Feridas Emocionais Moldam Quem Você É.
- Dan Mena Psicanálise
- 29 de abr.
- 18 min de leitura

Vamos nos imaginar caminhando por uma floresta densa, onde cada passo mostra uma digital da trilha marcada pelo nosso histórico de dores antigas. Você já sentiu, em algum momento, um vazio que não tem explicação? Uma angústia que parece pulsar e vir de um lugar desconhecido, como se carregasse uma pústula que não se vê, mas se sente? Hoje eu quero falar de um território delicado: as cinco feridas emocionais. De onde elas vem? —
Emergem de raízes existenciais essenciais, tão antigas quanto a consciência. São arquétipos esculpidos na mente coletiva, resíduos de uma época em que nossa sobrevivência como raça dependia da aceitação tribal. Numa síntese inicial, a rejeição nasce do medo ancestral de exclusão, quando ser deixado para trás significava a morte. O abandono expõe a vulnerabilidade infantil diante de um ambiente hostil à época. A humilhação, reflete a hierarquia primitiva onde a vergonha preservava a conformidade. A traição surge da quebra de pactos essenciais à cooperação, injustiça, a revolta contra a desproporção na divisão de recursos, base da organização social imemorial.
Essas demarcações são como sinais invisíveis que formatam nossas relações, escolhas, e até a forma como nos percebemos diante do mundo. Mas, como bem nos lembra Jung, "aquilo que não enfrentamos em nós mesmos, encontramos no mundo como destino" — e é nesse entroncamento, entre o íntimo e o coletivo, que nosso percurso se perfaz.
Era uma tarde de sol — (para variar) aqui no Nordeste do Brasil não tem estações, é verão o ano inteiro, quando ouvi uma paciente — vamos lhe chamar de Clara — sussurrar baixinho: “Por que sempre sinto que não sou o suficiente?” A pergunta dela, tão simples e ao mesmo tempo antagonicamente densa, abriu uma porta para eu definir o que chamo de “arquitetura emocional”, um conceito que entrelaça a psicanálise com a filosofia existencial de Simone de Beauvoir. Obviamente que Clara não sabia, mas estava tocando no centro da rejeição, uma das cinco aflições mais expressivas que vou abordar neste artigo. Percebo que essas chagas não são apenas conceitos; senão narrativas vivas, histórias que contamos a nós mesmos sem perceber. Como toda boa história, elas deixam o leitor curioso — você — querendo saber o que vem depois. O que Clara descobriu sobre si mesma? E o que você descobrirá sobre si ao final desta resenha? Espero que o tema seja do seu interesse.

Vou usar metáforas, reflexões e um diálogo direto, como se estivéssemos sentados frente a frente. Como disse Freud, “A mente é como um iceberg; apenas uma pequena parte dela emerge à superfície, enquanto a maior parte permanece oculta”. Mas hoje, inspirado pela ética do cuidado de Chul Han e pela crítica social de Bauman, vamos além do inconsciente: uma arqueologia das emoções, onde cada escoriação pode nos mostrar os traumas pessoais e as fraturas fundas de um firmamento que nos ensina a performar felicidade, usar máscaras, enquanto sopra inseguranças.
"As feridas não são falhas, mas mapas", como escrevi em ‘’O Silêncio dos Afetos’’ (2022).
‘’Elas nos mostram onde doeu — e onde ainda doi —, mas também, apontam rotas de resiliência.’’ - Dan Mena.
"Somos treinados para curar feridas físicas, mas deixamos as emoções sangrarem em silêncio"- Dan Mena.
Convido você a olhar para suas cicatrizes, não como fracassos, mas como testemunhas de uma humanidade que insiste em renascer.
"A cura não está em apagar as feridas, mas em aprender a dançar com seus vestígios remanescentes" - Dan Mena.
O que suas escoriações afetivas mostram sobre suas buscas mais interiorizadas?
Como a sociedade atual amplifica ou silencia essas dores?
É possível transformar sinais em símbolos de resistência?
