Entre o Real e o Imaginário.
- Dan Mena Psicanálise
- 20 de nov. de 2024
- 11 min de leitura
Atualizado: 14 de jan.
A Importância da Fantasia na Psicanálise.

É muito frequente acharmos que nossos pensamentos estejam na direção de objetivos povoados por uma série de fantasias sobre as coisas que gostaríamos de realizar, ou mesmo, aquelas que não alcançamos. No entanto, quando a fantasia é levada ao extremo pode estar acompanhada de uma característica comum, a perturbação da personalidade narcísica. Por outro ângulo, pesquisadores entendem que ditas fantasias possuem elementos positivos, ao proporcionar retornos compensadores emocionalmente. Barrett, se refere neste tópico; ''que as pessoas diferem radicalmente na sua intensidade quanto na frequência que dão mão dela''.
Geralmente, aqueles que têm uma vida de fantasias mais elaboradas, são reiteradamente as que fazem uso delas mais produtivamente. Dita realização conjunta com a imaginação, aplicam sua energia para usar em tarefas como a produção literária, artística, cinema, teatro, esportes, sendo atividades muito criativas. Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, definem a fantasia como; “um percurso imaginário no qual o sujeito está presente e representa, mais ou menos deformado por processos defensivos, a realização de um desejo e, em última análise, de um desejo inconsciente”. Neste tema clássico da psicanálise, convido você a fazer esta travessia por esse universo extraordinário. Boa leitura.
"A arte de fantasiar não é uma fuga da realidade, mas um retorno criativo a ela, transformando o ordinário em extraordinário."— Dan Mena.
O conceito de fantasia é regularmente utilizado na clínica psicanalítica, sua compreensão se dá pela amplitude do espectro que ele engloba, nos permitindo uma abordagem profunda do psiquismo contemporâneo. Por ser um tema tão importante, é amplamente estudado, existem várias interpretações, considerando que seus sentidos foram sendo modificados pelas contribuições de diferentes estudiosos e autores. Quando Freud ainda estudava sobre histeria com Breuer, presumia ser a fantasia uma atividade mental muito presente em dito sintoma, tanto no estado de vigília quanto na condição hipnótica. Após esses estudos concluídos, o conceito ganhou força e se tornou abrangente, sendo necessária sua definição para o trabalho clínico da psicanálise. Na sua experiência inicial com neuróticos, Freud verifica que a maioria delas relata ter sofrido agressões sexuais na infância. Passado o tempo, descobre e conclui, que tais relatos e cenas libidinosas de sedução que seus pacientes narravam, não se baseavam em fatos e acontecimentos reais e verdadeiros, mas, na composição de fantasias que escondiam manifestações espontâneas sob a forma de um mascaramento de atribuições sexuais infantis. Então diz; “já não me apareciam como derivações diretas de memórias reprimidas, de experiências sexuais infantis, pois entre elas e as impressões se sobrepõem às fantasias, que, por um lado, pareciam ser construídas com base e com os materiais das memórias infantis e — por outro — se tornavam sintomas”. “Ao transformar desejos inconscientes em narrativas internas, a fantasia atua como uma bússola que nos guia para o desconhecido de nós mesmos.” — Dan Mena.

Assim, as influências de acidentes sexuais deram lugar ao conceito de repressão, o que é reprimido é a sexualidade, como infantil e traumática, cujas características ele destaca: ''uma primeira vez em que a sexualidade irrompe “muito cedo” no sujeito “inocente”. Uma excitação sexual ocorre, num momento em que a sua elaboração simbólica é impossível, e permanecerá, portanto, não processada, devido à imaturidade sexual do sujeito, até um segundo tempo, após a puberdade, onde o(a) mesmo(a) sexualmente maduro(a), irá acrescentar uma nova estrutura de significação. Nesta nova fase e suas primeiras experiências, haverá de reinterpretar o tempo e espaço dessa conexão associativa, dando a reformulação de novas representações. Até aqui, a fantasia, portanto, se articula segundo a sua própria lógica inconsciente sob um ciclo, tempo e espaço, onde a mesma seleciona e elabora uma história de vida para o próprio sujeito.
O que diz Freud sobre a fantasia?
