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O Amor em Colapso.

Atualizado: 22 de set. de 2024

Eros e Psique: Um Amor que Transcende os Mundos.

''O amor verdadeiro não busca a perfeição, mas sim a coragem de nos entregarmos à imperfeição do outro''. Dan Mena

Artigo de psicanalise
O Amor em Colapso.

Quem nunca sonhou com um amor de conto de fadas? A história de Eros e Psique é, sem dúvida, uma das mais belas e inspiradoras da mitologia grega. Uma história que nos transporta para um universo de paixões intensas, desafios, e um final feliz que nos faz acreditar no poder do amor verdadeiro. Mais, antes de entregar o texto do artigo, quero responder uma pergunta que vários pacientes e leitores já me fizeram. Dan, por que você usa frequentemente a mitologia em sua escrita?


Bem, como indivíduo e hoje psicanalista, sempre me fascinou o poder da mitologia com sua capacidade de revelar a mente. Recorro, porque me fornece uma linguagem simbólica que vai além do racional, e que toca verticalmente o inconsciente. Por sua vez, os mitos são histórias incríveis, e eu simplesmente adoro esses relatos, são carregados de conteúdos e significações que atravessaram culturas e épocas. Ao usá-los, consigo explorar os conflitos emocionais que nos atravessam, assim, dialogar em um nível mais profundo e arquetípico, o que muitas vezes é inacessível pela linguagem cotidiana.


Na prática da clínica, percebo como esses temas aparecem recorrentemente, gosto de usar os dilemas e queixas de cada paciente, fazendo associações lúdicas ao respeito. Além disso, figuras mitológicas, como heróis e monstros, o que Jung identificou como arquétipos do inconsciente coletivo, são metáforas poderosas para os desafios que enfrentamos. Elas surgem nos sonhos, nas narrativas de vida e nas projeções que trazemos à análise.


''Os mitos são como mapas simbólicos que guiam o psicanalista e o paciente através das paisagens do inconsciente, iluminando seus pontos obscuros''. Dan Mena


Usar esses símbolos, é uma forma de dar corpo às forças invisíveis que moldam nossas emoções e comportamentos. Cada mito que escolho, reflete, de certa forma, as lutas que travamos em nossa jornada psicológica. Na psicanálise, assim como nas narrativas mitológicas, sempre há uma jornada heroica, o encontro com o desconhecido, o enfrentamento com os próprios monstros internos e, eventualmente, uma possível mudança.


O que me envolve no seu uso, é como elas trazem um tom poético, quase ritualístico, tanto para a fala quanto a escrita. Ao evocar essas fábulas, convido o interlocutor a olhar para suas experiências via um prisma que transcendem o tempo. É como se, ao ler sobre uma determinada história, estivesse o outro, inconscientemente, reencontrando partes de si que ainda não foram plenamente integradas. Minha intenção vá além da reflexão, desejo que ela toque a alma, provocando uma conexão com esses ícones universais e ancestrais que continuam a moldar a nossa condição atual. Boa leitura.


''Mitos como o de Eros e Psique revelam jornadas psicológicas que espelham as lutas do sujeito na busca por autoconhecimento e transformação''. Dan Mena


A Beleza que Encanta os Deuses.


Muito ressumidamente, era uma vez… em um reino distante, vivia uma jovem de beleza tão radiante que eclipsava a de qualquer mortal. Seu nome era Psique, que em grego significa “alma”. Sua beleza era tal, que até mesmo a deusa Afrodite, a mais bela de todas, sentiu inveja dela. Tomada pela ira, Afrodite bola um plano para punir Psique por possuir tamanha graciosidade. Logo Afrodite ordena a seu filho. Eros, o deus do amor, que a fizesse se apaixonar pelo homem mais horrível do mundo. No entanto, os planos dela falham, pois ao ver Psique, Eros se apaixona perdidamente. Em vez de fazê-la sofrer como se pretendia, ele a leva para um palácio mágico, onde a visita todas as noites sob o véu da escuridão. Mas Psique, consumida pela curiosidade, decide desobedecer às ordens de Eros e tenta ver seu rosto. Ao fazer isso, ela desperta a ira do deus do amor, que a abandona, e a deixa sozinha e desesperada.