Em um mundo que idolatra a perfeição, lembre-se: A cura não está na ausência de dor, mas na coragem de poder nomeá-la.
“As feridas da alma não sangram, mas gritam em silêncio, pedindo para serem ouvidas.” - Dan Mena.
Rejeição — A Dor de Não Ser Visto
A rejeição, esse pesar primordial, finca suas raízes no solo da nossa necessidade básica de aceitação. É um traquejo visceral que nos atinge em cheio, deixando uma baliza demarcatória na forma como nos relacionamos. A refusão não se limita a grandes eventos traumáticos; ela se manifesta em sutilezas, em olhares de indiferença, em comentários aparentemente inofensivos que, no entanto, batem em nosso interior como um tremor: — "Você não é desejado(a). Não pertence." Na perspectiva kleiniana, a criança, em seus primeiros momentos de vida, projeta no outro suas próprias ansiedades e medos. Tal sensação de não ser amada(o), de não ser suficiente, pode ser projetada nos pais ou cuidadores, criando um ciclo de expectativa e decepção. Essa dinâmica, molda o "objeto interno", via a representação mental que carregamos do outro e que vai influenciar nossos laços futuros.
Voltando para Clara, ela personifica essa dinâmica. Sua constante sensação de incongruidade não era um reverbero de sua realidade presente, mas sim uma ressonância de rejeições passadas, internalizadas e transformadas em uma crença limitante: "Eu não sou o suficiente." Essa doutrina impregnada, a impedia de se conectar genuinamente com os outros, de se permitir ser vulnerável, de acreditar em seu valor. O desacolhimento se manifesta em uma miríade de comportamentos, desde a autossabotagem, que nos impedem de alcançar nossos objetivos por medo de não sermos aceitos, até o isolamento social, que nos protege da dor do abandono, mas também nos priva da alegria da fusão. A busca incessante por validação, a necessidade de agradar a todos, também é uma face da denegação, uma tentativa desesperada de preencher o vazio deixado pela falta de aceitação. Bourbeau descreve isso como a "máscara do fugitivo", adotada por aqueles que foram feridos(as) pela rejeição. Essa paramenta, se manifesta na evitação de junções, no medo de se comprometer e dificuldades em se entregar a relacionamentos íntimos. Como escapista em que se transforma o sujeito nessa condição, preferem a superficialidade e distanciamento, a ilusão de segurança que o isolamento oferece. Para curar a ferida provocada, é preciso, antes de tudo, reconhecer sua existência, aceitar sua dor e se dar permissão para sentir.

A autorreflexão guiada, a escrita de cartas para a criança interior, a colaboração terapêutica na re-elaboração desses momentos de cancelamento, são ferramentas poderosas para estruturar a narrativa e transformar a crença limitante em uma afirmação de valor. A dor da reprovação, de não ser reconhecido(a) como um ser desejante, como um sujeito com seus próprios anseios e necessidades, passa pelo reconhecimento do próprio querer, e a afirmação da identidade. A busca de uma vida autêntica é um processo de auto-descoberta e libertação das amarras do passado.
Abandono — O Vazio de Ser Deixado
O desamparo, essa sombra persistente que paira sobre nossas relações, se manifesta como um medo paralisante: geralmente na forma de ser deixado(a) para trás, esquecido(a), ou substituído(a). Diferente da rejeição, que nega nossa existência, o abandono nos faz questionar nossa capacidade de manter os outros por perto, de sermos amados e cuidados de forma consistente. É a fenda que se abre quando a confiança é quebrada, promessas de presença que são desfeitas, no momento que nos sentimos desamparados(as) e vulneráveis. As medulas do abandono podem ser encontradas em experiências precoces de separação, de perda e negligência. A mãe que parte sem explicar nada, o pai que se ausenta emocionalmente, o amigo que se distancia sem motivo aparente, todos contribuem para a formatação desse agravo, que se manifesta como uma constante sensação de insegurança e instabilidade.
