Verification: 1b7a2f80a75f2be1 Verificação: 2b3722ae526818ec
top of page

Pobres Criaturas (Poor Things): Análise Psicanalítica da Sexualidade Feminina

Atualizado: há 7 horas

Pobres Criaturas (Poor Things): Análise Psicanalítica da Sexualidade Feminina
Pobres Criaturas (Poor Things): Análise Psicanalítica da Sexualidade Feminina

Do Horror à Libertação: De Mary Shelley a Lanthimos - A Reinvenção de Frankenstein e a Sexualidade Feminina em ‘’Pobres Criaturas’’

''O desejo que não ousa se nomear apodrece no sintoma e endurece no corpo, vira a gaiola do pássaro que se conformou em não voar.'' – Dan Mena Quero compartilhar com vocês uma das descobertas mais eletrizantes como analista, neste caso, cinematográfico. Enquanto assistia focado nas camadas simbólicas de "Pobres Criaturas", minha mente começou a tecer conexões que mudaram completamente a compreensão da obra. Aquela sensação familiar que insistia em me inquietar se abriu finalmente, como a chave para decifrar o projeto mais ambicioso de Yorgos Lanthimos ao estabelecer um diálogo consciente e transformador com Mary Shelley. Minha epifania não era um mero acaso intelectual, mas a decodificação de um brilhante projeto artístico. Lanthimos não apenas refere Frankenstein, ele o subverte radicalmente, o transformando a tragédia da rejeição em comédia existencial, o monstro solitário em mulher libertária. Enquanto a criatura de 1818 definhava na solitude imposta por seu criador, nossa Bella de 2023 explode em vitalidade, precisamente porque escapa do controle paterno.

Representação do desejo feminino autônomo através de Bella Baxter em Pobres Criaturas.
Representação do desejo feminino autônomo através de Bella Baxter em Pobres Criaturas.

Psicanálise da Sexualidade Feminina em Bella Baxter

Num cenário gótico onde a ciência transgride todos os limites éticos, surge Bella Baxter, uma criatura reanimada pelo excêntrico Dr. Godwin Baxter. Esta obra-prima supera o cinema para se tornar um tratado autêntico e original sobre os mecanismos da psique. Mais do que narrar estranhezas, o filme perfila as entranhas do desejo e sinaliza os dispositivos sociais que historicamente encarceraram o feminino.

A transmigração de Bella da ingenuidade para a soberania existencial se configura como a mais potente alegoria do nascimento do sujeito que já testemunhei, uma experiência psicanalítica viva, onde temos o privilégio de observar a emergência do ‘’Id’’ em direção às articuladas transações psíquicas com o ‘’Ego’’ e ‘’Superego’’.

Entrei de cabeça no manuscrito, decifrando claramente como a sexualidade feminina se ergue como alicerce fundamental para a edificação da autonomia individual. Através desse olhar psicanalítico que tanto amo, fui tirando o véu da Lei do Desejo que propulsiona Bella, essa energia primordial que a conduz por uma travessia de descobertas, embates morais e fraturas existenciais que reproduzem a vida de muitos. A peça, ao nos apresentar essa criatura sem história, nos convida a revisitar a própria gênese psíquica. O que é a consciência sem a memória? O que é o desejo sem o tabu? A sexualidade de Bella é, inicialmente, uma curiosidade desimpedida. Ela não tem o ‘’Superego’’ internalizado que dita o que é "certo" ou "errado", "puro" ou "perverso". É simplesmente sua manifestação pura mais literal, buscando a satisfação imediata, o gozo sem mediação.


Eros e Thanatos: análise das pulsões de vida e morte na narrativa de Pobres Criaturas.

