Feminicídio - Violência, Perseguição e Morte.
- Dan Mena Psicanálise
- há 8 horas
- 17 min de leitura

Desnudando a Alma da Violência
Antes de adentrar no tema profissionalmente, devo me lembrar que carrego em mim a memória viva das mulheres que me fizeram homem: uma mãe que teceu dias e noites para me proteger, irmãs que desbravaram horizontes estreitos com unhas e dentes, filhas que me ensinaram a ver o mundo não apenas com meus olhos, mas com os delas. São essas vozes — suaves, rugosas, resilientes — que me sussurram: Maria não é um nome solitário. É um espelho refletindo milhões de rostos: mães que carregam mundos nas costas, filhas que brincam sob a sombra de um medo que ainda não nomearam, avós que enterram segredos nas dobras do tempo.
Ao amanhecer, a rotina de Maria parece trivial: o aroma do café se mistura ao caos matinal de filhos famintos e tarefas infindáveis. Cada gesto — abrir a janela, arrumar mochilas, esconder um bocejo na manga da camiseta — são na verdade, atos invisíveis de resistência. A esperança, aqui, não é um sentimento abstrato, pois o relógio avança enquanto ela corre contra ele. Mas quando o sol se põe, essa mesma mulher — que personifica a força em cada fissura — é silenciada. Não por um acaso do destino, mas pela mão que um dia acariciou seu rosto e depois se fechou em punho. Alguém que jurou amor, embora confunda afeto com posse, proteção com controle, ciúme com direito. O feminicídio não é um fim abrupto: é a última linha de um roteiro escrito a sangue frio.
Me pergunto: que abismos psíquicos engolem um homem até que ele enxergue no extermínio da mulher um ato de "honra", "paixão" ou "justiça"? Não há respostas, podemos considerar algumas pistas. Entre elas, destaco a ‘’ferida narcísica coletiva’’.
"No feminicídio, o agressor destrói o espelho que reflete sua ruína." - Dan Mena.

O Retrato Social
A noção de ferida narcísica remonta a Freud, ele descreveu o narcisismo como uma etapa fundamental do desenvolvimento psíquico, onde o ego investe a libido em si mesmo. Quando ferido — seja por uma rejeição, uma humilhação ou a ameaça de perder controle —, a reação pode ser violenta, uma tentativa desesperada de restaurar a ilusão de ''suposta grandiosidade ameaçada''. Aplicada ao contexto social, se refere a uma ‘’fratura na identidade grupal’’, especialmente em estruturas de poder historicamente dominantes (como o patriarcado). Quando um sistema baseado em hierarquias rígidas — onde homens são socializados para se verem como provedores, controladores e centrais — desafiado pela autonomia feminina, surge uma crise. A emancipação das mulheres, a contestação de papeis de gênero e a perda de "privilégios simbólicos" (como a posse sobre o corpo e o tempo da mulher) são vividas, por alguns homens, como uma ameaça existencial à sua própria identidade.
Desdobramentos psíquicos e sociais:
A ilusão da completude:
Na psicanálise lacaniana, o sujeito é marcado por uma falta constitutiva.
No patriarcado, porém, se ensina aos homens que essa falta pode ser preenchida pela dominação do "outro" (neste caso, a mulher). Quando essa fantasia é quebrada — e ela se recusa ser objeto de completude —, o golpe narcísico aflora. A violência se torna então, uma tentativa patológica de restaurar a ilusão de onipotência perdida.
Masculinidade como performance frágil:
A masculinidade hegemônica é construída sobre mitos de invulnerabilidade e dominação. Quando um homem é confrontado com sua própria vulnerabilidade (um divórcio, uma independência financeira da parceira, uma recusa sexual), a ferida narcísica coletiva se manifesta como ódio projetado: ele não ataca a própria debilidade, mas a mulher que a espelha.
A cultura como espelho deformado:
A sociedade patriarcal atua como um ‘’grande Outro’’ que valida e normaliza essa fenda. Piadas misóginas, a romantização do ciúme ("quem ama, cuida"), e a ideia de que a mulher é uma "propriedade" a ser defendida reforçam a narrativa de que a agressão é legítima para "reparar" a honra vista como ferimento.