O abandono, visto pelo arquétipo do "órfão", como uma figura universal, procura obstinadamente por pertencimento e proteção. Privado(a) que é de seus pais ou cuidadores, se sentem perdidos(as), desamparados(as), ansiando por um lar, uma família ou um lugar onde possam se sentir seguros(as e amados(as). Quando a frustração da partida indesejada não é elaborada, vai gerar dois padrões de comportamento opostos, mas igualmente destrutivos: a dependência emocional e a recusa em se conectar.
O oprimido busca essa anuição e afeto, se agarrando aos outros com unhas e dentes, temendo ser deixado(a) para trás novamente. O recluso(a), por outro lado, evita qualquer tipo de envolvimento emocional, construindo muralhas ao redor de si mesmo(a), para se proteger da dor da perda. O desabrigo não é unicamente a ausência física do outro; é o eclipse de si mesmo na presença desse outro, a perda da identidade em detrimento e função da necessidade de agradar e manter o outro por perto. É também a renúncia aos próprios desejos e necessidades, a submissão aos caprichos alheios, anulação da individualidade em prol da manutenção do(s) relacionamento(s).
A "máscara do dependente", descrita muito bem por Lise Bourbeau, é uma armadura que esconde a fragilidade e a hesitação daquele que foi ferido(a). Essa máscara se manifesta na descoberta constante por apoio externo, na dificuldade em tomar decisões sozinho(a), e na carência de ter alguém ao lado para se sentir supostamente assegurado(a). Pedro, meu paciente, personifica essa dinâmica. Após um divórcio traumático e difícil dos pais na sua infância, se tornou excessivamente complacente em seus relacionamentos, temendo ser abandonado novamente. Ele se anula em função dos outros, sacrificando seus próprios quereres, apenas para ter que evitar atravessar essa experiência dolorosa novamente. Para curar, é preciso fortalecer a autonomia, aprender a confiar em si mesmo(a), a se bastar, a encontrar a alegria dentro de si. A prática de momentos de solitude intencional, como escrever um diário, meditar, praticar um hobby, é fundamental para construir confiança em sua própria companhia, para aprender a se amar e se aceitar incondicionalmente.

A solidão nos lembra que ela não vem da falta de companhia, mas da incapacidade de comunicar as coisas que parecem importantes, da dificuldade em expressar nossos sentimentos e pensamentos. Isso passa pela habilidade de se articular consigo, de se manifestar autenticamente e construir rede de contatos baseados na confiança e respeito mútuo.
Humilhação — O Peso da Vergonha
A vexação mina nossa autoestima e nos faz sentir pequenos e insignificantes, surge em momentos em que nossa dignidade é atacada, vulnerabilidades expostas e nosso valor questionado. Dita experiência de ser ridicularizado(a), alvo de críticas destrutivas e negativas, como ser tratado(a) com desprezo e desrespeito. A humilhação nos deixa marcados(as) pela vergonha, como um sentimento predatório, onde ansiamos querer desaparecer, nos esconder do mundo e de todos. Enxergo isso como uma violência à nossa auto-imagem, uma investida ao direito de existir com orgulho e dignidade.
Michel Foucault, analisa isso pelas relações de poder, ele nos mostra que a sujeição está conectada à dinâmica do domínio e da submissão. O outro, em uma suposta e fantasiosa posição de superioridade, exerce seu mando pretendendo nos rebaixar, usando a inferiorização ao nos fazer sentir envergonhados de quem somos. Usa da inveja e à culpa como instrumentos manipuladores, emoções que amplificam a vergonha e nos fazem sentir merecedores(as) do desprezo. A ganância, inveja, ambição, ciúme, sofreguidão e o desejo de possuir o que o outro tem, também nos leva a fazer comparações horríveis e nos sentimos inferiorizados, enquanto a culpa, e o sentimento de termos feito algo errado, faz sua parte pela responsabilização do próprio rebaixamento.
