A Morte.
- Dan Mena Psicanálise
- 4 de nov. de 2023
- 23 min de leitura
Atualizado: 22 de set. de 2024
Como lidar com a finitude da vida?
Seria a a morte uma porta para a espiritualidade e a vida eterna?
“A morte não é o fim, mas sim uma transformação da energia psíquica, uma transição para um estado espiritual que nos fascina e aterroriza.” Dan Mena. Por Dan Mena.

O que realmente tememos quando receamos falar da morte?
Escrever sobre a morte não é uma tarefa fácil, quanto mais falar sobre. Bem, a verdade é que a maioria dos temas que apresento são assuntos que as pessoas não querem realmente saber ou enfrentar. Neste caso, é fácil observar no dia a dia como falar sobre a matéria representa um tabu social, é uma conversa geralmente evitada, que gera choque e, muitas vezes, um vazio de palavras perante as situações em que está presente. Há também vergonha e culpa quando alguém é questionado sobre um familiar ou amigo que morreu e não se sabia ao respeito. Parece que aparentemente não se pode falar sobre estas coisas. Ao mesmo tempo, a sociedade contemporânea parece não tolerar nada que implique perdas ou fracassos, tentando produzir uma imagem da vida que planeja ser fantasiosamente impecável, marcada pelo mandato imperioso do sucesso certo e imediato. Observo um discurso capitalista onde a castração (a castração na psicanálise é uma construção do imaginário, não sendo necessariamente uma ameaça física. São ilusões que residem no subconsciente, conferindo significado à experiência da criança no convívio com seus pais e consigo própria.)… é renegada, promovendo um ideal de eterna juventude, afastando também a ideia de extinção como algo possível metaforicamente. Quem nunca ficou acordado à noite pensando no vazio e na escuridão que isso representa? Muitos medos são gerados por esse fim supostamente trágico que todos sabemos que chegará mais cedo ou mais tarde, no entanto, tentamos evitar e defrontar. Passamos pela vida como se fôssemos eternos, esquecendo que somos frágeis, que podemos desaparecer de um dia para o outro. Este amedrontamento do desconhecido surge logo na primeira infância, quando começamos a perceber que um dia seremos apenas uma memória. As conversas sobre a mortalidade são censuradas desde o início da vida, pois os adultos também relutam em explicar ou falar sobre o assunto com crianças. Por seu lado, embora infantes receiem quanto a ela, não acreditam plenamente que um dia vão perecer, e a vêm como algo distante. De fato, é assim para todos nós, pois Freud chegou a sugerir que não acreditamos plenamente em findar, e que não nos imaginamos na sucumbência. Tudo isto resulta provavelmente de uma crença errada de que como extintos somos vítimas, porque na morte deixaremos de poder usufruir dos bens terrenos, dos prazeres, dos afetos e objetos a que estamos fortemente ligados. Esta pretensa privação não é desprovimento do ponto de vista do finado, pois como mortos, não temos nenhuma abstinência a fazer. A sociedade começou a avançar quando tomou consciência do inevitável desaparecimento a que estamos sujeitos, e começou também a enterrar seus mortos e a honrá-los. É preciso compreender, que este temor é o que nos torna humanos, na medida que somos os únicos animais com uma verdadeira consciência dela, e que a espiritualidade pelo sopro da vida é o que nos torna almas genuinamente. “Então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra e soprou em suas narinas o fôlego de vida, e o homem se tornou um ser vivente.” Gênesis 2:7. A vida é trágica, chegamos aqui sem saber o porquê, e também, precisamos aprender desde o momento em que nascemos a dizer adeus, ao menos a esta dimensão.
Seria este o proposito da vida?
“Todos os que são chamados pelo meu nome, os que criei para a minha glória, a quem formei e fiz.” Boa Leitura.
Ninguém acredita na sua própria extinção.
