top of page

O Fetiche.

Atualizado: 22 de set. de 2024



''A primeira lei que encontro escrita no fundo da minha alma não é amar, muito menos ajudar os meus pretensos irmãos, mas sim fazê-los servir as minhas paixões.” Sade. Por Dan Mena.

O que é um fetiche? São perversões? Surgem espontaneamente ou as escolhemos? O que significa ter um fetiche?. É uma preferência sexual que se caracteriza pela convicção e adoração a determinados objetos, ambientes ou práticas, mas atenção, mesmo assim existem regras. Este é o assunto da semana, boa leitura.


Do ponto de vista histórico e antropológico, remetendo aos povos antigos, os fetiches eram artigos, ídolos materializados. Podemos sintetizar que na antiguidade era um objeto, amuleto, rito tribal, considerado portador de um poder sobrenatural. Assim, o emissário do fetiche era protegido, considerado detentor de um poder extraordinário. A veneração e culto deles naquela época, é chamada de fetichismo. Alguns pesquisadores e historiadores, defendem que o fetichismo é um estado primitivo das religiões, que com o tempo, se transferiram para o pensamento abstrato moderno. Destarte do conceito contemporâneo, religiões e pessoas, continuam a confiar na potência, energia e poder de certas coisas, que insistem em carregar ou guardar como talismã. Um exemplo prático, poderia ser um indivíduo confiar numa pedra preciosa, que supostamente pode lhe proteger e ajudar a afugentar más energias do seu lar. A palavra fetiche, na sua etimologia vem do latim, “facticius”, que significa artificial, imaginário, inventado, um significado absolutamente subjetivo, seja ele cultural ou sexual. A palavra evolui com uma designação de “feitiço”, quando os navegadores portugueses designavam objetos de cultos tribais que encontravam nas suas viagens de conquista. Essa mesma palavra, evoluiu para o francês “fétiche”, de onde vem “fetiche”, adquirindo portanto, sua definição conhecida linguisticamente.


Antes de entrarmos na definição, é importante saber que existem vários conceitos sobre o assunto; vejamos dois deles.


Positivista

O fetichismo foi o estado primário do estado teológico do pensamento. Neste estado, os povos primitivos acreditavam que os objetos inanimados tinham um espírito vivo dentro deles, também conhecido como animismo.


Sociológico

Segundo Marx, é o aparecimento das relações de produção na sociedade capitalista, baseada na produção de mercadorias. Neste sistema socioeconômico, as relações entre pessoas estão escondidas por detrás do vínculo aparente com as mercadorias. Rothe, cunharia o termo fetichismo de mercado, que ganha sustentação pelo sistema capitalista. Ele por sua vez, “fetichiza” marcas e produtos através do marketing e de todo tipo de publicidade. Para Rothe, o fetiche não é escolhido, mas se apodera de nós: Talvez sejamos dominados por memórias ou por uma grande felicidade nesse momento. Quando se fetichiza uma coisa, exemplo; roupa íntima, podemos nos apaixonar por ela, pelo seu apelo e efeito psicológico, o que pode ser, uma sensação gratificante. No entanto, o fetiche, continua em um contexto marginalizado socialmente, principalmente, quando relacionado com a sexualidade humana.


“O fetichismo de Alfred Binet, conduziu à sexologia ou a psicologia sexual, que subordinou todas as perversões. Assim, certos objetos e práticas sexuais se destacam. Já pela análise de Freud, sua origem está submetida a teoria da libido, onde o fetiche se introduz como substituto do pênis, numa tentativa de lidar com o medo da castração”, segundo Pitt.


Do nosso olhar psicanalítico.


