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Socialização - Os 4 Discursos.

Atualizado: 22 de set. de 2024

A relação entre linguagem e poder nos discursos de Lacan.

“Explorando os 4 discursos, somos desafiados a considerar como os sistemas de poder e conhecimento contemporâneo se entrelaçam e reproduzem, influenciando nossas formas de pensar e agir, moldando identidades e às relações sociais modernas.” Dan Mena. Psicanálise e laço social. O avesso da psicanálise foi ministrado por Lacan, na Universidade do Panthéon, em 1969–1970, e ficou conhecido como Seminário 17. Seu objetivo foi retomar o estatuto do sujeito dividido, tomando a psicanálise pelo avesso, pois o “avesso é assonante com a verdade” (Lacan, 1992), onde propõe uma nova forma de entender esse estabelecimento entre os sujeitos. Neste artigo, convido você, meu leitor, a mergulhar nas intricadas camadas da teoria dos 4 discursos. Em um mundo permeado por interações sociais complexas, sob uma lente analítica única, que transcende os limites da psicanálise tradicional, mergulhando no cerne das relações que nos atravessam, do poder e da linguagem, elucidando assim, brilhantemente as dinâmicas que permeiam o social, político e psíquico. Certamente, não são meramente conceitos abstratos; são mapas que nos guiam através das tramas do desejo, da autoridade e da subjetividade. Eles iluminam nossos corredores mais obscuros, revelando suas implicações tanto para o discernimento individual quanto para a análise dos mecanismos que nos rodeiam. Ao longo deste resumo, convoco a reflexão e questionamentos, a dialogarem consigo é com outros, por ser através desse intercâmbio que ampliaremos essa captação prática e pessoal. Boa leitura.

Antes de entrar no tema seria importante definir e esclarecer;

O que é um discurso para a psicanálise?

Para adentrar no conceito propriamente, precisamos entender a estrutura dos discursos para Lacan. Ele define estrutura como “um discurso sem palavras”. As palavras são ocasionais, diz ele; já o discurso, é uma estrutura necessária que subsiste na relação fundamental de um significante com outro. Nada mais são do que a articulação significante, o aparelho, cuja mera presença, o status existente, domina e governa tudo o que eventualmente pode surgir das nossas palavras. São narrativas ''sem palavras'', que vêm em seguida para se alocar nelas; (Lacan, 1992). A sua formalização respeita uma distribuição estelar que se dá em dois níveis: quanto às posições e quanto aos termos. As posições são permanentes: O agente organiza a produção discursiva, domina o laço social, ao dar ''o timbre'' ''o ar'' ao discurso, e possibilitar que haja uma certa alteridade nele. O outro, que não é necessariamente o sujeito, aquele a quem o discurso se dirige, precisa do agente para se constituir. Produção é o efeito do discurso, é aquilo que resta dele. A verdade sustenta o discurso, mas é acessível apenas pelo dito entre palavras. A verdade nunca pode ser toda dita, havendo logo uma interdição nela que se situa entre a produção e a verdade. Os laços sociais são tecidos, estruturados pela linguagem e, portanto, denominados ''discursos''. Não se direcionam apenas à comunicação verbal, mas sim a uma conjuntura melindrosa que envolve não apenas o linguajar, vocabulário, expressão, locução, jargão, etc., mas também, se mesclam nas relações de poder, desejo e significados. Existem então os quatro tipos fundamentais, que descrevem as diferentes formas de relação entre o sujeito, o outro, o desejo e o saber. Em termos gerais, é uma configuração que articula o modo como nós relacionamos uns com os outros e como o fazemos no mundo ao nosso redor, assim como o articulamos e mediamos. Cada discurso tem suas próprias regras e implicações, vejamos suas particularidades;

Quais são eles?

1 - O Discurso do Mestre.