A afronta vexatória cria a "máscara do masoquista", uma estratégia de defesa que consiste em se submeter ao outro para evitar mais dor. O masoquista acredita que, ao se rebaixar voluntariamente, pode controlar a situação e evitar ser minimizado de forma mais cruel. No entanto, esse parâmetro acaba perpetuando sua própria desvalorização, reforçando a crença de que não é digno(a) de respeito e amor. Pessoas com a ferida aberta neste sentido, podem evitar situações de exposição, como falar em público, apresentar seus projetos, expressar suas opiniões, por medo de serem julgadas(os) e ridicularizadas(os). Podem adotar concomitantemente comportamentos auto-depreciativos, como fazer piadas sobre si mesmos, desmemoriar propositalmente seus talentos e conquistas, para "desarmar" as críticas e evitar serem rebaixadas(os) por outros.
Ana, me conta, cresci ouvindo que era "desajeitada" "burra" e "incompetente". Essas críticas, que foram sendo repetidas ao longo de sua infância, a marcaram psiquicamente, gerando uma constante sensação de inadequação e vergonha. Na vida adulta, ela evita liderar projetos ou pessoas, por medo de falhar e ser escrachada. Ela se sabota constantemente, se bloqueando de alcançar seu pleno potencial por causa do medo da depreciação.

Para reescrever tal narrativa do passado, é preciso reconstituir os momentos de dor e vergonha, se permitir sentir raiva e tristeza, é resgatar a própria dignidade. Confrontar diretamente os "humilhadores" do passado, para expressar esses sentimentos reprimidos e construir uma nova auto-imagem, baseada no amor próprio. Praticar exercícios de assertividade, muito valiosos para aprender a dizer "não", a expressar opiniões, e a defender seus direitos. Aprender a se posicionar de forma firme e confiante. Desenhar, pintar, escrever, dançar, praticar esportes, ajudam a externalizar o demérito, mudar a forma da dor, transformando os sentimentos negativos em expressão criativa e força interior. A humilhação não é unicamente um golpe na alma, mas também um convite a recuperar o próprio brio e lutar contra as opressões, uma batalha contra todas as formas de discriminação, exclusão e preconceito.
Traição — A Quebra dos Pactos e a Confiança
A deslealdade que dilacera a confiança nos faz questionar a prevaricação daqueles que amamos, a qual se manifesta de diversas formas: a quebra de uma promessa, a infidelidade conjugal, a decepção com um amigo(a), a corrupção em uma instituição, etc. A traição nos deixa desorientados(as), confusos(as), incrédulos(as). Nos faz duvidar da nossa capacidade de julgar, confiar e amar. Não se resume ao ato em si; nos confronta com a nossa vulnerabilidade, somados a fragilidade dos laços e a incerteza do futuro. Está ligada ao "desejo do Outro", onde ancoramos muitas das nossas expectativas e esperanças, idealizando-o(a), atribuindo qualidades que talvez não possua. Quando somos traídos, enfrentamos o vazio do desejo não correspondido, a desilusão da realidade, e a dor da perda da imaginação. Ela cria a "máscara do controlador(a)", como uma estratégia de defesa que consiste em tentar dominar os outros para evitar novas decepções. O regulador(a), vai se tornar possessivo(a), ciumento(a), desconfiado(a), tentando dominar cada aspecto do relacionamento, na vã tentativa de evitar ser traído(a) novamente.
Quem viveu a traição pode desenvolver desconfiança crônica, dificuldade em formar laços, medo de se entregar aos afetos e ao amor. Pode se tornar cínica(o), amargurada(o), ressentida(o), perdendo a fé na paixão e a humanidade.
