top of page

Red Pill e Psicanálise

Atualizado: 22 de set. de 2024

Libere-se da ansiedade e da depressão: a psicanálise como ferramenta para o bem-estar emocional.



“A mulher é um sonho do homem”. Lacan, por Dan Mena.

Desenvolvendo a Autoconsciência em um Mundo de Ilusões. Hoje escrevo sobre um conceito que já existe há alguns anos, é, de uma forma ou outra, vem ganhando notoriedade e ascensão. Me refiro a “Red Pill”, um termo que tem suas raízes no filme “The Matrix”, uma obra cinematográfica lançada em 1999 e dirigida pelos irmãos Wachowski. Na trama do filme, o protagonista Neo, (Keanu Reeves, interpreta o personagem Neo nos filmes) Matrix (1999), The Matrix Reloaded (2003) e The Matrix Revolutions (2003), o personagem, se depara logo com uma escolha crucial: tomar uma pílula azul e permanecer confortavelmente na ilusão de sua realidade fantasiosa e fabricada ou tomar uma pílula vermelha, enfrentando assim a verdade ''nua e crua'' sobre o mundo em que vive. Essa metáfora cinematográfica, muito evocativa em sua simplicidade, encontrou ressonância em diversos segmentos da sociedade, mas foi na esfera online, particularmente na comunidade denominada; “The Manosphere”, que o conceito da “Red Pill” nasceu e floresceu, se expandindo para o mundo. Esta agrupação se tornou um fórum para discussões acaloradas e reflexões polifacéticas sobre questões relacionadas à masculinidade, relacionamentos e poder, solidificando o tema como um ícone para uma visão de mundo crítica das normas sociais, convencionais e estabelecidas desta época em que vivemos. Um dos primeiros a dar voz a essa ideologia, foi o autor e palestrante Roosh V, cujo trabalho explorou extensivamente dinâmicas de gênero e os relacionamentos na era digital. Assim, a Red Pill se tornou uma bandeira para aqueles que procuram desvendar as verdades muitas vezes desconfortáveis da sociedade contemporânea, e que buscam, uma compreensão dessa suposta realidade. Sob a lente da psicanálise, traço então uma analogia das famosas pílulas azul e vermelha, para ressoar nos conceitos fundamentais da nossa clínica. Digamos, então, que analogicamente; a pílula azul, pode ser interpretada ou estar como um representante do estado de “ignorância inconsciente do ser”, onde alguns indivíduos permanecem alheios às verdades que vivenciam ou aos conflitos internos que permeiam sua psique. Por outro lado, a vermelha, simbolizo como o ''despertar para essas verdades'', desencadeando um processo muitas vezes doloroso e angustiante para o sujeito, algo crucial de confronto e embate com o real, com nossa realidade e amadurecimento pessoal. Sem dúvidas, é um tema muito interessante, que há algum tempo queria me debruçar sobre ele. Partindo dessas premissas iniciais, me proponho expor o assunto, sabendo da sua sofisticação, obviamente, que sob uma perspectiva psicanalítica, buscando desvendar origens, conceitos, aplicações práticas, questionamentos e impactos gerados na sociedade. Boa leitura.

''A Red Pill representa o nosso momento de confronto com o Real, onde as ilusões são desfeitas e a verdade nua se revela em toda sua crueldade'' Dan Mena. Do filme;

"Se real é o que você pode sentir, cheirar, provar e ver, então real são apenas sinais elétricos interpretados pelo seu cérebro"

Acredito que uma boa forma de abrir o artigo seria fazer às perguntas que permeiam esse debate, tanto aquelas que já interpretei como inquirições e conflagrações regulares, quanto às embaçadas na visão geral da psicanálise. Não necessariamente devem ser consideradas uma verdade, senão, um ponto de vista, inclusive pessoal. Vamos lá;

Qual é a verdadeira natureza da masculinidade e como ela é percebida e definida na sociedade contemporânea?

A masculinidade é compreendida como uma construção social e psicológica, moldada por fatores como identificação com o pai, complexo de Édipo e às normas sociais atuantes. Na sociedade atual, é frequentemente percebida e definida por características como coragem, força física, sucesso profissional e controle emocional, mas sua natureza é multifacetada e fluida, variando conforme influências culturais e experiências individuais.

Como às expectativas sociais em torno do sucesso, carreira e posição, impactam a identidade masculina e as escolhas de vida dos homens atualmente?