Segundo análise do psicanalista Jorge Forbes, o homem perdeu completamente seu rumo na era da globalização. A este homem ele nomeia de “o homem desbussolado”. É uma expressão que denota uma sociedade em desordem, confusa e que lhe falta orientação. A palavra “desbussolada” é uma forma figurativa de dizer que estamos como um barco sem bússola, ou seja, sem um rumo claro ou uma direção definida. Eis, portanto, que nesta condição surgem os gurus, coachings, influenciadores digitais, entre outros, ocupando um espaço que era anteriormente da cultura é do poder da igreja, que ditava regras, normas e conceitualizava a ética, moral e costumes. Essa expressão é frequentemente utilizada para descrever situações em que as normas sociais, os valores culturais e as instituições que geralmente fornecem ou dirigiam orientação e estabilidade social estão em estado de crise ou em vias de desintegração. Se refere, também, a uma variedade de questões sociais, políticas, econômicas ou culturais que contribuem para uma sensação geral de incerteza.

Por exemplo; uma sociedade ''desbussolada'' pode ser caracterizada por conflitos políticos intensos, polarização social, desigualdades econômicas crescentes, instabilidade institucional, mudanças rápidas na tecnologia e na cultura, entre outros fatores. Esses elementos podem levar a uma sensação de falta de direção ou propósito compartilhado, resultando em um ambiente onde as pessoas se sentem perdidas e inseguras em relação ao lugar que ocupam nos ambientes que participam e ao futuro coletivo.

Origens e Contexto:

O surgimento do discurso do mestre encontra suas raízes no pensamento de Lacan, que foi profundamente influenciado por figuras como Hegel, Marx e Freud. Ao reconceituar a relação entre sujeito, linguagem e poder, identifico nessa dimensão uma estrutura primordial que permeia as relações em diversas esferas. O mestre, assume uma suposta posição de autoridade suprema, se investe do poder do saber absoluto e impõe suas interpretações e desejos sobre outros sujeitos, os quais, por sua vez, subtraídos, reconhecem sua autoridade e se submetem a ela.

Como identificar um sujeito na posição do Discurso do Mestre?

Autoridade Inquestionável: Se estabelece como a fonte última de autoridade, não sujeito a questionamentos ou contestações.

Imposição de Normas e Valores: Ele dita as normas e valores que regem o grupo, moldando as percepções e comportamentos dos demais sujeitos de acordo com seus próprios interesses.

Submissão Voluntária: Aqueles submetidos ao seu discurso, aceitam voluntariamente sua autoridade, buscando se identificar com ele, para obter segurança e reconhecimento.

Manutenção da Hierarquia Social: Desempenha um papel importante na manutenção das estruturas de poder e hierarquia social, perpetuando relações de dominação e submissão.

Implicações Psicanalíticas:

No contexto psicanalítico, é fundamental para compreender a formação do eu e a dinâmica do complexo de Édipo. O sujeito busca se perceber e identificar com o mestre para mitigar sua angústia, tal inerente à falta e à fragmentação do eu, internalizando suas normas e valores como próprios.

Relevância Contemporânea:

Em um mundo marcado por relações de poder, o discurso do mestre continua a ser uma ferramenta de valor para analisar dinâmicas sociais, políticas e culturais. Da política à economia, das instituições educacionais à mídia, sua presença se faz sentir, muitas vezes de forma sutil e insidiosa, influenciando a maneira como pensamos, agimos e nos relacionamos.

No Discurso do Mestre, o agente (A) exerce autoridade sobre o Outro (A) através da mediação do significante mestre (S1). Este discurso reflete as relações de poder e dominação comuns na sociedade, onde uma figura de autoridade impõe normas e valores aos outros. Na prática clínica, vemos isso quando o paciente internaliza crenças ou ideais de figuras de autoridade significativas em sua vida, como pais ou professores, que moldam sua visão de si e de mundo.

Exemplo clínico: Um paciente relata se sentir constantemente pressionado a atender às expectativas de seu pai em relação à sua carreira profissional. Ele experimenta uma sensação de inadequação e culpa sempre que não consegue corresponder às expectativas impostas, refletindo a interiorização do discurso do mestre em sua psique.