Uma Jornada de Superação


Psique, determinada a reconquistar o amor de Eros, enfrenta uma série de desafios cruéis impostos por Afrodite. Com coragem e perseverança, ela supera todas as dificuldades e, com a ajuda de outros deuses, consegue provar seu amor e se tornar imortal.


Um Amor Eterno


A história de Eros e Psique é um símbolo do amor verdadeiro, capaz de superar qualquer obstáculo. É uma celebração da paixão, esperança e beleza da vida. A união entre eles, representa o laço perfeito entre o corpo e a alma, entre o amor físico e o espiritual.


Por que essa história continua a nos encantar?


 * A beleza da alma: A história de Psique nos mostra que a beleza interior é mais importante do que a exterior.

 * O poder do amor: O amor de Eros e Psique consegue transcender as barreiras do tempo, da distância e da morte.

 * A importância da perseverança: A jornada de Psique nos ensina que, com determinação e coragem, podemos superar qualquer desafio imposto.

 * A busca pela felicidade. Sua história é uma jornada em busca da bem-aventurança e do amor.


Você já conhecia essa história? O que mais te encanta nessa lenda?


''O uso de mitos na psicanálise transcende a linguagem cotidiana, permitindo o acesso a camadas inconscientes muitas vezes inacessíveis pelo discurso racional''. Dan Mena


A Agonia do Eros


Vamos agora nos transportar para o nosso tempo, trazendo uma leitura do mais iminente filósofo social da atualidade, Byung-Chul Han, especialmente por suas reflexões críticas sobre as transformações sociais e culturais da modernidade tardia. Em seu livro “A Agonia do Eros”, examina o conceito de amor e nos revela como ele tem sido devastado pelas forças culturais, tecnológicas e econômicas que moldam o mundo contemporâneo. Nessa análise, aponta os sintomas dessa crise, mas também, nos desafia a refletir sobre o que está em jogo quando o amor perde sua essência.


O Amor na Sociedade do Desempenho


Sua obra é uma crítica a sociedade do desempenho, que foi tema do meu artigo anterior. Para ele, vivemos em uma era onde o valor das pessoas e das relações é medido pela produtividade, pela eficiência e pelo sucesso individual. Nesse contexto, o amor, que tradicionalmente escapava às lógicas mercantis e funcionais, é cada vez mais capturado e redefinido por essas mesmas lógicas.


Ele sugere que o amor, uma vez visto como uma força transcendente capaz de conectar as pessoas em um nível profundo e espiritual, está sendo reduzido a uma questão de conveniência e troca de benefícios. As relações, ao invés de serem espaços de encontro genuíno tornam-se transações, onde o outro é percebido como um meio para alcançar objetivos pessoais, sejam eles emocionais, sociais ou econômicos.


A Era Digital e a Fragmentação do Amor


Percebemos a influência avassaladora das tecnologias digitais nas relações. Na era dos aplicativos de namoro e das redes sociais, o amor agora é mediado por plataformas que encorajam uma “dataficação” das interações. Mediante algoritmos, agora somos reduzidos a perfis, e o valor de um laço é muitas vezes calculado com base em métricas frias e superficiais, como curtidas, seguidores e correspondências diversas. Essa mudança, revisita um fenômeno no mínimo inquietante, a instantaneidade substituí a base do aprofundamento no outro e a paciência necessária para o surgimento de sentimentos, por consequência, sua semente principal. Sabemos que o amor para existir de forma autêntica, requer tempo, mistério, construções e uma abertura ao desconhecido, com qualidades necessárias que estão sendo corroídas pelo imediatismo digital. Ao eliminar a imprevisibilidade e o risco, elementos essenciais ao sentimento. Assim, plataformas criam uma ilusão de controle e segurança que, na verdade, impedem a formação de encontros e cruzamentos reais.


