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Ética e Moral.

Atualizado: 22 de set. de 2024



“O desamparo inicial dos seres humanos é a fonte primordial de todos os motivos morais”. Freud. - Por Dan Mena.

A etimologia das palavras legadas do grego (êthos), e romana, (moris), chegam na sua tradução para a cultura contemporânea como Ética e Moral, ambos, são conceitos amplamente ligados ao desenvolvimento humano e social. Inicialmente, podem ser definidos como um conjunto de comportamentos, princípios e valores que orientam nossa conduta na sociedade atual. No entanto, observamos que tanto um quanto o outro, são heterogêneos, criando entre si embaraços. A abordagem psicanalítica oferece uma visão interessante para o tema, dando lugar ao debate e exploração das origens e raízes de cada, visto seus amplos conflitos de interpretação e interação. Conforme a teoria psicanalítica, fundamentos e princípios de ética e moral aparecem diretamente conectados a questões inconscientes que fazem parte da vida psíquica. O inconsciente, é o receptáculo das experiências vividas, das emoções instintivas que regem nossas ações e desejos. Freud percebe que as descobertas da psicanálise tinham implicações em ditos contextos, tanto que no seu livro, ''A Interpretação dos Sonhos'', aponta quanto aos conteúdos inconscientes e a forma específica pela qual se expressam. Logo ele se interpela ao respeito;


O que pode pensar um indivíduo de si, ao constatar e descobrir sobre seus desejos proibidos que são muitas vezes criminosos?, dos quais até então, não tinha conhecimento por estarem reprimidos, recalcados e gerando sintomas.


Portanto, diante do exposto. Deveríamos então sentir-nos culpados pela nossa constituição humana? Um tema para lá de interessante, que rege nossa existência, é o assunto da semana, boa leitura.


Assim prosseguindo nessa linha, ele argumenta ao debate, aludindo a Platão; “o homem virtuoso se contenta em sonhar o que o homem perverso executa”. Entendo aqui; neste dizer de Platão, que ele previa uma certa segmentação estrutural do psiquismo humano, amparados entre o consciente e o inconsciente, recorrendo ao princípio da realidade, é, que o homem de fato age, executa, na forma de atos reais e concretos. O que significa; se fizermos leitura, que no seu entendimento seríamos julgados pelos atos, e não pelos nossos pensamentos, imaginação e fantasias, que podem ser arbitrados como desejos inconscientes. Dita inquietação com a ética e a moral, renasce na sua proposta para uma ''Psicologia Científica em (1895), onde ele atribui a questão ao desamparo inicial do ser humano, onde surgem os primórdios dos motivos éticos. Com isso, deixa claro que a moralidade não é uma essência puramente inerente ao homem, e sim uma elaboração, construída em detrimento da sua condição de vinculadamente forçado e submisso ao ''Outro'', primariamente, ao materno. Assim se funda a diferenciação e discernimento entre o Bem e o Mal, que será mediada pela inevitável condição desse desabrigo elementar, e pela simples incapacidade humana de não poder renunciar ao acolhimento imprescindível, cuidados e proteção de um ''Outro'', diga-se de passagem, fundamental a nossa sobrevivência quanto bebês. Como consequência desse arcabouço inevitável, o Ego, o passa a conceituar como Mal, que como tal, deve ser evitado, eliminando qualquer coisa no seu caminho que o possa colocar em risco de vida, caso perca o amor deste ''Outro'', absolutamente ''significante''. Fica muito claro então, que dito'' Mal'', é todo ato contrário a obediência das determinações do ''Outro'' que nos protege, que como autoridade elementar no princípio da nossa existência será nossa mãe.


“O desamparo inicial dos seres humanos é a fonte primordial de todos os motivos morais”. Freud.


Freud descreveu a moral como uma forma de superego repressivo, que controla o comportamento humano mediante uma série de prescrições moralizadoras, estas, impostas pela cultura e pela sociedade civil. Essas regras, vêm de influências externas que são internalizadas pelo indivíduo desde muito cedo, que serão adotadas como parte do ''Eu ideal''. No entanto, a ética, será definida como um conjunto de princípios internos que orientam o comportamento de maneira individualizada e particular a cada sujeito. Esse conceito de ética, que se origina do Ego, será portanto o mediador responsável por harmonizar os desejos do id, (O id se refere à parte da psique humana dedicada aos impulsos e instintos), que com suas reivindicações e demandas do superego, (superego é o aspecto moral da personalidade do indivíduo ligado a cultura). Assim, o Ego, irá na direção de um compromisso, criando um elo, entre os nossos impulsos instintivos e as pressões sociais e culturais para funcionar de forma ética. Destarte, a ética, construirá uma relação mais peculiar com o indivíduo, a moral permanecerá conectada às premissas e prescrições externas da sociedade. Neste ponto, podemos fazer uma primeira leitura da caracterização de ambas, onde percebemos que a ética pode ser elaborada de maneira mais elástica, flexível e particular ao ser, enquanto a moral, estará ancorada em termos concretos, fixos e governados por resoluções coletivas impostas.