“No discurso do mestre, se desvela a dinâmica de dominação e submissão, onde a autoridade é consolidada através da imposição de significados e normas sobre os sujeitos, criando assim uma hierarquia de poder.” Dan Mena.

2 - O Discurso do Universitário.

Lacan observou que o contexto universitário era um local onde o conhecimento acadêmico era privilegiado e sitio nas quais às relações de poder podiam ser reproduzidas de maneira sutil. A essência desse discurso, representa uma estrutura na qual o conhecimento é valorizado como um instrumento de poder e prestígio. Nesse patamar, o sujeito busca obter reconhecimento e legitimidade por meio da acumulação e exibição de conhecimento, muitas vezes em detrimento do seu próprio desejo ou da verdade subjetiva que a íntegra.

Como identificar?

Valorização do Conhecimento: O saber acadêmico é elevado à categoria de moeda de troca social, sendo utilizado para obter reconhecimento e status.

Competição e Hierarquia: O ambiente universitário é frequentemente marcado por uma intensa competição entre os sujeitos para demonstrar sua competência e superioridade intelectual, o que pode levar à criação de hierarquias e exclusões.

Alienação do Desejo: O foco excessivo na autopercepção cognitiva, leva à alienação do desejo do sujeito, que se torna subjugado às exigências do campus universitário em detrimento de suas próprias necessidades e aspirações.

Reprodução das Estruturas de Poder: O discurso deste, muitas vezes reproduz as estruturas de poder e hierarquias existentes na sociedade, privilegiando determinados tipos de conhecimento e excluindo vozes que são muitas vezes marginalizadas.

Implicações Psicanalíticas:

Por outro ângulo, nos oferece perspectivas sobre a dinâmica do narcisismo e da identificação imaginária. O sujeito busca sua alienação ao ideal estudantil do bem-sucedido, buscando obter validação e reconhecimento externo por meio do domínio de supostos saberes.

Relevância Contemporânea:

Conforme o mundo se firma cada vez mais centrado no conhecimento e na educação, o discurso do universitário mantém uma certa relevância. Instituições, faculdades, mídia e cultura popular muitas vezes promovem uma visão idealizada do sucesso da formação universitária, incentivando a competição e a busca por aceitação através do alicerce e princípios educacionais.

No Discurso Universitário, o saber (S1) é promovido como um ideal a ser alcançado, muitas vezes em detrimento do desejo do sujeito (S2). Este discurso reflete a ênfase da sociedade contemporânea na competência e busca pelo conhecimento.

Exemplo social: Em contextos acadêmicos ou profissionais, vemos esse discurso em ação quando o valor de uma pessoa é frequentemente determinado por suas qualificações acadêmicas ou pelo prestígio de suas realizações. Isso pode criar pressões para gerar conformidade e competição no indivíduo, às vezes em detrimento da expressão autêntica do seu desejo individual.

“O discurso do universitário revela a relação entre saber e poder, também destaca como o conhecimento é institucionalizado e usado para legitimar estruturas de autoridade e controle social.” Dan Mena.

3 - O Discurso do Analista.

Situado como uma ferramenta teórica que visa esclarecer a dinâmica subjacente aos processos de análise e os modos pelos quais o analista se posiciona em relação ao paciente e ao discurso que emerge dentro do ''setting analítico'', destaco sua relevância teórica e prática para a psicanálise contemporânea.

Contextualização Teórica:

Para compreender plenamente dita estrutura, é necessário situá-lo no contexto teórico elaborado por Lacan. Ele foi largamente influenciado por pensadores como Freud, Saussure e Hegel, assim, propôs uma revisão radical da teoria psicanalítica, enfatizando a linguagem, o inconsciente e a estruturação do sujeito. Seu conceito de “discurso” não se restringe à comunicação verbal utilizada, mas abrange padrões de interação social que moldam as relações e sua subjetividade. O analista, assume a posição de agente do saber (S1) e o paciente a posição de suposto saber (S2). Essa dinâmica reflete a estrutura fundamental da relação analítica, na qual o paciente busca no analista um conhecimento que o próprio paciente desconhece sobre si. O analista por sua vez, não é absolutamente detentor do suposto saber, mas um catalisador que ajuda o paciente a articular seu próprio inconsciente. Em poucas palavras, não é apenas o lugar de escuta do cliente, mais, sim, o exercício de aprender a se ouvir.