O assassinato como ato "restaurador":
No feminicídio, o agressor não mata apenas uma mulher: mata o símbolo do que o confronta com sua própria inadequação. É um ato de negociação delirante com o próprio ego, onde extinguir o "outro" parece a única forma de recuperar uma identidade em colapso. Como escreveu Contardo Calligaris: “Os crimes passionais são crimes de orgulho: mato para não ter que admitir que não sou quem eu pensava que era”.

Ele faz uma crítica contundente à ideia de que crimes passionais são motivados por "amor" ou "paixão". Ele desloca o foco para o ‘’narcisismo ferido’’’ do agressor:
"Não sou quem eu pensava que era": O feminicida mata para evitar o colapso de sua auto-imagem grandiosa e estereotipada (o homem provedor, dominador, "dono" da mulher'').
A citação expõe a ‘’mentira social’’ por trás do termo 'passional', que romantiza a violência, e revela a raiz do problema: uma identidade masculina construída sobre ilusões de superioridade, que se esfacela quando confrontada com a autonomia feminina.
Por que a ferida é coletiva?
Não se trata de patologia individual, mas de uma dinâmica social internalizada. A ferida narcísica coletiva é alimentada por:
Mitologias culturais: Narrativas que glorificam homens como "senhores do destino" (herois, conquistadores).
Falhas na simbolização: A incapacidade de elaborar simbolicamente a igualdade de gênero, substituindo hierarquias por relações de alteridade.
Transmissão geracional: Meninos aprendem que "homem não chora", mas dominam; meninas aprendem que "amar é sofrer". Um ‘’ego’’ que só se reconhece inteiro ao reduzir o outro a fragmentos e pulverização. O assassino não é um monstro à parte da sociedade — ele é o fruto podre de uma árvore plantada em solo arcaico, regado por piadas misóginas, leniência institucional e a romantização do sofrimento feminino ("ele bate, mas ama").
"Educar é dissolver os mitos que transformam homens em algozes e mulheres em presas." - Dan Mena.
Parece que estamos assistindo a um ''teatro de horror''. Somos uma plateia silenciosa. Chamamos o feminicídio de "crime passional", como se houvesse paixão no ato de esvaziar um corpo de sua humanidade. Minimizamos agressões como "brigas de casal", como se o lar fosse um território neutro, não um campo de guerra invisível. Consumimos histórias onde a posse é confundida com romance, e depois nos perguntamos por que o ciclo persiste. Esse espiral exige mais que discursos — exige mudanças. Lentes que naturalizam a violência: nas escolas, onde meninas aprendem a se encolher e meninos a se expandir; nas leis, que muitas vezes chegam tarde demais; na cultura, que transforma corpos femininos em territórios a serem conquistados. Precisamos olhar para Maria e ver nela não uma vítima, mas uma guerreira interrompida. Reconhecer que cada vida truncada é um fracasso épico da humanidade compartilhada.
Uma Análise Histórica da Aniquilação Feminina
O termo "feminicídio" bate como um lamento que carrega o peso de séculos de opressão. Não se trata de um mero homicídio, mas de um crime impregnado de gênero, uma execução deliberada que encontra suas raízes no ódio, no controle e na subjugação da’’ mulher enquanto mulher’’. O conceito, que foi lançado na década de 1970 por ativistas feministas, ganhou contornos acadêmicos com as estudiosas Jill Radford e Diana E. H. Russell, que o definiram como "o assassinato de mulheres por homens motivado por misoginia". Essa definição transcende a mera técnica, onde o podemos enxergar como um ato político, um espelho de uma sociedade que ainda luta para reconhecer a mulher como sujeito pleno de direitos, como diria Simone de Beauvoir em "O Segundo Sexo".