O fetiche é uma manifestação perversa, como sendo o núcleo e lugar-comum de todas as outras parafilias; (as parafilias são meras preferências sexuais, que se desviam da norma, enquanto as perturbações parafílicas são consideradas uma doença mental, assinadas e marcadas por um grau de descontrole emocional, que impactam a saúde, vida relacional e afetos, provocando, muitas vezes, risco e danos a outros. Fica claro, clinicamente para mim, que geralmente aquelas que tratei até o momento são fantasias, sem dúvidas. Também, podemos considerar como se manifestam os problemas do sujeito, é sua relação com a lei e normas sociais, sobretudo, quando estas diretrizes são vistas por ele(a), como muito rígidas. Esta circunstância, situação, evento e conjuntura, podem estar conectados com a época. Se nos transportássemos a época em que Freud viveu, no final do século XIX, época vitoriana, existia naquele momento uma forte repressão do sexual e da prática da sexualidade. Isso implicava num cerceamento implícito da liberdade, neste sentido, base, para que proliferassem as fantasias mais tenebrosas, perversas, libertinas, libidinosas e intimamente inaceitáveis (para a época). Portanto, se sabe, e se confirma, quanto essa experiência do período, que quanto maior a repressão sexual mais intenso o fetichismo se emplaca. Como consequência direta destas condutas e comportamentos, tivemos então o desenvolvimento e nascimento do sadomasoquismo, voyeurismo e travestismo, entre outros.


''Podemos entender o fetichismo como uma organização particular do desejo sexual ou da libido, onde a satisfação não é alcançada sem a presença e o uso de um determinado objeto acessório, que chamaremos de fetiche''. Dan Mena.


Como Freud examina a pulsão?


Ele a analisa como a pulsão a partir de quatro componentes: meta (ou finalidade), objeto, fonte e pressão (ou impulso). 1) Se a meta última da pulsão é a obtenção da satisfação pela via da descarga das excitações, e observa, por outro lado, que as pulsões podem ser inibidas em sua finalidade. (Freud, 1925/1996).


A explicação analítica do sentido e da finalidade do mesmo, revelou-se inequívoca, de uma forma geral, para todos os casos de fetichismo. Ele existe na fantasia psíquica como um substituto do pênis, de modo que não é um suplente ou sucessor dele qualquer, mas, de um muito particular e específico, que foi de grande importância na primeira infância, e posteriormente se perdeu. Normalmente, esse falo, (pênis), tinha de ser abandonado, mas é precisamente o fetiche que substitui e evita o seu desaparecimento. Claramente, o fetiche é o substituto do falo da mulher (da mãe), em cuja existência o menino acredita um dia, e ao qual não deseja renunciar. A relação entre fetichismo e perversões é complexa; então Freud anota, “um certo grau de fetichismo, encontramos na vida sexual normal”, nos seus; “Três ensaios sobre a teoria sexual”, (Freud, 1905). A escolha particular do objeto-fetiche, não se reduz à fixação num objeto, mas pertence a uma categoria, pelo que equivale sempre se mover para outro. Ambivalente, mas diferente, o fetichismo inclui a parte da insatisfação que constitui todo desejo. Agamben, reconhece esta metonímia, (matéria por objeto, pessoa por coisa), que ao colocar dito antagonismo de frente, denota uma tendência inevitável do fetichista para agrupar e aumentar sempre seus fetiches, “… o fetichista, multiplica as provas da sua presença, acumula um harém de objetos, o fetiche escapa de si, fatalmente das suas mãos e, em cada uma das suas aparições, sempre celebra apenas seu próprio fantasma místico” (Agamben,1977). Aqui ele convoca o ''fantasma''. O que é o fantasma? Para Lacan, é o mecanismo de captura do corpo pulsional, (objeto perdido) no laço com o ''Outro'', portador de uma falta e ausência. Em seu segundo ensino, Lacan (1964/1998), formaliza definitivamente o papel do ''Outro'', como a constituição psíquica por meio das operações de alienação e de separação).


Então, vamos a outro nível; O que é a perversão pela ótica de Lacan?