A história de Lucas passa por essa quimera, após ser traído por sua parceira, passou a monitorar seu par, vasculhando o celular, checando as redes sociais, interrogando seus parceiros. Esse comportamento gerou tensões e minou seus relacionamentos, perpetuando seu ciclo de desconfiança. Para reconstruir a confiança em si mesmo e nos outros, teve que aprender a perdoar (não necessariamente o ato em si, mas o sofrimento causado), a se libertar do ressentimento e da amargura que lhe acompanharam por longos anos. Essa reconstrução da firmeza é um processo gradual, que começa com pequenos atos de vulnerabilidade, como compartilhar algo pessoal com alguém confiável, pedir ajuda quando necessário e expressar seus sentimentos e necessidades de forma sincera e aberta. Ditas crenças disfuncionais que se formam, como; "ninguém é confiável", "todos vão me trair", apenas perpetuam o medo e a indisposição. A meditação da gratidão, com foco nas relações positivas e nos momentos de alegria ajudam a reequilibrar o desconforto e a cultivar a esperança no outro. Traição destapa que o ‘’Outro’’ também falha, que é igualmente imperfeito, quanto quem é traído, que por analogia do ser é também capaz de errar. A cura, portanto, passa pela aceitação da imperfeição, e a compreensão de que todos somos vulneráveis e capazes de fraquejar, frustrar, malograr, mentir, faltar e titubear.

Injustiça — A Revolta Contra o Desequilíbrio
A injustiça, arde e inflama nossa alma, nos faz clamar por equidade e retidão, emerge irada quando nos sentimos tratados de forma desigual, se somos vítimas de preconceito, discriminação ou opressão. É a dor de ser punido por algo que não fizemos, de ter uma oportunidade negada por motivos arbitrários, de sermos criticados de forma desproporcional. A iniquidade nos faz questionar a ordem do mundo, a bondade da natureza e a existência de um poder superior que zela pela arbitrariedade. Todos nós ansiamos por um mundo onde as ações tenham consequências justas, onde o bem seja recompensado e o mal seja punido.
Quando essa ordem é quebrada, nos tornamos vítimas de injustiça, nossa fé no mundo é abalada, a sensação de segurança é ameaçada e a autoestima rachada. A justiça é a base da dignidade, todos, independentemente de raça, gênero, orientação sexual ou condição social, têm o direito de serem tratados com integridade, assim, sendo injustiçados, nossa moralidade é desafiada e ultrajada. Bourbeau associa a ferida da injustiça à "máscara do rígido", uma técnica defensiva que consiste em se tornar perfeccionista, controlador, inflexível, na tentativa de evitar ser visto como imperfeito. O engessado no seu arbítrio, se cobra de forma excessiva, exige demais dos outros, se torna intolerante com os erros e falhas alheios. Pessoas com essa delimitação emocional podem ser muito cruéis e críticas, tanto consigo mesmas quanto com os outros, julgando, apontando e condenando com severidade. Elas também podem desenvolver uma visão cínica, perdendo a fé na bondade e a fraternidade.
Após ser demitida injustamente de seu emprego, Sofia se tornou hiper-controladora em seu novo trabalho, requerendo, demandando e reclamando altos níveis de desempenho de seus colegas, se irritando com qualquer sinal de imperfeição ou negligência. Não estava senão temendo ser novamente vítima de injustiças, se agarrando ao controle como meio de se proteger. Ao reconhecer a própria raiva e revolta, expressando e dando voz aos seus sentimentos de forma saudável e construtiva, aprendeu a perdoar (não a injustiça em si, mas o sofrimento que lhe causaram). Desta forma, canalizou a energia da indignação em ações positivas e construtivas. A terapia a ajudou a identificar os padrões de pensamento anômalos, desenvolvendo o enfrentamento saudável baseado na resiliência, paciência e benevolência.
A prática e o exercício da empatia é importante para tentar compreender as intenções dos outros, mesmo em situações de desequilíbrio, podemos minimizar e reduzir a ira e o ressentimento. Novas narrativas e ângulos sobre acontecimentos negativos ajudam a recontar as histórias dos injustiçados, dando a si mesmo o poder de mudar o desfecho emocional, de recriar o traquejo atravessado e de encontrar um novo sentido. O ativismo consciente, consiste em inverter a revolta em boas ações, como o voluntariado, participação em movimentos sociais, defesa dos direitos humanos, como uma forma poderosa de restaurar o senso de harmonia e contribuindo para a construção de um mundo mais igualitário.