As Quatro Funções desse Discurso:

São quatro funções distintas que o caracterizam;

A: Agente: O analista ocupa a posição de agente do saber, representando o conhecimento que o paciente busca.

S1: S1-Mestre: O saber do analista é encarnado por um significante mestre que estrutura o campo discursivo da análise.

S2: Suposto Saber: O paciente atribui ao analista um suposto saber, lhe conferindo autoridade e confiança para interpretar seus sintomas e fantasias.

$: Plus-de-Jouir (Mais-de-Gozar): O objetivo do tratamento analítico não é eliminar o sintoma, mas permitir que o paciente confronte seu próprio desejo e que consiga reconstruir sua relação com o gozo.

A Prática;

Na prática clínica, a postura do analista em relação ao paciente e ao material clínico. Ele deve evitar se identificar com o papel de mestre absoluto do conhecimento, permanecendo aberto à emergência do inconsciente do paciente e às complexidades do processo analítico. Isso requer uma escuta sensível, uma atenção aos significantes que circulam na sessão e uma disposição para desafiar interpretações pré-concebidas.

A função do analista no processo de (cura), que ao reconhecer que o saber não está exclusivamente nas suas mãos, permite emergir dessa interação entre analista e paciente, uma abordagem dialógica e reflexiva ao tratamento, guiando o processo de transformação psíquica necessário. O analista (A) assume a posição de agente do saber (S1), enquanto o paciente (A) ocupa a posição de suposto saber (S2). Este discurso reflete a dinâmica da relação analítica, onde o analista atua como um facilitador para o paciente articular seu próprio inconsciente e explore livremente seus desejos mais profundos.

Exemplo clínico: Durante uma sessão de análise, um paciente expressa um sonho perturbador e confuso. O analista, em vez de oferecer uma interpretação direta, incentiva o paciente a explorar as associações pessoais e os afetos relacionados ao sonho. Através deste processo, o paciente ganha insights sobre questões inconscientes que estavam influenciando seus pensamentos, comportamentos e hábitos.

“O discurso do analista, como uma adição crucial, revisita a importância da escuta atenta e da interpretação na análise do inconsciente, oferecendo uma via para a desconstrução das estruturas psíquicas e sociais internalizadas.” Dan Mena.

4 - O Discurso Histérico.


O Discurso da Histeria, no seu arcabouço teórico, é essencial para compreender influências e preocupações centrais. Lacan foi profundamente influenciado pelo pensamento de Freud, particularmente pela teoria do inconsciente e pela noção de que a linguagem desempenha um papel crucial na constituição do sujeito. No entanto, também incorporou elementos da teoria estruturalista, especialmente da obra de Saussure, ao enfatizar a importância do significante na construção da realidade psíquica.

As Quatro Funções do Discurso Histérico:

A: Agente: O sujeito assume a posição de agente, buscando uma relação com o Outro através do discurso do mestre.

S1: S1-Mestre: O discurso do mestre representa as normas sociais e as expectativas impostas pelo sistema dominante, mediando a relação do sujeito com o Outro.

S2. Objeto a: O objeto a representa o objeto de desejo do sujeito, uma falta constitutiva que o impulsiona a buscar satisfação através da identificação com o discurso do mestre.

$: Plus-de-Jouir (Mais-de-Gozar): O sujeito busca incessantemente a satisfação de seu desejo, mas essa busca é marcada pela falta e pela impossibilidade de alcançar uma plenitude desse gozo.

No Discurso da Histeria, o sujeito (A) busca satisfação de seu desejo através da mediação do discurso do mestre (S1) e do objeto a (S2). Este discurso revela as contradições e impasses inerentes à busca do sujeito pela plenitude de gozo. Na prática clínica, isso pode se manifestar nos sintomas histéricos, sendo uma expressão do conflito entre o desejo do sujeito e as normas sociais internalizadas.