Da matéria emerge à compreensão desse fenômeno inevitável. Freud nos oferece uma perspectiva intrigante: ''a morte é um conceito intratável, uma vez que qualquer tentativa de concebê-la nos leva a uma percepção paradoxal''. Somos confrontados com a noção de que, ao pensar nela persistimos como meros observadores num estado de negação da própria destruição, um espaço irrepresentável, realidade que escapa às nossas definições e, portanto, carece de uma inscrição psíquica. No cerne dessa discussão, está a ideia de que seu indeferimento não opera nos recessos do inconsciente, onde as leis clássicas da lógica são desafiadas. A coexistência de representações opostas e ambíguas, sem seguir as normas da lógica, uma característica do nosso inconsciente. O “Id”, é impulsionado por uma incessante afirmação e desejo de prazer, nos levando a um plano de subjetiva consideração e dissimulada imortalidade. Assim, o pensamento intricado de que a própria morte é inimaginável sem a sobrevivência da experiência, se entrelaça com a dicotomia entre o sujeito da enunciação e aquele do enunciado, um conceito linguístico adotado por Lacan. No contexto da linguística lacaniana, o sujeito da enunciação não se refere a um indivíduo concreto, mas ao ato da fala em si. Enquanto isso, tal é traduzido pelos pronomes que apontam em diferentes direções, delineando os papéis dos diversos interlocutores na sua comunicação. Nesse diagrama, o pronome “eu” representa o sujeito que faz a enunciação, mas não se confunde com o autor da fala. A dualidade entre o sujeito da enunciação e suas enunciações confunde a percepção do “eu”.
"A eternidade é um conceito que a linguagem busca, mas a morte é a própria dimensão que escapa à palavra, revelando o silêncio do real, onde o infinito e o finito se entrelaçam, desafiando nossas tentativas de representação." Lacan.
Em meio a esse quadrante, surge a sabedoria de Lao-Tse: “Viver é chegar e morrer é regressar”. Esta frase, nos lembra da inevitabilidade da morte e da possível continuidade da existência em um plano desconhecido após a morte física. Essa reflexão, embora desafiadora, nos instiga quanto as verdadeiras fronteiras da compreensão, reconhecendo a riqueza do pensamento filosófico e psicanalítico que permeiam este tema tão universal. As ciências do homem não se ocupam da morte. Se contentam em reconhecer o homem como o animal da ferramenta; (Homo faber), do cérebro (Homo sapiens), e da linguagem (Homo loquax). ''No entanto, a espécie humana é a única para a qual a morte está presente ao longo da vida, acompanhada, de um ritual fúnebre, que acredita na sobrevivência ou na ressurreição dos mortos, assim, ela introduz uma ruptura ainda mais surpreendente entre o sapiens e o animal do que o utensílio, o cérebro ou a linguagem.'' (Morin, 1994).
A tendência agressiva no psiquismo.
Na análise da psicanálise freudiana, o conceito assume uma relevância fundamental para nós psicanalistas, pois se relaciona com as ideias de inconsciente e pulsão. Estes elementos não apenas emergem de experiências pessoais, mas também resultam das análises e autoanálises feitas por Freud, delineando um processo evolutivo e teórico. Em 1900, embora a teoria do inconsciente ainda não estivesse pronta, e, por meio de sua autoanálise, ele identifica um desejo interno em sua psique de ver a ''morte do outro'', interpretado como um sujeito exterior ao ''ego'', um rival, independentemente de ser familiar ou próximo. Esta descoberta, não apenas revelou esse desejo interno, mas também reconhece nele um sentimento de culpa que emergia após a ausência factual do outro. Após a Primeira Guerra Mundial em 1915, se considera verificar a presença de uma tendência agressiva no psiquismo, corroborando suas observações anteriores em “A Interpretação dos Sonhos”. Agora, com o conceito finalizado e teorizado de inconsciente, ele atribui essa tendência à destruição do outro como um vestígio arcaico e primitivo do ser, herdado psicologicamente com uma agressividade original transmitida de geração em geração, desde o início da espécie. Essa característica previamente esboçada em “Totem e Tabu” de (1913), se torna uma parte essencial do conceito de inconsciente. Além disso, a vivência da morte de um familiar, permitiu a Freud considerar a possibilidade de uma vida após a morte, bem como a existência de uma alma imortal. Isso levou a uma fusão entre inconsciente e corpo, uma concepção análoga à antiga dualidade delas na filosofia grega. Ambos, a alma grega e o inconsciente freudiano, são como que os prisioneiros do arcabouço da carne e do corpo. Após a sumidura do sujeito em que residem, persistem, ao serem imortais. A crença na perenidade do inconsciente surge da falta de associação com a mortalidade do fisiológico. O inconsciente, ao contrário do corpo finito, não concebe nada negativo, como a morte, e não sente a proximidade dela, ignorando, por exemplo o avanço da idade. A reflexão de Jung se encaixa aqui: “A morte é algo vital, pois a imortalidade não valorizaria a vida, nem daria coragem para enfrentar o perigo”. Essa frase se liga às concepções e ideias de Freud, destacando a interdependência entre a mortalidade e a vitalidade existencial. A compreensão da morte freudiana, é profundamente embaçada em considerações sobre o inconsciente e pulsões, e na relação entre vida e sucumbência da nossa vivência. O Inconsciente se assemelha à mente de uma criança, ignorante das implicações reais da morte, permanecendo imortal em sua própria ignorância, esta crença é alimentada pela ausência de representação dela mesma, semelhante a essa perspectiva infantil. Ditas ideias se ampliam quando aparece o desejo da morte do outro, o transferindo para o próprio eu. Assim leva à consideração da pulsão de morte uma força