As Máscaras que Criamos
Cada uma das feridas emocionais que apresentei anteriormente – rejeição, abandono, humilhação, traição e injustiça – nos impulsionam a criar uma máscara, uma persona que constituímos como forma de nos salvaguardar da dor e da vulnerabilidade. Ditos artifícios como o fugitivo (rejeição), o dependente (abandono), o masoquismo (humilhação), o controlador (traição) e o rígido (injustiça). Embora sirvam como subterfúgios psíquicos em um primeiro momento, se tornam arcabouços do tempo para o sujeito, limitando totalmente sua capacidade de ser autêntico(a) e de se socializar genuinamente.
Do ponto de vista da psicanálise, as máscaras representam mecanismos de defesa do ego, como proposto por Freud, visam lidar com a ansiedade e a angústia. São mecanismos e artimanhas inconscientes que desenvolvemos para evitar o sofrimento que tanto driblamos, que nos tutelam aparentemente de sermos magoados. No entanto, ao nos escondermos atrás desses fetiches sociais, nos desligamos de nossa verdadeira essência, de sentimentos e de ser supridos por necessidades autênticas.
O controlador(a), por exemplo, pode parecer forte e confiante, mas por trás da sua fachada dissimulada, reside um medo constante de perder o controle, de ser traído(a) ou enganado(a). O(a) dependente, por sua vez, se agarra aos outros em busca de segurança e validação, mas essa dependência o(a) impede de desenvolver sua própria autonomia e de encontrar a felicidade interior.
"As máscaras que usamos para nos proteger são as mesmas que nos aprisionam," essa frase resume o problema. Elas nos oferecem uma falsa sensação de proteção, mas ao mesmo tempo nos impedem de viver o real. Para desmontar essas peças teatrais, é necessário desenvolver um processo de autoconsciência. O primeiro passo é identificar o seu protagonista: você tende a fugir de relacionamentos? A controlar tudo ao seu redor? A se submeter aos desejos dos outros? Responder a essas perguntas pode ser o início para encontrar as respostas necessárias.
Freud, em sua obra "Uma Dificuldade no Caminho da Psicanálise", nos legou que "o ego não é o mestre em sua própria casa." Nossas hipocrisias, são construções inconscientes que nos dominam e nos impedem de ir adiante. Desmontá-las, exige um trabalho árduo de autoconhecimento e de aceitação.

A (Cura) como Processo Alquímico
A cura não é um evento pontual, é um destino a ser alcançado, mas sim, um processo contínuo de transformação e crescimento. Assim como na alquimia, a arte de modificar a caminhada da mente em direção à totalidade envolve a transmutação da dor em sabedoria, da sombra à luz. Acredito sinceramente que ‘’curar’’ talvez não seja a palavra que mais me deixa confortável em dizer, não acredito em pessoas doentes emocionalmente. Por que a Psicanálise Não Considera as Pessoas "Doentes"?
Na psicanálise rompemos com a lógica patologizante ao compreender que os sofrimentos que transpassamos não são "doenças" a serem extirpadas, mas sintomas a serem decifrados. Enquanto a medicina busca curar, a psicanálise escuta. Ela não enxerga um "paciente", mas um sujeito cujos conflitos — angústias, repetições, traumas — são mensagens cifradas do inconsciente, vestígios de uma história absolutamente singular e particular. Por esta razão, "o inconsciente é estruturado como uma linguagem", e seus desarranjos não são falhas biológicas, mas diálogos interrompidos entre desejo e realidade.
A noção de "adoecimento" pressupõe um ideal de ‘’normalidade’’, para nós, analistas, não há "normal": há particularidades, traços, facetas, predicados, etc, em luta com as exigências da vida. A depressão, a ansiedade ou os traumas não são vírus a serem eliminados, senão, sinais de que algo, na trama psíquica pede para ser reescrito. A ‘’cura’’, aqui, não é o apagar o sintoma, mas dar voz ao que ele(a) cala, mesmo no silêncio da fala.
"Não tratamos mentes 'quebradas'; acompanhamos almas em busca de sentido"
- Dan Mena.