Às expectativas em torno do sucesso, profissões e status podem impactar nossa identidade, ao nós atingir na forma como nos percebemos e somos verificados pelos outros. Essas viabilidades, podem nos levar a buscar compulsivamente o sucesso externo como uma forma de afirmar a masculinidade e autoestima. Nossas escolhas de vida, são assentadas e moldadas por essas interpretações, muitas vezes nos levando a priorizar metas de carrera e financeiras, em detrimento das próprias necessidades emocionais e o olhar sobre os próprios cuidados e relacionamentos pessoais.

Quais são os desafios enfrentados pelos homens para corresponder aos padrões idealizados de masculinidade, e como essas pressões afetam nossa autoimagem e bem-estar?

Os desafios que enfrentamos para corresponder aos padrões enquadrados de masculinidade, incluem a intimidação de sermos emocionalmente reservados, assertivos e bem-sucedidos em diversas áreas. Essas expectativas podem nos levar a uma supressão das emoções, que abrem nossas vulnerabilidades, impactando negativamente a autoestima e afetam o emocional. Por sua vez, criam um distanciamento das próprias necessidades afetivas, e elevam uma sensação de inadequação, ao não poder corresponder plenamente a esses ideais padronizados e universais.

Em que medida o poder, a hierarquia e a competição coagem os relacionamentos interpessoais e a interação social dos homens?

A hierarquia e a concorrência, cominam significativamente os relacionamentos e nossa interação social, ao moldar dinâmicas de dominação, submissão, competitividade e rivalidade. Esses elementos, podem resultar em uma busca por controle, afetando como homens interagimos entre si e com os outros.

Como os homens podemos lidar eficazmente com o medo do fracasso e da rejeição em diversas esferas da vida, como romances, carreira e amizades?

Lidar bem com o medo do fracasso e da rejeição é fundamental para o crescimento pessoal e o sucesso em várias áreas da vida. Algumas estratégias que podem ser interessantes para lidar com essas inquietações de forma positiva e construtiva:

Autoconhecimento: Entender as próprias emoções e os gatilhos que desencadeiam o medo do fracasso e da rejeição é o primeiro passo para poder superá-los.

Refletir sobre experiências passadas e identificar padrões de pensamento negativo ajuda a desenvolver uma maior consciência emocional.

Desafiar pensamentos distorcidos: A rejeição é alimentada por pensamentos deturpados e irracionais. Aprender a identificar e desafiar essas ideias, as substituindo por outras mais realistas e positivas.


Aceitar a vulnerabilidade: Reconhecer que isso é natural, sentir medo, desproteção e indefensabilidade em situações de risco ou exposição é essencial para superar esses sentimentos. Ao invés de tentar evitar ou suprimir ditas emoções, é importante aceitá-los e aprender a lidar com eles de maneira saudável.

Definir metas realistas: Estabelecer objetivos alcançáveis e mensuráveis reduz o medo do fracasso, fornecendo um senso de direção e progresso. Dividir grandes intentos em tarefas menores, celebrar conquistas ao longo do caminho, pode aumentar a motivação e a autoconfiança.

Cultivar a resiliência: Entender que o fracasso faz parte do processo de aprendizado e crescimento, contribui para desenvolver resistência e adaptação. Em vez de se abater diante dos obstáculos, devemos aprender com as experiências negativas e seguir em frente com determinação e otimismo para novos embates.

Buscar apoio social: Compartilhar os medos e preocupações com amigos, familiares ou um terapeuta, oferece um ângulo externo para esse apoio necessário. Ter uma rede sólida, para enfrentar abalos com mais confiança.

Até que ponto a sociedade incentiva homens a suprimir emoções em nome de uma noção deturpada de masculinidade, e quais são as consequências disso para a saúde mental e os relacionamentos?

Isso acontece em nome de uma perversão da masculinidade que valoriza a força, a independência e a falta de vulnerabilidade emocional. Essa pressão começa desde a infância e persiste ao longo da vida adulta do sujeito.

Quais estratégias os homens poderiam adotar para se conectar de forma autêntica e significativa em uma era marcada pela superficialidade das interações e da cultura da conexão rápida?

A chave é priorizar a qualidade sobre a quantidade, praticar a escuta ativa, ser autêntico, se desconectar ocasionalmente, investir em atividades compartilhadas e buscar comunidades e grupos afins que promovam uma ligação masculina genuína e significativa.