A violência contra elas é tão antiga quanto as primeiras sociedades. Gerda Lerner, em "The Creation of Patriarchy", argumenta que o controle sobre o corpo e a vida das mulheres foi um dos pilares da construção das hierarquias sociais. Nos tempos do Código de Hamurabi, a mulher era legalmente vista como propriedade do pai ou do marido, um objeto que podia ser castigado, trocado ou destruído. Na Idade Média, as leis feudais reforçaram essa lógica, punindo com a morte a mulher que "desonrou" o marido. Tais padrões não desapareceram, apenas se metamorfoseiam na atualidade, se adaptando às eras, mas mantendo sua essência.

"A empatia é o antídoto para um mundo que normaliza a violência." - Dan Mena.
No Brasil, o tema é uma chaga aberta. Jeová Rodrigues Barbosa, em "Feminicídio no Brasil", demonstra que milhares de mulheres são assassinadas anualmente, muitas vezes por seus próprios namorados, parceiros ou ex, também isso se confirma facilmente nos noticiários. O que distingue o feminicídio de outros homicídios é a motivação: a vítima é morta por ser mulher, por desafiar o domínio masculino, mesmo que de forma sutil ou inconsciente. O crime frequentemente representa o ápice de uma escalada de abusos: insultos que evoluem para tapas, tapas que se transformam em surras, e surras que culminam na morte. Um roteiro trágico que se repete com assustadora regularidade.
Por que falhamos em proteger essas mulheres? A resposta reside na história, nas leis brandas e na cultura que ainda romantiza o controle masculino, perpetuando a misoginia denunciada por Jack Holland em "Misogyny: The World's Oldest Prejudice".
"O feminicídio é a expressão mais extrema de uma guerra travada contra as mulheres, uma batalha cujas armas são o poder e o silêncio." – Rita Segato, La Guerra Contra las Mujeres (2016).
A Mente do Agressor
O que leva um homem a assassinar a mulher que ele afirmava amar? A resposta não reside na superfície da raiva ou do ciúme. Estudos como os de Jackson Katz, em "The Macho Paradox", expõem que muitos agressores compartilham traços como narcisismo, baixa tolerância à frustração e uma visão distorcida de poder. Eles não matam em um momento de fúria, mas sim, porque acreditam ter o direito de decidir sobre a vida da vítima, como se fossem donos de sua existência.
Agressores sempre exibem comportamentos obsessivos, como monitorar redes sociais, ligar incessantemente ou isolar a vítima de sua rede de apoio. Um estudo recente da Universidade de São Paulo (USP) sobre violência doméstica mostra que a maioria das mulheres assassinadas por seus parceiros já havia sofrido abusos psicológicos prévios, como humilhações e ameaças. Tais atos não são aleatórios, mas sim táticas de poder, formas de "treinar" a vítima a se submeter.
"A rede de apoio é o fio que costura a esperança onde o medo rasgou." - Dan Mena.
Ademais, muitos deles carregam traumas não resolvidos. Um histórico de abuso na infância ou exposição a modelos violentos pode normalizar a agressividade como resposta a conflitos. Isso não justifica a violência, mas demonstra que ela é um ciclo aprendido, não um instinto inato. Romper essa configuração psíquica exige intervenção psicológica séria, algo que nossa sociedade raramente oferece.
A violência também é alimentada por crenças culturais. A ideia de que o homem "deve" ser o ''provedor e a mulher "cria uma caixa fechada para o feminicídio. Quando essa ordem é desafiada, o agressor reage como se sua identidade estivesse em xeque. É um paradoxo: ele mata para afirmar poder, mas revela, na verdade, sua impotência diante da liberdade alheia, como ressalta Michael Kimmel em "The Gendered Society".
"A violência masculina não é um desvio; é um produto apreendido de uma cultura que equipara masculinidade à posse." – Michael Kimmel.

