O Autoritarismo.
- Dan Mena Psicanálise
- 30 de mai. de 2023
- 8 min de leitura
Atualizado: 22 de set. de 2024
''Onde o amor domina não há vez para o poder, onde o poder predomina é porque há falta de amor. Um é a sobra do outro.'' Jung.
Por Dan Mena.

A pessoa autoritária está absolutamente convencida de que em tudo tem razão, acredita que está acima dos outros, não pensa e muitas vezes não sabe, que inconscientemente deve respeito a outras, diga-se, na convivência e nos círculos sociais em que se move. Geralmente, tais sujeitos não conseguem ver o ''Outro'' como um indivíduo, com suas próprias necessidades e estruturas. No artigo da semana, quero abordar esse perfil das pessoas autoritárias, com um pouco da sua concepção também. Principalmente, aquelas(es) que desejam exercer autoridade ou poder, do qual raramente conhecem seus limites. Estamos diante de caracterizações de personalidades altamente agressivas, que colocam seus interesses, direitos, predileções, ideias, opiniões, ambição, coisas, etc., à frente dos direitos alheios, mesmo que isso signifique passar por cima deles e de todas às prerrogativas de existência. Boa leitura.
O porquê desta personalidade?
A etimologia da palavra “personalidade” provém do grego, do termo “persona”, que tinha relação direta com a máscara usada pelos atores nas suas representações teatrais da época. Este significado, daria uma identidade a personalidade da peça, que diante de vários papéis, representavam os atos que adotamos e desenvolvemos ao longo da nossa vida, assim como os ciclos e etapas que enfrentamos e cumprimos. Embora determinadas práticas sejam pre-existentes quando nascemos, sendo ditados através dos ''rols'' da sociedade, estão estruturadas sob a forma da moral, ética, normas, leis e valores, visto que pertencemos e participamos deles, inclusive, fortuita e acidentalmente, mesmo que não tenha implícita uma escolha pessoal. Assim, o autoritarismo está relacionado e se emplaca atrelado com normas sociais que toleram o domínio, o poder, manipulação e o controle sobre terceiros, onde o exercício dessa autoridade tende a prática do castigo, aplicado das mais diversas formas. Pessoas autoritárias não nascem com dito traço, seu aparecimento está mais associado à sua formação, educação e exemplos familiares. Certamente educadas(os), em ambientes onde prosperaram grandes controles dos laços, lugar tido é visto como algo natural e positivo. Portanto, há um entendimento quanto a sua cognição, que seja assimilada quanto a um fator muito estável e frequentemente presente em diferentes domínios com às relações afetivas, familiares, de amizade, trabalho e sociais. Pais autoritários desempenham analogamente como favoráveis ao castigo, para controlar o comportamento dos seus filhos. Assim crianças que se desenvolvem sob esta rédea tendem a ser ansiosas, apreensivas, irritáveis, medrosas, temperamentais, agressivas, infelizes, mal-humoradas, insatisfeitas, frustradas e passíveis de sofrer problemas emocionais quando adultos. Por conseguinte, entendo, que; ''Neste período histórico que atravessamos, de crises sociais e culturais, onde à rapidez das transformações tecnológicas desestruturam a cognição do indivíduo, por consequência afetam o homem moderno, inferem grande ansiedade e insegurança, sob a maneira de eventos que o lançam para o autoritarismo''.
Dan Mena.
Que características têm estas pessoas?
O autoritarismo pode ir do domínio ao sadismo, (sem relação com a sexualidade), tendem a ser dominantes, agressivos e violentos. Sua paixão é comandar, estabelecer e ditar regras, satisfazer seu ego, punir desrespeitos e violações aos seus códigos de imposição, recorrendo mesmo a ameaças para coagir seus comandados. Reagem de forma enérgica quando a sua autoridade é posta em pauta, ou quando são desafiados. Sujeitos frios, empedernidos e insensíveis, chegam ao nível da perversidade. Não tem régua, não admitem expressar sentimentos, o que consideram um sinal de fraqueza.
Podemos identificar quatro tipos de personalidades autoritárias.
1. Explosivo(a): se caracteriza por explosões de raiva incontroláveis, geralmente dirigidas contra a família ou seus pares.
2. Tirânico(a): sentem grande satisfação com o sofrimento que provocam aos outros, são frios(as), insensíveis e calculistas.
3. Impositor(a): rigoroso(a) no cumprimento das regras, acredita ter legitimidade total para controlar e punir quem seja.
4. Fraco(a): inseguros(as) e covardes, escolhem vítimas débeis e fragilizadas(os), para na sua sombra criar uma aparência de forte e temida(o).