Estamos conscientes dos riscos associados à adoção de mentalidades de vitimização ou ressentimento em relação às mulheres e à sociedade em geral, e como podemos cultivar uma abordagem mais construtiva para lidar com essas questões?

Isso requer autoconsciência, empatia, engajamento, desenvolvimento pessoal, promoção de relacionamentos saudáveis, autoestima e autoconfiança. Ao adotar essas estratégias, podemos articular e contribuir para um ambiente mais inclusivo, justo e igualitário.


Uma Realidade Oculta.

A "Red Pill" é basicamente uma ideologia associada principalmente à comunidade online de homens conhecida como “manosphere”, embora tem se espalhado por milhares de outros canais e comunidades. Se baseia na crença de que os homens são frequentemente prejudicados pelas mulheres e pela sociedade em geral, e que eles devem adotar uma visão “realista” ou “desperta” sobre questões como relacionamentos, poder masculino e identidade de gênero popularmente, ''ficar espertos''. O suposto narcisismo ferido e seus ressentimentos, que surgem de uma sensação de inadequação, aqueles que se sentem alanceados por experiências passadas mal sucedidas, fracassos ou que foram vítimas de exclusão social. Esses sentimentos podem ser vistos como o lugar onde o ego é ameaçado por eventos que questionam a própria autoimagem do homem. Desgostos podem ser projetados nos outros, especialmente nas mulheres, resultando em hostilidades contra o sexo oposto. Na falta de autocrítica, carecem geralmente de autoconhecimento, optando logo por atribuir a culpa por seus problemas e fragmentações externamente, em vez de examinar suas próprias atitudes. Do ponto de vista psicanalítico, isso pode ser interpretado como uma resistência ao processo de introspecção e análise de si, algo tipicamente desconfortável e ameaçador para o ego. A externalização da culpa e a projeção de suas próprias inseguranças, servem como mecanismos de defesa para preservar tal integridade. A Busca pelo Pertencimento. Quem adere à ideologia “Red Pill”, experimenta um senso de pertencimento e validação, principalmente aqueles que se sentem marginalizados ou são fracos. Podemos entender isso como uma busca por reconhecimento, sendo aceito por uma comunidade que compartilha suas crenças e preocupações, das quais ele não se sustenta por si. A identificação com um grupo ou tribo, fornece uma sensação de segurança, mitigando os sentimentos de alienação. Promovem uma visão de relacionamentos baseada em poder e controle, em vez de intimidade e conexão, refletindo um medo de experimentar suas vulnerabilidades e sujeitar-se. A proximidade emocional com mulheres, pode ser percebida como ameaçadora para seus adeptos, pois, hipoteticamente os expõem como indivíduos à possibilidade de abandonos, adotando uma postura de distanciamento e encapsulamento como forma de se proteger, levantando um escudo contra possíveis feridas emocionais. Vejo nesse contexto, um complexo de superioridade e misoginia internalizada, pois se veem como superiores às mulheres. Interpreto isso como uma tentativa de compensar sentimentos de inferioridade, projetando uma imagem inversa de superioridade e poder sobre outros, especialmente sobre elas. Essa leitura pode ser feita a partir de que certos conflitos infantis desses homens, que não foram devidamente equacionados e resolvidos. Certamente, estão relacionados à elaboração primitiva da identidade masculina, desenvolvimento psicossexual e ao papel que certas mulheres jogaram na vida deles. Embora seja importante reconhecer e abordar determinadas questões legítimas que levantam, isso pode motivar alguns homens a adotar essa ideologia. Também é crucial desafiar certas narrativas prejudiciais e as visões de mundo que se mostram distorcidas na direção promovidas por líderes e participantes inescrupulosos, que tentam tirar vantagem, se aproveitar dos fracassos masculinos para promover o ódio. Equilibrar essa perspectiva, envolve promover uma compreensão mais empática das partes, assim como trabalhar para construir relacionamentos mais saudáveis entre homens e mulheres, sem incluir tendências destrutivas de uma parte a outra.

Despertando para a Realidade na Era Digital.