“Nosso caráter é o resultado da nossa conduta”. Aristóteles.


A psicanálise, mostra que a moral pode ser usada como uma forma de repressão disfarçada, que vai sendo moldada, instaurada, digerida e estabelecida pela sociedade, para evitar a expressão natural dos desejos. Essas prescrições, vão inevitavelmente limitar a expressão dos impulsos mais primitivos, como por exemplo; os desejos sexuais agressivos. A ética, pela via psicanalítica permite desenvolver um sistema interno de valores e ideais, que se opõem e reestruturam em ditas crenças restritivas elaboradas pela cultura, visto, que muitas cerceiam e ignoram o direito do sujeito viver sua felicidade ao seu modo. Ao olharmos além das limitações compulsórias das normas sociais, e ao se concentrar nas próprias necessidades, um indivíduo pode viver de acordo com sua própria vontade e realizar seus anseios. A psicanálise também aponta, que a ética necessariamente envolve a aceitação das vulnerabilidades e entendimento das fronteiras e limitações que nos habitam. A ética é muitas vezes vista como um processo contínuo de autoconhecimento e desenvolvimento psicológico, em que o indivíduo deve aprender a reconhecer suas fraquezas e fortalecer sua capacidade de enfrentamento aos seus impulsos instintivos naturais. Utilizamos, uma abordagem que incentiva indivíduos a olhar para o seu mundo interno, para entender e compreender tensões e conflitos que podem estar em direta colisão com os princípios éticos que desejam modelar. Ao examinar esses antagonismos, outras abordagens para a ética podem aparecer, como, por exemplo, a da responsabilidade, em que a pessoa decide agir com base em seu próprio julgamento. É importante entender, que a ética e a moral são também processos em constante movimento, que devem estar sob observação, em permanente avaliação e questionamento. A psicanálise nunca permitirá a fixação de valores engessados, garantindo assim que a ética se atualize, renove e seja reeleita. Através desse processo de autoconhecimento e descoberta, pode emergir um sistema ético pessoal harmônico, que permita ao indivíduo viver de acordo com seus princípios. A ética proposta pela psicanálise, na figura do analista, é aquela que permite ao ser... “ser feliz” ou, pelo menos, que o impele a procurar o bem-estar emocional. Nesta relação, é possível encontrar uma lógica entre o sintoma do paciente e sua ética, bem construída como uma forte aliança entre ambos. Freud não criticou os fundamentos da ética, nem prescreveu deveres, proibições, aspirações ou respostas alternativas aos problemas tradicionais, senão, forneceu uma nova maneira de formular ditos problemas consensuais entre a ética e a moral.


A consciência moral é aquilo conhecido com a máxima certeza, a identidade dessa consciência consiste em que distingamos os objetivos como realidades interiores ou exteriores, sensíveis a essa natureza.


O que é a ética e a moral?


A moral trata das ideologias formadas pelas crenças, são base indeclinável de nossas verdades, e, finalmente, a ética trata da identidade das pessoas que se encarnam nos valores mais caros que carregamos, chamados de princípios.


O que diz Lacan sobre a ética?


Desde sempre sabemos que a ética é uma ciência do caráter, impressa na dinâmica dos hábitos, uma formação, e, finalmente uma educação. O que proporciona, uma estrutura dessa integridade.


“A moral e a ética são duas invenções humanas que dependem muito do espaço geográfico que você ocupa”. Branco.