O que Lanthimos nos apresenta não é propriamente a conversão, mas a angústia de viver sob uma máscara social que sufoca a verdade do desejo. Bella, em sua descoordenação linguística, é a prova de que somos uma elaboração, um ''constructo social'' e psíquico. Seu descolamento na rota íntima será a de desconstruir o rosto simbólico, expondo as fragilidades que nos habitam. ''Somos todos Godwin Baxter, cientistas improvisados tentando remendar a criatura ferida que vive em nós, apenas o desejo sabe costurar essa pele.'' – Dan Mena

Abordarei a castração simbólica não como lacuna, mas como eixo de busca, e como os vínculos de Bella com figuras como Duncan Wedderburn e o próprio Godwin denunciam dinâmicas edípicas radicalmente reinterpretadas. Este ensaio, propõe uma imersão no âmago do ser, interrogando o que ocorre quando o anseio é emancipado de suas algemas culturais. Como se constitui uma consciência quando o corpo antecede a socialização? ''O inconsciente não é uma caverna sombria, mas um oceano onde nadam as sereias e os tritões dos nossos desejos mais interditos.'' – Dan Mena

A busca de Bella por prazer representa uma fuga da neurose ou alicerce para um novo sujeito? Podemos conceber Godwin Baxter como arquétipo paterno na economia libidinal de Bella? O que o desespero de Duncan Wedderburn mostra sobre a masculinidade ante o desejo feminino indomável?

‘’O anseio constitui a assinatura da alma no corpo, escritura primordial que a cultura pretende em vão, vilmente, censurar.’’ - Dan Mena O Gótico Vitoriano e a Estética da Alteridade

O padrão visual do filme se veste de preto e branco para cores saturadas, não é um mero capricho visual, é um mapa mental. O mundo vitoriano e escuro de Godwin Baxter é o reino da repressão, onde a ciência (a razão) tenta dominar o caos (a pulsão). O gótico é o cenário ideal para o trauma como narrativa visual, pois é o lugar onde o passado (o corpo de Victoria) retorna para assombrar o presente (a vida de Bella).

A diversidade de Bella é o que a torna um objeto de estudo e de desejo. Ela é o ‘’Outro’’ radical, o que não se encaixa no binário da sociedade. Sua existência questiona a normalidade e a patologia. O que é padrão em um universo que exige a castração do desejo para funcionar? Bella, ao não se submeter, se torna a crítica presente da norma.

Formação do sujeito e a Lei do Desejo: psicanálise aplicada a Pobres Criaturas.
Formação do sujeito e a Lei do Desejo: psicanálise aplicada a Pobres Criaturas.

A Gênese do Inacabado, Godwin Baxter e a Sombra Paterna

Ao observar a trama inaugural, vejo Bella como uma página em branco fascinante, uma consciência infantil habitando um corpo adulto. Dr. Godwin, assume imediatamente a função do Pai da Lei, figura que introduz a ordem, a linguagem e os interditos primordiais. Seu laboratório representa a barriga simbólica onde a novíssima psique de Bella é gestada. Esse vínculo gerado entre ambos, configura a camada inicial do ‘’complexo edípico’’ que estrutura sua subjetividade. Godwin não é o genitor ameaçador no sentido clássico, sua castração é suave, quase científica. Ele observa, registra, controla o ambiente, mas falha redondamente em conter a ''erupção libidinal'' que define Bella. Em miúdos, ele personifica o ‘’Superego’’ na forma embrionária, uma voz racional e protetora que, contudo, não consegue asfixiar os impulsos do ‘’Id’’. ''Socializar na contemporaneidade é aprender a trocar o próprio gozo por aprovação, é esse e o negócio mais ruinoso da alma.'' – Dan Mena

Sua deformidade física evoca potencialmente uma psique lesada, a incapacidade da razão pura (a ciência) de engendrar um ser integralmente acoplado, sem atravessar o desejo e o trauma. Ele é, ele próprio, "pobre criatura", produto de experimentos paternos mal-sucedidos, repetindo esse ciclo com Bella, porém com uma curiosidade genuína que tangencia o afeto.

Até que ponto a "criação" de Godwin configura ato de afeto ou narcisismo científico? A deformidade de Baxter expõe a deformidade moral da sociedade que Bella enfrentará? Assista ou reveja o filme, use os questionamentos apresentados no artigo quando acompanhar sob uma perscrutação diferente.

