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''Como a Terapia Online Está Transformando a Clínica''

Atualizado: há 6 dias

Terapia Online: Revolução na Clínica Psicanalítica do Século XXI

A Terapia Online
A Terapia Online

Autenticidade Digital ou Personagem Online? Como a terapia online está transformando a clínica: benefícios, desafios e oportunidades.


A princípio, era apenas uma solução emergencial, uma tentativa áspera para sustentar a escuta mesmo diante da distância forçada. No entanto, o que era uma exceção se tornou quase uma regra. Hoje, não é mais apenas uma alternativa, é um novo paradigma clínico irreversível, que desafia os fundamentos da nossa tradição, principalmente no campo psicanalítico, que praticamente nos obriga a ressignificar todos os fundamentos científicos, antes impensáveis. Consubstancialmente à luz de uma era digitalizada, hiperconectada, que preza pela instantaneidade e ansiosa por respostas imediatas. No começo era o corpo, o corpo do paciente, do analista, do silêncio que compartilhamos em um mesmo ambiente. A clínica, durante dezenas de décadas, esteve circunscrita a essa presença física que, muito além de um simples protocolo, constituía um espaço simbólico de elaboração, escuta, metamorfose e transformação. Mas o mundo mudou, e com ele, o ‘’setting’’ também. Surgindo de forma tímida em meados da década de 1985, a terapia online foi conquistando um espaço nas práticas psicológicas contemporâneas, até ser vertiginosamente acelerada por um contexto histórico inédito: o isolamento global que sofremos provocado pela pandemia. "Nesse cenário digital, a terapia online não apenas transcende barreiras geográficas, mas desafia a própria definição de presença terapêutica, transformando a escuta em um exercício para além das telas." - Dan Mena.


Esse novo cenário de adaptações hermenêuticas não é isento de tensões. A psicanálise, por excelência, trabalha no tempo da demora, assimilação, repetição e escuta, reverbera do que escapa ao visível. Entramos assim no contexto paradigmático: Como sustentar esse tempo em um ambiente que valoriza a velocidade, a produtividade e a conexão permanente? De que forma acolher o silêncio quando a chamada congela, a internet oscila, o monitor escurece ou centenas de outros eventos não controláveis podem surgir? Podemos garantir a criação de um recinto transferencial quando o consultório se fragmenta em pequenos quadrados de pixels em vídeo em meio a notificações, distrações e ruídos do cotidiano doméstico? "A terapia online não substitui o silêncio compartilhado do setting presencial, mas o reinventa, exigindo do terapeuta uma nova sensibilidade para acolher o simbólico que se manifesta em pixels e conexões intermitentes." - Dan Mena. Se você acha que o desejo é algo meramente físico ou superficial, se permita descobrir uma nova perspectiva. No meu livro ''Eros: O Poder do Desejo'', exploro, junto a Dra. Angela Pereira, aspectos ocultos do prazer, da culpa, da rejeição e da sexualidade a partir de uma abordagem psicológica e psicanalítica integrada à filosofia e neurociência. Ao longo de capítulos curtos e instigantes, convidamos o leitor a compreender o desejo como força vital e transformadora. Adquira sua cópia, clique no link abaixo: (https://www.danmena.com.br/about-1)

Avanço da tecnologia e novas possibilidades
Avanço da tecnologia e novas possibilidades

Tecnologia e saúde mental: como os dispositivos conectam terapeutas e pacientes.

A terapia online, ao mesmo tempo que democratiza e amplia o acesso ao atendimento, interroga a própria natureza da escuta flutuante. Claro, tem vantagens, permite que pessoas em locais remotos, com restrições de mobilidade ou que enfrentam resistências inconscientes ao setting tradicional, encontrem um lugar de fala e elaboração personalizada. Mas também exige do terapeuta um novo tipo de presença, uma oitiva que ultrapassa a tela, que compreenda que o simbólico pode se manifestar mesmo na ausência física, e que ainda, deve ser sustentado pela ética do desejo e pelo rigor da técnica.