Ele afirma, que o pervertido funda e estabelece uma relação sexual que não existe, assim o faz com a ajuda do seu fantasma, a utiliza para capturar o gozo do seu parceiro sexual, e assim, ''encampa'' o ''Outro'', sob o seu desejo, onde o(a) subjuga, castiga, se exibe, etc. O tipo de perversão será a forma pela qual ele fará de si, um instrumento do gozo do seu/s parceiro/s sexual/ais. O fetichista patológico, geralmente apresenta casos de impotência, ejaculação precoce, retardamento exagerado da ejaculação, caso a exigência do seu imposto fetiche ao outro não for satisfeita. Ditos sintomas detectados, regularmente escondem uma homossexualidade latente no indivíduo. Neste caso, posso sinalizar outro comportamento comum, quando o homem só consegue ejacular com a(o) parceira(o) de costas, quando a prática da posição sexual, “somente se dá exclusivamente de costas”, denota, que o mesmo o faz para evitar o confronto visual com ela(e), de forma a não quebrar seu imaginário. Assim, o sujeito fetichista, monopoliza seu interesse sexual, experiencia tudo centrado numa determinada parte do corpo, vestimenta, acessórios, geralmente não tem relação direta com os órgãos genitais, apenas se concentra no objeto que para ele(a), representa o objetivo central do seu gozo e satisfação sexual.

Geralmente, podem se sentir estimulados sexualmente e satisfeitas(os) de várias formas, como por exemplo: Vestir roupas íntimas de outra pessoa, usar elementos de borracha ou couro. Segurar, esfregar, impor castigos, amarrar, cheirar objetos, desfilar com sapatos de salto alto, lingeries específicas, entre outras, um pouco mais pesadas.


E ae…? Vamos entendendo?


Fetichismos mais comuns.


Exibicionismo

Sadismo

Masoquismo

Voyeurismo

Pedofilia


Nas parafilias mais raras, o fetichismo para o sujeito e um item necessário para a excitação sexual, ele(a) não pode ficar longe de uma relação sexual normal, seu objetivo sexual não é a união. A leitura psicanalítica esclarece sobre a verdadeira função do objeto fetiche, ele cumpre uma finalidade de proteção contra a angústia, dita angústia, provocada pela castração. Desta forma, o mesmo tenta se salvar do que não tolera em si, seu apavoramento de ser castrado, onde dito gatilho se ativa pela percepção da ausência do pênis na mulher, na (mãe). Para se prevenir desta ameaça, ele nega a ausência do pênis nela, sendo o fetiche nada mais do que um substituto para o pênis em falta. (O complexo de castração é a experiência psíquica pela qual passam inconscientemente crianças por volta dos cinco anos. Embora seja apresentado como uma etapa da evolução da sexualidade infantil, não se reduz a um único momento cronológico. Cada gênero o frequenta de uma forma exclusiva e pessoal, graças a esta experiência psíquica, a criança aprende a diferenciar os sexos, reconhecendo primitivamente a noção dos desejos impossíveis). Constituído pelo último objeto percebido antes da visão traumática, o indivíduo escolhe, seleciona uma parte do corpo considerada habitualmente inadequada para fins sexuais (pés, pescoço ou cabelos), ou então, um objeto inanimado ao qual o relaciona como o objeto sexual, em particular conectado com a sexualidade da pessoa, como vestimenta, seda, linho, etc. Esse lugar arbitrário, que se entende como memória da fantasia, não representa o pênis real, mas aquele enquanto detecta uma falta, aquilo que possa ser outorgado à mãe, validando e certificando ao mesmo tempo, a sua ausência.


Neste assunto, muito importante para a psicanálise, o fetiche é um âmbito fundamental e esclarecedor para abordar o mistério e a incompreensão da sexualidade humana, que não se reduz apenas a reprodução da espécie. Encontramos senão, um excesso no homem, que se explica e estabelece pela diversidade do objeto pulsional, (o conceito de pulsão nos permite compreender os fenômenos psíquicos pulsionais, como sendo aqueles que representam, no sentido de estar no lugar de outra coisa. Isto é, a pulsão, que seria a representante dos estímulos corporais no psiquismo). A sexualidade está ligada ao conhecimento, à impossibilidade de saber sobre a causa do proprio conhecimento. A diferença entre o instinto que satisfaz a necessidade e a pulsão que tenta satisfazer esse desejo, que se diga de passagem, é por definição, impossível de satisfazer, menos ainda por um objeto, sendo o ponto de colisão básico da conceituação freudiana. Essa capacidade do homem encontrar na fantasia o seu objeto, aliás, absolutamente humana, visto que não existe nos animais a perversão, nem o fetiche, faz como que a castração não exista, seja apenas humana.