Humanizamos o ser ao reconhecer que sofrer não é fraqueza, mas parte do existir em si. Seu rigor está em não reduzir o hermetismo humanístico a diagnósticos laboratoriais, e sim em abrir espaço para que cada um encontre, nas próprias feridas a chave de sua liberdade. Esse é um caminho para a integração dos aspectos conscientes e inconscientes do self. Cada úlcera emocional representa uma oportunidade de crescimento, um convite para nos tornarmos mais inteiros. Ao invés de evitarmos ou negarmos nossas dores, podemos abraçá-las como parte integrante da nossa constituição, seriam lições preciosas que nos ensinam sobre nós mesmos e sobre o mundo. Carl Gustav Jung, em sua obra "O Livro Vermelho", remete a lembrar que "onde o amor reina, não há desejo de poder; onde o poder predomina a falta do amor."
Um Olhar Sociológico
Feridas emocionais são na verdade, um espelho das dinâmicas e estruturas da sociedade em que vivemos. A rejeição pode ser amplificada por carcaças que valorizam a aparência física e o sucesso material. Sejam o abandono por desestruturas familiares frágeis e instáveis, a humilhação por hierarquias opressivas e sistemas de poder desiguais, a traição por promessas políticas não cumpridas e a corrupção generalizada, a injustiça de sistemas jurídicos falhos e leis que não protegem os mais vulneráveis.
A sociologia nos oferece esclarecimentos para analisarmos como as diretrizes sociais contemporâneas, os valores culturais e as bases estabelecidas de poder configuram e regulam ao seu bel prazer nossas vivências emocionais. Ditas estandardizações contribuem para a formação das feridas que carregamos. Pierre Bourdieu, em sua teoria do "capital simbólico", nos ensina que o valor de uma pessoa é determinado por ‘’normas sociais’’ que nem sempre são equitativas. Quando essas ‘’regras estabelecidas’’ excluem determinados grupos ou indivíduos, se aprofundam as diferenças e se tornam mais difíceis de curar. Somos uma sociedade ‘’doente’’, ‘’aqui sim o termo se aplica’’, porque trata da política, da guerra, da fome, desigualdade, injustiça, racismo, desinclusão, entre outras tantas centenas de desequilíbrios doentios sociais provocados propositalmente. Por isso é preciso provocar e questionar as estruturas de poder que perpetuam a opressão e lutar por um mundo mais justo.
"Nossas feridas não são apenas nossas; elas retinem as dores de um mundo fragmentado e insensível," - Dan Mena.

O Convite à Transcendência
Chegamos ao fim desta pernada pelas cinco feridas emocionais mais relevantes da nossa experiência. Ao invés de encerrar este artigo com um sentimento de desesperança ou resignação, quero propor uma virada, uma mudança de dimensão. E se essas escoriações não fossem apenas fontes de dor e sofrimento, mas sim portas, portais para um entendimento de quem somos, de como amamos e resistimos às adversidades da vida?
Cada marco particular conta uma história de sobrevivência, de luta, de beleza, dores superadas nos tornam mais fortes.
Pense nisso: e se, ao invés de temer suas feridas, você as abraçasse como um(a) mestre(a)? E se cada angústia fosse um telegrama urgente para criar, amar, transformar e construir um mundo melhor?
O que você faria com as marcas que carrega? Como você as transformaria em fonte de luz e inspiração para você e o mundo?

Referências Bibliográficas
Bourbeau, L. (2000). As Cinco Feridas que Impedem de Ser Você Mesmo. Sextante.
Freud, S. (1917). Uma Dificuldade no Caminho da Psicanálise. Editora Imago.
Jung, C. G. (1961). Memórias, Sonhos, Reflexões. Record.
Jung, C. G. (2009). O Livro Vermelho. Vozes.Lacan, J. (1966). Écrits. Zahar.
Lacan, J. (1973). O Seminário, 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise. Zahar.
Klein, M. (1975). Envy and Gratitude and Other Works. Free Press.
Foucault, M. (1976). História da Sexualidade: A Vontade de Saber. Graal.
Bourdieu, P. (1998). A Dominação Masculina. Bertrand Brasil.
