente com a Renovação da Natureza e a Ressurreição da Vida. Milhares de anos mais tarde, no Antigo Egito, esta tradição entra na cultura egípcia, representada pela morte do Sol Osíris, pelo seu irmão Seth Typhoon, a Serpente Antiga. Osíris será torturado no Inferno, procurado por uma noite de seis meses pela Virgem Ísis, a Lua, que retorna já ressuscitado, sob a forma do seu filho Horus, o novo Invictus do Sol. Agora, vamos pular alguns miles de anos, nos transportando para o ponto cronologico das raízes hebraicas.


Depois de 3 anos longe do Carnaval, chega a Quaresma, o jejum, a continuação. Acontece, então, o período da Quaresma que corresponde à preparação para a Páscoa. Faço aqui uma pausa para avaliar algo muito interessante: como a cultura nos manipula, nos jogando antagonicamente para situações tão opostas: (Carnaval) (Quaresma). Vamos ao assunto. Durante os quarenta dias que precedem a Semana Santa, cristãos recordamos os dias que Jesus Cristo passou no deserto. É um tempo voltado para reflexões e serviços religiosos, tais como orações, caridade e abstinência. A Páscoa é a festa mais importante do calendário cristão, ao comemorar o episódio central da sua crença religiosa, a paixão, morte e ressurreição de Jesus. Tem ligações claras e importantes com a tradição judaica e o Antigo Testamento. Como muitos outros costumes, suas raízes estão no hebraico, especificamente na celebração de ''Pessach'', comemoração da partida do povo judeu do Egito, onde viveram 400 anos de escravidão, assim libertos, partem em direção à ''Terra Prometida''. Nesta festa, os judeus recordam às pragas com que Deus castigou o povo egípcio, e em particular do ''Salto'' que o anjo da morte deu sobre as casas hebraicas, quando foi em busca dos primogênitos. Este chamado ''Salto'', em hebraico ''Pessach'', é uma palavra que em latim é ''Pascha'', então, o termo ''Pascuum'', devido à sua semelhança com o termo latino, se refere a um lugar, uma abundante pradaria, onde o rebanho é libre da fome. Esta transformação da palavra, deve-se ao triunfo do cristianismo nos tempos do Império Romano, onde Jesus Cristo, na sua ressurreição, mudou o significado do ''Pessach''  judeu, fazendo Jesus ser o “Saltar”, passando ele próprio a significar o ato da morte em direção à vida eterna. Em ambos os casos, é uma metáfora para a salvação e proteção associada ao divino. Esta data cristã, começou a ser celebrada em concordância com a data hebraica, sendo festejada desta forma durante vários séculos, até ao Concílio de Niceia, em 325 d.C., quando foram separados. A mudança, deve-se ao fato de o calendário hebraico ser regido pela lua, enquanto o cristão ocidental pelo sol.


A Semana Santa começa com uma grande celebração, e termina com outra, o que para mim não faz muito sentido, uma vez que está associada à cruz, ao sofrimento, e não a uma festa em sim, pelo que devemos compreender melhor seu verdadeiro significado. O poder da salvação não está na cruz do sofrimento, mas no amor com que Jesus a tomou e carregou sobre si. Na liturgia da tradição, a paixão, morte e ressurreição de Jesus é lembrada. Recordá-lo, é descobrir como a sua morte desafia a realidade contemporânea que construímos, onde tantos são privados de direitos fundamentais, como a alimentação, moradia digna, discriminação, guerra, etc., acima de tudo, o sofrimento e desigualdade imposta aos menos favorecidos. A Semana Santa não termina com a sexta-feira, pois isso seria esquecer a sua autentica mensagem. Deus ressuscitou no Jesus crucificado, ele vive para sempre em Deus, assim vivo, próximo de todas às coisas que se veem, em cada ser humano, em todo o universo.


Nestes tempos, a vida torna-se por vezes uma linha sem sentido. Acordamos sem saber o que perseguimos e desejamos, nem para onde vamos, e se realmente temos um destino ou propósito. Não questionamos nossa existência, vivemos no automático, pelo que não atingimos uma escala de valores que nos ajudem a orientar nossa bússola existencial. A Quaresma é um tempo de reflexão, que nos chama de volta a Deus, a prática da fraternidade, convocados a repensar nossa humanidade, uma forma de nos aproximarmos do nosso propósito divino. Tal como não podemos negar, que somos seres sociais, muito menos que existe em nós, uma alma. Por conseguinte, nossas dimensões espirituais e psicológicas estão muito mais atreladas e próximas do que gostaríamos e aceitamos.