Vivemos, assim, um momento liminar, configurado entre o passado da clínica presencial e o futuro de uma prática híbrida, mediada por algoritmos, redes e todo tipo de interfaces digitais. A transformação não é apenas tecnológica, é antropológica, subjetiva, icônica e simbólica. O sujeito da análise já não é o mesmo de antigamente, ele(a) é atravessado(a) por stories, reels, avatares, múltiplos “eus” digitais e uma constante exposição de si. Toda essa perspectiva não apenas apresenta essa nova condição, mas se insere como uma resposta possível a ela. Talvez não seja exagero eu dizer que, hoje, o inconsciente também se expressa em bits. interessante, nunca pensei nessa hipótese. "A democratização do acesso à terapia é um avanço indiscutível, mas também revela a necessidade urgente de repensar os limites éticos e técnicos diante de um campo que se redesenha a cada vídeoconferência." - Dan Mena.


Essa mudança estrutural, no entanto, não deve ser romantizada, pois traz consigo riscos, desafios éticos e novas zonas de angústia e ansiedade. De que maneira preservar o importante sigilo em ambientes compartilhados? Mesmo que se digam ‘’encriptados de ponta a ponta’’. Como manejar a contratransferência quando o rosto do paciente aparece pixelado, sujeito a ‘’n’’ iluminações? Como sustentar o setting quando ele depende de uma conexão estável? E mais, será que a clínica virtual favorece ou enfraquece a escuta analítica?


O que essa transformação expõe sobre o nosso tempo, desejos e impasses subjetivos?

Segurança e conforto: o impacto do ambiente familiar nas sessões virtuais.
Segurança e conforto: o impacto do ambiente familiar nas sessões virtuais.

Vamos percorrer os marcos históricos dessa transição, os benefícios e limites do novo formato, as implicações éticas e técnicas, além de propor ponderações sobre esse futuro que já chegou, e a formação dos novos terapeutas. O que está em jogo, afinal? Eu acredito que não é somente uma mudança de ferramenta ou de linguagem. É a própria concepção de presença, de escuta e vínculo. Por isso, não vou propôr apenas informações ou passar alguma suposta instrução, mas, provocar. Perguntar, que não é unicamente responder. Vou questionar o que estamos fazendo com a clínica, mas similarmente o que ela está fazendo conosco.


Benefícios da Terapia Online para Pacientes


Nestes últimos 5 anos, tenho observado que essa modalidade deixou de ser uma alternativa marginal para se tornar um recurso terapêutico amplamente reconhecido e legitimado. Se por um lado a tecnologia redesenhou o ambiente clínico, por outro, abriu portas e janelas práticas que antes estavam fechadas para muitos sujeitos. A presença do analista, ainda que mediada por uma tela, se mostra para mim suficiente, depois de algumas adaptações. Em muitos casos, surpreendentemente eficaz para sustentar o vínculo transferencial e propiciar movimentos fundamentais de elaboração psíquica. A clínica virtual, quando bem conduzida, não dilui o processo analítico, mas o reinventa, dentro das condições contemporâneas da subjetividade.


O primeiro benefício que anotei como evidente foi o da acessibilidade. Secundários: pessoas que vivem em regiões remotas, que têm muita dificuldade em deslocamento, falta de tempo, impossibilidade de lidar com grandes centros urbanos, com mobilidade difícil ou que possuem restrições físicas encontram na psicoterapia digital uma possibilidade concreta de atendimento contínuo. Além disso, pacientes com ansiedade social severa ou quadros de agorafobia se beneficiam diretamente do início de uma escuta clínica em seus próprios espaços, horários ampliados de atendimento, sem a pressão inicial da presença física, algo que pode ser gradualmente elaborado com o suporte do analista. Isso não descarta a inclusão de mediações presenciais, quando possível. "A casa do paciente pode ser berço ou fortaleza, tanto acolhe a dor quanto a esconde. A escuta online, quando ética e afinada, aprende a ouvir até o silêncio entre os cômodos." – Dan Mena.


Outro ponto relevante é a flexibilidade de horários e economia de deslocamento, fatores que impediam recorrentemente o atendimento, Eles se alinharam ao ritmo de vida moderna e reduziram sensivelmente os reagendamentos, faltas e interrupções terapêuticas. Em tempos em que o burnout se tornou epidemia silenciosa e o tempo um recurso escasso, poder realizar sessões do próprio lar pode ser o único modo viável de manter a continuidade do processo. Nesse sentido foi uma realização, que não apenas articulou uma alternativa técnica, mas como instrumento de cuidado foi realmente adaptado às condições do mundo.