interna que domina o nosso comportamento, e que, de certa forma, está subordinada ao inconsciente. Esse portento sugere que dita pulsão agressiva é inerente à nossa natureza, herdada desde tempos primitivos, entrelaçada com o funcionamento da psique inconsciente. A suposta ignorância infantil sobre a morte que crianças demonstram, levanta dúvidas sobre a ausência total de representação dela. A possibilidade da repressão surge, indicando que o subconsciente pode censurar, esquecer ou negar a ideia do decesso, a tornando uma experimentação problemática ao nível da interpretação. A interconexão entre a hostilidade original em relação ao inconsciente, é examinada em relação à pulsão. Tanto ela quanto a segunda possuem uma qualidade eterna, com o inconsciente sobrevivendo além do sujeito em que habita, enquanto pulsão, especificamente a de morte, simbolizando uma tendência de retorno ao inorgânico, uma questão que pode estar subordinada ao inconsciente, considerado um organismo dinâmico. “A mente é como um iceberg, ela flutua com uma sétima parte de sua massa acima da água.” Freud. Essa metáfora enfatiza a vastidão do inconsciente humano, que opera nas profundezas e influência nossa conduta de forma sutil e poderosa. Em 1926 ele diz: “toda morte é um suicídio disfarçado”. A este inconsciente falta o sentimento de culpa, fato relacionado a pulsão, onde o perecimento representa e implica, um saber acompanhado pelo ''know how'' que a idade proporciona. Para além de guardar em si um primitivismo, aquele caráter próprio do homem antigo e arcaico, enquanto pensa e deseja, se comporta como uma entidade dentro de outra chamada homem, com a qual, funciona como uma criança que pode facilmente desejar a morte do outro sem a conceber como algo terrível, e, se a morte é pensada como algo mal, não no sentido moral, mas simplesmente como algo negativo. O inconsciente não concebe tal coisa, a negatividade, nele converge para os opostos. A nossa atitude perante a morte, aquilo que chamamos o nosso inconsciente; o estrato mais profundo da nossa alma, composto por moções pulsionais, não conhece absolutamente nada de negativo, nenhuma negação, — os opostos coincidem nele — e, consequentemente, também não conhecem a própria morte, à qual só podemos dar apenas um conteúdo negativo.
Morín, a divisão entre o homem e o animal.
A própria morte pode ser considerada não só como o fim da existência orgânica de cada ser vivo, mas também como um dos maiores estímulos ao pensamento humano. As palavras de Morín a propõem como aquilo que estabelece a maior divisão entre o homem e o animal, mesmo acima do tamanho do cérebro, e o fato é, que, embora se possa falar de uma consciência dela em todas as espécies, e, até de um medo da sua proximidade em alguns casos animais — porque ao nível humano é mais comum, visto que apenas o homem adorna a morte com ritos e crenças. Quanto se sabe sobre ela?. Muito pouco ou nada, se for abordada como um acontecimento físico, é vista como a cessação do orgânico, da falência dos órgãos, das causas patológicas que podem ser explicadas pela medicina, outros, cujas razões serão devidas a explicações psíquicas. Daí o fato de se falar em males psicofísicos, que possibilitam uma análise não só extra-morte, mas muito mais ampla, porque sua presença em vida é mais desoladora enquanto acontece na própria existência de um sujeito sem a morte do sujeito. Isso significa que não só acontece na própria existência, como também na própria subsistência sem a morte dele, essa que afeta não só o indivíduo, mas também aqueles que lhe são próximos, com mais força do que se ele simplesmente deixasse de existir. Esta relação com o psíquico se abre como uma questão importante ao nível da psicanálise. Não só devido à chamada pulsão de morte, como essa força interna que impele ao fim da própria vida, mas também porque implica lidar com um dos conceitos centrais da nossa clínica, a ''pulsão de morte''. Na primeira tópica do inconsciente como uma instância psíquica que faz parte de um sistema trinitário, constituído por elementos reprimidos, se privando do acesso à consciência, graças à ação da repressão. Ditos conteúdos recalcados são representações pulsionais da consciência, onde habita um desejo de morte do outro, e até do próprio sujeito em que habita. Se considerarmos este último, por exemplo, em relação à pulsão de morte como uma dramatização pulsional desta última, que está retida no inconsciente. Destarte não seja fácil reconhecer um desejo interno de morrer que não cessa de operar enquanto não se realiza. Enquanto o inconsciente deseja a morte do outro, ele conduz a sua própria existência, acreditando que a morte que deseja não o pode afetar, e assim, se considera imortal. Essa situação complica a análise da morte quando abordada pela psicanálise, ao colocar imediatamente algo imortal em um ser mortal. Enquanto a defunção for considerada em relação à vida, quer como um oposto, quer uma contingência possível ou uma realidade irrefutável da qual não há retorno, se pode dinamizar o pensamento e estimular a vida. Se a morte pode ser considerada algo necessário à vida, apesar de ser em si o seu oposto, é um tema que exige considerar o ponto de vista orgânico que pode responder a um porquê, como, quando e onde, ao implicar suas causas e consequências sobre um sujeito, bem como sobre os que lhe são próximos, tanto ao nível psíquico quanto físico. De um ângulo emocional, exige mais atenção, por implicar ver como acontece a um indivíduo em vida, perante a perda de um ente querido, de um objeto amado, de uma sentença de morte, etc. Este tipo de análise a partir de um conceito orientador como o inconsciente, nos permite considerar o ser desde as primeiras fases da vida até ao fim da sua existência.