Seria um desvio?


Uma caracterização anota (Szuster, 2010). “Para um comportamento ser definido como desviante, é necessária sua comparação com um modelo ideal, considerado normal. Logo, esse modelo, nunca é alheio aos valores morais e culturais da época”. Assim ele dá a entender; que a perversão consiste numa constante mudança e transformação, onde a passagem do tempo recalcula culturalmente os comportamentos antes considerados perversos, hoje, validados como normais e naturais. Nessa linha, se nos remetemos ao Marquês de Sade, como o primeiro autor que expõe a perversão, sem considerar um padrão arquétipo normalizado para a época. Devemos reconhecer que foi destemido e corajoso, que enfrentou e ultrapassou a norma, transgredindo além da crítica social, enfrentando a moral, o poder da igreja, e fez leitura, liberto da contaminação dos valores éticos regentes.


Ao respeito dos desvios; fala Baudini (2003). “Tudo é muito liberado, desenfreado, sem freio. Tudo é muito liberado, desenfreado e o que se produz é uma época sem ponto de corte, de queda de ideais, de perda de crenças e de promoção de um individualismo extremo, acompanhado de um não julgamento da ação e de um abandono à própria sorte, daqueles que não entram ou foram expulsos do mercado de consumo”.


A perversão é caracterizada pela imoralidade, pelo excesso, pela destruição daqueles que querem fazer o bem e pela busca do interesse próprio independentemente dos meios, elementos que prevalecem no contexto atual, uma vez que toda a responsabilidade moral e dever social é rejeitada. (Talavera, 2018).


Concluindo; ''Um fetiche se torna problemático quando se sobrepõe como angustiante para o sujeito. A angústia, como uma reação a sintomas de ansiedade e medo, é que transbordam o suportável, são reconhecidas como um calvário. Dita preferência, impõe ao afetado uma escolha, permanecer no sofrimento ou enfrentar uma terapia que possa ultrapassar sua obsessão''. Dan Mena.


Vamos ao poema da semana;


Desejos de Corpo e Alma.


Na boca guardo o gosto do seus passos,

te sinto e me envolvo, no calor movimento em meu corpo.

Sigo enquanto sejam eles mel para meus desejos,

me ajoelho aos teus pês, me curvo nos traços de formas e toque perfeito.


Sou eu o seu mar que a boca te beija,

que apaga pegadas deixadas, na areia.

Tem olhos que olham para olhos, e simplesmente nada encontram,

tem bocas que encostam e dançam e na dança falta desejo.


Meus olhos seguem passos, que gemem no toque, que pisa,

o gozo se transforma em laços, em traços, em teias de puro desejo.

Sou eu um louco, a procura da moldura perfeita, a cor que enfeita,

que te faça musa, que assim seja quase perfeita.


Segue enquanto meus passos seguem os seus,

Pise no peito, me rasgue a alma, me crava o salto.

Nas marcas que me deixa, no gosto que o gozo aconteça,

TRACE O CAMINHO,

VENDADO TE SIGO,

MEUS OLHOS SÃO SEUS,

TEUS PASSOS SÃO MEUS....


Pedi, quando o desejo for absurdo, quase louca te desnudo,

quase tudo permitido;

De salto, nua te deito, te encontro em meu corpo,

desvendo segredos.

A frente do espelho, de salto, nua te vejo.

Aos seus pês , Fetiche de alma, gozo de homem.

Gosto que se faz desejo,

Nos passos que minha alma te façam mulher...


Até breve. Por Dan Mena. Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 - CNP 1199 Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 - CBP 2022130

 
 
 

Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
bottom of page