Há outro benefício sutil e valioso, a segurança emocional do espaço íntimo. O(a) paciente, ao falar de si em seu ambiente pessoal e familiar, tende a se sentir menos julgado(a), mais protegido(a), bem confortável com seu cantinho, o que pode facilitar a emergência de conteúdos difíceis. Em algumas situações percebo que favorece a fluidez da associação livre e da expressão emocional. O espaço doméstico, então, funciona como um continente psíquico temporário que oferece arrimo simbólico.


Contudo, essa mesma proximidade com o conforto pode levantar uma interrogação: Será que o ambiente doméstico, ao proteger, também pode ser um evitador de confrontos necessários? Afinal, o consultório físico sempre funcionou como um lugar do “outro”, um espaço de ruptura possível com a vida cotidiana. Essa separação, é fato que favoreceu a descompressão de defesas e a contingência de afetos reprimidos. Em casa, cercado por distrações ou pela tentação de se manter em controle, o(a) paciente pode inconscientemente se blindar de expor certas verdades. A resistência não desaparece, ela apenas muda de roupa. "Na era digital, até o inconsciente encontra o Wi-Fi, ele pulsa em palavras soltas no quarto, escapa pela câmera, e se revela onde menos se espera quando há alguém disposto a escutar." – Dan Mena.

Plataformas criptografadas garantem o sigilo e a ética da terapia online.
Plataformas criptografadas garantem o sigilo e a ética da terapia online.

Ainda assim, cabe a nós analistas sustentar o ambiente, mesmo que com novos contornos criativos para que o ‘’setting virtual’’ continue sendo um lugar onde o sujeito se autorize a falar e escutar a si mesmo. A transferência, sabemos, não depende de paredes, mas do desejo de escuta e da aposta simbólica naquele que se propõe a acolher. "Quando o corpo recusa o mundo, a tela pode ser ponte. E ali, na intimidade do conhecido, o desconhecido pode finalmente se pronunciar." – Dan Mena.


Minhas provocações seriam:


A presença do analista, mesmo que mediada por uma tela, é suficiente para sustentar a transferência? Será que o aconchego do lar do paciente pode reforçar resistências que a clínica presencial ajudava a dissolver?


Desafios Éticos e Jurídicos na Prática Digital


Se por um lado essa forma de terapia amplificou o alcance da escuta, por outro, ela reconfigurou os parâmetros éticos e jurídicos que edificam a prática terapêutica. O que antes era garantido por quatro paredes sólidas e um consultório, agora precisa ser reconstruído em meio a redes, plataformas e conexões. A virtualização da clínica exige um redimensionamento da responsabilidade do analista, que deve lidar com questões emblemáticas como o sigilo digital, a proteção de dados e a vulnerabilidade tecnológica. "A confidencialidade na era digital não se apoia mais apenas no silêncio do analista, mas na maturidade ética do vínculo, agora compartilhado entre o sujeito e sua própria conexão." – Dan Mena.


O primeiro desafio ético diz respeito à confidencialidade. Em um ambiente virtual, a reserva sigilosa não depende apenas da ética do profissional, mas também da segurança da interconexão, da escolha da plataforma e das condições do espaço em que o paciente se encontra. É fundamental orientar o(a) mesmo(a) sobre os riscos e estabelecer acordos claros. Utilizar fones de ouvido, buscar privacidade, evitar sessões em locais públicos ou com interrupções previsíveis. A ética, nessa perspectiva, se expande para além do terapeuta, ela precisa ser dividida e corroborada pelo(a) próprio(a) paciente.


No plano jurídico o terapeuta deve conhecer a legislação de proteção de dados, como a LGPD, garantindo que nenhuma informação sensível seja exposta ou mal utilizada.


Outro ponto crítico diz respeito aos limites razoáveis do setting digital: como, por exemplo, o que fazer diante de uma emergência? Como agir em casos de risco de vida, ataques emocionais, violência doméstica ou surto psicótico em um(a) paciente que está a quilômetros de distância? Tais situações exigem não apenas preparo técnico, mas um plano B de contingência e territorialmente informado, incluindo mapeamento de contatos de apoio locais, ativação de serviços de emergência e familiares confiáveis previamente anotados na anamnese. "O analista do século XXI precisa ser mais do que intérprete do inconsciente, deve ser um arquiteto ético, capaz de construir confiança entre cabos, dados e incertezas." – Dan Mena.