‘’A sombra do progenitor criador é extensa, mas o anseio da filha é sol que desconhece o crepúsculo.’’ - Dan Mena

O Despertar do Id na Sexualidade como Léxico Primordial

Vejamos caro leitor(a), antes da linguagem articulada, anterior à moral, existe a corporeidade. E o corpo de Bella que profere a língua franca do prazer. Seu autoerotismo precoce é posterior à exploração sexual com Duncan Wedderburn, assim, não constituem atos de depravação, mas de pura descoberta. Olha então, o ‘’Id freudiano’’ em estado bruto, o princípio do prazer governando suas ações.

A sexualidade em "Pobres Criaturas" não é subtexto, é texto sem mácula, através do qual Bella decifra o mundo. Cada êxtase orgásmico é, vocábulo novo em seu léxico existencial, confirmação de seu ser-no-mundo. ''A lei do pai orienta, mas é a do desejo que governa, ignorar essa voz é viver com a vida emprestada.'' – Dan Mena

Esta demanda hedonista é a força propulsora que a extrai do confinamento laboratorial e a projeta em uma ópera global. A saga com Duncan não é uma fuga romântica, mas uma peregrinação em demanda de sensações. Aqui invoca Freud, a pulsão sexual (Eros) como energia vital fundamental. A peregrinação de Bella materializa essa energia como uma fuga à estagnação neurótica que define a "civilização contemporânea". Ela não busca o prazer como vício, mas como fundamento.

O prazer sexual representa, para Bella um ato de conhecimento ou insurreição? A sociedade poderia alguma vez acolher um sujeito cuja libido flui tão livremente?

‘’O corpo que goza é território emancipado, geografia de si mesmo anterior à colonização alheia.’’ - Dan Mena

Simbolismo do corpo e do prazer na construção da identidade em Pobres Criaturas.
Simbolismo do corpo e do prazer na construção da identidade em Pobres Criaturas.
Bella Baxter e a Onipotência Infantil, a Transgressão do Tabu

A fábula infantil de Bella é o alicerce para sua ‘’perversão psicanalítica’’. Ela age a partir de um princípio de prazer sem limites, ignorando o princípio da realidade. O sexo, para ela é uma atividade lúdica, uma fonte de renda e de conhecimento, desprovida de qualquer carga moral ou emocional. Assim, transgride o tabu da prostituição com a mesma naturalidade com que come um doce.

Essa ruptura não é um ato de rebeldia, mas de ignorância. Bella não conhece a Lei, e, portanto, não pode se sentir culpada por quebrá-la. Sua distorção é a liberdade radical de um sujeito que ainda não foi totalmente capturado pela linguagem e pela castração simbólica. Ela é o desejo que se manifesta sem a mediação do ‘’Outro’’.

Duncan Wedderburn como Espelho da Masculinidade Vulnerável

A personagem de Duncan, interpretada com frenética comicidade por Mark Ruffalo, é determinante para compreender a Lei do Desejo na perspectiva de Bella. Duncan se apresenta como um sedutor experiente, homem que domina o ‘’game sexual’’. Contudo, camuflado, aparece rapidamente como um oposto, um menino frágil, cuja identidade masculina se desintegra diante do apetite sexual feminino que não pode controlar ou possuir. ''O hedonismo de Bella não é vazio, e a fome primordial do espírito despertando um corpo que deseja devorar a própria existência.'' – Dan Mena

Duncan encarna o falocentrismo em colapso. Acredita ser sujeito do desejo, mas descobre ser objeto temporário e provisório no caminho insaciável de Bella. Sua queda na desgraça e enfermidade não é somente física, mas psíquica. Sofre com uma castração simbólica pelas mãos de Bella. Ela, inadvertidamente descortina a ilusão de seu domínio.

A neurose moderna do homem que precisa sentir e estar no controle é exposta em toda sua patética vulnerabilidade. A relação entre ambos constitui um estudo especial sobre como o desejo feminino autêntico pode desestabilizar as estruturas patriarcais mais arraigadas. Duncan não é vilão; é sintoma, traço de masculinidade que ignora como existir sem subjugar o anseio alheio.

