O Carnaval.
- Dan Mena Psicanálise
- 2 de mar. de 2023
- 7 min de leitura
Atualizado: 13 de nov. de 2024
Historicamente, às primeiras pessoas a desfrutar do Carnaval foram os camponeses sumérios que, mesmo antes de Cristo, se reuniram disfarçados e mascarados diante de fogueiras para celebrar a fertilidade da terra, para afastar os espíritos malignos da colheita.

Historicamente, às primeiras pessoas a desfrutar do Carnaval foram os camponeses sumérios que, mesmo antes de Cristo, se reuniram disfarçados e mascarados diante de fogueiras para celebrar a fertilidade da terra, para afastar os espíritos malignos da colheita. Mais adiante, na sua origem romana, a festa foi contextualizada sob uma premissa religiosa, como uma celebração específica de vários países cristãos, que mais tarde se espalhou para aqueles que não eram. Nasceu, então, em associação com a Quaresma, uma vez que durante ela, todas as atividades lúdicas deviam ser suprimidas. O carnaval, portanto, se estrutura como uma concentração de atividades recreativas que dão lugar imediato, antes da Quaresma, que começa com a quarta-feira de cinzas. Apesar da sua inclusão no calendário litúrgico romano, nunca foi uma festa amiga dos católicos, pouco tolerada pelo catolicismo, hoje, altamente criticada pelos protestantes, se encontrou sujeita a infinitas restrições, era algo assim; como um filho não desejado da religião. Existem diferentes versões da origem da palavra carnaval, tais como a do latim ''Carnevale'', que significa o adeus à carne, aquela que não será consumida durante os próximos 40 dias, antes da Páscoa. A sua origem remonta aos festivais pagãos celebrados pelos romanos e gregos, tais como Lupercales e Saturnalias, festivais em honra de Baco, (deus do vinho, da agricultura, da fertilidade e da folia na mitologia romana, conhecido como Dionísio na mitologia grega). Estas, eram festas rituais, que culminavam em excessos de comida, bebida e luxúria, como uma atuação profana, que acolhia privações religiosas e às tradições romanas que sobreviveram, e se tornaram famosas na cultura renascentista Europeia. Faziam parte das comemorações, danças de salão, onde eram utilizados trajes, máscaras ou disfarces, pessoas de todas as classes sociais podiam frequentar e misturar-se. Estas formas de celebração chegaram à América através da conquista, vale dizer, que tais celebrações não são exclusivas do Brasil, pois se desenvolveram em várias partes da América Latina e Central. No entanto, um segundo elemento entra em jogo na tradição carnavalesca brasileira, é a influência africana, com a introdução das danças e do Samba, como elementos da sua base musical e rítmica. Como uma tradição partilhada coletivamente, em que pular, dançar e ocupar as ruas são a base da celebração. Assim, Eros, que; (Significa “desejar com muito amor”, inclui o “erótico” e o “erotismo” têm origem no nome desse deus). Na psicanálise. Eros representa o desejo sexual e a paixão, que será convocado a expandir sua potência, abrindo espaço para chistes, risos, sexualidade e fantasias, para lidar com às tensões pós-modernas, tornando-as possíveis de serem libertas, sem demasiadas opressões.
O carnaval no Brasil, (a diferença de outros, como no meu país, Uruguai, onde existe uma parte dele realizado no palco, preparado para às "Murgas", não é um espetáculo teatral realizado em palanques convencionais com grupos, atores e espectadores, o carnaval brasileiro foi feito para o povo, essencialmente vivido na rua, onde encontra seu ''habitat''. Durante o carnaval não há outra vida, é impossível escapar, porque ele não tem fronteiras espaciais. O modelo não é apenas performativo nas esquinas, pois qualquer lugar pode torna-se imediatamente um cenário aberto, não convencional, tudo está para acontecer ou prestes a começar. O mundo contemporâneo, exibe uma vasta gama dos seus contextos em formas de celebração. Poderíamos entender isso como uma prática invocada para estabelecer uma condição afetiva, caracterizada por um elevado nível de humor, tendo a função de servir como um ingresso, um bilhete temporário, eficaz para os sujeitos contemporâneos, tentando fugir ao desconforto de viver na cultura.
Freud, em ''O mal-estar na cultura'', o enuncia como diferentes formas de satisfação. De fato, o carnaval funciona hoje como um passaporte, uma espécie de promessa de um final feliz. O tema do excesso intrínseco, a ingestão de bebidas alcoólicas, drogas, agressividade, sexo casual e obscenidades, tudo em nome da luxúria e da libertação da seriedade, onde o corpo, é o laço responsável pelo seu transbordamento. Então o corpo… será que o corpo é outro no carnaval? Ou do passado, o ideal, dos deuses, o intra-uterino, o imortal, da máxima beleza, do perfeito, melancólico, o que cai e sofre, o das palavras insuficientes, que não dão conta de preencher nossos vazios?
Na histeria, o sujeito encontra e inventa o seu território, o erógeno, que Freud descobre, onde o corpo, o seu próprio e o dos outros, é o tablado do drama humano.
Em Totem e Tabu, Freud alude ao êxtase libertador que provoca:
“Uma festa é um excesso permitido e mesmo ordenado, uma violação solene de uma proibição”. Mas o excesso, não depende do humor alegre dos homens (…), mas reside na natureza da própria festa, e a alegria, produzida pela liberdade de fazer o que em tempos normais seria estritamente proibido”.