O Inconsciente Patriarcal
O inconsciente é como um território selvagem irrigado por um patriarcado enraizado na cultura. Lacan, com seu conceito de "Nome-do-Pai", nos ajuda a entender como a lei simbólica masculina estrutura o desejo e o poder. O feminicídio, nesse sentido, é um ‘’acting out’’, ("passagem ao ato") se refere a um conceito base da psicanálise que descreve a manifestação de conflitos psíquicos inconscientes por meio de ações, geralmentes impulsivas, em vez de serem elaboradas verbalmente ou simbolicamente. Seria um mecanismo de defesa distorcido, conteúdos recalcados que o sujeito não consegue acessar conscientemente) logo aparece uma explosão do inconsciente que não tolera a mulher como livre de amarras.
O patriarcado não é apenas um sistema social externo, mas uma ferida psíquica internalizada. Quando uma mulher rompe o ‘’script’’, o agressor reage como se sua própria existência estivesse em risco. Não se trata apenas sobre ela, mas sobre o que ela representa: a ameaça à ordem que o valida como homem. Psicanaliticamente, isso é uma ‘’pulsão de morte’’, não só contra a vítima, mas contra a possibilidade de um mundo onde ele não seja o centro. No caso do tema, o instigador pode invejar a capacidade da mulher de ser autônoma, de criar vida, de existir fora dele. Essa inveja se transforma em ódio, e o ódio em um desejo de destruir o que não pode ser possuído.
Outro aspecto é o mecanismo de projeção. O acometedor projeta suas fraquezas na vítima, a transformando no "problema" a ser eliminado. Esse sujeito geralmente está preso ao "Imaginário", incapaz de entrar no "simbólico" onde a alteridade é aceita. Entendendo ou Simbólico e o Imaginário Nossa fala reflete a dinâmica entre os registros do Imaginário e do Simbólico. O Imaginário é o campo das imagens, identificações e ilusões de completude, onde o sujeito se fixa em relações dualistas (como o "eu" versus o "outro" no espelho de si) busca desta forma uma unidade narcísica. Quando falamos na psicanalise estar "preso ao Imaginário" sugerimos que o individuo não consegue transcender essa ''lógica egocêntrica e fusional'', permanecendo incapaz de reconhecer a diferença ou a alteridade (o outro como distinto).
O Simbólico, por outro lado, é o domínio da linguagem, a lei e a cultura, onde o sujeito se insere em uma ordem social que estrutura as relações e aceita a alteridade. Entrar no ''contexto simbólico'' implica reconhecer o outro como um sujeito separado, mediado pelas regras e significações compartilhadas, o que exige a renúncia à ilusão de completude imaginaria e ficcional.
Assim, a expressão indica que o sujeito descrito está fixado em uma lógica narcísica e imaginária, resistindo à entrada no simbólico, onde a aceitação da alteridade e a mediação pela linguagem permitiriam relações mais estruturadas e menos centradas no eu. Isso pode apontar para dificuldades em lidar com a diferença, a castração (no sentido lacaniano) ou a inserção na ordem social.
"O patriarcado é uma neurose coletiva que transforma o outro em ameaça." – ''Shulamith Firestone, The Dialectic of Sex'' (1970).

A Sociedade que Sustenta a Violência
A sociedade não apenas tolera essa violência, mas o alimenta com normas, silêncios e justificativas. Judith Butler, em "Gender Trouble", nos lembra que o gênero é uma performance imposta, e quando a mulher sai desse palco predeterminado, o castigo é brutal.
No Brasil, as estruturas sociais criam um panorama acolhedor para o tema. A desigualdade econômica deixa muitas mulheres presas a parceiros abusivos por falta de recursos. A romantização do amor possessivo normaliza o controle. Carla Cristina Garcia, em "Feminicídio: Uma Análise Sociojurídica", destaca que a impunidade é o oxigênio desse crime historicamente. Quando agressores saem impunes ou recebem penas leves, a mensagem é clara: a vida delas importa menos.
A mídia também tem seu papel sombrio, tratando o tema como espetáculo, focando na brutalidade, mas raramente nas causas. Precisamos de uma mídia que eduque, que mostre os sinais de alerta e cobre responsabilidade.
