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Impacto das Redes Sociais na Construção da Identidade - Relações Interpessoais.

Atualizado: 29 de set. de 2024




"Nas redes sociais, o 'eu' performático emerge como uma máscara necessária, mas ao perseguirmos aplausos externos, arriscamos sufocar nossa autenticidade." Dan Mena.

Descubra como as redes sociais moldam nossa identidade e relações interpessoais.
Redes Sociais - por Dan Mena.

No cenário atual, as redes sociais desempenham um papel importante na formação e expressão da identidade, além de moldar a natureza das nossas relações interpessoais. Essas plataformas não são apenas ferramentas de comunicação, mas verdadeiros palcos onde elas se encenam, se misturam e esquadrinham, junto aos desejos que se enfrentam e confrontam com angústias. Este processo, entretanto, não está isento de conflitos psíquicos, especialmente quando consideramos a relação entre o “eu” real e o “eu” virtual. Neste artigo abordarei este tema muito atual e interessante para todos. Boa leitura.


Teatro do Inconsciente, Projeção de Fantasias e a Busca por Validação.


Como sujeitos, estamos divididos entre o consciente e o inconsciente, sendo este último o lugar dos quereres reprimidos, fantasias e impulsos não resolvidos que nela residem e se acobertam. Neste campo, a construção da identidade está cada vez mais conectada à maneira como nos apresentamos nelas. Às redes sociais, criam inevitavelmente um espaço para a projeção de excitações inconscientes, oferecendo um teatro perfeito para a realização e projeção simbólica de fantasias que, no mundo físico, poderiam permanecer ocultas. Quando Freud sinaliza, “o eu não é senhor em sua própria casa”, quer expressar, que nossas ações conscientes muitas vezes são governadas por forças subconscientes. Elas amplificam essa realidade, pois podemos moldar uma imagem idealizada, que, ao mesmo tempo, é confrontada pela própria fragilidade psíquica de buscar validação.


Reflexo Digital e A Revisitação do Estádio do Espelho nas Redes.


Essa visão, que enfatiza a noção do “Estádio do Espelho” — nos transporta há um momento relevante no desenvolvimento infantil em que o sujeito se reconhece no seu reflexo, formando a base de sua identidade. Nas redes, esse episódio é constantemente revisitado, articulado e refletido, não apenas nas postagens e imagens, mas também nas reações e legitimações que obtemos dos outros. O “eu” virtual, passa a funcionar como esse retrato de outro projetado que tentamos incessantemente alcançar, muitas vezes em detrimento do nosso “eu” real. Lacan explica, que a tal da busca por reconhecimento é base central na nossa constituição: “Desejamos o desejo do outro.” Esse querer de ser constatado, se torna, ao final, uma força motriz que gera, tanto satisfação quanto frustração, dependendo do nível de aceitação ou rejeição experimentado.


Dualidade do Eu, entre Winnicott e Baudrillard — Fragmentação Psíquica no Mundo Virtual.


Podemos então falar de uma “hiper-realidade”, como foi apresentado por Jean Baudrillard, na qual interpreta que nos movemos entre o real e o virtual, nos fundindo de maneiras heterogêneas e enigmáticas. Observo, que a constante comparação social, a busca por likes, seguidores e conformação digital, nos coloca em um ciclo vicioso de recompensa e inquietude. Essa dualidade marcada pela tensão entre o ideal e o real, sendo este último muitas vezes negligenciado em prol de uma elevação. O psicanalista Donald Winnicott, em suas anotações sobre o “verdadeiro self” e o “falso self”, identifica claramente que, quando priorizamos uma imagem externa sobre a autenticidade interna, ocorre um rompimento da saúde psíquica. Esse “falso self”, agora promovido pela necessidade de desempenho e atuação, contínua indo em frente nos rumos da poetização da vida.


A Modernidade Líquida e as Conexões Efêmeras.


Outro conceito que nos aproxima desta compreensão, é o de “transferência”. Originalmente levantado por Freud, se refere ao lançamento de sentimentos, afetos e desejos inconscientes sobre o outro. Eles ocorrem em grande escala, não apenas nas interações íntimas, mas também em comunidades virtuais e espaços públicos. As redes sociais funcionam assim, exatamente como um espelho fragmentado, onde se visa ser reconhecido, mas, que se depara frequentemente com uma multiplicidade de versões de si mesmo, gerando um aumento na sensação de alienação. Um aporte interessante faz Zygmunt Bauman, em sua análise do livro “modernidade líquida”, do qual você poderá encontrar outros artigos no meu blog. Ele assinala que as relações sociais, nesta época, estão sob a total e absoluta influência da tecnologia, assim, se tornaram fluidas e menos estáveis, criando laços frágeis, fragmentados e efêmeros. Dita vulnerabilidade, é ainda mais evidente, pois as conexões podem ser feitas e desfeitas com a mesma facilidade, aprovando ou cancelando, gerando um ciclo contínuo de superficialidade.