Mergulhando nas verdades inconvenientes geradas pela sociedade moderna, e utilizando uma análise enriquecida com os conceitos de Lacan. Nesse contexto, suas palavras iluminam como um farol, trazendo a luz os recônditos da psique e os mecanismos de poder laterais das dinâmicas sociais. Ao adentrarmos na “Red Pill”, sob essa visão, ele fala; “O desejo é o desejo do Outro”. Essa frase encapsula a essência da busca por identidade e significado na sociedade atual, onde a validação do “Outro” desempenha um papel fundamental na construção do eu. Em consonância com dita teoria, se revela, como os indivíduos buscam preencher um vazio existencial através da afirmação de poder e dominação que se observam: “O desejo é o desejo pelo que o Outro desejaria”. Nesse dizer encontro, que a busca pelo poderio masculino se torna em si uma tentativa desesperada de se preencher diante de um vazio subjetivo, alimentado por uma demanda incessante de reconhecimento. Seguindo a aplicação dos seus conceitos, encontramos o “estádio do espelho” e “objeto a”, conceitos que nos oferecem leituras cavadas sobre dominação e desejo, muito presentes nas interações comuns das redes sociais e a tecnologia digital. Ele nos lembra: “O eu é o que se vê no espelho”. Aqui, o espelho digital reflete, não apenas a imagem distorcida do eu, mas também, as fantasias e projeções que circundam tais interações online. “A verdade tem a estrutura de uma ficção”. Tal frase, sugere que a verdade é sempre mediada pela linguagem e pelo simbólico, assim como as narrativas fictícias. Isso significa que nossa compreensão de realidade é inevitavelmente influenciada por histórias e interpretações etéreas, em vez de corresponder a uma concretude. Essa assimilação da verdade como uma construção narrativa do ser, tem amplas implicações para a psicanálise e para nossa compreensão mais ampla da natureza da realidade. Nessa busca pela verdade, na era tecnológica, é essencial reconhecer a natureza conflitiva desse panorama e sua conjuntura, que socialmente transcende as ilusões, o que impede que possamos construir sociedades mais justas e inclusivas.

Red Pill x Feminismo.

“A psicanálise é o único instrumento capaz de investigar o campo recôndito da sexualidade humana e suas manifestações.” Freud.

Nesse contexto dos debates atuais sobre gênero, os movimentos ''Feminista'' e “Red Pill” emergem como protagonistas, representando visões antagônicas sobre as relações entre homens e mulheres. Proponho revirmos as principais críticas direcionadas ao ''Feminismo''' pela “Red Pill”, buscando compreender as raízes psicológicas desses embates.

Desconstrução dos papéis de gênero tradicionais:

“A primeira condição da felicidade é que a ligação entre o homem e a mulher seja baseada na mútua dependência sexual.” Freud.

Os principais críticos da “Red Pill” levantam preocupações sobre a desconstrução dos papéis de gênero tradicionais pelo feminismo, sugerindo uma ameaça à estabilidade da identidade masculina e feminina. Segundo Freud, a sexualidade é um componente fundamental na formação da identidade, e mudanças nos papéis de gênero podem desencadear conflitos psicológicos relacionados à autoimagem e ao senso de identidade.

Ênfase na igualdade de resultados:

“A diferença anatômica entre os sexos não é tão grande quanto se pensa. É a função, e não a forma, que define o gênero.” Freud.

Então vemos que a busca do ''Feminismo'' pela igualdade de resultados é contestada pela “Red Pill”, que enfatiza diferenças biológicas entre homens e mulheres. Para Freud, entretanto, a identidade de gênero transcende a anatomia, influenciada principalmente pela função psicológica. Assim, a igualdade de oportunidades é vista como essencial para o desenvolvimento saudável da identidade.

Cultura de vitimização.

“A psicologia nos ensina que a autoestima de uma pessoa é frequentemente prejudicada por experiências traumáticas na infância.” Freud.

Muitos críticos apontam para a cultura de vitimização promovida pelo feminismo, sugerindo que ela desencoraja a autonomia feminina. Freud argumentaria, que traumas passados podem influenciar a autoestima e a percepção de si, mas também ressaltaria a importância do empoderamento para a saúde psicológica.

Politicamente correto e censura.

“Não podemos fazer com que nossos pacientes sejam educados pela verdade, pois nem eles, nem nós suportaríamos isso.” Freud.

O feminismo é criticado por promover uma cultura de politicamente correto e censura, inibindo o debate aberto sobre questões de gênero. Neste aspecto, acredito que Freud reconheceria a complexidade da verdade psicológica e a necessidade de uma abordagem empática ao lidar com essas questões, mas também valorizaria o diálogo honesto como essencial para o desenvolvimento do tema.


Feminização.

“A feminilidade é como uma máscara que oculta uma verdade maior, as quais é a própria essência humana.” Freud.