Exemplo clínico: Uma paciente apresenta sintomas físicos recorrentes, como dores inexplicáveis e problemas gastrointestinais, que não têm uma explicação médica clara uma vez realizados os exames de rotina. Através da análise, se revela que ditos sintomas estão ligados a um conflito não resolvido entre seu desejo de independência e autonomia e as expectativas familiares sobre seu papel tradicional de cuidadora.

A Prática;

Oferece compreensão dos sintomas histéricos e das dinâmicas de poder. O analista deve estar atento às formas pelas quais o sujeito se posiciona em relação ao discurso do mestre e ao objeto de desejo, reconhecendo as contradições e os impasses que surgem nessa interação. A qual nos convida a refletir sobre as formas pelas quais o poder, o saber e o desejo se entrelaçam nas interações possíveis. Assim, tal Discurso, para nós, psicanalistas modernos, nos permite um aprofundamento nesse processo de subjetivação que se interpõe.

“O discurso da histeria, mergulha na exploração da subjetividade, destacando como os desejos individuais e as identidades são moldadas e contestadas em conjunturas sociais e culturais.” Dan Mena.

O Quinto Discurso (uma posição inacabada).

5 - O Discurso do Capitalista.

Como uma questão intrigante emerge a possibilidade iminente de um “quinto discurso”, esse que seria capturado pelo surgimento do capitalismo avançado. O capitalista logo se destaca como um protagonista central que ocupa uma posição de extrema importância. Detentor dos meios de produção, exercerá um domínio sobre a estrutura econômica e social do mundo, em consequência afetando os indivíduos. A busca incessante pelo lucro passa a moldar não apenas a economia, mas também a cultura, a política e a subjetividade. Essa influência do capitalista, transcende os limites da fábrica, empresa ou do escritório, e penetra todas as esferas da vida moderna. Por outro lado, o lugar do outro será ocupado pelo trabalhador, e cuja posição virá ser caracterizada pela venda de sua força de trabalho em troca de um salário. O trabalhador se torna assim uma mercadoria no mercado de trabalho, e se sujeita às demandas e condições impostas pelo capitalista. No entanto, essa relação não é unilateral; o trabalhador mantém uma conexão latente, capaz de resistir à exploração e lutar por melhores condições de vida e trabalho.

A produção da verdade, nessa conjuntura, será regida pela lógica do mercado. O valor das mercadorias será determinado não apenas por seus custos de produção, mas também por sua utilidade percebida e sua escassez relativa. O mercado, como um árbitro impessoal, irá atribuir valor às coisas de acordo com suas próprias leis, muitas vezes desvinculadas das realidades sociais e ambientais.

Por fim, o lugar da verdade será ocupado pelo valor de troca, e aqui, reside a essência do capitalismo: a busca ininterrupta e selvagem pelo lucro e a acumulação de capital que não se mostra justo. O valor de troca se torna o princípio orientador das nossas interações, muitas vezes eclipsando considerações éticas e morais. O resultado é uma sociedade marcada por desigualdades econômicas e sociais, que exacerbam a pobreza, a exploração e a degradação ambiental em escala global que estamos presenciando há décadas.

Quando analisamos o discurso do capitalista, somos confrontados com suas contradições e tensões inerentes ao seu sistema e funcionamento. Enquanto promete uma suposta liberdade e prosperidade, se perpetua como um discurso regado a-desigualdades e alienação. A compreensão dele nos sugere obter valiosas interpretações, aspectos, ângulos, olhares sobre as dinâmicas sociais contemporâneas e as possibilidades de transformação nas quais precisamos corrigir. O discurso do capitalista não é apenas uma descrição das relações de poder no capitalismo avançado, mas também uma provocação para a movimentação da ação política e social. Ao reconhecer suas enormes injustiças e contradições, somos desafiados a imaginar e lutar por alternativas mais compatíveis, consentâneas, efetivas e sustentáveis. O verdadeiro poder desse discurso, reside não apenas na sua análise crítica, mas também na capacidade de nos inspirar a defrontar mudanças significativas urgentes em direção a um mundo mais equitativo e humano.