Pessoas autoritárias são aquelas que; consciente ou inconscientemente, tendem a reproduzir comportamentos onde os seus próprios critérios se impõem aos dos outros, sem se preocuparem em justificar, porque no seu entender devem ser obedecidos(as).
A identificação delas(es) é altamente relevante, tanto fora da intervenção psicológica como dentro dela. Neste último caso, permite estabelecer um canal de comunicação no intuito de corrigir essas tendências.
Como reconhecer?
Preste atenção como tentam manter e se perpetuar no poder, onde dirigem suas decisões e ações que precisam de atenção, onde muitas vezes podem passar despercebidas(os). Quando não dispõem dos meios para impor diretamente sua vontade pela força, tentam influenciar os outros de formas mais sutis. No entanto, vale a pena ter em mente, quais são às características das pessoas autoritárias.
Traços fundamentais.
Acreditam que têm sempre razão.
Se gabam dos seus feitos ou do que os outros fazem por elas(es).
Expõem suas conquistas, dão publicidade a elas.
Gostam de afirmar que outros se preocupam com elas(es).
Comunicam que suas necessidades e desejos estão sendo satisfeitos.
Possuem um comportamento linear, não fazem diferenciações.
Suas condutas são frequentes em diferentes áreas da sua vida.
Se consideram superiores, é o fazem saber com frases egocêntricas.
Tendem a ser pessoas agressivas e grosseiras.
Possuem um estilo de comunicação que envolve a utilização de linguagem verbal e não verbal agressiva.
Podem recorrer à violência física e psicológica.
Assumem a liderança sem serem convocados(as).
Seus resultados são muito mais importantes do que os dos outros.
Desvalorizam os feitos de terceiros.
Exigem mais do que deviam, inclusive de forma pouco saudável.
Impõem o medo, terror e usam de práticas ameaçadoras.
Desprezam o trabalho ou as coisas dos outros e/ou minimizam sua importância.
Desvalorizam os feitos e atividades que outros realizam.
Acreditam que tem mais capacidade para decidir como as coisas devem ser.
Ditam regras e determinam como outros devem se moldar para si.
Da psicanálise.
Segundo Freud, a constituição da autoridade, no que concerne, em específico, ao papel do pai nessa questão, acha-se intimamente relacionada à instauração do ''ideal do eu'', a partir do qual o sujeito buscará sua identificação na relação com o desejo e a cultura.
O conceito de autoridade em psicanálise parte da raiz etimológica ''auto'', do grego antigo, com o significado de si, próprio, “de si mesmo”. Uma espécie de prepotência, que tende a ver o que há de um no outro, e vice-versa. Considerar o funcionamento da autoridade, do autoritarismo e da autorização a partir do discurso da psicanálise, produz resultados complexos e diversos. Está baseado no discurso da Lei, cuja referência é a lógica que sustenta às bases aristotélicas do pensamento: A é igual a A, uma coisa não pode ser falsa e verdadeira ao mesmo tempo, e não é duas ao mesmo tempo. A psicanálise identifica que o ''significante'' (o significante se mantém como condição de uma operação que se constitui em uma cadeia, e é nessa cadeia que ele se faz presente a partir de uma ausência). A cadeia dos significantes torna a condição do significante possível e é nela que ele subsiste (Lacan, 1966), não se significa a si, que a linguagem, por ter que dar conta do corpo, impõe outra lógica à palavra, e que os sintomas, os lapsos e os sonhos se misturam e conectam, subvertendo todos e cada um dos princípios. No entanto, as formações do inconsciente não são alheias ao impacto da lógica, que ocorre sempre que algo ultrapassa suas possibilidades de significação. No uso intuitivo da noção de autoridade, convergem aquele que sabe, e aquele que detém, “por si”, o poder de o fazer. Se este “por si” é pronunciado pelo “eu”, obtemos a sua servidão: é então o grande ''Outro'', (o grande ''Outro'' designa o conjunto das instâncias que determinam a nossa existência a despeito da nossa vontade. Por exemplo; na nossa língua materna, nas estruturas sociais, na cultura, etc.), como campo da palavra e lugar da verdade. Mas, a sua existência depende da presença de alguém que fale, não seria “por si”. Há um “para si” que a análise pressupõe. O ''eu'' não está lá desde o início, surge como resultado de um trabalho, sob a forma do reconhecimento de ter estado lá, sem o saber. Mas para localizar o que comanda o que não se sabe, é preciso ser dito, verbalizado. O que chamamos de sujeito em psicanálise; (o sujeito, para a psicanálise, é aquele que se constitui na relação com o ''Outro'' através da linguagem) o que não existe antes desse trabalho.