Preocupações razoáveis das quais compartilho em parte sobre a feminização da sociedade são levantadas pela “Red Pill”, argumentando, que isso mina as relações de gênero. Por esta razão, se entenderia tal não como uma ameaça, mas como uma expressão fundamental da raça, refletindo a busca pelo equilíbrio entre os impulsos instintivos e as demandas sociais. Quando Freud afirma que ''a feminilidade é como uma máscara que oculta uma verdade maior, sendo a ''essência humana'', ele está propondo uma visão provocativa sobre a natureza da feminilidade e sua relação com tal condição. Ao se referir à feminilidade como uma “máscara”, ele está sugerindo que a expressão de características consideradas femininas — como sensibilidade, empatia e receptividade emocional — podem ser influenciadas e moldadas por expectações sociais e culturais. Essas viabilidades, muitas vezes, são internalizadas pelas mulheres, as levando a adotar comportamentos e papéis que correspondem às normas de gênero predominantes em suas sociedades. Portanto, a “máscara” da feminilidade, pode representar uma forma de adaptação social, onde aspectos da identidade feminina são exibidos conforme as exigências e convenções estabelecidas na contemporaneidade. No entanto, percebo nesse dizer, que ao afirmar que essa “fachada,” oculta uma “verdade maior”, Freud propõe que por trás das construções de gênero, existe uma essência mais profunda e universal compartilhada por todos nós, independentemente do sexo ou identidade. Essa “verdade maior”, pode ser compreendida como os aspectos mais essenciais da psique, incluindo nossos impulsos, desejos e conflitos que fazem parte da nossa condição. Portanto, a feminilidade, embora possa ser influenciada por normas e expectativas, não define completamente a identidade de uma mulher, nem limita sua capacidade de expressar sua individualidade e autenticidade. Tomando isso como uma reflexão crítica, tais dimensões podem restringir a liberdade e o desenvolvimento pleno das mulheres. Essa frase pode ser enxergada como um convite ao diálogo, a exploração da identidade feminina e sua relação com sua condição de ser em sua totalidade.

Reconstruindo as Dinâmicas.

Essa complexidade precisa ser analisada sob uma visão perspicaz, visto que os desafios dessas leituras envolvem tanto homens quanto mulheres. Ao explorar ditas tensões entre os movimentos feministas, a Red Pill e as expectativas tradicionais de gênero, se faz necessário e urgente, desvendar paralelamente o poder que permeiam essas relações, e quem luta por quê. A compreensão da masculinidade como construção, é sua própria elaboração coletiva, que hoje também estaria transpassada por uma dinâmica de gênero. Essas expectativas masculinas, que estão em constante evolução, refletem mudanças estruturas na sociedade. Nesse sentido, os homens são confrontados com a necessidade de reavaliar seus papéis, visto toda uma transformação acontecendo evolutivamente. Atualmente, homens enfrentam uma lida permanente com essas novas demandas, digamos de passagem, das novas mulheres, tentando interpretar essas formas de expressão, possibilidades e comportamentos. A luta dos movimentos feministas nas últimas décadas na direção de desvelar o poder imiscuído nas relações, posicionam os homens como sujeitos de práticas nas quais o poder se regula constantemente. Nesse arcabouço, muitos homens já não compreendem o que as mulheres realmente esperam deles ou querem. Aparentemente foram criados funis interpretativos que desembocam em algum tipo de clichê previamente carimbado. Se demonstram proteção e zelo, são controladores e machistas; se permanecem numa posição neutra, estariam diante de um homem desinteressado e de masculinidade frouxa, entre outros padrões e caixinhas que seguem o mesmo ritmo e pareceres. Diante desses arquétipos, mulheres independentes querem quebrar os elos primitivos necessários aos papéis que sintonizam uma relação. Por sua vez, ha uma transferência natural para o homem, que sendo despojado de capacidades nativas e inerentes a sua condição, podem se perceber frágeis, desestabilizados em sua identidade, ansiosos e alijados de exercer suas capacidades viris. Tantas abdicações, desistências e abandonos, possuem afinal uma proposta de renúncia dele a toda agressividade natural, ao aumento da passividade, do homem bonzinho, sensível, solícito, chorão, receptivo, etc., a esse, já não lhe restaria muita energia, nem vitalidade para oferecer às mulheres. Assim, observo; afinal, de toda essa deposição, onde estaria o homem?