Como o FOMO Amplifica a Ansiedade.


A questão do FOMO, (Fear of Missing Out), termo cunhado e popularizado pelo pesquisador e estrategista Dr. Dan Herman no final da década de 1990, pode ser incorporado a esta leitura. Ele começou a usar a expressão em seus estudos sobre o comportamento do consumidor, ao observar que pessoas demonstravam um medo crescente de perder experiências ou oportunidades valiosas. Isso posso sintetizar num exemplo, que revela um prisma psicológico significativo. Ao vermos a vida idealizada de outras pessoas, podemos incorporar um sentimento de exclusão e ansiedade, por não participar supostamente do mesmo know-how e bagagem. Esta seria uma expressão moderna da ansiedade social que Freud descreveu como parte das nossas neuroses, mas intensificada hoje pela imediates e constante comparação proporcionada pelas plataformas digitais. Outro efeito colateral é o fenômeno da dependência digital, onde experimentamos uma certa incapacidade de se desconectar, perpetuando o circuito de comparação, validação, ansiedade e angústia.


O Paradoxo da Hiper conexão, Isolamento e Narcisismo.


Na era da hiperconexão, muitos analistas contemporâneos observamos, que a sensação é que hoje tudo parece estar ao alcance de um clique. Isso determina um paradoxo crescente, pois o que se verifica na clínica é o aumento dos sentimentos de encapsulamento, isolamento e solidão. Essa contradição utópica, será muito bem detalhada por Byung-Chul Han, que perspicazmente em sua obra; “A Sociedade do Cansaço” de (2015); descreve. Apesar dessa aparente articulação conectiva proporcionada pelas redes, vivemos em uma sociedade exausta, onde a comunicação se tornou um fluxo incessante e frívolo de informações. Ele assevera, que a comunicabilidade não é mais do que simplesmente uma constante sequência de dados e elementos sem sentido, destacando como tal a proliferação de opiniões, pareceres e apreciações, que podem, incoerentemente, isolar mais do que ligar. Esses fatores alargam o narcisismo e amplia exponencialmente o egocentrismo, criando um ambiente onde o indivíduo se vê como um projeto contínuo de atuação. Observa Han: “O narcisismo reflete uma sociedade que valoriza a produtividade e o desempenho acima de tudo, resultando em uma desconexão emocional” (Han, 2015). Nesse universo, não apenas projetamos uma imagem produzida e pré-fabricada de si, mas também envolvemos sentimentos de corroboração. A exibição pública, e a necessidade de sustentar uma imagem impecável, podem obscurecer o verdadeiro eu, criando uma ruptura psicológica. Logo, posso convocar uma frase de Freud; “o narcisismo é a forma mais primitiva de amor que o ego pode ter por si.”


Como as Plataformas Digitais Redefinem — Proximidade e Intimidade.


Nesta era informática, a percepção de proximidade não mais se limita ao físico. Sabemos que interações genuínas envolvem trocas emocionais, afetos e empatia — elementos regularmente enfraquecidos no ambiente virtual. Elas criam a sensação de estarmos sempre conectados, mas essa proximidade virtualizada pode ser muito ilusória. Embora estejamos continuamente presentes nelas, a ausência de contato físico direto, pode intensificar a sensação de solidão, ao invés de ser um atenuante. Essa nova forma de distanciamento íntimo, enseja compartilhar aspectos pessoais da nossa vida com um público vasto, sem a vulnerabilidade inerente ao contato presencial. Nessa dinâmica, exercemos controle sobre o que revelamos de si, e, ao mesmo tempo, expomos assuntos particulares para o olhar constante e crítico de outros, moldando assim, de forma imperceptível a nossa identidade, conforme tais observações de terceiros. Nesse sentido, a proximidade é radicalmente transformada, o ''outro'', está próximo no campus virtual, mas permanece longe em termos de verdadeira vinculação emotiva. As interações oferecem encontros e cruzamentos rápidos, imediatos e instantâneos, mas carecem da necessária penetração que caracterizam as relações autênticas. Essa redefinição das noções de proximidade e distância, mudam as fronteiras entre o real e o virtual. Redes sociais, enquanto teatro de construção de identidades, intensificam, tanto a alienação quanto o desejo de reconhecimento. Destarte oscilamos, entre presença e ausência, autenticidade e interpretação, enfrentamos não apenas novas formas de ligação ao outro, mas também, sofremos severamente os desafios afetivos e psíquicos decorrentes dessa transição.