A nova fronteira da clínica: integração entre humanidade, empatia e tecnologia.
A nova fronteira da clínica: integração entre humanidade, empatia e tecnologia.

A terapia online, portanto, não é um território sem lei como podem imaginar algumas pessoas, ela é um campo técnico, simbólico e jurídico em expansão, que exige previsibilidade, postura ética, atualização constante e reinvenção da escuta responsável.


A confidencialidade online é uma fantasia de segurança ou uma realidade totalmente possível? Em que ponto da ética digital encontramos ou colidimos com o superego institucional da clínica tradicional?


A Qualidade da Relação Terapêutica Virtual


A relação terapêutica foi largamente considerada como o alicerce silencioso do tratamento psíquico. Muito além da técnica, devemos elevar a qualidade do vínculo formado entre terapeuta e paciente, esse que alicerça o processo de elaboração, do laço, confiança e entrega emocional. Diante disso, uma pergunta inevitável chega: como essa relação se transforma quando a presença é mediada por telas? Será que os dispositivos digitais comprometem o alcance da formação do vínculo ou apenas exigem uma nova forma de construção simbólica da presença?


Na clínica online, entendo que a ausência física não significa necessariamente um sumiço psíquico. Isso, quando bem manejado, a(o) analista tendo se capacitado para lidar com o ambiente virtualizado é capaz de criar um espaço relacional potente, transmissional, baseado na escuta, na empatia e constância do ''setting'', ainda que este tenha contornos tecnológicos. A transferência, como motor central da psicanálise, se impõe com a mesma força, pois ela, não depende do corpo presente, mas da posição simbólica instaurada que o analista ocupa para o sujeito. O inconsciente, afinal, não reconhece tais limitações tecnológicas, ele se manifesta sempre que encontra campo subjetivo e metafórico para estabelecer e manifestar sua expressão. "A ausência do corpo não anula a presença simbólica, quando há o desejo de escuta, até mesmo o silêncio digital é capaz de carregar afetos e significantes." – Dan Mena.

Entretanto, vejo inegável que a virtualidade impõe exímios desafios à construção do vínculo terapêutico. A câmera delimita o campo visual, impedindo uma leitura completa da linguagem corporal como elemento acessório; o microfone pode falhar, ficar baixo demais; e a instabilidade da conexão pode interromper momentos valiosos de elaboração emocional intensa. O silêncio, tão essencial, pode ser confundido com falha técnica, e o ''timing da intervenção'' pode ser comprometido e corrompido por falhas de interpretação. Nesses casos, é relevante refinar ainda mais nossa escuta, pois a atenção flutuante depende sensivelmente de determinados signos invisíveis da fala.


Além disso, a presença virtual exige uma atenção especial ao manejo e traquejo com o setting simbólico. Horários fixos regulares, ambiente reservado, postura ética de ambas partes e enquadramento técnico passam a ser ainda mais notáveis, pois é nessa estabilidade que o(a) paciente encontrará segurança para se desorganizar emocionalmente. O analista precisa criar, mesmo à distância, um espaço que iconicamente funcione como um continente para o sofrimento psíquico.


É verdade que há pacientes que se sentem mais à vontade na relação terapêutica virtual, especialmente, aqueles que sofrem com ansiedade social, fobias específicas, vergonha ou sensação de julgamento. A distância física pode funcionar como um alívio, permitindo que o sujeito se exponha de forma mais espontânea, tranquila e livre. Em alguns casos, a apartação propiciada pela tela pode favorecer para determinados clientes uma transferência mais produtiva, justamente por reduzir suas defesas naturais que estariam sendo ativadas no contato presencial. "O vínculo analítico não nasce da matéria, mas do olhar ético que sustenta a dor do outro, é nesse olhar, mesmo à distância que pode ser mais presente que muitas sustentações físicas." – Dan Mena.