O carnaval caracteriza-se por uma espécie de divisão esquizoide da personalidade, como alguém que se torna outra coisa, sujeito ou algo que não é, mas que expressa emoções, impulsos instintivos que na sociedade e a condição pessoal do seu papel, onde o estatuto social não permite que sejam expressos sem restrições. Portanto, máscaras, nudez, sensualidade, fantasia e disfarce permitem, por exemplo, que uma pessoa cuja vida é vivida com moderação, prudência e contenção, se torne momentaneamente licenciosa, abstrata e fora das (regras). As próprias máscaras, menos utilizadas atualmente, são uma expressão de instintos reprimidos, agressividade, ódio, ira, emoções e sentimentos lascivos e depravados, retidos no inconsciente de multidões, agravados por uma diversidade de frustrações. Tudo como um jogo de simbolismos, que muitas vezes fingem ser inocentes e ingênuos.
O Carnaval sempre foi um lugar para questionar a norma, o padrão, a forma habitual de viver. Este reflexo da sociedade, que no passado questionava temas tabu, como a nudez e a sexualidade, está hoje enfraquecido no sentido religioso e reforçado na direção da espetacularização, uma vez que o ator e o espectador já não são figuras permutáveis, mas cada um ocupa um lugar com um espírito insolente, mantido em grupos que se organizam para participar. O verdadeiro sentido mítico, que ainda conserva alguma autenticidade, uma vez que ainda subsistem comunicações pessoais não mediatizadas. Por outro lado, o carnaval carioca é exclusivo, com a sua espetacular exibição de recursos e a exportação de imagens transmitidas a milhões de pessoas em todo o planeta, que assistem sua musicalidade, arte, cor, lascívia e calor que às escolas de samba proporcionam. Mas este evento único, típico da cultura, tornou-se um produto globalizado, onde suas estruturas e estilos foram imitados por sociedades cujos interesses oficiais privilegiaram imposições da indústria cultural e turística. Tal transformação varreu a estrutura mais genuína do carnaval tradicional, no qual o povo era protagonista do seu circuito, embora o seu espírito não tenha sido completamente enterrado, sobrevive em diferentes práticas locais.
A indústria cultural transformou este modelo num produto, esvaziando o seu significado mítico, o carnaval, foi sendo transformado num artigo, uma mercadoria de consumo, onde o folião já não é o protagonista, mas é relegado ao plano de freguês, com ingresso, camarote, telão, carro elétrico, celebridade, o papel mais relevante foi repassado ao da cultura visual. Como a festa, em muitos lugares, foi substituída por uma pasteurização. Outrossim, esta série de mitos e ritos aqui transmitidos com uma certa precariedade, pela objetividade necessária a escrita, onde caberiam um sem número de anotações na esfera histórica. Uma característica primordial e invariável não pode deixar de ser dita, o carnaval vai do cômico ao trágico, da sua morte à sua ressurreição, do agradável ao repelente, do místico ao atual, do próximo e querido ao odiado. Em qualquer caso, seja como for representado, abre uma fissura festiva, jocosa, cíclica e eternamente precária.
De um ponto de vista psicanalítico, o Mito, onde sua ordem simbólica têm uma unidade constitutiva, o Significativo, adquire valor em virtude da sua relação com os outros elementos significantes de um sistema simbólico. Sob uma postura Lacaniana, é o mito uma história, que implica uma relação singular com algo imutável por detrás da sua execução, mas enunciado por via de um discurso, que não sabe o que diz e não diz o que sabe, porque faz parte dessa realidade. Este algo imutável, alude à própria inércia do ser humano para subverter a ordem estabelecida na busca do objeto que satisfaça o seu desejo. O Sujeito, deseja a Coisa Freudiana, sob um discurso incoerente que a/o invista com o manto dos deuses. O desejo que nos constitui, que conduz à lógica da insaciabilidade, busca da plenitude, seguida da infelicidade e insatisfação, um jogo de simulação, que quer contrariar a decepção, que exige sempre seu anseio por uma completude impossível. Os diferentes caminhos do homem envolvem sempre o mesmo cruzamento. Este anseio de preenchimento, de chegar a um prazer absoluto improvável, sempre procurado no reverso da humanidade, pois a sua civilidade, ciência, política, religião, sociedade e cultura, tendem para a uniformidade, robotização do mundo, onde só podemos esperar pela aniquilação do sujeito.
Em tempos em que a pergunta se torna angústia, e a resposta pode ser puro delírio, como diria Carlos Drummond de Andrade:
“O povo toma pileques de ilusão com futebol e carnaval. São estas às suas duas fontes de sonhos.”
Então eu me pergunto?
Será que no carnaval… tiramos ou colocamos às máscaras?
É como sempre, gosto de finalizar com um poema, que entendo retrata um pensamento, que nem sempre nos representa, mas é humano.
A nossa vida é um carnaval
A gente brinca escondendo a dor
E a fantasia do meu ideal
É você, meu amor
Sopraram cinzas no meu coração
Tocou silêncio em todos os clarins
Caiu a máscara da ilusão
Dos Pierrôs e Arlequins
Vê colombinas azuis a sorrir
Vê serpentinas na luz reluzir
Vê os confetes do pranto no olhar
Desses palhaços dançando no ar
Vê multidão colorida a gritar
Vê turbilhão dessa vida passar
Vê os delírios dos gritos de amor
Nessa orgia de som e de dor.
Poema Turbilhão - Moacyr Franco Bom carnaval!
Por Dan Mena. Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199. Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130.
Dr. Honoris Causa em Psicanálise pela Christian Education University — Florida Departament of Education — USA. Enrollment H715 — Register H0192.
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