O Corpo, a Imagem e a Pressão pela Excelência no Mundo Virtual.


Podemos elaborar uma simbiose; assim como um diretor dirige sua própria peça, e escolhe cuidadosamente cada ato do roteiro que apresentará ao público. Seja uma selfie, uma conquista profissional ou um momento pessoal, tudo se torna uma produção para uma autoapresentação. Não apenas como uma maneira de se comunicar, mas uma forma de se esculpir como uma escultura, para expressar quem somos aos olhos dos outros. Por essa razão, Lacan fala sobre o ''Estádio do Espelho'', que nos lembra, que essa percepção de nós mesmos está sempre mediada por uma imagem arquitetada. Agora, o espelho não é mais o objeto de vidro, o espelho d’água que reflete nosso rosto, mas as telas dos nossos celulares e dispositivos eletrônicos, onde essa imagem pode ser alterada, filtrada e ajustada até que pareça perfeita, até sua exaustão. E assim, nos tornamos escultores da própria identidade, manipulando o que é visto e o que permanece oculto, na esperança de agradar e sermos aceitos. Esse fenômeno é como um jogo constante de aparências, onde as regras mudam com base na audiência e auditório. Nesse espaço, somos ao mesmo tempo, os atores e os diretores da peça da nossa vida, decidindo como cada cena será cortada, editada e apresentada ao mundo. Já a autoestima, como uma delicada balança, encontra nesse ambiente um novo tipo de desafio. Subestimada que é, relevamos sua importância para o equilíbrio emocional, ignorando um alerta importante sobre os riscos de medir e comparar nosso valor a partir de padrões externos. Nas redes sociais, essa libra fica ainda mais instável, pois somos constantemente incitados por imagens de vidas fantasiosamente confeccionadas, corpos esculpidos e sucessos inexecutáveis.


Nessa vitrine digital, o corpo não é apenas um meio de estar no contexto do mundo, mas uma tela, onde identidades se notabilizam. Como destaca Susie Orbach; “os corpos vão se tornando verdadeiras vitrines de identidade”, e o sujeito digital, muitas vezes, se vê pressionado a copiar, moldar ao bel-prazer de outros sua constituição física, vestimenta, alimentação, hábitos, etc., de acordo com padrões transcritos. Assim, de repente nos defrontamos inconscientemente influenciados pela busca por excelência. Prontamente, haverá um choque de encontro com a realidade — onde todas nossas supostas imperfeições e limitações irão ao encontro da destruição da autoestima que poderá despencar, nos levando a um ciclo de comparação e insatisfação irreversível. Agora, não estamos apenas nos vendo, mas sim nos comparando com inúmeras outras versões subjetivas de nós mesmos e dos outros. Esse espelho virtual, irá atuar como um caleidoscópio de imagens brilhantes e distorcidas, onde o outro sempre parece mais bonito(a), mais bem-sucedido(a), mais apto(a) e mais feliz.


Efeitos na Identidade Juvenil e nas Gerações Digitais Contemporâneas.


Olhando agora para os jovens que crescem nesse mar digital, a identidade é como uma embarcação no estaleiro, em constante construção. A crise identitária na adolescência é um período de grandes questionamentos e estabelecimento de definições. Hoje, essas tribulações se intensificam, à medida que os adolescentes amadurecem tentando se adaptar a uma identidade líquida e frouxa, onde a autenticidade é incessantemente sacrificada pela busca dessa validação digital. Às reflexões íntimas e autênticas que deveriam se desenvolver naturalmente pelo contato físico — muitas vezes, são substituídas por uma ininterrupta troca de mensagens e interações virtuais. A elaboração da personalidade e individualidade dos pubescentes, se transformam em um game, onde o objetivo é se tornar visível, pop, famoso, popular e curtível, muitas vezes, à custa de explorar verdadeiramente quem se é.


Aumento do Ciberbullying e Outros Tipos de Violência Digital.