A desintegração de Duncan representa tragédia pessoal ou consequência inevitável do despertar de Bella? O que a reação de Duncan apresenta sobre o temor do feminino irrestrito no imaginário masculino?

‘’A masculinidade vulnerável estremece não ante o poder, mas diante o prazer que não pode disciplinar.’’ - Dan Mena

Estudo do personagem Godwin Baxter como figura paterna em Pobres Criaturas.
Estudo do personagem Godwin Baxter como figura paterna em Pobres Criaturas.
A Jornada Como Rito de Iniciação, Lisboa, o Navio e Paris

A narrativa de "Pobres Criaturas" se estrutura como uma sequência de atos correspondentes a estágios no desenvolvimento psíquico de Bella. Lisboa, simboliza a descoberta inicial, o êxtase sensorial e a liberdade sexual em estado original. A embarcação é espaço liminar, salva-vidas flutuante onde sementes da dúvida e do pensamento crítico florescem.

Paris representa o palco final de sua iniciação, lugar onde o princípio do prazer começa a ceder espaço ao princípio da realidade. Se defronta com a experiência, injustiça e limites da voluptuosidade como projeto vital. Trabalhar num bordel não constitui degeneração, mas educação acelerada nas dinâmicas de sobrevivência. ''A neurose é a trilha sonora da civilização, Bella dança uma música ancestral, estranhamente livre, que poucos suportam ouvir.'' – Dan Mena

Esta fase da tese central do filme vai soar como uma sátira social na obra, a qual se intensifica. A sociedade, com suas hierarquias e hipocrisias, vai ser dissecada pelos olhos inocentes, porém crescentemente perspicazes de Bella. Ela não internaliza a culpa, senão questiona a estrutura que a produz.

A passagem de Bella pelo bordel representa corrupção ou iluminação? Como essa peregrinação geográfica ensina quanto a topografia interna da formação de seu Ego?

''A viagem constitui um rito de passagem onde o ‘’eu’’ encontra não apenas novas paragens, mais camadas da própria sombra.'' - Dan Mena Esse é o momento em que Bella se depara com a dor do mundo, a miséria e a injustiça. É a viagem onde ela vê a pobreza e o sofrimento, que a tira da bolha de seu gozo irrestrito. Este é o ponto de virada ético do filme.

O decoro da psicanálise, é a de não ceder ao seu desejo. Bella, ao se deparar com o Real (o que não pode ser simbolizado), é forçada a fazer uma escolha de valores. Ela usa o dinheiro de Duncan para ajudar os pobres, um ato que é, ao mesmo tempo, ingênuo e moral. Logo, começa a se importar com o ‘’Outro’’, a sair de seu limiar infantil. A Lei do Desejo Para Além do Prazer

Conforme Bella avança seu anseio evolui. Se transforma em uma investigação autoerótica por sensações que a conectem com o ‘’outro’’. Seu ativismo político incipiente e a decisão de estudar medicina representam a sublimação de sua libido. É o processo pelo qual essa energia sexual vai ser direcionada para atividades socialmente valorizadas e criativas.

Aqui testemunhamos a forja no aço do ‘’Ego’’ robusto. Ela aprende a negociar entre impulsos (Id), exigências da realidade (Superego internalizado) e valores emergentes.

Destarte, não rejeita o prazer, o integra a um projeto existencial mais amplo. A cena onde debate com estudantes de medicina constitui esse marco do seu desenvolvimento.

O estudo da medicina representa negação de seu passado hedonista ou uma culminação lógica? A empatia de Bella constitui desenvolvimento natural ou reação aos horrores que testemunhou?