Ele pensava naqueles anos que a fantasia era uma expressão disfarçada, uma satisfação parcial de um desejo inconsciente. Ou seja; embora existam as fantasias no sistema inconsciente, a unidade básica do sistema inconsciente não é a fantasia, mas o desejo ou a pulsão, segundo (Spillius, 2015). Já, se Freud pensava a fantasia como uma certa estratégia para alcançar um prazer possível com um objeto ''impossível'', vem Winnicott, que acrescenta uma perspectiva tópica envolvendo o ''self'': ''uma estratégia para conduzir um contato sempre impossível com um objeto possível''. (O self é descrito como instância psíquica fundamental que contém os elementos que compõem a personalidade, mas não carrega o núcleo da existência genuína do indivíduo. Assim, o protagonista da existência é o “ser interior”, e o ''self'' atua como coadjuvante principal na formação da personalidade.
O que ele diz sobre fantasia e realidade?
Ele equipara a fantasia e realidade na origem e razão da neurose, enquanto argumenta a respeito das fantasias que; ''elas possuem realidade psíquica, em oposição a uma conjuntura material, e aprenderemos gradualmente a compreender, que no mundo da neurose a realidade psíquica é decisiva''. (Freud, 1917).
"A fantasia é a linguagem do desejo disfarçado, mas sua verdade psíquica é tão real quanto os alicerces da existência material." — Dan Mena.
Para que serve?
''A fantasia ocupa um lugar imprescindível nas nossas vidas, não apenas como fuga da realidade existencial, mas porque como uma energia psíquica nos permite recalcular nossas insatisfações e fragmentações, realizando desejos não satisfeitos através da imaginação e a ficção''. — Dan Mena.
A construção da fantasia.
Em ''Construções em Análise'', Freud (1937), argumenta que os sintomas e inibições apresentados pelos clientes são o efeito da repressão. Por isso, entendo que o objetivo do trabalho analítico é reconduzir as repressões no seu andamento e desdobramento, para serem convertidas em ações que correspondam a um estado de maturidade psíquica para serem re-alinhadas. Para isso, é necessário que certas experiências do sujeito sejam lembradas e rememoradas, bem como aqueles afetos que estavam conectados por conta da repressão, as quais são (naturalmente) esquecidas. "A fantasia não é uma fuga covarde da realidade, mas uma trama psíquica onde o desejo e a defesa costuram o tecido da existência." — Dan Mena. Pela técnica, se faz necessário levar o paciente a lembrar de algo vivido, embora reprimido por si. Ele tem de deduzir os vestígios que ficaram para trás, tem de re-construir, reciclar. Onde Freud (1937), argumenta que “nas exposições da técnica analítica se ouve tão pouco sobre construções, a razão para isso é que, em vez disso, se ouve falar de interpretações e do seu efeito”. Por isso, ele considera que construção, é a designação mais adequada, pois o termo interpretação incita ao que é empreendido, enquanto construção, implica a elaboração desses entendimentos. Nem sempre é possível ao cliente viajar até a lembrança perfeita do recalcado, embora seja possível uma aproximação adequada da veracidade dessa lembrança, o que em termos terapêuticos produz também uma recuperação positiva e utilizável para a análise. "A fantasia inconsciente é a arquitetura do instinto, onde cada desejo encontra um espaço mental para ser ensaiado, mesmo sem ser realizado."— Dan Mena. Destarte se faz necessário investigar detalhadamente a mecânica dessa produção em construção, e nas posições tanto do analista quanto do analisado. Será então, por estas linhas e amplas pontuações que não plenamente esclarecidas, tanto da teoria quanto da clínica que se abrem novas linhas de pesquisa e esquadrinhamento.

Quem ampliou consideravelmente o conceito freudiano de fantasias inconscientes foi Melanie Klein, que diz; ''que as mesmas estão sempre manifestas e ativas em cada indivíduo''. Sua presença não é um sinal de doença ou da falta de sentido da realidade, nem que elas vão determinar o estado psíquico do sujeito, nem a natureza das suas fantasias e a relação com a realidade exterior. A fantasia inconsciente, é a expressão mental dos instintos, por conseguinte, existem desde o início da vida. Instintos e intuições, procuram objetos, que estão correlacionados e associados à fantasia de um, ou vários desejos, que lhe sejam adequados. Assim, atribuímos para cada impulso instintivo uma fantasia que lhe corresponde psiquicamente. Exemplo: ao desejo de limpeza, corresponde a fantasia de um banho, o que daria supostamente satisfação a esse querer, mesmo que provisoriamente.