Onde a conexão parece à primeira vista uma ponte que nos une a todos, se esconde a sua sombra o ciberbullying, uma forma progressista e sorrateira de violência. Se no passado recente, as agressões precisavam de proximidade física, hoje, por trás de uma tela, o agressor encontra um disfarce perfeito, envolto num manto de invisibilidade que facilita suas investidas. Se bem que Freud nos recorda, que a agressão é parte inerente da nossa condição, agora ela encontra outro espaço manifestado no anonimato, sem a necessidade de enfrentar sua vítima de frente, diretamente. É uma investida ofensiva, que surge como um grito no vazio, sem a culpa de ver as consequências imediatas de suas palavras. Para melhor compreender esse comportamento nada melhor que Lacan. Ele introduz o conceito de gozo, que revela o ''prazer inconsciente'' que o sujeito pode carregar, ao extrair do sofrimento alheio seu próprio deleite. E nas redes sociais, onde tudo é instantâneo, que o júbilo da agressão digital é multiplicado, especialmente, porque o agressor sente que está distante, seguro e imune às repercussões diretas de seus atos. Essa violência online, é muitas vezes mascarada de chistes, sarcasmo, humor e brincadeiras, mas pode deixar cicatrizes e feridas emocionais escavas nas suas vítimas. Viver esse mundo virtualizado, onde tudo está sempre à vista, é como habitar uma casa feita de vidro. Um cenário expresso, escancarado e exposto à constante crítica, onde não importa qual a natureza delas, ao poder provocar efeitos devastadores sobre o bem-estar psicológico do seu habitador. Vale aqui lembrar, trecho inerente da psicanalista Nancy McWilliams, que destaca como nossa autoestima se constrói na maioria com base em como imaginamos que os outros nos veem. E, na internet que se forma essa visão distorcida, que por ângulos perfeitos e prismas transparentes transpassa uma constante competição pela atenção. A cada curtida, há um impulso de validação, mas sua ausência pode desencadear sentimentos de inadequação. Não tenha dúvidas, o uso excessivo das redes sociais pode levar à desconexão emocional, criando uma sensação paradoxal. Podemos estar cercados de pessoas virtualmente, mas, nos sentirmos mais sozinhos do que nunca. Uma comunicação que foca na quantidade, e carece de qualidade, o que pode esvaziar a fundura das relações e interações interpessoais, gerando uma busca incessante por abonação, que nunca será o suficiente. A vítima de ciberbullying, pode ser atacada(o) justamente na importância que dá ao seu corpo, na formação da identidade, na aparência e gostos. Desta forma, encontra o agressor um ambiente propício, com informações particulares e detalhadas da sua provável vítima. Isso pode gerar traumas profundos, como depressão e ansiedade, e, em casos extremos, levar ao isolamento ou até mesmo a pensamentos suicidas.


Educação Digital e a Conscientização sobre Comportamentos Tóxicos.


Em meio a essa turbulência, surge uma necessidade urgente: a educação para o uso consciente e responsável das redes. Mais do que saber como navegar, é essencial aprender a se proteger e entendermos que o mundo online reflete, em muitos aspectos, nossas próprias sombras. A educação digital é como uma bússola que pode nos orientar e nortear, permitindo que como usuários identifiquemos os sinais de comportamentos tóxicos e aprender a evitá-los e enfrentá-los. O desenvolvimento emocional saudável exige que aceitemos tanto as nossas partes boas, quanto aquelas que depreciamos, ambas, como partes integradoras de nós mesmos. Nas redes sociais, onde tudo parece ser editorado para mostrar a versão mais “cool”= (genial), isso se torna um revés. A educação digital pode ajudar a promover uma visão mais equilibrada, nos lembrando, que a perfeição é uma ilusão, uma fantasia impossível.


Privacidade e Segurança — O Preço da Exposição.


Se por um lado, as plataformas digitais oferecem visibilidade e uma sensação de entrelaçamento social, por outro, podem cobrar um preço alto pelo uso. A privacidade que Lacan nos lembra, do poder do olhar do ''Outro'', e nas redes, esse avistar que está sempre presente, julgador, comparativo e quase sempre cruel. Ao expor nossa vida online, nos tornamos personagens e atores de um teatro, onde o público nunca deixa de assistir. Mas, nesse processo, sacrificamos a intimidade, retratando tudo aquilo que pode nos deixar vulneráveis a ataques e manipulações. Outro alerta que merece atenção, são nossos dados pessoais que se tornaram uma moeda valiosa, onde a privacidade está constantemente em risco. Proteger essas informações é essencial para podermos navegar no ambiente digital de forma mais segura, sem delatar aspectos que deveriam permanecer privados. Afinal, um lugar onde tudo é compartilhado, o controle sobre nossa própria imagem passa por uma linha extremamente tênue, e perder esse controle pode ter consequências sérias. No obstante, o custo da exposição continua a ser uma questão primordial. Quanto estamos dispostos a sacrificar de nossa privacidade e segurança em troca de visibilidade?