‘’O Ego não é prisão do desejo, mas arquitetura que se ergue para habitar o mundo.’’ - Dan Mena

Superação do Complexo de Édipo por Bella Baxter de forma não convencional.
Superação do Complexo de Édipo por Bella Baxter de forma não convencional.
O Retorno e a Transfiguração do Pai

O regresso de Bella à mansão de Godwin Baxter não define uma regressão, mas, um retorno em nível superior de compreensão. Não é mais uma criatura infantil, mas mulher plena, médica, mãe (adotiva). Enfrenta o "pai" não com ódio, mas com gratidão e nova autoridade. Cuidar dele em momentos finais inverte a dinâmica de poder. ''Ser uma “pobre criatura” é a condição fundamental do ser, imperfeitos, desejantes, eternamente inacabados no ofício de nos re-fazermos.'' – Dan Mena

Este ato sela a resolução de seu ‘’Complexo de Édipo’’ de maneira não convencional. De fato que não "assassina" o pai simbolicamente para ficar com a mãe. Esse ato humaniza, e assume portanto seu lugar como sujeito autônomo. A presença da criança, Felicity, reforça esse ciclo. Bella se torna figura cuidadora, criadora, aquela que oferece nova oportunidade.

O que significa "liberdade" para Bella no epílogo, comparado ao prólogo de sua construção? A cura de Godwin por Bella representa perdão ou superação definitiva?

‘’A maturidade psíquica chega quando podemos cuidar do nosso criador, não por obrigação, mas por compaixão nascida da própria autonomia.’’ - Dan Mena Além do Falo e o Gozo do ‘’Outro’’ em Lacan

A sexualidade de Bella é o que Lacan chamaria de ‘’Gozo Outro’’ (jouissance Autre), um gozo que não se inscreve totalmente na função fálica, na lógica do ter ou não ter o falo. Ela está diante de um gozo excessivo, que transborda o simbólico. Portanto, não se define pela falta do falo (significante do desejo), mas por um gozo que é ''não-todo'' capturado pela linguagem.

Seu traquejo sexual é uma forma de conhecimento, uma vereda por uma verdade que está além do que a sociedade permite nomear. Ela é a prova de que a mulher não é apenas um sintoma para o homem, mas um sujeito com um gozo próprio, que a Lei do Desejo tenta, em vão, enquadrar.

Frankenstein Revisitado como uma Revolução de Lanthimos

Agora quero levar vocês ao âmago de minha descoberta mais transformadora, uma constatação inescapável. Lanthimos estabelece com Frankenstein um diálogo tão entrelaçado quanto revolucionário. Enquanto Mary Shelley nos apresentou um monstro masculino e destruído pela rejeição social, Lanthimos nos oferece uma heroína feminina que se ilumina precisamente no oposto, através do contato social.

Esta virada social não é acidental em ‘’Pobres Criaturas’’, mas o coração do projeto artístico. Godwin Baxter, como Victor Frankenstein, é um cientista que desafia os limites éticos da criação. Contudo, enquanto Victor foge de sua responsabilidade paternal, Godwin permanece, mesmo que perplexo, mas presente. Esta diferença vertebral é a chave mestra para compreendermos a quebra de paradigma do mito. ''O mundo tenta civilizar o que é livre, mas o indomável, cedo ou tarde, rompe as paredes com o próprio riso.'' – Dan Mena

Pobres Criaturas como alegoria da neurose contemporânea e repressão sexual.
Pobres Criaturas como alegoria da neurose contemporânea e repressão sexual.

A criatura de Shelley desenvolve consciência através da leitura solitária. Bella constrói sua subjetividade através das experiências corpóreas imediatas. Onde o monstro de 1818 aprende sobre humanidade através da dor, Bella de 2023 descobre a humanidade através do prazer. Esta mudança arquetípica traduz nossa evolução cultural, do horror gótico à sátira filosófica do século XXI, da tragédia da rejeição à comédia da libertação.

O que esta releitura do mito ‘’franksteiniano’’ traz de novo sobre a evolução de nossa compreensão quanto à responsabilidade parental? Como a transfiguração do monstro masculino em protagonista feminina cura as feridas abertas originais do mito?

