top of page

A Ciência Por Trás dos Quereres.

Atualizado: 17 de abr.

O Desejo se Manifesta no Cotidiano
O Desejo se Manifesta no Cotidiano

Antes de adentrarmos nas complexidades contemporâneas, é crucial desconstruir um equívoco primordial que permeia nosso imaginário coletivo: a redução da libido ao ato sexual. Essa visão míope, produto de uma cultura obcecada por resultados mensuráveis, ignora sistematicamente que o desejo se manifesta nos interstícios do cotidiano - no suspiro compartilhado, no toque que antecede o encontro carnal, no abraço que perpetua a intimidade, mesmo após a separação física dos corpos. A verdadeira energia libidinal não se confina aos genitais como nos querem fazer crer; ela pulsa nas pontas dos dedos entrelaçados durante caminhadas, no calor das coxas que se roçam despretensiosamente no sofá durante um filme, no aroma único do parceiro(a).

Casais que alegam com angústia "falta de desejo" descobrem, após análise cuidadosa, que perderam não a capacidade de sentir - essa chama raramente se apaga completamente -, mas sim, a urgência genital que a sociedade insiste em equiparar com vitalidade sexual. Confundimos volúpia com performance, como se o êxtase pudesse ser medido em ereções ou graus de lubrificação, e não naquele impulso primordial do laço que nos move desde o primeiro respiro. A psicanálise nos revela com clareza que as primeiras manifestações libidinais na infância não são genitais - são orais, cutâneas, residem no prazer de ser embalado, no calor do corpo materno, na segurança do contato pele a pele. Por que então, na vida adulta, insistimos tão obstinadamente em amputar essas dimensões de nossa experiência erótica?

A Experiência Erótica
A Experiência Erótica

''A genitália é apenas um dialeto no vasto idioma do prazer - quem reduz a libido ao ato sexual comete um empobrecimento ontológico.'' - Dan Mena.

A Tirania da Performance e o Esvaziamento do Erótico

Um fenômeno clínico revelador surge repetidamente: pacientes que afirmam categoricamente ter "perdido o tesão" mantêm, quando questionados com cuidado, diversas formas de carícias e contato físico, mas as consideram "insuficientes" ou "inferiores". Essa hierarquização do prazer não é acidental - a indústria do entretenimento sexual e certas abordagens terapêuticas reducionistas venderam com sucesso a ideia perniciosa de que a excitação saudável deve necessariamente culminar na penetração, quando na verdade a libido é um rio caudaloso com múltiplos afluentes, cada um com seu valor intrínseco.

Nossa cultura hiper genitalizada validou apenas o desejo que gera fricção física mensurável, ignorando descaradamente que o erotismo se alimenta igualmente de pausas, olhares e espaços vazios carregados de significado. Medicalizamos precipitadamente a questão, tratando como disfunção patológica o que simplesmente não se encaixa no modelo mecânico ultrapassado de excitação/orgasmo/resolução. Qual a ironia trágica dessa abordagem? Quanto mais obcecados nos tornamos com o desempenho sexual quantificável, mais empobrecemos nosso vocabulário libidinal, reduzindo o desejo a meros indicadores fisiológicos.

Analfabetismo Erótico: A Verdadeira Crise Esse colapso que enfrentamos não reside na impotência ou frigidez como diagnósticos isolados, mas na incapacidade generalizada de decifrar os micro desejos que pulsam sob a cintura, essa surdez para a polifonia do prazer. Quando casais afirmam com certa vergonha "não transamos há meses", minha primeira indagação é sempre: "Mas como se tocam?". O desejo que inclui as partes íntimas, pode hibernar em certas fases da vida a libido - enquanto energia básica das inter relações - a qual só desaparece quando asfixiada, estrangulada nas expectativas sociais estreitas e definições limitantes.

''A tecnologia nos ofereceu conexão sem pele, sexo sem suor, orgasmo sem espasmo - e agora nos perguntamos, perplexos, por que o desejo murcha em nossa era hiperconectada?'' - Dan Mena.

O Paradoxo do Prazer

A neurociência ilumina com precisão cirúrgica aspectos desse quebra-cabeça complexo. Sabemos agora que o circuito dopaminérgico mesolímbico responde não ao prazer em si, mas à sua antecipação - descoberta esta que explica a frustração recorrente de pacientes presos na busca incessante do objeto idealizado, sempre fugidio. Freud, alertava sobre a natureza insatisfatória do desejo; onde Lacan radicaliza essa visão, ao afirmar categoricamente que "não há relação sexual" no sentido da sintonia perfeita entre os desejos.