Quando tentamos falar sobre a morte, algo sempre escapa.
Quanto a sua concepção vemos claramente a limitação do nosso pensamento, que permanece preso ao domínio dos significantes. O raciocínio que está ligado à linguagem, e a morte considerada irrepresentável, nos revela uma falta essencial de significativos para ser abordada por inteiro. Mesmo quando tentamos falar sobre, algo sempre escapa e foge ao dizer, o que indica a impossibilidade de ser absolutamente compreendida por meio da expressão. Qualquer discurso que busquemos ao lhe atribuir sentido acaba por falhar, pois a verdade sobre tal só pode ser enunciada no próprio ato de perecer. No entanto, existe uma exceção a essa barreira linguística: o suicídio. Como um gesto que permite ao indivíduo estabelecer um significante para sua própria morte, como exemplo às cartas de suicidas que reproduzem enunciados e testemunham sua própria decisão. Quando falha, erra na dose, na altura, no elemento liquidante, no tempo ou momento, mas ainda, deixa um apelo ao ''Outro'', um ou vários argumentos, se expõem, conjeturam, e vemos, que nem sempre o desejo autodestrutivo se alinha completamente com sua pronunciação, indicando uma possível direção oposta e inconsciente. O homem é um ser simbólico, utiliza o desviver como um ícone, representado primeiramente pelo ritual do enterro, usa o sepultamento como uma forma de eternizar sua existência, se inscrevendo nos registros do ''Outro'', mantendo assim a sua convicção paradoxal de imortalidade. Quer ser no seu fim, um signo eterno da cadeia significante da qual participava em vida. O autoextermínio apesar de sua trágica estrutura, é profundamente condenado religiosa e contemporaneamente, possivelmente devido à sua natureza contagiosa e ao desejo humano de se perpetuar na própria existência. A crença na imortalidade provém do inconsciente, pode estar relacionada ao heroísmo, onde a morte heroica será de certa forma honrosa. Em alguns casos, o significante imortal é deslocado e justificado por formas superiores, como a honra para os samurais, Deus para os mártires cristãos ou o logos universal para os estoicos. Convoco Mark Twain para dizer: “O medo da morte deve-se ao medo da vida. Um homem que vive, está plenamente preparado para morrer a qualquer momento”. Ele enfatiza a conexão entre uma vida vivida plenamente e a aceitação serena da mortalidade, destacando a coragem de viver autenticamente, sem máscaras, enfrentando a finitude com dignidade e serenidade.
Pulsão de morte ou Thanatos.