As instituições, por sua vez, falham miseravelmente, com delegacias sobrecarregadas e sub-financiadas. Muitas vítimas não denunciam por medo, vergonha ou desconfiança no sistema, que também não protege eficazmente. Mulheres que fizeram dezenas de boletins de ocorrência, tem medidas judiciais protetivas consolidadas, chamaram a policia dezenas de vezes, acabam mortas. Alguma coisa está muito errada, não é verdade? Isso denota uma crise na ordem simbólica da ordem social, onde as instituições falham em sua função de mediar as pulsões, proteger os sujeitos e simbolizar o trauma. Esse erro, deixa as vítimas presas entre o Imaginário (vergonha, medo) e o Real (violência, morte), sem acesso a uma elaboração estrutural que poderia interromper o ciclo de violência. Esse laço civilizatório, sustentado pelo Simbólico, está quebrado, permitindo que a pulsão de morte prevaleça.
A educação é outro ponto cego. Crianças crescem vendo modelos de gênero rígidos, e sem uma educação que desconstrua isso desde cedo, o patriarcado se renova a cada geração.
Somos todos cúmplices quando fechamos os olhos. Cada piadinha sexista, cada silêncio diante de um grito, tipo "deixa pra lá" é um passo rumo a próxima vítima. R.W. Connell, em "Gender and Power", nos lembra:
"A violência contra as mulheres é um mecanismo de controle social que mantém o patriarcado intacto." – R.W. Connell, Gender and Power (1987).

Redes Sociais: Amplificadoras da Misoginia ou Ferramentas de Denúncia?
As redes são como uma alma coletiva, e o que refletem nem sempre é bonito. Por um lado, dão voz às vítimas com movimentos como o #NiUnaMenos. Por outro, são um megafone para a misoginia, com posts que culpam mulheres por "provocarem" seus agressores ou que romantizam os ciúmes doentios. Sara Ahmed, em "The Cultural Politics of Emotion", nos alerta que as emoções circulam online e constroem realidades, algumas delas tóxicas.
O ódio digital muitas vezes é o primeiro passo para a violência física. Grupos de ódio usam plataformas para atacar mulheres que desafiam normas de gênero. A linha entre o virtual e o real é tênue, e o feminicídio muitas vezes começa com palavras digitadas.
A polarização também complica o cenário. Enquanto feministas lutam por visibilidade, a ‘’backlash’’ online cresce. Redes ampliam tanto o grito das vítimas quanto o veneno dos agressores. Para mudar isso, precisamos de educação digital e moderação mais rigorosa nas plataformas. Ensinar empatia online desde cedo e punir discursos de ódio com agilidade pode reduzir o impacto negativo.
"O digital não cria o ódio; ele o organiza e o amplifica." – Sara Ahmed, ''The Cultural Politics of Emotion'' (2004).
A Luta Pela Liberação Feminina e o Contra-Ataque do Patriarcado
Simone de Beauvoir escreveu: "Não se nasce mulher, torna-se." Mas o que acontece quando esse "se tornar" desafia o mundo ao seu redor? Susan Faludi, em "Backlash", descreve como cada avanço feminino provoca uma reação violenta. A autonomia das mulheres é vista como uma ameaça existencial por homens presos a tradições. A mídia reforça essa tensão, muitas vezes retratando mulheres independentes como "frias" ou "arrogantes", enquanto homens ciumentos são "apaixonados".
Esse ‘’backlash’’ não é só individual, mas estrutural, com políticos conservadores defendendo "valores tradicionais" que colocam a mulher como subordinada. O feminicídio é a expressão mais extrema dessa resistência: se mata a mulher para "restaurar" a ordem.
Vítimas Vulneráveis
Nem todas elas enfrentam o problema da mesma forma. Raça, classe e gênero se cruzam, criando camadas de vulnerabilidade que não podemos ignorar. Mulheres afrodescendentes e menos favorecidas economicamente são desproporcionalmente alvo desse crime. No Brasil, elas têm o dobro de chance de serem assassinadas em comparação com as caucasianas. Esses números são o resultado de um sistema que abandona quem está nas margens. A ‘’interseccionalidade’’, termo criado por Kimberlé Crenshaw, nos obriga a olhar além do óbvio. Não basta falar de "mulheres" como um grupo homogêneo, pois as opressões se entrelaçam.