Impactos Positivos e Negativos das Redes Sociais sob a Análise Psicanalítica.


Este mundo digital que herdamos, nos envolve como um segundo ambiente, um cenário passional, onde nossas identidades e personagens ganham vida entre cliques, marcações e compartilhamentos. Prometem conexão, mas, também trazem consigo um jogo de espelhos e máscaras, onde tanto o brilho quanto a sombra encontram um amplo espaço para se manifestar. Um palco sem limites geográficos, que, no fundo da nossa essência busca seus objetos de amor, recompensa e satisfação. Assim, fica fácil compreender por que nos parecem tão sedutoras, ao criarem laços, comunidades, nos conectam com pessoas ao redor do globo, e nos oferecem oportunidade para moldar e expressar com bastante liberdade, inclusive aquilo que não somos. Por vezes, encontro certo paradoxo, como se estivesse em um grande parque de diversões, saltando de um perfil para o outro, absorvendo o fluxo de informações, validando experiências e ampliando um repertório de relações. Porém, ao mesmo tempo, elas trazem uma provocação. Jacques Lacan, ao falar sobre o “Grande Outro”, ressalta o papel da alteridade na formação do sujeito. E nas redes sociais, esse “Outro” se multiplica e se transforma. Esse olhar de um público invisível, que acho muito interessante. Tenho 3000 ou 4000 seguidores, ou supostos amigos, mais não conto mais de 200 que realmente interagem comigo. Então eu me pergunto… o que fazem na minha rede social e eu nas deles os outros 3800? Por qual motivo estamos conectados? Então, eu acredito que muitos possam se questionar ao respeito, por isso darei 5 motivos que acho plausíveis;


Presença Virtual: Acredito que muitas pessoas, das quais me incluo, mantêm inúmeras conexões por motivos variados, como curiosidade ou desejo de visibilidade. Esses contatos, são mais uma forma de manter uma presença digital do que de engajamento ativo. Essa rede que vamos formando com o tempo, funciona como uma vitrine, onde a quantidade pode ser mais valorizada do que a profundidade das interações.


Função: Redes funcionam como plataformas para partilhar atualizações pessoais, acompanhar atividades de outros e manter uma presença online. A manutenção de muitos contatos, pode ser uma forma de reafirmar a própria identidade em diversos contextos, mesmo que a interação real seja limitada ou nula.


Diferenças na Participação: O nível de engajamento, varia significativamente entre os usuários. Alguns preferem uma postura mais observadora, enquanto outros se envolvem de maneira mais ativa. Essa disparidade entre o número de conexões e a angariação real pode refletir essa diversidade no comportamento dos amigos.


Psicologia das Conexões: Do ponto de vista psicológico, manter um extenso número de conexões pode ser uma forma de lidar com inseguranças ou mesmo buscar validação.


Valor das Interações: A qualidade das interatividades deve superar a quantidade. Ter um círculo menor, mas genuinamente significativo, pode ser mais gratificante do que possuir milhares de contatos com pouca interação real. Isso destaca a importância de focar em conexões autênticas e valiosas.


Refletir e avaliar o que esperamos delas, e como essas expectativas estão sendo atendidas pode nos ajudar a ajustar nossas práticas, promovendo uma maior qualidade nas trocas.


Navegando pela Pressão dos Padrões Sociais Digitais.


Freud, em sua análise que faz sobre o mal-estar na civilização, observa que a sociedade nos impõe restrições que sufocam muitas vezes nossos impulsos. Nas redes sociais, essa tensão se reflete na constante atuação de um “eu” performático, sempre em busca de aplausos. Para fechar, diante desse cenário, a questão que surge é: como encontrar o equilíbrio entre a vida digital e a preservação da saúde mental? Winnicott fala; ao desenvolver o conceito de espaço transicional, descreve um lugar intermediário onde o indivíduo pode se expressar criativamente sem ser consumido pelas exigências do mundo exterior. No contexto das redes sociais, esse espaço é cada vez mais necessário. Precisamos de um ponto de fuga, um lugar onde possamos nos reconectar com nossa essência, longe das pressões digitais. Navegar nelas, exige também a habilidade de se afastar e olhar com distância crítica, usando o autoconhecimento como chave para manter o equilíbrio. Em um ambiente que nos convida constantemente a nos comparar e importante a autopercepção como ferramenta indispensável para evitar a armadilha de medir nosso valor com base nos padrões alheios.