Freud aponta na obrigação de repetir, a compulsão à satisfação a qualquer custo; já Lacan, descobre um trabalho necessário na repetição para que se produza um sujeito. O sujeito autoritário na psicanálise, é sua noção de autoridade, devém do exercício da função paterna, que marca o psiquismo do sujeito na medida da interdição que foi operada (ou não) pelo pai, que age para desfazer o incesto psíquico havido entre o filho e a mãe.
Concluímos; como humanos nascemos num estado de dependência, o cuidado marcará nosso corpo nas leis do real: prazer e desprazer, serão nossos cuidadores que cumprirão o mandato de o satisfazer parcial ou totalmente e, em função disso, farão com que sejamos libertos, nos constituindo como sujeitos responsáveis de si. A intervenção do desejo deles, (pais ou cuidadores), será fundamental para o lugar que ocuparemos nos outros, será o que eles acreditam, e o que percebem que querem do sujeito. O desejo deve ser mediado pela ''Lei'' que indica a presença do ''Nome do Pai'' (o ''Nome do Pai'', é o significante que substitui o significante do desejo materno, produzindo uma significação ao final de seu processo). Assim, a função do símbolo paterno é substituir o significante do desejo primordial, marcando a impossibilidade de realização desse desejo, que lhe indicará que nem tudo pode ser satisfeito. A satisfação plena, atrelada ao desejo dos pais em seu ideal de ego, e pela reanimação de suas vivências infantis, fará que a criança não seja traumatizada, que não lhe falte o que lhes faltou, que lhe indique que tudo é possível; ou seja, (onde a castração não ocorrer, provocará o caos em sua ordem social), no viver e suportar o ''Outro'', que não admitirá nenhuma autoridade, e quem quer que se constitua nesse lugar, será tido como um intruso que perturba, que deve ser contestado. Tal fato, aponta para a ausência da função paterna, privação, frustração e interdição. A travessia do ''Complexo de Édipo'', determina onde a criança renúncia a ser o objeto de prazer e desejo de seus pais, o que se tornará um passo obrigatório na desvinculação dessa ''autoridade'', na luta para se constituir como sujeito desejante. Neste sentido, o sentimento de culpa que surge nas mães quando se trata da lei, do “não tudo” com os filhos, dá origem a um Superego, (Superego; é o aspecto moral da personalidade do indivíduo, responsável por “domar” o Id, ou seja, aquela que reprime nossos instintos primitivos, com base nos valores morais e culturais), de uma mãe caprichosa, que visa fazer da criança o objeto que lhe falta. O exposto, aponta que a autoridade não é um fenômeno circunstancial, mas estrutural à luz da psicanálise, ligada ao ''Complexo de Édipo'', que traça sua primeira organização libidinal, indicando ao sujeito sua ordem social, que na renúncia, e dependendo dela, irá aceitar a cultura que nos constitui.
Conclusões gerais.
Ao longo da nossa vida, encontraremos certamente pessoas autoritárias, geralmente podem ser: professores, empregadores, chefes, pares, familiares, amigos, colegas, entre muitos outros. Os famosos… ''mandões'' hehe. Por isso, é importante saber identificar quais são as características destas pessoas, e como podemos lidar com elas(es). Pessoas agressivas, violentas, ofensivas, manipuladoras(es) ou protetoras(es). É verdade, que ditos indivíduos autoritárias(os) tendem a ser agressivas(os), especialmente quando o ambiente o permite ou quando contemporizamos com ela(e). A agressividade pode se manifestar entre muitos contextos e formas, no entanto, esta característica pode estar fantasiada e mascarada, ser utilizada dentro de outra conformação, muito mais difícil de detectar e prevenir. Uma estratégia ardilosa, seria a passivo-agressiva ou supostamente cuidadora, que antes de se expressar como uma agressão dominante, dissimula, manipulando nossas emoções. Ao se tornar importante em nossas vidas e conquistar um lugar privilegiado, surge como o(a) autoritário(a), inibindo nossa evolução, criando o arcabouço perfeito, que podemos chamar de codependência.
Vamos ao poema?
A Alléa
Alvarenga Peixoto
Não cedas, coração; pois n’esta empreza
O brio só domina; o cego mando
Do ingrato amor seguir não deves, quando
Já não pódes amar sem vil baixeza:
Rompa-se o forte laço, que é fraqueza
Ceder a amor, o brio deslustrando;
Vença-te o brio pelo amor cortando,
Que é honra, que é valor, que é fortaleza;
Foge de ver Alléa, mas se a vires,
Porque não venhas outra vez a amal-a,
Apaga o fogo, assim que o presentires;
E se inda assim o teu valor se abala,
Não lh’o mostres o rosto; ah! não suspires!
Calado geme, soffre, morre, estala!
Até breve, Dan Mena. Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 - CNP 1199 Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 - CBP 2022130
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