A ele foi ensinado a se controlar, não expressar valores negativos como carinho, amor, melancolia, fragilidade, etc., o que de certa forma nos separou e isolou de si. Homens viris, que tem sua masculinidade preservada, precisam demonstrar continuamente uma parte da sua coragem, independência, valor, inteligência e firmeza, mas, historicamente, foram impedidos de demonstrar afetos, sensibilidade e empatia. Assim tiveram que se reprimir. Acredito que a passos lentos, estão aprendendo a lidar com o erotismo como um ato de união física e espiritual, que a troca de prazeres não inclui necessariamente a dominação, e isso pode melhorar significativamente as relações. Masculinidade e feminilidade não são extremos, formam um todo, somos absolutamente contraditórios e intensos. Portanto, podemos encontrar uma infinidade de aspectos positivos nas mudanças ocorridas, nas ideologias que se mesclam na modernidade, e na realidade individual e social. Agora, aprofundando essa análise, é relevante incorporar a perspectiva de Jung. Como afirma; “O encontro com o inconsciente, o qual é sempre um encontro com o outro, é uma experiência moral, um encontro que nos confronta com as limitações da nossa visão consciente e nos força a uma atitude ética e ao desenvolvimento de uma consciência mais ampla”. Essa abordagem mostra a importância da integração das diversas facetas da psique, tanto masculinas quanto femininas, para alcançar uma harmonia interior e uma compreensão mais próxima das relações interpessoais.

Red Pill e o Clube da Luta.


A metáfora da “Red Pill” tem emergido como um símbolo, frequentemente associado a conceitos de despertar, autoconhecimento e resistência às normas sociais convencionais. Originada no influente filme “Matrix” que citei anteriormente, as fronteiras do cinema transcendem para se tornar um conceito discutido e interpretado em diversos contextos. A produção ressoa entre as temáticas da “Red Pill” é o “Clube da Luta”, onde ambos se destacam por suas semelhanças temáticas e suas abordagens nas questões de identidade, alienação e rebelião. Em “Matrix” num determinado momento Morpheus diz a Neo: “Lembre-se, tudo o que estou oferecendo é a verdade, nada mais”. De maneira semelhante, “Clube da Luta” apresenta seu protagonista em um estado de alienação e descontentamento com a vida moderna. Um fenômeno que gera uma quantidade significativa de literatura acadêmica dedicada principalmente ao estudo dos detalhes da representação do capitalismo e da masculinidade, dois grandes temas que estruturam citados enredos. As contribuições, a partir dessa dupla perspectiva, têm sido tão prolífica quanto divergente. Escapar da monotonia e superficialidade do mundo em que vivemos, buscando essência e autenticidade. Como Tyler Durden proclama: “É apenas após perdermos tudo, que estamos livres para fazer qualquer coisa”. A descoberta do “Clube da Luta” e o encontro com Tyler, representam um despertar para uma realidade alternativa, onde a autoexpressão, a genuinidade e a rebeldia são incentivadas. O “Clube da Luta” representa uma tentativa de transcender as limitações impostas pela conformidade social e buscar uma forma original de existência. Podemos encontrar frases que denotam esse sentimento: “Eu não sou meu emprego. Eu não sou quanto dinheiro tenho no banco. Eu não sou o carro que dirijo. Eu não sou o que visto. Eu não sou minhas calças”. A narrativa se desenrola em torno da jornada de autodescoberta dos protagonistas e do embate para se libertarem das amarras do sistema. Essa rebelião assume uma forma mais visceral e confrontadora, refletindo a necessidade de ruptura com as normas sociais que reprimem a individualidade e a expressão genuína do eu. Os MGTOW.

MGTOW é a sigla para "Men Going Their Own Way". Em português, o significado é "homens seguindo o seu próprio caminho".

