O Analista na Política.
- Dan Mena Psicanálise
- 3 de mar. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 22 de set. de 2024
A orientação dos analistas para as coordenadas que se impõem nos debates sociopolíticos, são alheios à prática da análise, mas sim ao discurso analítico. A intervenção deve procurar influenciar a realidade, sem se submeter a modelos eclesiásticos, partidários ou militares.

A orientação dos analistas para as coordenadas que se impõem nos debates sociopolíticos, são alheios à prática da análise, mas sim ao discurso analítico. Essa intervenção deve procurar influenciar a realidade, sem se submeter a modelos eclesiásticos, partidários ou militares. É um estilo de boa aproximação, uma possível fusão entre psicanálise e política, possibilitando o estabelecimento de campos, que diante da carência do real, tentem ir em busca de sentido. Lacan, desconfiava de ideais, sistemas e utopias políticas. "Não tinha nostalgia, nem esperança, apenas uma grande sobriedade no que se refere à política, acompanhada de inúmeros comentários que iam da ironia ao cinismo, marcados pelo sarcasmo e zombaria, enfatizando que a política é a era dos quadrinhos e dos assassinos". "Nesse sentido, a psicanálise é exatamente o oposto da política."
Um dos grandes benefícios da psicanálise é não haver o outro do outro. Diante dessa dor existencial, surgiu uma totalidade, que se constituiu na esperança de reabsorver a divisão da verdade, instaurando o Reino do Uno no campo da política. Essa perspectiva tem em seu horizonte o desejo de construir uma sociedade disciplinada. Habitada por sujeitos modelos que compartilham, se identificam, num culto à personalidade, e um amor inquestionável por um líder. O analista usa uma palavra e uma linguagem que não é totalmente acessível a todos. Sua participação se baseia em sustentar a decisão, e torná-la menos vertiginosa, no sentido de revisitar as ilusões invisíveis do sujeito nesse campo.
Quando o psicanalista opina politicamente, deve ser um defensor dos direitos humanos, ser contra qualquer discurso ou ação segregacionista, polarizada ou discriminatória.
O analista, deve intervir com "sua decisão silenciosa, que não deve ser confundida com silêncio". Quando a abordagem de Freud passou da cura do sintoma a da compreensão das pessoas para uma visão mais integrada, o tratamento psicanalítico assumiu uma dimensão mais completa que enfatizava a singularidade do encontro de duas pessoas, analista e analisando, que criam um profundo e duradouro relacionamento de vínculos fortes. A relação analítica, tornou-se um campo específico que mobiliza afetos e impulsos inconscientes, onde ambos os participantes são expostos a avatares de transferência e contratransferência. O analista ocupa um lugar no mundo da fantasia do analisando, onde Freud alertou, para as consequências danosas que levaria o adentramento do assunto ao tratamento, nos quais se prescreve a neutralidade, a abstinência e o anonimato do analista.
A micropolítica interna da situação terapêutica, que implica a personalidade de ambos os participantes, com sua fantasia, ansiedade ou defesa, configuram a porta de entrada para o campo analítico entre duas pessoas, uma tensão estruturada conforme as instruções que delas surgem. Por vezes, a abstinência do analista baseava-se em questões políticas sobre a necessidade de manter a neutralidade, no entanto, a mesma não significa que seja apolítico. O problema da neutralidade diante do paciente na sessão, bem como a maneira de abordar os aspectos reais do vínculo analítico, enfatiza a dinâmica do mundo interior e tende a ocupar posições diferentes do que a relação real.
Acredito que seja prudente, tanto para os pacientes quanto para os analistas, evitar abordar tais questões. O paciente está preocupado com seu mundo interior, seus problemas particulares, mas, além disso, ambos relutam em entrar no terreno que desperta sentimentos intensos e por vezes irracionais. O salutar, pode ser um claro acordo para evitar as questões em seus aspectos manifestos, portanto, não se trata de não falar de política, mas de revelar o sentido inconsciente que assume esse rol é momento para o analisado. É verdade que na era da informação massiva, com os buscadores coletando todos os tipos de dados contidos nas redes sociais, é difícil manter os critérios de neutralidade, no entanto, considero válido manter esse critério e trabalhar nos conflitos internos, que nesse aspecto afetem o paciente. Como qualquer profissão que procura curar doenças, aliviar sofrimentos ou administrar melhor os conflitos emocionais, psicanalistas e psicoterapeutas compartilham uma preocupação geral com o bem-estar, a melhoria das condições gerais de vida, a expansão dos serviços de educação, saúde pública e tudo o que constitui um estado de bem-estar.
O ensino de Lacan, aliado a uma perspectiva política democrática, que separa o governo do Estado, respeita a liberdade de expressão e o pluralismo, fornece as ferramentas necessárias para pensar o mundo social. Habilidades que, baseadas na ética analítica, permitem gerar ações que tentarão transformar o transformável do real. Do discurso analítico ao discurso político, a distância entre a ética do bem, e a que tenta encontrar... onde ela está? A decadência generalizada no campo político é conhecida, o que, portanto, não abre caminhos para a discussão racional entre os cidadãos, estamos no campo da opinião polarizada, de onde se desenrola o debate público sobre a desilusão, engano e manipulação. Por Dan Mena. Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 - CNP 1199 Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 - CBP 2022130
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