Para a Psicanálise, a existência de Deus, seja como uma ideia ou como uma realidade espiritual, é estabelecida a partir da formação da personalidade, garantida pela socialização primária. Segundo Freud, a imagem do pai é transformada em vida psíquica como Deus Pai Eterno, invencível até à morte. A teoria freudiana da religião é transposta com a necessidade implícita infantil de acreditar em Deus, o Pai Eterno Imortal. A crença na divindade, faz parte da construção humana, como tal, colocada como uma etapa necessária de significado positivo do desenvolvimento. O processo científico que Freud iniciou, quando admitiu, que essas questões exigiam um exame mais aprofundado: na melhor das hipóteses, a proposta da existência de Deus (segundo seu ateismo), é uma aspiração à felicidade, ao desejo e à busca do prazer. Os limites da mente, sendo dano ou benefício a ideia de Deus na vida psíquica, tornam-se abertos para o debate. Além disso, este fator é significativo e mutável de indivíduo para indivíduo, de sociedade para sociedade. Tudo isto sugere, que Freud estava certo nisso quando afirmou que: os limites reais do inconsciente, portanto, da vida psíquica espiritual, não podem ser estabelecidos por serem particulares a cada ser.


A formação do Deus paterno, obedece à garantia socialmente admissível da interação pela socialização primária do núcleo familiar; o Deus paterno traz uma carga sublimada que o inconsciente consegue expressar e identificar como prazer e gratificação. Consequentemente, a eliminação da ideia de Deus, de assassinar Deus, seria como contribuir para barrer elementos de vida psíquica satisfatória aos membros da sociedade. A negação radical de qualquer ideia ou crença em Deus, como de qualquer manifestação de fé popular, é a fonte de muitos erros e suas consequências. Isto significaria, desrespeitar o processo de formação da personalidade psíquica ao lado da família; denota, eliminar pais e mães, cuidadores, desconsiderando às relações da formação da personalidade humana. Isto leva à mesma conclusão que Freud estabelecera a partir do ''caso religioso'': o ser humano é indiscutivelmente um ser finito, precário e impotente. A interpretação freudiana do fato religioso, tem sido um dos confrontos propostos no século XX. Depois de Freud, já não é possível considerar a experiência religiosa, para além da suspeita de condicionamento inconsciente nos seus modos de expressão. Para além das diferenciações sobre o natural ou o sobrenatural, de uma suposta diferença entre uma fé saudável ou neurótica. Confessar Deus como Pai é proclamar a salvação que nos chega por Jesus, aderir a qualquer dogma ou participar em qualquer tipo de ritual religioso, ou sua prática, que constituem expressões de fé, como resposta a registos particulares. Não é possível, portanto, encerrar o problema que a psicanálise coloca sob à fé. Suas interrogações continuarão indefinidamente, cada vez que um sujeito enunciar sua creença espiritual.


Confessar Deus como Pai, significa: reconhecê-lo com um modo de paternidade, cujos parâmetros só encontramos nas relações paternais de Jesus com Deus. Sendo a sua relação com o Pai única e exclusiva, toda a criação sujeita a ele, santa, inocente e imaculada, ele foi, no entanto, testado em tudo, como somos, ofereceu orações e súplicas, gritos e lágrimas, dirigidas àquele que o podia salvar da morte. E foi ouvido por Deus, mas depois dessa angústia, o Calvário, que figura como a suprema vitória sobre aquela tentação permanente que a todos nos assola. Essa relação com Deus está estabelecida, não ao nível da identificação imaginária, mas ao grau da própria identificação simbólica. A sua filiação a Deus não libertou Jesus da sua responsabilidade, (mesmo sendo ele utopicamente o próprio Deus) nem da dúvida, tentação, solidão, angústia, frustração e o sentimento de abandono na cruz. Só a partir daí, podemos compreender que apelar à paternidade de Deus, não nos isenta de assumir a nossa fragilidade e finitude, que de forma alguma esta ligação pode tornar-se um esquema ardiloso para escapar a ela por uma identificação disfarçada com o divino. Claramente, nos referirmos a um Deus Pai, que desfaz a representação do Pai imaginário, todo-poderoso que criamos na nossa infância. Mais, não encontramos no Jesus crucificado alguém onipotente que se impõe a humanidade, é sim um Deus que se expõe às fraquezas humanas, que vence pela sua graça e concessão misericordiosa, com sua principal ferramenta criativa, o amor.


Vamos ao poema:


Não tenho nada que me prove a existência de Deus,

Mas mesmo assim ele continua sendo

O absoluto dos meus dias.

Nunca choveu maná no quintal de minha casa

E a imagem que tenho da Virgem Maria

Nunca derramou uma lágrima.


O que tenho aqui é esta mão machucada,

Este dedo sangrando,

Este nó na garganta,

Este humano desconsolo,

Esta dor,

Esta cor,

E este olhar desconcertante de Deus,

Deixando-me sem jeito,

Ao dizer que me ama.


Padre Fábio de Melo


Por Dan Mena Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 - CNP 1199 Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 - CBP 2022130

 
 
 

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