"A violência de gênero é inseparável das hierarquias de raça e classe." – Rita Segato, Feminicidio en América Latina (2010).

Estratégias de Prevenção e Intervenção
Desconstruir mitos de gênero é o primeiro passo para combater o problema. Na clínica, vejo que terapias focadas em ‘’masculinidade tóxica’’ podem desarmar agressores em potencial, enquanto o acolhimento às vítimas é essencial para romper o silêncio. Socialmente, precisamos de leis mais rigorosas e políticas públicas que funcionem. A prevenção começa na educação, com crianças aprendendo desde cedo que respeito e igualdade não são negociáveis.
A intervenção psicológica é outro pilar. Homens com histórico de violência, podem se beneficiar de terapias que explorem suas inseguranças e que derrubem a ideia de posse. Para as vítimas, o apoio é vital. Terapias que validem a dor e ofereçam ferramentas práticas podem salvar vidas. Socialmente, precisamos de mais abrigos, linhas de apoio 24 horas e treinamento para policiais e médicos reconhecerem sinais de risco.
A justiça também precisa agir, com juízes sensibilizados e processos ágeis.
Por fim, a sociedade deve se envolver. Vizinhos que ouvem gritos, amigos que notam hematomas, familiares que percebem o isolamento, todos têm um papel.
Identificando o Perigo: Perfis Homicidas e Estratégias de Proteção
Os passos desse agressor seguem um padrão: aproximação com charme e idealização, controle e isolamento, escalada com ameaças e violência, e, por fim, o feminicídio com a destruição final. Sinais de alerta incluem ciúmes extremos, controle sobre finanças, mudanças de humor bruscas e ameaças.
Estratégias de proteção incluem confiar em seus instintos, manter uma rede de apoio, planejar uma saída e continuar denunciando (a pesar da falha). É fundamental enfatizar que a independência feminina é um direito, não uma provocação. Mulheres são livres para expressar sua sexualidade sem medo, e homens devem aprender a respeitar isso.
Eu vejo um futuro onde o silêncio não seja mais arma, mas ponte para o entendimento, onde as mulheres não sejam sombras de roteiros alheios, mas autoras de suas próprias histórias, livres para amar, trabalhar e existir sem medo. Esse amanhã não é utopia, é uma escolha. A mudança começa com homens questionando o privilégio que os cega, mulheres se erguendo sem culpa e a sociedade dizendo "basta" com ações, não só palavras.
O Gaslighting
É uma forma de manipulação psicológica em que uma pessoa ou grupo semeia dúvidas na mente da outra, a fazendo questionar sua própria memória, percepção ou sanidade. O termo vem do filme ‘’Gaslight (1944)’’ no qual um marido manipula a esposa ao alterar o ambiente (como diminuir luzes de gás) e negar as mudanças, a levando a acreditar que está enlouquecendo.
Táticas Principais - Negação e Mentiras O ‘’gaslighter’’ nega fatos ou conversas, mesmo diante de evidências.
Banalização dos Sentimentos: Despreza emoções do outro como "drama" ou "frescura".
Distorção da Realidade: Apresenta versões falsas de eventos para confundir.
Isolamento: Afasta a vítima de amigos/família para aumentar a dependência.
Projeção: Acusa a vítima de comportamentos que ele mesmo pratica.
Motivações
Controle: Dominar a vítima emocionalmente.
Fuga de Responsabilidade: Evitar culpa por ações próprias.
Manipulação: Mantém a vítima insegura e submissa.
Sinais
Dúvida constante sobre suas memórias ou percepções.
Se perceber excessivamente sensível.
Pedir desculpas frequentes, mesmo sem culpa.
Isolamento progressivo de pessoas próximas.
Impactos na Vítima
Emocionais: Ansiedade, depressão, autoestima fragilizada.
Cognitivos: Dificuldade de confiar no próprio julgamento.
Sociais: Isolamento e dependência emocional.