A vida mental está relacionada a esses tipos de impulsos, e a libido é o núcleo da vida psíquica, nossa energia vital. Porém, não está sozinha, temos o chamado instinto de vida ou Eros, que se refere ao deus da mitologia grega. Durante a pesquisa de Freud e a formulação de sua teoria, considerou a existência de outros tipos de pulsões, em contraste com o primeiro tipo, que se explicam como partes da psique. O instinto de morte ou Thanatos é um conceito definido como um impulso inconsciente que surge em oposição aos deslocamentos anteriores e gera impulsos orgânicos, restos absolutos da ortanásia ou retorno ao nada. Eros unificará a vida, enquanto Thanatos quer satisfazer os impulsos destrutivos que procuram despedaçar a matéria. Essa dor muitas vezes se manifesta como ataques aos outros e a si. Enquanto Eros é uma força geradora de energia positiva e dinâmica, em busca da paz quando não está associado ao erotismo. Thanatos é guiado pelo Nirvana, (estado de existência transcendental que representa a liberação do sofrimento e o objetivo final da prática espiritual) e não pelo princípio do prazer como Eros. Seu objetivo não é encontrar alegria na resolução de conflitos, mas sim alcançar o júbilo em retornar ao nada. Eros é a força da unidade e Thanatos a divisão. Parte da pulsão de morte permanece separada e provoca uma pulsão de morte gradual, mas quando fundida com Eros se torna fatal e violenta. O instinto de morte nem sempre é negativo, também é muito importante para o ser humano, se manifestando na criação de conflagrações constantes que nos são úteis em muitos aspectos. A ideia pode parecer desagradável, mas a realidade é que será uma forma de impulso necessária à sobrevivência. Ao nível psíquico nos permite nos separar dos objetos e consequentemente obter e desenvolver a identidade, preservando assim nossa individualidade. Do ponto de vista evolutivo responde pela agressividade, resultante da combinação dos dois tipos de impulsos, possibilitando a luta e autodefesa instintiva em determinadas situações. Destarte, Eros esteja associado ao momento do orgasmo, que por sua vez nos obriga a contar com sua presença para a obtenção da satisfação sexual e erótica, no sexo e no momento do clímax em que está associado à descarga. Eros, o deus do amor, da vida e da paixão, filho de Afrodite e Ares, deus da guerra em diversas versões da mitologia grega. Por outro lado, tem Thanatos, deus da morte não violenta, filho de Nyx, o deus da noite, e de Érebo, o das trevas. Irmão gêmeo de Hypnos, deus do sono, que se comporta com certa doçura e gentileza. Essa explicação mítica pode nos dar uma ideia das características básicas dos impulsos de vida e morte.
''A morte não está para apagar a luz; está apenas desligando a lâmpada, porque chegou a aurora.'' Rabindranath Tagore.
“A morte é um enigma das fantasias mais profundas, ela nos desafia a confrontar temores e encontrar significado em meio ao incógnito.” Dan Mena.
“A morte é o grande tabu que nossa sociedade evita discutir, a psicanálise nos convida a explorar nossos sentimentos e pensamentos sobre esse tema proibido.” Freud.
“A angústia da morte é uma parte intrínseca de nossa existência. Nossa psique luta para compreender e enfrentar o inevitável fim da vida.”. Freud.
“A morte não é apenas o fim da vida, mas também um aspecto inerente à vida, moldando nossos desejos e medos mais profundos.” Melanie Klein.
“A morte simbólica, como a perda de relacionamentos, pode ser tão impactante quanto a morte física.” Erikson.
“A pulsão de morte, está sempre presente em nossas vidas, influenciando nossos comportamentos de maneiras sutis e complexas.” Lacan.
“A morte repercute nossa busca incessante por significado, um lembrete de nossa fragilidade e, uma fonte de inspiração para vivermos autenticamente.” Dan Mena.
“A morte nos confronta com a nossa própria finitude e nos lembra da necessidade de dar significado à nossa existência.” Frankl.
“Os sonhos frequentemente revelam nossos medos e ansiedades em relação à morte, oferecendo insights profundos sobre nossa psique.” Jung.
“A psicanálise nos ajuda a compreender como o processo de luto nos permite lidar com a perda e encontrar um novo equilíbrio em nossas vidas.” kübler-Ross.
“A angústia existencial está intrinsecamente ligada à nossa compreensão da morte e à busca de sentido em face da inevitabilidade do fim.” Irvin D. Yalom.
“A psicanálise nos ajuda a compreender que a morte é uma parte essencial do ciclo de vida, e sua aceitação pode nos levar a uma existência mais plena.” Bettelheim.
“A morte é um espelho que reflete nossos medos primitivos e lutas internas, um símbolo existencial dos desejos inexpressáveis.”
Dan Mena.
De Lacan, a morte constitui a ordem simbólica.