Um exemplo prático;

Imaginemos uma situação em que João trabalha em uma empresa de tecnologia. Nesta empresa, há uma cultura corporativa que valoriza a competitividade, o sucesso individual e a acumulação de riqueza como sinais de status e realização pessoal.

Agente (S1): Neste caso, o agente seria a própria empresa de tecnologia, representando o papel do “mestre” ou do poder que impõe suas demandas e valores sobre os funcionários.

Outro (S2): O “outro” pode ser entendido como a narrativa predominante na cultura corporativa que promove a ideia de que o sucesso é medido pela riqueza material, posição hierárquica e reconhecimento social.

Produto (a): O “produto” neste contexto seria o trabalho de João, sua produtividade, sua contribuição para os lucros da empresa e sua capacidade de gerar valor econômico.

Verdade (V): A “verdade” neste espaço seria a ideia internalizada por João de que ele só pode ser verdadeiramente bem-sucedido se alcançar metas de desempenho, subir na hierarquia da empresa e acumular riqueza pessoal.

“Ao integrarmos o discurso do capitalismo aos outros quatro, convocamos considerar as implicações psicológicas e sociais das estruturas econômicas dominantes atuais, incentivando uma reflexão crítica sobre as condições de vida na contemporaneidade.”

Dan Mena.

Neste exemplo, podemos entender claramente como o discurso do capitalista opera quando João internaliza as ideias e valores promovidos pela cultura corporativa, identificando seu próprio valor e sucesso com base em critérios definidos pela empresa. Isso pode levar João a sofrer uma série de efeitos psicológicos e emocionais, como ansiedade, competição desenfreada, alienação e falta de satisfação pessoal, especialmente se ele se encontra em uma posição onde não consiga atingir esses objetivos. Observo, logo, que tais dinâmicas nas empresas e organizações, se infiltram no nosso inconsciente, sem que possamos perceber o quanto internalizamos seus únicos propósitos de enriquecimento, o quanto somos alienados por elas e reproduzimos normas e valores do seu sistema inconscientemente.

O Discurso do Capitalismo cintila sobre as interações entre economia, desejo e subjetividade, evidenciando como o sistema econômico atual nos molda, não apenas nas relações de produção, mas também, exerce total influência nos nossos desejos e aspirações individuais.” Dan Mena.

Vejamos algumas frases importantes do seminário;

“Os quatro discursos não são, evidentemente, quatro maneiras diferentes de falar das mesmas coisas, mas sim quatro coisas diferentes que se dizem de maneira diferente.” (Seminário XVII, O Avesso da Psicanálise);

“A teoria dos quatro discursos é a articulação estrutural que permite encontrar o lugar do sujeito e sua relação com o desejo e a linguagem.” (Seminário XVII, O Avesso da Psicanálise);

“O discurso é uma estrutura complexa que envolve quatro posições fundamentais: agente, outro, produção de discurso e verdade.” (Escritos);

“Os quatro discursos representam as formas pelas quais o sujeito se relaciona com o mundo e com os outros, e como ele articula seu desejo dentro dessas relações.” (Seminário XVII, O Avesso da Psicanálise);

“Cada discurso possui sua própria lógica interna, suas próprias regras e implicações, que moldam as interações sociais e psíquicas dos sujeitos envolvidos.” (Seminar XVII, O Avesso da Psicanálise);

“Os discursos não são apenas ferramentas de comunicação, mas estruturas que moldam e organizam a experiência subjetiva e social.” (Escritos);

O que implica um “discurso”?

Tudo o que compõe um “discurso” psicanalítico, se refere a um conjunto de ideias e conceitos específicos desse nosso campo científico e teórico. Mas também, podemos pensar nele como uma troca de mensagens entre pessoas. Essa “conversa especial'' que acontece entre o sujeito e outras pessoas ao seu redor, que vai além das palavras que são ditas, inclusive a ''não expressas'', e isso inclui tudo o relacionado a desejos, prazer e amor.