Os ISRS - Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina, uma classe de antidepressivos, são o tipo de medicamento mais prescrito, usados para tratar a depressão. Apresentam sistematicamente uma oposição cruel que deveria nos fazer refletir: ao elevar os níveis de serotonina, estabilizam o humor à custa da volúpia, como se houvesse uma troca inevitável entre bem-estar e desejo. Isso expõe de forma transparente que nossa capacidade de desejar está ligada a certa dose de inquietude, a uma falta essencial que nos mantém em movimento existencial. Pacientes que encontram alívio medicamentoso estranham a nova paz como um vazio perturbador, refletindo a sabedoria psicanalítica de que é na falta que o desejo se sustenta.

''Os antidepressivos curam a tristeza mas roubam a volúpia - eis o preço paradoxal que pagamos por silenciar o grito primordial dos quereres.'' - Dan Mena.

Fantasias Obrigatórias
Fantasias Obrigatórias

Fantasias Obrigatórias e a Arqueologia do Trauma

Casos particularmente interessantes envolvem as chamadas "fantasias obrigatórias" - cenários psíquicos específicos sem os quais a excitação se torna impossível, verdadeiros atalhos inconscientes para o prazer. Homens que só alcançam o ápice através de humilhação (identificando-se paradoxalmente com seus próprios agressores), mulheres que só desejam relações proibidas (repetindo dramas edípicos não resolvidos) - esses padrões apresentam muito sobre nossa arquitetura mental oculta. A pornografia digital agravou exponencialmente esse cenário, substituindo construções pessoais lentas e orgânicas por arquétipos padronizados e instantâneos. O resultado disso?  Uma geração que confunde intimidade com performance, que lê o desejo como um roteiro de cinema pré-escrito em vez de uma linguagem viva e mutável.

''A pornografia digital se tornou a nova cartilha da excitação sexual, criando uma geração que decifra códigos mas não compreende sua língua erótica.'' - Dan Mena.

O Trabalho Terapêutico Como Tradução Existencial

A intervenção clínica bem-sucedida não deve visar superficialmente "aumentar a libido" ou "normalizar práticas" segundo padrões arbitrários, mas sim, decifrar a linguagem única que cada inconsciente criou para expressar suas necessidades recalcadas. O desejo sexual, quando escutado em sua totalidade, nunca é apenas sobre sexo - é sobre poder, amor, morte, sobre tudo que nos constitui como seres desta raça em nosso hermetismo.

''Chamamos precipitadamente de 'disfunção sexual' o que simplesmente o corpo sábio identifica dizendo ‘’não’’ ao que a alma já não suporta mais.'' - Dan Mena.

Analfabetismo Corporal
Analfabetismo Corporal

A Libido no Século XXI: Paradoxos da Pós-Modernidade

Vivemos uma incongruência cruel e ao mesmo tempo fascinante: nunca soubemos tanto sobre os mecanismos fisiológicos e psicológicos do desejo, mas jamais nos sentimos tão perdidos e desorientados(as) sobre o que realmente queremos em nossa intimidade. A libido freudiana, essa força vital primordial, se debate hoje nos laboratórios farmacêuticos prometendo soluções químicas e telas digitais, oferecendo simulacros de conexão, entre protocolos médicos padrões e expectativas sociais cada vez mais distorcidos.

Adolescentes desenvolveram um certo "analfabetismo corporal" preocupante - sabem tudo sobre sexo virtual e performatividade erótica, mas tremem diante da simplicidade crua de um simples primeiro beijo. Robôs sexuais e parceiros virtuais representam não tanto uma ameaça moral como alguns conservadores alegam, mas sim a capitulação diante do desafio do ser por excelência: lidar com a arquitetura intransigente do outro em sua alteridade radical.

Pacientes transgêneros oferecem lições valiosas sobre a fluidez essencial do desejo. Um homem trans de 25 anos descreveu sua experiência com uma metáfora: "Antes era como ouvir música com fones de ouvido - agora é como estar num show ao vivo, com toda a intensidade que isso implica", também acrescentou; "Perdi a urgência genital típica da testosterona, mas ganhei uma sensibilidade cutânea, uma capacidade de prazer difuso que nunca imaginei ser possível". Esses relatos deveriam nos fazer questionar minimamente todos nossos pressupostos sobre o que é presumivelmente "normal" em matéria de desejo sexual.

O Sexo Performático
O Sexo Performático

Prazer Além do Performático

Um casal septuagenário conta que redescobriu o prazer não através da penetração - que havia se tornado fisicamente desafiadora, mas em massagens matinais com óleos aromáticos, no prazer tátil redescoberto, na intimidade sem pressa. "Temos mais vida sexual agora do que quando criamos nossos filhos", declaram entre risos constrangidos e olhares cúmplices. Por que nossa sociedade insiste tão obstinadamente em fingir que o desejo tem prazo de validade, como se a sexualidade fosse privilégio dos corpos jovens?