Ela transcende seu aspecto físico e adentra aos recônditos mais sombrios do inconsciente, como defendido pelo pensador alemão Heidegger, cuja ideia de que a existência só adquire significado mediante o limite absoluto estabelecido pela morte. Sob esta égide, o sujeito humano seria concebido como “um ser para a morte”. Isso implica que a consciência dela é fundamental para nossa experiência, não apenas como um evento futuro distante, mas algo que permeia nossa existência diária e dá significado às nossas ações e escolhas. Humanos vivemos nossas vidas cientes da própria mortalidade. Essa ideia é aplicada para explicar como a consciência influencia a formação do sujeito e a maneira como percebemos e projetamos a nós mesmos. Uma condição que o analisante deve confrontar e aceitar durante o processo analítico. A relação íntima entre a morte e o simbolismo, é vista como constitutiva do ordenamento simbólico, onde o ícone, ao ocupar o lugar da coisa que representa se torna um equivalente do transpassamento dessa ''coisa''. A linguagem e o significante, desempenham papéis fundamentais, nos permitindo acessar e conceber a própria defunção. O significante ao considerar o sujeito como morto, de certa forma o imortaliza, e estabelece uma conexão vital entre a linguagem e a letalidade. No prisma do “Real” lacaniano, o finamento assume uma natureza inefável e inescrutável. Como um evento inevitável e incontrolável, representa um aspecto desse realismo que escapa à compreensão. Lacan descreve o perecimento como uma desordem, algo que desafia a lógica, cujo significado evapora ao nosso entendimento, transcendendo as categorias tradicionais da possível cognição. A relação entre desejo e exício evidencia que a excitação está como um elo para à falta, àquilo que nos é ausente para nos sentirmos completos. Esse limite final da existência, seria o ápice dessa ausência, representando a culminação dos nossos quereres insatisfeitos, um ponto de encontro entre a finitude e a demanda contínua e impossível de encontrar a totalidade. Nos aproximando agora do processo de luto, analiso como os sentimentos de amor e ódio em relação ao objeto perdido entram no embate durante esse período. Um processo de difícil resolução, uma luta interna entre o desejo de manter viva a presença do ente querido e o de se libertar do fardo emocional associado à perda. Essa análise psíquica, ilustra a batalha interna vivenciada pelo indivíduo enquanto tenta elaborar a carência, extinção, privação e supressão do ''Outro'' para encontrar seu equilíbrio emocional.
Vejamos citações de Mark Twain;
“A morte, o único imortal que morreu.”
“A morte não é a maior perda da vida, a maior perda é o que morre em nós enquanto vivemos.”
“De todas as coisas certas, a morte é a mais segura.”
“A morte é o último inimigo do ser, uma vez enfrentada não há mais nenhum.”
A imortalidade através da linguagem.
Existe a ideia de que por meio da linguagem e do simbolismo alcançaremos uma forma de perpetuação. Nesse universo, nossas palavras e pensamentos podem perdurar muito tempo após nossa morte física. “A imortalidade não é alcançada por meio da extensão da vida física, mas sim por meio da sobrevivência de nossas palavras e pensamentos no discurso do Outro”. Uma realidade que desafia nossa compreensão e aceitação, lembrete constante de nossa finitude e vulnerabilidades como seres falantes. No entanto, também somos convidados a refletir sobre o significado de nossa existência e a encontrar formas de ultrapassar essa necrologia por meio do legado que deixamos no mundo pela expressão, eis o motivo que gosto tanto das frases dos antecessores. A linguagem nos instiga a confrontar nossos medos, a aceitar a realidade do ciclo de vida e morte e a encontrar acepção em nossa passagem efêmera existêncial neste vasto universo misterioso. No enquadramento da ética psicanalítica de Lacan que introduz o conceito da “segunda morte”, verificamos. A primeira se refere ao evento físico que marca o fim da vida, mas não encerra a fase natural de decomposição e regeneração. Por outro, a segunda, que configura o ponto onde o corpo agora inerte não pode mais passar pelo processo de regeneração; é o momento em que os ciclos naturais de transformação da natureza são completamente aniquilados. Essa caracterização de segunda morte extrapola o âmbito físico e se aplica a várias esferas da subsistência. Tem implicações diversas, especialmente quando consideramos agregar temas como a estética e a beleza, que podem ser consideradas uma revelação da relação labiríntica, hermética e enigmática do ser humano com a própria mortalidade. Também está relacionada diretamente com a essência do ser, nos confrontando com o espectro sádico de infligir um sofrimento perpétuo, não apenas com a cessação da vida física, mas também pelo fim de todas as transformações originárias, nos levando a confrontar a essência efêmera existencialista em sua totalidade.
“A morte é uma vida vivida. A vida é uma morte que se aproxima.” Jorge Luis Borges.
Uma jornada de reflexão, fé, filosofia e poesia.