O sujeito é formado a partir da relação entre palavras e, nessa conexão, algo sempre se perde. Essa perda, que Lacan chamará de “objeto a”, existe em quatro partes importantes dentro desse “diálogo”;

Tem o “agente”, que é o sujeito.

Tem o “outro”, que é um tipo de mensagem ou ideia importante.

Tem a “produção”, que é o conhecimento construído nessa conversa.

E tem a “verdade”, que é aquilo que causa nossos desejos e prazeres.

Essas partes todas juntas formam diferentes tipos de “conversas”.

Quando alguém faz terapia, acaba aprendendo bastante, inclusive sobre si, ao final dela, a pessoa pode até mesmo se tornar um terapeuta. Isso acontece quando alguém que estava sendo tratado passa a entender mais sobre o próprio inconsciente e, com isso, pode ajudar outras pessoas. Assim, enquanto houver alguém disposto a ajudar outros que precisam de ajuda, a terapia pode continuar acontecendo. A ideia é que, durante o percurso terapêutico, a pessoa que está sendo tratada possa falar sobre o que está sentindo e pensando, sem ter medo de ser criticada(o) ou julgada(o). E é aí que entra o analista para ouvir, sem julgar, e auxiliar o indivíduo a entender melhor seus próprios pensamentos e sentimentos. Essa troca de ideias ajuda a pessoa a lidar melhor com suas preocupações e problemas, em um ambiente de confiança, onde é seguro falar sobre qualquer coisa.

O Discurso Analítico.

O que caracteriza esse discurso analítico é sua própria pergunta. O que o histérico(a) demanda através de seu sintoma? O que ele representa com seu sintoma? Qual palavra poderia ser colocada no lugar do sintoma? Assim, ao escutar uma palavra com a qual intuir a resposta para sua pergunta, permite que ocupe o lugar da verdade e o objeto seja a causa do desejo, esse é o lugar do agente do discurso. Por isso, uma das perguntas da Psicanálise é: O que uma mulher deseja? E a outra é: O que é ser Pai? Por fim; O que caracteriza a interpretação analítica? A posição das letras ou palavras em seu lugar correspondente? As formações do inconsciente ocuparão o lugar da produção e o objeto a será o Agente do discurso. A letra é efeito de discurso, diz Lacan, de modo que a letra do alfabeto fenício surgiu primeiro, o que é tipicamente efeito do discurso, antes que a alguém lhe ocorresse usar letras, O sujeito já era um(a) portador e transmissor da letra.

Ao poema;

"Sinfonia dos Quatro Movimentos:

Um Poema sobre os Discursos de Lacan, por Dan Mena.

No palco da psique, ecoam quatro vozes,

Discursos que descortinam uma tal soberania,

O mestre proclama na sua voz a tirania,

No discurso do mestre, de Rei se reveste.

A histérica, em sua angústia, se desnuda,

Na fala onde a dor se acomoda intrometida,

Universitárias tramas de saberes se entrelaçam,

No enunciado do saber, verdades se abraçam.

Além desses quatro, um quinto se apresenta,

O do capitalismo, onde a riqueza se sustenta,

Na narrativa do lucro o valor é transformado,

Desejos e sonhos pelo mercado moldados.

Nessa sinfonia de falas, o analista se encontra,

Como guia no labirinto, onde a mente se desmonta,

Com escuta perspicaz, desvenda os segredos,

Dos sujeitos em busca de alívio para os medos.

Assim, os discursos em versos se enredam,

Complexidades que a mente arremeda,

Em rimas e em prosa, eles se acanastram,

Numa dança de significados que se abraçam.

Até breve, Dan Mena.

Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199.

Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130.

 
 
 

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Unknown member
Apr 02, 2024
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Muito bom seu trabalho

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Muito grato pelo seu feedback positivo Rafaela.

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