Dentro desses processos, surgem outros movimentos como os MGTOW, que optam por evitar compromissos sérios com mulheres e focar em suas próprias vidas, interesses e objetivos pessoais. Eles valorizam a independência e a liberdade individual, e muitas vezes, optam por viver de maneira solitária ou buscar companhia apenas entre outros homens que compartilham de suas ideias, destarte, não é homogêneo e seus membros podem ter motivações e visões de mundo diversas. Além disso, algumas críticas diretas argumentam, que podem promover uma visão negativa das mulheres e das relações interpessoais, além de reforçar estereótipos de gênero prejudiciais. Um número considerável de estudos que abordaram o tratamento da masculinidade usando dita perspectiva, destacam o ápice de uma tendência em grande escala marcada pela problemática da masculinidade em crise no final deste século. Faço menção ao “Clube da Luta”, ao abordar a relação com o feminismo, proporcionando uma visão densa das evoluções de gênero e poder. A desconstrução dos estereótipos é uma das maneiras mais marcantes pelas quais confronta o feminismo. Ao retratar personagens masculinos que desafiam as possibilidades tradicionais de masculinidade, como a busca pela condição material e a conformidade com normas sociais rígidas, oferecendo uma crítica implícita aos conceitos convencionais promovidos pelo patriarcado, que pode ser lido como um alinhamento com o pensamento das novas mulheres. Afinal, explora de maneira sutil ditas tensões existentes entre homens e mulheres, que podem ser vistas como uma reflexão das preocupações feministas sobre as assimetrias de poder que existem entre ambos. Podemos extrair;

Representação das mulheres como personagens secundários. Uma crítica comum ao filme é sua representação das mulheres como personagens secundários ou objetos de desejo dos protagonistas masculinos. Embora Marla Singer, tenha um papel significativo na narrativa, ela muitas vezes é retratada de maneira superficial e não recebe a mesma profundidade de desenvolvimento dos personagens masculinos. Essa representação delas como acessórios para a jornada dos protagonistas masculinos pode ser enxergada como uma falha do filme em proporcionar uma representação mais equitativa e complexa dos gêneros. Exploração da crise da masculinidade: Além disso, "Clube da Luta" aborda de forma intensa a crise da masculinidade na sociedade moderna. Os personagens principais expressam uma sensação de descontentamento em relação às expectativas sociais e culturais associadas ao homem, o que evoca críticas feministas sobre os danos causados pelos papéis tradicionais. O filme pode ser interpretado, como uma reflexão sobre as limitações e as pressões impostas às identidades de gênero pelos padrões patriarcais dominantes.

A afinidade entre a metáfora da “Red Pill” e o filme “Clube da Luta” reside na sua abordagem compartilhada de questões existenciais e sociais. Ambos, oferecem uma visão crítica da sociedade contemporânea. Enquanto “Matrix” nos convida a questionar a natureza da realidade e a tomar controle de nossas vidas, “Clube da Luta” nos desafia a confrontar as convenções sociais e a abraçar a individualidade e a liberdade. Juntos, esses dois elementos formam uma narrativa poderosa para aqueles que buscam significado em um mundo muitas vezes dominado pela ilusão e pela superficialidade. Do filme; "Tudo que você possui acaba possuindo você".

"Será que não vou me libertar dos pecados e do perfeccionismo? Digo: evolua mesmo se você desmoronar por dentro".

"Por que será que vivemos trabalhando para produzir o que não consumimos e, em troca disso, consumimos o que não nos é útil e temos o que não utilizamos, e, por fim, nunca estamos satisfeitos?" .

"Primeiro você tem que se entregar, primeiro você tem que saber não temer, saber que um dia você vai morrer".

Fantasias Masculinas na Construção da Percepção da Feminilidade.

Depois de um balaio por diversos tópicos aderidos ao tema, deixei a inteligente e assertiva compreensão de um dos nossos mais notáveis professores para me ajudar a fechar o artigo. A afirmação de Lacan, “A mulher é um sonho do homem”, repercute agudamente com os princípios fundamentais da nossa teoria, e abre uma lente penetrante para examinar o emaranhado das relações de gênero e da formação da identidade. Ao desdobrar essa declaração na clínica, emergem várias camadas de significado que merecem uma atenção redobrada. Em primeiro lugar, é importante compreender que, para Lacan é a psicanálise, a identidade é formada via processos labirínticos, herméticos e enigmáticos que envolvem a entrada do sujeito no mundo simbólico por meio da linguagem. Ditas, representações simbólicas da feminilidade, são construídas e internalizadas pelo sujeito masculino de acordo com uma série de influências, incluindo as normas culturais, as experiências pessoais e as fantasias inconscientes.