Como uma inevitabilidade inescapável, tem sido um tema central de contemplação ao longo dos séculos. Desde uma ótica positiva e mergulhando nas esferas da fé, religião, filosofia e poesia, podemos ampliar o lado da visão rica desse enigma. Nas escrituras sagradas, encontramos uma variedade de visões sobre a morte. No cristianismo, por exemplo, a ressurreição é uma crença central, como expressa em 1 Coríntios 15:51: “Eis que vos digo um mistério: nem todos dormiremos, mas transformados seremos.” Esta transfiguração é vista como uma jornada para um estado glorificado e eterno. Da mesma forma, no Islã, a morte é considerada uma transição para a vida eterna, conforme afirmado no Alcorão (2:154): “E não penseis que aqueles que foram mortos na causa de Deus estão mortos; ao contrário, eles estão vivos junto ao seu Senhor, sendo agraciados.” A morte na filosofia, enfrenta o absurdo da existência, filósofos há muito exploram o significado da morte. Albert Camus, um dos maiores pensadores do século XX, ponderou sobre o absurdo da vida em seu ensaio “O Mito de Sísifo”, onde questionou como encontrar significado em um universo aparentemente sem sentido. Ele escreveu: “O homem absurdo é aquele que nunca muda, e que, ao perseguir seus sonhos percebe a sua loucura.” Jean-Paul Sartre, outro proeminente filósofo ponderou, que a consciência da morte é o que dá verdadeiro valor à vida. Em suas palavras: “A existência precede a essência.” Ou seja, a vida tem significado porque somos livres para atribuir um sentido a ela, mesmo diante da finitude iminente. Na filosofia contemporânea seria uma jornada de autodescoberta, onde pensadores como Martha Nussbaum destacam a importância da nossa fragilidade e da aceitação da letalidade; ela dize: “A vulnerabilidade é uma parte essencial da condição humana. Aceitar nossa efemeridade não é acolher a inadequação, mas, ao contrário, aprender a ver a vida de maneira diferente.” Thomas Nagel, ensaia a dualidade da morte como a dimensão da limitação-fim, o que pode nos levar a valorizar experiências significativas. Em seu texto; “A Vista da Morte”, levanta questões sobre a possibilidade de compreendermos verdadeiramente esse transpassamento, devido à limitação de nossa perspectiva finita.
Poesia e Romantismo: Uma dança entre a luz e a sombra.
Na poesia, a morte é repetidamente retratada como uma escada para a eternidade. Emily Dickinson em seu famoso poema, escreve: “Porque não posso parar para a Morte. Ela gentilmente parou para mim.” Aqui, a extinção é personificada como uma companheira amável, que nos guia para além dos limites da existência terrena. William Wordsworth, um dos principais poetas românticos, explorou a conexão entre a natureza e a mortalidade em suas obras escreveu: "A morte não é, para nós, nada, visto que, quando existimos, a morte não existe, e, quando a morte existe, não existimos mais.", sugerindo então uma perspectiva filosófica quanto a continuidade da existência. Nesta jornada para a plenitude e a aceitação, ao abraçar as dimensões religiosas que prometem a vida eterna, filosofias que atribuem significado à nossa existência e as poesias que encontram beleza na transitoriedade, podemos aceitar a desaparição como uma parte essencial da nossa experiência. Assim, não exprime apenas um fim, há propostas de transformação, passagem para a eternidade, seja ela entendida como uma vida após a morte ou a própria memória que construímos. Ao enfrentarmos o fim da matéria podemos encontrar significado na efemeridade da vida e, através desse entendimento viver mais plenamente o presente, honrando a beleza da criação universal.
Uma passagem para a eternidade.