''O amor verdadeiro não é sobre a perfeição, mas sobre a coragem de se entregar às imperfeições do outro''. Dan Mena


A Morte do Desejo


Essa agonia que Eros experimenta, remonta à filosofia grega e à psicanálise de Freud, ela representa o desejo e a energia vital que impulsionam a criatividade e a conexão humana. Uma força que outrora despertava paixão, mistério e renovação, está sendo sufocada pela racionalização e mercantilização. Ditos elementos, promovem uma cultura de auto exploração, onde nos vemos constantemente empenhados(as) em maximizar o próprio valor e suposto desempenho. Essa cultura que ao exigir controle e previsibilidade, elimina a irrupção do inesperado, da surpresa, fundamental para o Eros. Com isso, as relações se tornam cada vez mais calculadas e frias, perdendo inevitavelmente sua eroticidade, no próprio sentido filosófico do termo — ou seja, menos abertas à experiência.


O Narcisismo e a Extinção do Amor


Outro tema central nessa leitura é o papel crescente do narcisismo, uma característica predominante e marcante na sociedade atual. Exacerbado pelas redes sociais e pela cultura da estética e a imagem, tornam o amor impossível, embasado na ideia de que o outro deve servir como um reflexo perfeito do próprio ego, o que é uma elaboração impossível. Nesse sentido, o outro, deixa de ser visto em sua personalidade, alteridade e complexidade como indivíduo, sendo reduzido(a) a um simples objeto de autoafirmação. Isso impede a verdadeira vivência do amor, que por sua natureza exige exposição de vulnerabilidades, abertura, e a capacidade de se perder no outro. Quando esse afeto é reduzido a uma busca pessoal por confirmação e validação do próprio eu, perde sua mestria de se transpor e de nos conectar a algo maior do que nós mesmos. O amor, em sua forma narcisista, não é, portanto, uma força potencial que possa nos elevar, mas um espelho, que reflete apenas nossa própria banalidade e superficialidade.


''No mundo narcisista de hoje, amar significa transcender a busca pelo reflexo perfeito e aceitar o outro em sua totalidade imperfeita''. Dan Mena


''Resgatar o amor do narcisismo é reencontrar a energia criativa que unifica desejo e espírito, em harmonia verdadeira''. Dan Mena


O Resgate do Amor


Esse triste diagnóstico transparece a crise do amor, mas também nos convida a reconsiderar profundamente o que significa amar em um mundo que parece cada vez mais hostil a essa experiência. Isso nos alerta que, se perpetuarmos e não resistirmos às forças que o estão desfigurando, arriscamos perder uma das dimensões mais essenciais da nossa articulação. O resgate dos afetos reais, dependem da recuperação do Eros, da reconquista da agudeza, sagacidade, perspicácia, penetração e da rejeição do narcisismo que dominam a cultura. O amor não pode ser controlado ou domesticado, exige que nos entreguemos ao oculto e secreto, que aceitemos nossa fragilidade e que estejamos dispostos a nos transformar pelo simples encontro com o outro. Sem dúvidas, estamos diante de uma condição agonizante, que necessita de uma restauração como força vital da vida. Devemos imaginar um futuro, onde exista um lugar para florescer novamente, livre das amarras do narcisismo e da atuação. Renovar a consciência da força transcendente que historicamente vinculava as pessoas que está sendo despojado de seu lugar e poder, onde a produtividade, eficiência e narcisismo são idolatrados.


''A ausência de desejo, abafada pelo controle e previsibilidade moderna, são os maiores obstáculos para a vivência do amor genuíno''. Dan Mena


O Desempenho e a Psicanálise do Eu Fragmentado.


Do ponto de vista da psicanálise, o conceito de “sociedade de desempenho” pode ser entendido como uma extensão as demandas superegóicas impostas ao sujeito contemporâneo. Ao contrário das formações sociais anteriores, onde o desejo estava frequentemente em conflito com as normas repressivas, a sociedade introduziu uma nova forma de repressão: a auto exploração. Freud já falava sobre a civilização como fonte de mal-estar, o que parece ter levado essa ideia ao extremo, onde o sujeito é compelido a se explorar sem limites e a maximizar seu próprio potencial a qualquer custo. Essa pressão incessante para o desempenho, não só nos fragmenta e subjuga como sujeitos, mas também, impede a formação de vínculos.


Será o Fim do Amor ou a Possibilidade do Renascimento?