Gratificação Instantânea e o Encontro Fiel Consigo Mesmo.


Assim como no balé, onde o aprumo entre força e leveza é a base, nas redes, precisamos de uma coreografia cuidadosa. Não se trata de abandonar as plataformas, pelo contrário, devemos aprender a dançar com elas, sem perder o compasso da nossa vida interior. Estarmos atentos, como Freud nos ensinou, a trabalhar entre o princípio do prazer e da realidade, pois o verdadeiro contentamento não vem da gratificação imediata que possam fornecer os vínculos, mas do encontro fiel consigo mesmo. Para escapar das armadilhas que suas propostas podem criar e apresentar, é vital adotar uma postura crítica e consciente. Pensar sistematicamente sobre como a tecnologia nos transforma em consumidores passivos. Não sermos arrastados pela correnteza de conteúdos infinitos, ficar ligados para não se perder nessa imensidão eletrônica, moldados por algoritmos, em vez de criar nossa própria experiência. Essa abordagem consciente começa com a aceitação de que a vida digital é uma ferramenta, não uma realidade definitiva. Precisamos de um espaço, sim, onde possamos brincar e criar, longe das expectativas dos outros. O que pode ser entendido como um retorno à autenticidade — uma forma de engajamento sem sermos absorvidos completamente por elas.


Finalizando; Uma Abordagem Crítica à Vida Online e à Educação Digital.


A educação digital também possui um papel crucial aqui. Precisamos ensinar as futuras gerações a navegarem nesse espaço, não como espectadores passivos, mas como indivíduos conscientes de seus próprios limites e necessidades emocionais. É necessário desenvolver a gestão de uma postura de distanciamento crítico, onde possamos utilizar as redes a nosso favor, sem ser consumido por elas.


Como Lacan certamente poderia sugerir, o espelho digital reflete, mas também distorce. Cabe a nós, olhar com discernimento, lembrar que o valor de nossa identidade vai muito além das métricas online, e que a verdadeira conexão, com o outro, é conosco, esse, realmente acontece fora das telas.


Ao poema; Identidade e Ilusão.

Por Dan Mena.


Na era digital, um guia se faz urgente,

É preciso saber como navegar, conscientemente.

Não só para nos proteger, mas para entender,

Que o online reflete sombras que podemos reconhecer.


Como uma bússola de saber, podemos nos orientar,

Identificando os sinais que nos fazem vacilar.

Aceitar o que somos, sem editar e criar,

É o passo necessário para nossa alma equilibrar.


Nas redes, a visibilidade pode ser sedutora,

Mas o preço da exposição carrega uma dor duradoura.

Lacan fala do olhar do “Outro” que não se apaga,

E na tela, o público observa, a crítica nunca se abandona.


Expor nossa vida é estar em constante vigília,

Onde a privacidade se torna uma moeda frágil.

Proteger nossa imagem é um ato essencial,

Para navegar no digital sem cair no mal.


Neste palco virtual, brilham luzes e sombras,

Entre cliques e likes, as identidades se cobram.

Seduzidos pelo brilho, muitas vezes nos perdemos,

Mas no “Grande Outro” de Lacan, nos vemos.


Os números crescem, mas a interação é rasa,

Por que estamos conectados, se a troca é escassa?

A curiosidade e a visibilidade são o que buscamos,

Mas o verdadeiro valor nas conexões encontramos.


Como um balé, entre força e leveza, dançamos,

Nas redes balançamos, na gratificação instantânea nos lançamos.

Não devemos abandonar, mas com cautela agir,

Para encontrar a essência e o verdadeiro ser, refletir.


A vida digital é ferramenta, não é realidade,

Criar e brincar longe da pressão,

É a verdadeira liberdade, a expressão,

O contentamento vem do interior,

Não da validação.

Até breve, Dan Mena.


Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199.

Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130.

Dr. Honoris Causa em Psicanálise pela Christian Education University - Florida Departament of Education - USA. Enrollment H715 - Register H0192.

 
 
 
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