‘’A verdadeira intertextualidade não repete, mas transfigura, e nessa transmutação que novas verdades falam sobre velhos fantasmas.’’ - Dan Mena O Feminino Quebrado e a Crítica à Cultura Performativa

A mulher quebrada em Victoria é reparada pela força de Bella. O filme é uma crítica direta à cultura que exige a perfeição e a repressão do desejo feminino. Bella, em sua imperfeição e busca por prazer é a negação da performance. O escrutínio à cultura performativa é a de que a autenticidade é mais importante do que a máscara social. Bella nos ensina que a verdadeira liberdade está em ser o que se é, sem medo da culpa e do julgamento.

A Ressonância da Libertação

"Pobres Criaturas" em Bella Baxter, não é produto finamente acabado, é processo contínuo. A pedra angular da genialidade do filme de Yorgos Lanthimos reside em nos presentear com uma protagonista que se subtrai a todas categorias fáceis, desafiando e embatendo não apenas a moralidade vigente, mas as próprias teorias que se utilizam para julgar e decifrar.

A explicação psicanalítica desoculta que a sexualidade feminina, longe de detalhes narrativos, é eixo radical em torno do qual gira toda estrutura de soberania em Bella. A Lei do Desejo que ela segue não é a do caos, mas a ordem interna primordial que a conduz paradoxalmente à ética e responsabilidade. ''A alma que desperta tarde demais descobre que nunca faltou mundo, carece apenas de coragem para habitar o próprio corpo.'' – Dan Mena

Bella Baxter é uma refinada leitura, transita pelos espelhos clássicos das nossas próprias "pobres criaturas" internas, partes de nós, mesmo amputadas, controladas ou recalcadas. É convite aberto e explícito à coragem de desejar, errar, acertar, aprender e, sobretudo, nos refazer continuamente. A autonomia de Bella é ideal inatingível ou convocação para a existência? O que você está disposto(a) a desaprender para se tornar como Bella, autor da própria vida?

‘’A maior obra de arte não é uma escultura ou pintura, mas vida vivida com coragem de anseio que não solicita permissão.’’ - Dan Mena

Viagem como rito de passagem psíquico: jornada interior de Bella Baxter.
Viagem como rito de passagem psíquico: jornada interior de Bella Baxter.
O Que Sobrou de Nós Enquanto Pobres Coisas?

O que ‘’Pobres Criaturas’’ deixa como legado? Em sua simetria barroca e seu humor cáustico, não é apenas a história de uma mulher que se faz fora da Lei, mas a radiografia de uma civilização que se desintegra sob o peso de suas próprias proibições. O filme questiona a fundação de nossa moralidade, a origem de nossa culpa e a verdade do desejo.

Bella, a criatura que se tornou criadora de si, é a prova de que a Lei do Desejo é implacável. Ela nos força a perguntar: se a liberdade sexual e a autonomia do corpo não são mais um tabu, o que resta da neurose moderna? O que nos impede de sermos tão livres, tão não-todos capturados pela função fálica, quanto Bella? A resposta é dolorosa: a nossa própria covardia, o apego à máscara social, o medo de confrontar o Real que Bella abraça com toda a sua força e inocência, uma criança com a voracidade de uma mulher.

O filme nos devolve o rastro interpretativo na condição de "pobres coisas". Somos seres que desejam, nesse querer, nesta falta constitutiva, que reside a humanidade. Bella, ao final, não cura o mundo, mas se livra da neurose que o acompanha, redefinindo o trauma em reparação icônica e a culpa em autonomia.

O que resta após esta análise? A certeza de que a psicanálise não é um manual, mas um guia para o autoconhecimento. A liberdade não é um destino, mas um ato contínuo de escolhas, boas ou não. E o desejo, ah, o desejo é a única verdade que permanece inalterada. Que a história de Bella Baxter nos inspire a desobedecer à neurose e a abraçar a ética dos quereres.

Filosofia existencial e liberdade feminina na narrativa de Pobres Criaturas.
Filosofia existencial e liberdade feminina na narrativa de Pobres Criaturas.