"Na clínica, a fantasia se revela uma ponte entre o estudo e suas pulsões primordiais, o conduzindo à construção de um equilíbrio psíquico."— Dan Mena. A concepção da fantasia dos instintos através do ego implica mais organização dele, para o qual se vê interpretado incisivamente desde o nosso nascimento. O ego, consegue criar o laço, e ser guiado até a ansiedade e suas relações objetais primitivas, tanto da fantasia quanto da realidade humana. Desde que surgimos, nos defrontamos e digladiamos com a realidade, num confronto de forças conectadas a inúmeras experiências de recompensas, retribuições, naufrágios emocionais, desilusões, insatisfação e frustração dos desejos primários. Ditas vivências, são arremessadas para a fantasia inconsciente, que por sua vez as sugestiona e manipula. Às fantasias, não atuam mentalmente e apenas como uma válvula de escape da realidade, senão que interagem com nossas competências reais de forma assíncrona. Klein afirma, que; “é uma atividade mental básica presente desde o nascimento, de forma rudimentar, essencial para o crescimento mental, embora possa ser usada defensivamente”. Portanto, se entendermos que a fantasia inconsciente influencia a percepção e interpretação da realidade, o inverso também é verdadeiro; a realidade submete a fantasia inconsciente, enquanto a incorpora simultaneamente. Não podemos eliminar absolutamente seu caráter de defesa, por estar claro que sua meta insiste em satisfazer nossas pulsões instintivas e originais. Sua gratificação, pode ser vista como uma salvaguarda contra a realidade externa, no sentido da privação daquilo que pode ser ''impossível'' de realizar, e mesmo, usada como amparo e auxílio contra outras fantasias, aquelas às quais eu mesmo não me permito imaginar. "A gratificação da fantasia é a válvula que alivia a pressão do impossível, permitindo ao sujeito persistir diante das privações da realidade."— Dan Mena.
A fantasia na obra de Freud é anterior ao conceito de fantasia de Jacques Lacan.
A visão de Lacan sobre a fantasia assume grande importância como mecanismo de defesa para barrar a contingência de uma memória traumática, estando associada ao que ele chamou de “parada da imagem” (Roudinesco, 1998). Para ele, a fantasia não se restringia ao imaginário. Lacan utilizou o termo “lógica da fantasia”, após a lógica do desejo. Desde quando um indivíduo teria criado uma noção de objeto em função do desejo de outro, como a mãe, onde agrega uma falta, lugar singular de cada sujeito com suas fantasias diversas. Haveria logo uma lógica fundamental, a ''fantasia fundamental''. Abordar isso significaria alterar as defesas, modificar a relação entre fantasia e gozo, prazer e desprazer.
Do conceito de ''fantasma'' de Lacan.
O'' fantasma'' é o mecanismo de captura do corpo pulsional (objeto perdido) no laço com o ''Outro'', portador de uma falta. No seu segundo ensino, Lacan formaliza o papel do “Outro” na constituição psíquica através das operações de alienação e separação. O fantasma, como uma das interpretações mais destacadas neste circuito, será tema de um artigo exclusivo mais adiante, por ser necessário e merecido abrir dito espaço.
Prosseguindo para Susan Isaacs, que em 1948 retoma as noções dos autores citados, acrescenta; ''que todo indivíduo tem um fluxo contínuo de fantasias inconscientes, que a normalidade ou anormalidade não dependem da presença, ou ausência destas, mas da forma como são expressas, modificadas e relacionadas com a realidade externa''. Estas ideias são muito valiosas, ao acrescentarem ao debate, de uma forma mais específica, a possibilidade de pensar a relação entre o mundo interno e o real. A fantasia será uma espécie de caleidoscópio, com os quais enxergamos com maior ou menor clareza dependendo da posição, o que se passa no exterior, a partir do que intercorre em nosso interior.
"Na psicanálise, desvendar a fantasia é abrir uma janela para o inconsciente, permitindo que o sujeito veja além de suas ilusões protetoras." — Dan Mena.