A bíblia nos oferece todas as respostas, uma gama variada de visões sobre a morte e nossa relação com o criador. Em João 3:16, lemos: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” Essa passagem, enfatiza a crença cristã de que a fé em Deus proporciona o cumprimento da promessa na vida eterna. Esse entendimento que encapsula a doutrina central do cristianismo, a salvação pela graça mediante a fé em Jesus Cristo. em essência nos fala do plano divino de redenção e reconciliação da humanidade com Deus. Em Eclesiastes 3:20, nos lembra que a morte é uma parte natural da existência: “Todos vão para um mesmo lugar; todos foram feitos do pó, e todos ao pó voltarão.” Isso nos sugere que embora seja um evento inevitável, há uma verdadeira esperança de sublimidade espiritual. O plano divino de Deus é o autêntico lídimo de transição para a vida, onde seremos recompensados com a presença de Deus e a paz eterna, lugar da alma em perfeita e primorosa harmonia. Isso pressupõe a importância do livre arbítrio e da responsabilidade. Somos então desafiados a refletir que a incerteza da hora da morte é a crença na vida após exício, um incentivo a busca de uma vivência significativamente ética e orientada pela fé. O propósito da vida não se limita ao plano atual, mas se estende para além da parca e para a vida eterna; “Porque Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condená-lo, mas para ser salvo por ele.” João 3:17. Além das passagens citadas, temos inúmeras outras referências: no Salmo 23:4; “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque tu estás comigo, a tua vara e o teu cajado me consolam.” Esta passagem, conhecida como o ''Salmo do Bom Pastor'' oferece conforto e confiança em Deus, mesmo em tempos de dificuldade e adversidade, não devemos desistir da fé. Expressa a ideia de um Deus oniciente para nos guiar, proteger e confortar; Salmo 90:12: “Ensina-nos a contar os nossos dias, para alcançarmos corações sábios.” Este versículo nos convida a lembrar que a vida é passageira e que devemos usar sabiamente o tempo que temos, quando reconhecemos sua existência nos preparamos para a eternidade. Também nos tranquiliza em momentos de luto: Tessalonicenses 4:13-14: “Não queremos porém, irmãos, que sejais ignorantes com respeito aos que já dormem, para que não vos entristeçais como os outros que não têm esperança.” Aqui, o apóstolo Paulo nos lembra que como cristãos devemos ter confiança e crer, mesmo na morte. Nossos entes queridos que partiram, estão descansando nos braços amorosos de Deus. Más, não é o fim da história. Deus também nos fala claramente da imortalidade no seu Reino: João 11:25-26: “Disse Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive e crê em mim, nunca morrerá.” Jesus nos assegura o início de uma jornada eterna com Deus, Ele é a ressurreição e a vida, e podemos encontrar conforto e esperança em sua promessa. Finalmente, quero compartilhar uma passagem que nos encoraja a viver uma vida que glorifica a Deus, independentemente de quanto tempo tenhamos:
Tiago 4:14: “No entanto, vocês não sabem o que acontecerá amanhã. O que é a sua vida? Vocês são como a neblina que aparece por um pouco de tempo e depois se dissipa.”
Então, há uma mensagem reveladora em Tiago, o Justo, um dos irmãos de Jesus. O seu livro contém conselhos práticos sobre como viver uma vida cristã, abordando questões como a fé, obras e a sabedoria.
1 - Fragilidade: Chama ao reconhecimento da nossa fragilidade e limitação. Isso está em linha com a tradição bíblica que ensina que somos criaturas finitas, feitas do pó da terra, e nossa existência na Terra é temporária.
2 - Dependência de Deus: Lembra nossa total dependência de Deus. Como a vida é incerta e passageira, é essencial que confiemos nele para a orientação, propósito e segurança. Isso promove a humildade e confiança como o único detentor e controlador do universo é do futuro.
3 - Eternidade: A comparação da vida com a neblina que aparece e depois se dissipa destaca a efemeridade da vida terrena em contraste com a eternidade. Os cristãos somos chamados a manter nossa visão no evo, a investir em valores e relacionamentos duradouros, em vez de cancelar o próximo, se apegar ao materialismo, sublimar a estética e dar extrema importância a preocupações passageiras.
4 - Reflexão e sabedoria. Exorta a refletirmos sobre o significado das nossas vidas e a viver com sabedoria. A incerteza do amanhã é um lembrete de que a vida é preciosa, e devemos usá-la de maneira significativa, honrando a Deus, amando o próximo e praticando o bem.
Como cristãos, não enfrentamos a morte sozinhos. Temos a promessa da vida eterna em Cristo e a esperança de um dia estarmos reunidos com nossos entes queridos que tanta saudade deixaram. Portanto, não temamos a morte, mas confiemos na promessa de Deus e vivamos nossas vidas com propósito, alegria e dedicação. Que Deus abençoe a todos, nos conceda a paz que excede todo entendimento, porquê nada sabemos.
“Porque eu estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem anjos, nem principados, nem coisas presentes, nem futuras, nem poderes, nem altura, nem profundidade, nem qualquer outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.” — Romanos 8:38-39
Psicanalistas, como profissionais de diversas origens e crenças, podem ter uma variedade de visões religiosas ou ateístas. A crença religiosa ou a falta dela é uma questão pessoal do analista e não está absolutamente relacionada à prática da psicanálise. Assim, é importante não generalizar ou sermos estereotipados incrédulos como muitos pretendem, pois estas são variáveis individuais e independentes do campo clínico que exercemos.
Até breve, Dan Mena.
Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 - CNP 1199
Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 - CBP 2022130
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