''Quem verdadeiramente vive não teme a sombra da morte, pois reconhece que o gozo do desejo, do corpo e da consciência é mais potente que qualquer castração. Que cada instante vivido seja uma pequena revolução contra as leis que tentam aprisionar a alma.'' – Dan Mena FAQ – Pobres Criaturas: Psicanálise, Sexualidade e Autonomia de Bella Baxter

O que é a Lei do Desejo em Pobres Criaturas?

A ''Lei do Desejo'' é a força motriz que orienta Bella Baxter, representando a pulsão do ''Id'' por prazer, conhecimento e experiência, inicialmente desvinculada de construtos morais e sociais. Como a psicanálise interpreta a sexualidade de Bella Baxter?

A sexualidade de Bella é manifestação pura do princípio do prazer (Eros), energia libidinal que permite auto-exploração, formação do ‘’Ego’’ e inserção no universo simbólico, sem mediação cultural inicial.

Quem é Godwin Baxter na perspectiva psicanalítica?

 Godwin é figura paterna e Superego em formação, cientista que tenta impor ordem e razão, mas cuja criação escapa ao controle diante da irrupção do desejo de Bella.

O que Duncan Wedderburn simboliza no filme?

Duncan representa a masculinidade vulnerável e o falocentrismo em crise, cuja identidade desintegra-se ao confrontar o desejo feminino autônomo que não pode controlar.

Qual a relação entre Eros e Thanatos em Pobres Criaturas?

 Eros (vida, prazer) e Thanatos (morte, finitude) dialogam na jornada de Bella: a pulsão de morte se transforma em motivação para cuidar da vida e projetar autonomia.

O que é castração simbólica no contexto do filme?

É a experiência de Duncan, cuja ilusão de poder é seccionada por Bella; ela opera fora da economia tradicional da falta, revelando a autonomia do desejo feminino.

Como a obra aborda a formação do sujeito?

Bella evolui através de experiências sensoriais e confrontos sociais, sublimando desejos em projetos intelectuais e éticos, integrando corpo, mente e Ego. Pobres Criaturas constitui uma crítica social?

Sim, o filme critica hipocrisia, exploração de classes, estruturas de gênero e normas rígidas, expondo desigualdades e castrações simbólicas históricas.

Qual o significado da viagem de Bella (Lisboa, navio, Paris)?

É rito de passagem e autoconhecimento: Lisboa simboliza liberdade inicial, o navio espaço liminar de ponderação, e Paris confronta limites do prazer, ética e realidade social.

Bella Baxter supera o Complexo de Édipo?

Sim, de forma não convencional: ao cuidar de Godwin, assume autonomia, gratidão e reintegração da figura paterna, sem violência ou rivalidade clássica.

A liberdade de Bella é apenas sexual?

Não, evoluiu da liberdade sexual para intelectual, econômica e moral, culminando na capacidade de escolher seu destino e cuidar dos outros.

O que a neurose representa no filme?

A neurose se manifesta nos personagens que cercam Bella (Duncan, aristocratas), fruto de recalque, submissão a normas sociais opressivas e incapacidade de lidar com desejo livre.

Como a teoria lacaniana se aplica a Pobres Criaturas?

 Conceitos como Lei do Pai (Godwin), gozo do Outro (Bella) e fragilidade masculina (Duncan) estruturam a narrativa e revelam tensão entre desejo, simbólico e real.

O final do filme é feliz?

Ambíguo e potente: Bella alcança realização pessoal e autonomia, mas o custo emocional e a permanência do sofrimento no mundo permanecem evidentes.

Por que o filme se chama Pobres Criaturas?

O título reflete compaixão por todos os personagens, que são falhos, incompletos e produtos de traumas sociais, científicos e pessoais.

Qual a importância do corpo no filme?

O corpo é território de experiência, prazer, sofrimento e agência de Bella. Por ele, ela conhece o mundo, aprende a cuidar e transforma o desejo em ação.

Bella Baxter é feminista?

Sim, Bella desafia estruturas patriarcais e atua de forma radicalmente autônoma, embora não seja guiada por ideologia política explícita.

Como o prazer se relaciona com o poder de Bella?