Rawls, J. (1971). A Theory of Justice. Harvard University Press.
Kant, I. (1785). Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Martins Fontes.
Nietzsche, F. (1883). Assim Falou Zaratustra. Companhia das Letras.
Beauvoir, S. de. (1949). O Segundo Sexo. Nova Fronteira.
Vygotsky, L. (1934). Pensamento e Linguagem. Martins Fontes.
Arendt, H. (1951). As Origens do Totalitarismo. Companhia das Letras.
Maslow, A. (1954). Motivação e Personalidade.
Harper & Row.Fanon, F. (1961). Os Condenados da Terra. Civilização Brasileira.
Butler, J. (1990). Gender Trouble. Routledge.
Han, B.-C. (2015). Sociedade do Cansaço. Vozes.
Recalcati, M. (2019). O Segredo do Filho. Autêntica.
Palavras Chaves
#SaúdeMental #Psicanálise #FeridasEmocionais #Rejeição #Abandono #Humilhação #Traição #Injustiça #ComportamentoHumano #Autoconhecimento #Psicologia #CuraEmocional #MáscarasEmocionais #TerapiaPsicanalítica #Autoestima #Confiança #Vergonha #Justiça #Sociedade #Individuação #danmena
FAQ - Perguntas Frequentes
O que são as cinco feridas emocionais?
São marcas psicológicas (rejeição, abandono, humilhação, traição e injustiça) que influenciam comportamentos e relações.
Como a rejeição afeta a autoestima?
A rejeição cria uma narrativa de desvalorização, levando à auto-sabotagem ou busca por validação externa.
O que é a máscara do fugitivo?
É a defesa usada por quem sofreu rejeição, marcada por isolamento e evitação de conexões.
Como superar o medo do abandono?
Fortaleça a autonomia com práticas de solitude intencional e explore gatilhos em terapia.
Por que a humilhação causa vergonha?
Ela fere a dignidade, amplificando a sensação de inadequação e criando comportamentos auto-depreciativos.
O que fazer após uma traição?
Reconstrua a confiança com pequenos atos de vulnerabilidade e trabalhe crenças disfuncionais em terapia.
Como lidar com a sensação de injustiça?
Pratique empatia, reescreva narrativas de injustiça e canalize a revolta em ações positivas.
O que são máscaras emocionais?
São defesas psíquicas criadas para evitar a dor, como o controlador (traição) ou o rígido (injustiça).
A cura emocional é possível?
Sim, por meio de autoconsciência, terapia e práticas integrativas, como mindfulness e análise de sonhos.
Como as feridas emocionais afetam a sociedade?
Elas refletem dinâmicas sociais, como exclusão, desigualdade e hierarquias opressivas.
Qual é a relação entre feridas e psicanálise?
A psicanálise ajuda a explorar o inconsciente, revelando como feridas moldam comportamentos.
Como identificar minha ferida principal?
Observe padrões emocionais, como medo de rejeição ou controle excessivo, e discuta-os com um terapeuta.
Por que usamos máscaras emocionais?
Para proteger o ego da dor, mas elas podem nos desconectar de nossa autenticidade.
Como a terapia pode colaborar nas feridas emocionais?
Ela oferece ferramentas para ressignificar experiências e integrar aspectos reprimidos do self.
O que significa dançar com as feridas?
É abraçar as dores como parte da caminhada da vida, transformando tudo em sabedoria e crescimento.
Visite minha loja ou site:
Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199.
Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130.
Dr. Honoris Causa em Psicanálise pela Christian Education University — Florida Department of Education — USA. Enrollment H715 — Register H0192.
Comente e avalie o artigo;
De 1 a 5 - Quantas estrelas merece o artigo?
Deixe seu relato abaixo em COMENTÁRIOS.
Conteudo extraordinario! Essas feridas podem gerar conflitos internos, inseguranças e padrões de comportamento disfuncionais. A reflexão sobre elas permite compreender como experiências passadas influenciam nossas emoções e relacionamentos atuais, oferecendo o caminho para a cura e o crescimento emocional.