É bem verdade que podemos trazer a definição do dicionário, que faz com que a ética englobe a moral, mas, ao tentar diferenciar os dois termos os pesquisadores foram levados a distinguir objetos diferentes para cada doutrina. Por um lado, a ética se ocupa especialmente das obrigações; por outro, a moral do bem e do seu consequente necessário, o mal. Por outro angulo, à ética é atribuída como uma vocação normativa, enquanto à moral possui uma tarefa mais valorativa, que exige a existência de um determinado peso e julgamento. Esta razão é de natureza filosófica, enquanto a moral é pensada como uma ciência, a ética se estrutura sob uma função mais compenetrada e reflexiva, baseada em princípios, enquanto a moral se foca em avaliar as ações concretas, principalmente do presente, deste momento, agora. A moral se localiza no social, na coisa pública, âmbito da ação e constituição do fazer. Já o lugar da ética não é perfeitamente localizado, se mescla a esfera íntima, se interpõe ao debate consigo próprio, onde estariam ponderações como; nossas relações interpessoais, como ser justo na relação com o ''Outro'', inclusive, consigo mesmo. Diante do exposto, deduzimos; que a moral dita normas, legisla, dirige, institui, impõe e estabelece rotas para serem atendidas, cumpridas e realizadas pelos indivíduos, tais que somos imperfeitos e erráticos, nivelando tudo em nome de uma possivel convivência civilizatória. A moral está contextualizada por um espírito de combate, que estabelece uma convivência de luta tensa e complicada, uma relação de discordância, que exige do homem um esforço, um contragosto, ideal, resignação, controle e permanente aperfeiçoamento adaptativo. A moralidade, é naturalmente contrária à nossa natureza, uma imposição dura, que convoca ao sacrifício, submissão e obediência, que assistida pela via educacional deve obrigatoriamente ser dobrada, enquadrada até se tornar um hábito.


Por outro lado, a ética, por oposição à moral, não possui nem postula um código que regule os comportamentos e as ações. Se diferencia por não funcionar fundamentada em que cedamos a poderes externos. Por conseguinte, anula completamente qualquer recurso submetido a nós de uma fonte externa, da qual seríamos dependentes e precisaríamos recorrer para tomar decisões. A ética, portanto, não luta para que o indivíduo se esforce em vencer suas tendências ou se conformar com regras estabelecidas. Isso significa sim, que o indivíduo estabelece uma relação consigo próprio, na qual se assume, se responsabiliza por si e controla sua independência como sujeito constituído e ético, em contraponto a sua própria ação e conduta. Assume então a responsabilidade, independente de ordem, autoridade, poder ou pressão social. Definimos portanto, que neste aspecto, temos o domínio da decisão, resolução e escolha. Retornando a questão ambígua, lembrando que sempre há um conflito entre as duas, em nome do nosso juízo ético, não podemos ignorar a existência da moral, mesmo que sejamos obrigados a dar atenção a procura da realização pessoal. O que importa destacar, é que a ética nunca pode ser codificada, não sem antes contingências e circunstâncias existirem realmente, onde teremos de fazer as inevitáveis escolhas. Simplesmente, a ética não pode ser praticada fora do contexto social, visto, implicar numa relação com o outro ser, que inevitavelmente colocará em movimento também suas próprias expectativas, exigências e respostas que não pode rejeitar em função do outro. Pelo contrário, estas exigirão de nós uma atenção sempre específica como precedente ou regra, para dirigir e orientar a ação concreta no momento em que tais requisitos sociais se apresentarem.


O surgimento da psicanálise ocorre como consequência da confluência de fenômenos específicos, resultando na constituição da forma do “eu” moderno. Todo esse novo processo contemporâneo se funde progressivamente no discurso, o que significa que a verdade do sujeito tende a se fragmentar e diluir cada vez mais na medida que avançamos. Por sua via, a psicanálise tem implicações e contribuições importantes para a vida em sociedade. Ao considerar a importância da ética pessoal, dá mais espaço às escolhas individuais, permitindo que o cliente-paciente se torne responsável pela sua própria vida, ações e comportamentos. Este aspecto clínico positivo, acrescenta benefícios tanto para o indivíduo quanto para a sociedade. De forma, que enquanto a moralidade se baseia em doutrinas e preceitos rígidos, visualizamos que tais criam uma ausência de emotividade e concreção às necessidades dos indivíduos, falta de compaixão e desrespeito pelo bem-estar, percebido, tanto emocionalmente quanto psiquicamente. A ética, pode facilitar acesso a possibilidades mais abrangentes e abertas, que enaltecem a importância da empatia e do bem viver. Como mediadora deste processo, a psicanálise sugere o conceito clínico dessa desobstrução. Trabalhamos com sabedoria em contraposição as regras morais que adoecem o sujeito, (o)(a) convocando para estabelecer um equilíbrio simétrico e regular entre os seus desejos e responsabilidades sociais partilhadas, diminuindo a constrição das pressões e necessidades emocionais. Para tanto, devemos lembrar que tanto a ética quanto a moral são de qualquer forma conceitos muito complexos, e não há uma receita ou solução mágica para pulverizar ditas tensões pós-modernas. No entanto, dita abordagem da psicanálise, oferece comprovadamente uma perspectiva útil para entender melhor as origens desses dilemas éticos, nos ajudando a refletir sobre os valores e padrões culturais que vivenciamos, fornecendo um norte seguro para o progresso saudável da vida em sociedade. Enfim podemos criar sim, positivamente, uma ética possível e aplicável sustentadamente para uma vida autêntica e significativa, sem ter que vestir no dia-a dia uma máscara incômoda, pesada, custosa emocionalmente, cansativa e prejudicial para saúde.