Inicialmente desvinculado do poder, o prazer se torna ferramenta de autoconhecimento e, posteriormente, instrumento para se empoderar e influenciar outros.

O laboratório de Godwin representa o quê?

Simboliza o útero científico e o controle racional sobre a criação da psique, mas falha diante da irrupção do desejo e necessidade de experiência mundana.

A vingança é tema central em Pobres Criaturas?

Não. Diferente de Bela Vingança, o tema central é a libertação da criação, autonomia e afirmação existencial, não reparação ou revanche.

Palavras-Chave Pobres Criaturas, Psicanálise, Sexualidade Feminina, Bella Baxter, Lei do Desejo, Explicação Psicanalítica, Liberdade Sexual, Análise Psicanalítica Pobres Criaturas, Freud Sexualidade, Lacan Lei do Desejo, Bella Baxter Psicanálise, Castração Simbólica, Eros e Thanatos, Filme Pobres Criaturas Análise, Yorgos Lanthimos, Duncan Wedderburn, Crítica Social Pobres Criaturas, Formação do Sujeito, Prazer Feminino, Neurose Contemporânea, Godwin Baxter Pai, Desejo Feminino Autônomo, Sublimação Psicanálise, Princípio do Prazer, Complexo de Édipo Bella Baxter, Psicanálise e Cinema, Emma Stone Bella Baxter, Significado Pobres Criaturas, Filosofia no Cinema, Liberdade Existencial

MetaAnálise psicanalítica de "Pobres Criaturas": a jornada de Bella Baxter pela sexualidade feminina, liberdade e Lei do Desejo. Leitura de Dan Mena sobre Yorgos Lanthimos.

Referências Bibliográficas

BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Anti-Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia. Lisboa: Assírio & Alvim, 2020.

FOUCAULT, Michel. A História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. Rio de Janeiro: Graal, 2014.

FREUD, Sigmund. Além do Princípio do Prazer. Rio de Janeiro: Autêntica, 2019.

FREUD, Sigmund. Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. Porto Alegre: L&PM, 2017.

HOOKS, bell. O Feminismo é para Todo Mundo: Políticas Arrebatadoras. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018.

LACAN, Jacques. Os Seminários, Livro 4: A Relação de Objeto. Rio de Janeiro: Zahar, 2019.

LEDER, Drew. The Absent Body. Chicago: University of Chicago Press, 2016.

MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização. Rio de Janeiro: LTC Editora, 2019.

NUSSBAUM, Martha. A Fragilidade da Bondade: Fortuna e Ética na Tragédia e na Filosofia Grega. São Paulo: Martins Fontes, 2021.

PAGLIA, Camille. Personas Sexuais: A Arte e o Decadentismo de Nefertite a Emily Dickinson. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

PLATÃO. O Banquete. São Paulo: Editora 34, 2017.

RICH, Adrienne. Nascida de Mulher: A Maternidade como Experiência e Instituição. São Paulo: Editora Unesp, 2020.

SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como Vontade e Representação. São Paulo: Unesp, 2018.

SIQUEIRA, João. Corpo, Psicanálise e Cinema: Figuras da Existência. São Paulo: Escuta, 2021.

VIDAL, Gore. Myra Breckinridge. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

WINNICOTT, D. W. O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Ubu Editora, 2022.

WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos Direitos da Mulher. São Paulo: Boitempo, 2016.

ZIZEK, Slavoj. Como Ler Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

ZIZEK, Slavoj. O Arrebatamento do Real. São Paulo: Martins Fontes, 2020.

Dan Mena – Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise (CNP 1199, desde 2018)

Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise (CBP 2022130, desde 2020);

Dr. Honoris Causa em Psicanálise pela Christian Education University – Florida Department of Education, EUA (Enrollment H715 / Register H0192)

Pesquisador ORCID™, Neurociência do Desenvolvimento – PUCRS

Especialista em Sexologia e Sexualidade pela Therapist University, Miami, EUA (RQH W-19222 / Registro Internacional.


 
 
 

Comentários

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
bottom of page