O colapso do amor, como discutido e apresentado não é inevitável. A psicanálise nos ensina, que é possível resgatar as partes perdidas de nós mesmos, assim como Eros e Psique superaram seus desafios. Precisamos então, abraçar novamente o desejo, a chama, o mistério e o risco — elementos que o tornam vivo. Ao recuperarmos a capacidade de amar sem a obsessão pela perfeição redescobrimos o Eros, essa força vital que nos conecta a outro nível, hoje desprezado ou esquecido.


Freud, em sua investigação do amor, ofereceu na minha visão uma ótica fundamental: ele estaria indissoluvelmente ligado ao desejo e à pulsão, essas forças inconscientes que entram muitas vezes em choque com as exigências civilizatórias. O Eros não se refere apenas à sexualidade, mas a uma energia criativa que busca união e continuidade, em oposição à pulsão de morte, o Thanatos, que visa a destruição. O “mal-estar na civilização”, é o resultado da repressão de nossas pulsões íntimas, e isso se manifesta especialmente nas relações amorosas, onde o desejo é sufocado pelas normas sociais e expectativas fantasiosas de sublimidade. Amor e trabalho são os pilares da vida, mas quando aprisionados por expectativas irreais, se tornam vazios e mecânicos.


''O amor está enraizado nos quereres, e é essa pulsão vital que sustenta nossa capacidade de conexão verdadeira''. Dan Mena


Lacan, por sua vez, nos amplia essa compreensão, ao afirmar que “amar é dar o que não se tem a alguém que não o quer.” Sempre relacionado à falta, ou àquilo que o outro jamais pode preencher completamente. O desejo é o motor do amor, mas esse querer é perpetuamente insatisfeito, ao buscar algo inatingível, uma lacuna impossível de ser alcançada. No entanto, é essa falta que o sustenta, o encontro amoroso não está em esbarrar na completude do outro, mas em aceitar sua imperfeição e incompletude. Destarte, não é a busca por um ideal, mas o reconhecimento de que o outro, com suas falhas, é suficiente para nos transformar.


''Lacan nos lembra que amar é dar o que não se tem; é na falta e na incompletude que o amor se sustenta''. Dan Mena


Finalmente, não pode ser reduzido a uma equação de troca ou a um ideal. Floresce na aceitação do desconhecido, na abertura ao imprevisível e no encontro com o que escapa à lógica. Ao restaurarmos essa visão, voltamos a acessar o Eros — abrindo a janela para uma das principais forças que nos mantém vivos e engajados com o mundo. Como nos ensina Lacan, ao darmos aquilo que não temos, permitimos que o amor exista não como completude, mas como uma jornada positiva.


Se há neste texto uma mensagem final, é que o amor verdadeiro, assim como o de Eros e Psique, demandam tempo, paciência, entrega e fazer as releituras digitais que nos condicionam. Ele não pode ser medido em números, por algoritmos ou perfis, menos ainda, reduzido a transações. Seu melhor ambiente está no erro, na coragem de nos deixar transformar pelo encontro. Que possamos então, como sociedade, redescobrir esse amor — não como uma apresentação ou um objetivo, mas como uma travessia infinita em busca de algo que nos une como sapiens. Porque no fim, ele não é um estado fixo, mas um ato de arrojo, de bravura, uma entrega que não pode ser controlada, mas que nos brinda com o melhor que a vida pode oferecer.


''O amor floresce na incerteza e na imperfeição, não nas garantias e métricas superficiais das redes sociais''. Dan Mena


Ao poema; Deuses e Desejos

Por Dan Mena


Eros e Psique, amor sem igual,

Transcendem o mundo, num conto imortal.

Psique, curiosa, o véu levantou,

Perdeu seu amado, mas não desistiu.


Afrodite, invejosa, a fez sofrer,

Mas o amor de Psique não ia ceder.

Com coragem e força, os deuses venceu,

E o coração de Eros de novo acendeu.


O amor verdadeiro não é só perfeição,

Mas entrega sincera, aceitação.

Eros e Psique, na alma se uniram,

Corpo e espírito, enfim se fundiram.


No mito se esconde a psique do ser,

Que na jornada do amor, aprende a viver.


Até breve, Dan Mena.


Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199.

Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130.

Dr. Honoris Causa em Psicanálise pela Christian Education University - Florida Departament of Education - USA. Enrollment H715 - Register H0192.

 
 
 

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