Dados recentes pintam um quadro bastante esclarecedor:

56% dos usuários abandonam antidepressivos devido a seus efeitos na libido (Harvard, 2023)

1 em cada 3 jovens adultos prefere pornografia a sexo real (The Guardian)

Idosos sexualmente ativos apresentaram 40% menos risco de desenvolver demência (Age and Ageing).

Esses números gritam uma verdade que não pode mais ser ignorada por ninguém: a saúde sexual não é um departamento separado do bem-estar geral - é seu termômetro mais sensível, o primeiro a registrar tais desequilíbrios.

''O desejo não é um interruptor que se liga e desliga à vontade, mas uma rede elétrica que encontra seu caminho até a luz.'' - Dan Mena.

Psicologia Evolutiva do Desejo: Ancestralidade e Atualidade

Os mecanismos de seleção sexual esculpidos por milênios de evolução, se adaptaram aos novos tempos com impressionante resiliência. Homens acumulam matches no Tinder como seus antecessores exibiam troféus de caça; mulheres avaliam parceiros não mais pela força física, mas pela capacidade de oferecer segurança emocional - eu o chamo do ‘’novo status social’’ em nossa era pós-industrial.

A monogamia vista como experimento social relativamente recente na escala evolutiva, vive sua crise mais aguda no século XXI. Pesquisas antropológicas revelam um informe intrigante: quanto mais uma cultura a enfatiza e a propõe como ideal exclusivo, maior a taxa de divórcios e traições conjugais - não por alguma falha moral intrínseca, mas porque nosso hardware cerebral ainda carrega a ambiguidade ancestral entre a necessidade de vínculos estáveis e a atração pela diversidade genética. Seria esta uma justificativa para a traição? Certamente não, por esta razão, no meu livro Eros - ‘’O Poder do Desejo’’ tem um capítulo que trata do tema de forma abrangente.

O Corpo como Projeto Inacabado

Adolescentes internalizaram atualmente de forma patológica a noção de que seus corpos reais são "defeituosos" quando comparados a avatares digitais de proporções impossíveis. Meninas de 15 anos apresentam listas de cirurgias plásticas desejadas como quem enumera upgrades necessários para um software, se submetendo a ‘’corsets’’ que comprometem a respiração e a mobilidade em busca de silhuetas quiméricas.

Tribos urbanas emergentes exemplificam essa disforia digital:

Bimbos: corpos moldados para imitar bonecas sexuais com proporções anatomicamente impossíveis

Dollies: jovens que adotam lentes de contato coloridas e perucas anime não como estilo, mas como negação de sua humanidade básica

Sigma males: rapazes que tratam relacionamentos como jogos de estratégia, reduzindo mulheres a NPCs (personagens não-jogáveis), entre outras tantas tribos.

''Chamamos eufemisticamente de ‘’liberdade sexual’’ o que é, na prática, uma nova forma de escravidão - agora com filtros e métricas de engajamento.'' - Dan Mena.

Desejo Reinventado
Desejo Reinventado

A Reinvenção do Desejo

O futuro do erotismo autêntico não está em um retorno nostálgico ao passado nem em uma rendição acrítica às novas tecnologias, mas na capacidade de habitar plenamente o presente nesse corpo libidinal que somos aqui e agora - com todas suas limitações, traumas e, principalmente, sua capacidade infinita de reinvenção e resiliência.

E você, leitor(a); quando foi a última vez que experimentou um desejo genuinamente espontâneo, não formatado por algoritmos ou expectativas alimentadas pela mídia? Essa que não cabia em categorias pré-existentes, que não renderia likes ou aprovação externa? A resposta, como tudo na psicanálise, não está nas teorias ou estatísticas, mas no silêncio entre seus próprios suspiros - aquele espaço íntimo que nenhuma tecnologia pode prever, nem hormônio replicar, como a tela não consegue capturar com a devida precisão.

Existe desejo autêntico na vida pulsante, um traquejo existencial que se recusa a ser catalogado com a esperança da reinvenção contínua. Essa, talvez seja a nossa maior resistência e legado mais precioso como seres desejantes em um mundo cada vez mais padronizado. "O desejo é a última fronteira da liberdade - quando o compreendemos em sua plenitude, re-descobriremos o mapa de uma autêntica humanidade." - Dan Mena. Palavras Chaves;

Até breve, Dan Mena.

Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199. Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130. Dr. Honoris Causa em Psicanálise pela Christian Education University — Florida Departament of Education — USA. Enrollment H715 — Register H0192.

 
 
 

コメント

5つ星のうち0と評価されています。
まだ評価がありません

評価を追加
bottom of page