Contextos Comuns
Relacionamentos abusivos, famílias disfuncionais, ambientes de trabalho tóxicos.
Pode ocorrer de forma intencional (para controle) ou inconsciente.
Diferença de Conflitos Normais
A diferença de embates se dá observando que não se trata de desentendimentos pontuais, mas de um ‘’padrão sistemático’’ para minar a autopercepção da vítima. Gaslighting é uma forma grave de ''abuso emocional''. Se identificar esses sinais, priorize sua saúde mental.
Provocações Sensuais e Reflexão
Um ponto sensível: às provocações públicas sensuais. Quero ser claro: nada justifica o ato. A violência é sempre culpa do agressor. Mas, em um mundo ainda patriarcal, algumas mulheres usam a sexualidade como poder ou até como forma de "testar" o parceiro, o que pode gerar tensões. Por exemplo, uma mulher que busca independência, mas mantém o homem como "projeto" emocional ou financeiro, vai desenvolver um conflito de expectativas. Isso não é culpa dela, mas, uma contradição que merece reflexão.

“A violência não é uma resposta ao desejo; é a falência do diálogo.” - Dan Mena.
Observação Importante; As fotos utilizadas para ilustrar este artigo são meramente produtos fotográficos profissionais sob licença da Pixabay concedidas ao autor do artigo. Equivalem a representações teatrais de maquiagem, cenários e figurações de atores(as). Em hipótese alguma devem ser consideradas como reais, ter ligação ou associação com crimes, ódio contra a mulher, violência doméstica, assassinatos, armas são cenográficas, racismo ou perseguições contra quem seja.
Referências Bibliográficas
Ahmed, Sara – The Cultural Politics of Emotion (2004, Routledge)
Barbosa, Jeová Rodrigues – Feminicídio no Brasil (2019, Editora Appris)
Beauvoir, Simone de – The Second Sex (1949, Vintage Books)
Butler, Judith – Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity (1990, Routledge)
Connell, R. W. – Gender and Power: Society, the Person, and Sexual Politics (1987, Stanford University Press)
Dobash, R. Emerson & Dobash, Russell P. – Violence Against Women: A Critique of the Due Diligence Standard (2015, Open University Press)
Engels, Friedrich – The Origins of the Family, Private Property and the State (1884, Penguin Classics)
Faludi, Susan – Backlash: The Undeclared War Against American Women (1991, Crown)
Firestone, Shulamith – The Dialectic of Sex: The Case for Feminist Revolution (1970, Bantam Books)
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Friedan, Betty – The Feminine Mystique (1963, W.W. Norton & Company)
Garcia, Carla Cristina – Feminicídio: Uma Análise Sociojurídica da Violência Contra a Mulher no Brasil (2018, Editora Juruá)
Holland, Jack – Misogyny: The World’s Oldest Prejudice (2006, Carroll & Graf)
Johnson, Allan G. – The Gender Knot: Unraveling Our Patriarchal Legacy (1997, Temple University Press)
Katz, Jackson – The Macho Paradox: Why Some Men Hurt Women (2006, Sourcebooks)
Kimmel, Michael – The Gendered Society (2000, Oxford University Press)
Lerner, Gerda – The Creation of Patriarchy (1986, Oxford University Press)
Mies, Maria – Patriarchy and Accumulation on a World Scale (1986, Zed Books)
Millett, Kate – Sexual Politics (1970, Doubleday)
Radford, Jill & Russell, Diana E. H. – Femicide: The Politics of Woman Killing (1992, Twayne Publishers)
Segato, Rita – La Guerra Contra las Mujeres (2016, Prometeo Libros)
Segato, Rita (Editora) – Feminicidio en América Latina (2010, Universidad Nacional de Quilmes)
Wolf, Naomi – The Beauty Myth: How Images of Beauty Are Used Against Women (1990, Chatto & Windus)
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Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199.
Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130.Dr. Honoris Causa em Psicanálise pela Christian Education University — Florida Department of Education — USA. Enrollment H715 — Register H0192.
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