“Cremos que [o princípio do prazer] é cada vez provocado por uma tensão desprazerosa, e assume uma direção tal que seu resultado final coincide com um rebaixamento dessa tensão, isto é, com uma evitação de desprazer ou uma produção de prazer”. Freud.


Finalizando com a moral; existe uma relação contraditória entre o consciente e o inconsciente, destarte necessária para que a possamos identificar no universo irracional. Ao mesmo tempo se nos apresenta a moral, que só se torna possível graças à repressão que desempenha sobre os instintos e as pulsões humanas. Neste contexto ambíguo, há uma ponte esclarecedora que nos permite diferenciar a vida normal que podemos desfrutar, em contraposição a vida patológica destrutiva. Aqui Freud desvenda; que o inconsciente perdura e ordena a vida regular e consciente, uma vez que o instinto é reprimido, mas não está ausente.


Há dois aspectos que sustentam a tese freudiana da moral como repressão: a Interpretação dos Sonhos e o Complexo de Édipo.


A ''interpretação dos Sonhos'' significa que existe uma antítese entre a moral e a vida, porque, como se sabe, a satisfação do desejo impossivel que o sonho representa, é essencialmente egoísta, isto é, a procura sobretudo do aprazimento de si próprio, enquanto a moral nos impele para os outros, para o dever. Logo, os sonhos e a moral são evidentemente antagônicos; o sonho é o testemunho de que o mal nunca é totalmente eliminado, continua a viver no homem procurando continuamente sua realização.


“Nos sonhos envergamos a semelhança com aquele homem mais universal, verdadeiro e eterno que habita na escuridão da noite primordial”. Freud


O Édipo, nos mostra a origem da moral humana, uma vez que representa o desejado e proibido; também, a evolução psíquica do sujeito da idade pré-moral onde se anuncia o seu fim, o passo essencial pelo qual se acede à ordem da moralidade.


A psicanálise formula ditas questões éticas para compreender, desde a evolução cultural, social e individual, os problemas que a ética e a moral representam e enfrentam na atualidade. “A aceitação de processos psíquicos inconscientes, o reconhecimento da doutrina da resistência e do recalcamento e a consideração da sexualidade e do complexo de Édipo são os conteúdos principais da psicanálise e os fundamentos de sua teoria, e quem não estiver em condições de subscrever todos eles, não deve figurar entre os psicanalistas”. Freud.


Ao poema; com Olavo Bilac;


Dualismo.


Não és bom, nem és mau: és triste e humano...

Vives ansiando, em maldições e preces,

Como se, a arder, no coração tivesses

O tumulto e o clamor de um largo oceano.


Pobre, no bem como no mal, padeces;

E, rolando num vórtice vesano,

Oscilas entre a crença e o desengano,

Entre esperanças e desinteresses.


Capaz de horrores e de ações sublimes,

Não ficas das virtudes satisfeito,

Nem te arrependes, infeliz, dos crimes:


E, no perpétuo ideal que te devora,

Residem juntamente no teu peito

Um demônio que ruge e um deus que chora.


Olavo Bilac reflete sobre humanidade e imperfeição. Fala sobre um ser defeituoso com sua eterna ânsia, fragmentada e conflituosa. Pensa no seu próprio dualismo, alterações de humor e comportamentos. Sofrendo do bem e do mal, ele passa da descrença à esperança, admitindo ser capaz dos melhores e piores atos. Assim, ele mesmo como humano se identifica como um ser ambíguo, dividido, sendo ao mesmo tempo, um demônio e um deus.


Até a próxima, Dan Mena. Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 - CNP 1199 Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 - CBP 2022130

 
 
 

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