Quando Lacan sugere que “a mulher é um sonho do homem”, ele está apontando para o papel central dos devaneios, irrealidades e utopias masculinas que podemos chamar de fantasias. Essa construção encontra eco na nossa percepção da feminilidade. Às mulheres são frequentemente idealizadas e mitificadas como objetos de desejo, espelhando os anseios e projeções dos homens. Essa projeção não é uma mera construção externa, mas sim uma elaboração subjetiva que permeia a psique masculina, influenciando profundamente suas interações e relações com o outro gênero. Essa engrenagem dinâmica, reflete uma assimetria nas relações de gênero, onde o homem é frequentemente posicionado como o sujeito ativo e dominante, enquanto a mulher é relegada a um papel passivo e idealizado. A hierarquia de poder ancestral, enraizada nas estruturas patriarcais que resistem e permeiam a sociedade, onde as mulheres são frequentemente vistas como objetos de satisfação, do prazer e dos desejos masculinos, onde suas vozes e experiências são muitas vezes subjugadas. No entanto, é crucial não interpretar essa afirmação de forma simplista ou reducionista. Ele, quando bem interpretado, não está sugerindo que mulheres são meras criações da imaginação masculina, mas sim, que a nossa percepção como homens da feminilidade, é mediada por uma série de processos psicológicos compostos, agregados como combos, geralmente imanentes. As fantasias e desejos, não são apenas expressões individuais, mas sim produtos de uma cultura, da sociedade na sua totalidade, que moldam e influenciam nossa convivência.

Sua afirmação nos convidam a questionar as narrativas tradicionais sobre masculinidade e feminilidade, além das dicotomias simplistas. Seguindo na mesma linha; “A sexualidade é o ponto de articulação do sujeito e do significante no Outro”. Analogamente, na comunicação, a “sexualidade” pode ser entendida como a energia ou o impulso motor que impulsiona a troca de significados entre os indivíduos. Esse seria o ponto de encontro onde as intenções do sujeito se encontram com a interpretação do Outro, criando um espaço de significação compartilhada. Logo sugere, que a comunicação eficaz não é apenas uma transmissão direta de informações, mas sim um processo complexo de negociação de significados, influenciado por uma série de fatores, incluindo contextos, experiências individuais e dinâmicas de domínio. Assim como a sexualidade é um terreno fértil para a articulação da identidade e dos desejos humanos, a comunicação é o espaço onde as identidades, ideias e emoções são expressas, interpretadas e negociadas entre os sujeitos e o Outro.

“O desejo do homem é o desejo do Outro”; ele não é simplesmente uma questão de satisfação de necessidades físicas ou emocionais. Em vez disso, é visto como um fenômeno enraizado no inconsciente, sugestionado, influído por uma variedade de fatores, incluindo experiências passadas, traumas, fantasias e normas sociais. O “Outro”, não se refere apenas a outra pessoa individual, mas também ao mundo simbólico que molda a percepção da experiência. Ele representa o conjunto de valores e expectativas integralizados pelo sujeito ao longo da sua vida, que exercem papéis, intervenções, interferências e ingerências significativas sobre seu pensamento, comportamento e hábitos. Outrossim, está apontando para que o desejo está indiscutivelmente mediado pelo desejo do Outro. Em outras palavras, nossos próprios desejos são na maioria determinados pelas expectativas e demandas do mundo ao nosso redor. O que desejamos, e como desejamos, é influenciado pelas narrativas, discursos, pressão social e normas que nos cercam.

Por exemplo, o desejo de sucesso, reconhecimento ou poder, pode ser alimentado pelo desejo do Outro - a sociedade global, valoriza tais atributos. Da mesma forma, o desejo de amor, aceitação ou pertencimento pode ser amoldado pelo desejo do Outro, que estabelece normas e expectativas em torno dessas experiências emocionais. Além disso, o desejo esconde, essencialmente, uma intenção de reconhecimento e validação pelo Outro. O indivíduo busca constantemente a aprovação e confirmação dele, procurando espelhos nos outros para aprovar sua própria identidade existêncial. Nossos anseios, não são apenas expressões particulares, mas são encaixados numa variedade de fatores externos. Ao reconhecer essa interdependência entre o desejo e o Outro, podemos começar a compreender mais cavadamente as motivações e dinâmicas que moldam a vida contemporânea de todos.

Afinal, todos querem ter a razão! O que os(as) excita, de fato, é ganhar o debate do sexo oposto. Não existe uma receita mais perfeita para destruir as relações entre homens e mulheres do que os movimentos extremos, cuja origem nasce e se reproduz na ''Matrix'' do ressentimento, lugar do ódio, que nasce da insegurança.

Até breve, Dan Mena.

Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199.

Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130.

 
 
 

Comentarios

Obtuvo 0 de 5 estrellas.
Aún no hay calificaciones

Agrega una calificación
bottom of page