Abordadas diversas teorizações clássicas para a compreensão do conceito, poderíamos pensar na fantasia como uma capacidade da mente humana, por ser precisamente ela que permitirá a mobilidade ou estagnação interna das movimentações, com a respectiva manifestação exterior, via comportamentos, ações, sintomas, emoções, criações e reações diversas e personalizadas. As fantasias, juntamente com as formações de compromisso e responsabilidade são palavras da linguagem da vida psíquica. A fantasia é a expressão mental do que se passa via nosso inconsciente, dos impulsos libidinais e agressivos, e dos mecanismos de defesa postos em atividade quando se trata da hostilização. Ao aprofundarmos sobre a multiplicidade de translações, realizações e operações inconscientes envolvidas na atividade de imaginar e fantasiar, fica claro, que se trata de uma noção elementar para o trabalho psicanalítico, porque, tal como os sonhos, sua compreensão oferece a possibilidade de tornar consciente o inconsciente.

Finalizando, a fantasia fundamental do ser humano é justamente o seu campo de visão, aquele que construímos e estruturamos para nos protegermos do real. Dita concepção não seria um problema se a sua aplicação fosse absolutamente consciente, visto que muitas vezes fingimos que ela não existe, e assim, somos dominados por suas forças.
"O fantasma, na visão lacaniana, é o eco do desejo que nunca foi saciado, um laço entre o corpo pulsional e a falta no Outro." — Dan Mena.
Como terapeutas, não introduzimos gambiarras na psique do paciente, senão o guiamos a realizar essa cruzada particular. Nosso trabalho, é fazer que o(a) mesmo(a) se responsabilize(m) de fato pelos seus desejos, se retirando do lugar de objeto, assumindo sua posição de sujeito compositor(a) da sua realidade, implicando, sim, a criatividade bem-vinda da sua fantasia, sem que se tornem reféns) dela(s). Tomo aqui, portanto, as palavras de Freud na sua conferência “Dissecção da Personalidade Psíquica”, que nos esclarece; ''que o objetivo da psicanálise, é que nos tornemos o que já éramos''.
Vamos ao poema:
A fantasia.
Para dourar a existência
Deus nos deu a fantasia;
Quadro vivo, que nos fala,
D'alma profunda harmonia.
Como um suave perfume,
Que com tudo se mistura;
Como o sol que flores cria,
E enche de vida a natura.
Como a lâmpada do templo
Nas trevas sozinha vela,
Mas se volta a luz do dia
Não se apaga, e sempre é bela.
Dos pais, do amigo na ausência,
Ela conserva a lembrança,
Aviva passados gozos,
E em nós desperta a esperança.
Por ela sonho acordado,
Subo ao céu, mil mundos gero;
Por ela às vezes dormindo
Mais feliz me considero.
Por ela, meu caro Lima,
Viverás sempre comigo;
Por ela sempre a teu lado
Estará o teu amigo.
Gonçalves de Magalhães.
Magalhães convoca no seu poema, o misticismo, mas, não se olvida de incluir a imaginação, subjetivismo, sonhos, sentimentos e a fé. Deixa claro que entende a fantasia como um legado divino… quando fala que ''Deus nos deu a fantasia''. Palavras-chave: #psicanálise, #fantasia, #SigmundFreud, #autoimagem, #saúdemental, #influenciadoresdigitais, #mídiasociais, #terapiacognitivocomportamental, #imaginaçãoguiada, #desejosinconscientes, #selfreal, #selfidealizado, #dissonânciacognitiva, #autoestima, #transtornosmentais, #resiliência, #crescimentopessoal, #equilíbrio, #mecanismosdedefesa Fontes Utilizadas e Autores:
Freud, Sigmund. "A Interpretação dos Sonhos.Zuboff, Shoshana. "A Era do Capitalismo de Vigilância.Twenge, Jean. "iGen: Why Today's Super-Connected Kids Are Growing Up Less Rebellious, More Tolerant, Less Happy.
Bowlby, John. "Apego e Perda.Klein, Melanie. "Amor, Culpa e Reparação.Lacan, Jacques. "Escritos.
Até breve, Dan Mena.
Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199. Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130. Dr. Honoris Causa em Psicanálise pela Christian Education University — Florida Departament of Education — USA. Enrollment H715 — Register H0192. Todo o conteúdo deste site, incluindo textos, imagens, vídeos e outros materiais, é protegido pelas leis brasileiras de direitos autorais (Lei nº 9.610/1998) e por tratados internacionais. A reprodução total ou parcial, distribuição ou adaptação dos materiais aqui publicados é permitida somente mediante o cumprimento das seguintes condições:
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