Acho importante destacar que a empatia será sempre um componente base da aliança terapêutica, isso também se traduz digitalmente, mesmo que por outros meios que devem ser desenvolvidos dentro da própria técnica. Tom de voz, ritmo de fala, posicionamento ético, o olhar direcionado à câmera, privacidade preservada, escuta sem lapsos ou interrupções de terceiros, o cuidado com o ambiente e com a linguagem corporal visível, devem transmitir, mesmo que de forma diferente a presença afetiva e acolhedora do terapeuta. Logo, estou falando de um estar simbólico, que tem se mostrado plenamente eficaz quando há desejo genuíno do ato transferencial.


Na realidade, cabe lembrar que o vínculo terapêutico, em qualquer modalidade ou forma, não é uma entrega automatizada, é por si uma construção. No espaço online, essa edificação pode ser mais lenta ou mais rápida, depende porventura da história do paciente, do manejo clínico e da plasticidade do vínculo. O que importa é que o laço analítico seja sustentado com o cuidado e rigor técnico necessários, pois é nele que o inconsciente encontrará as condições ideais para se manifestar com leveza e liberdade de expressão.


Na sua opinião, a ausência do corpo na sala rompe ou redefine positivamente os contornos do setting analítico? A escuta, sobrevive intocada quando o silêncio é compartilhado através de telas, microfones e pixels? "Na clínica digital, o setting não é destruído, é reinventado, e só germina quando o analista habita o encontro com um tipo de atenção que ultrapassa o visível." – Dan Mena.

Aproximação com jovens: terapia online atrai novas gerações para o cuidado emocional.
Aproximação com jovens: terapia online atrai novas gerações para o cuidado emocional.

Uma Jornada Pessoal pela Transformação da Clínica

Essa clara ascensão da terapia online é, sem dúvida, um reflexo das transformações sociais, culturais e tecnológicas que atravessam inevitavelmente nosso tempo. Mais do que uma adaptação forçada há época, por um cenário pandêmico, se trata também de uma transição paradigmática: do divã físico freudiano ao espaço virtual do lugar escolhido pelo(a) paciente, da presença física à presença simbólica mediada por sinais digitais e ‘’N’’ tecnologias. A clínica não está desaparecendo no meu ver, ela está se metamorfoseando. E como toda transmutação, carrega tensões, releituras, ganhos e perdas.


Se por um lado entendo que a virtualização tenha ampliado o acesso ao cuidado psíquico, ultrapassando todas as barreiras geográficas e reduzindo um grande número de estigmas, por outro, desafia explicitamente a tradição, construída ao longo de mais de um século. Isso afeta a psicanálise particularmente na sua hermenêutica. No entanto, devo lembrar Winnicott, a essência do cuidado terapêutico está menos no ambiente físico do que na capacidade do analista de sustentar um espaço potencial, esse lugar imponderável onde o sujeito possa existir, criar e se transformar. Essa zona, hoje, pode ser habitada de forma planejada também por meio das telas. "O divã, agora digital, não é metáfora de perda, mas de travessia, um gesto clínico que respeita o tempo, o trauma e a plasticidade da presença simbólica." – Dan Mena.


Não se trata de romantizar essa modalidade, mas de lhe dar um reconhecimento como um ‘’new’’ território clínico. Um campo que exige do analista não apenas um domínio técnico, mas, certamente sensibilidade para captar ruídos, estardalhaços e silêncios próprios do ambiente inovador. As ausências, os cortes de conexão, os movimentos corporais que não vemos, as imagens congeladas e os ecos de voz, serão irremediavelmente incorporados como parte da cena transferencial e podem sim patentear novos conteúdos importantes, como qualquer outra manifestação inconsciente.


Podemos afirmar que seja esta a clínica legítima? Creio que analistas experientes possam fazer suas próprias e sinceras interpretações. É possível fazer uma releitura dos princípios psicanalíticos no século XXI? Defino, que cabe à psicanálise, que sempre soube escutar além da superfície se reinventar fatalmente. Não tem retorno. Podemos resistir e aguardar pela extinção, entregar o mercado para os menos preparados ou mesmo despreparados, que vão certamente adorar e aproveitar o vácuo. Readaptação é a palavra de ordem, sem abdicar da ética nem da profundidade.


‘’A clínica atual não será uma réplica da presencialidade perdida, mas a criação viva de um novo modo de presença, envolto no simbolismo, afetividade, ética e escuta. O divã é, hoje, também digital ‘’. - Dan Mena.


Nesse horizonte em expansão, o essencial vai permanecer, um sujeito que sofre e outro que escuta. Seja no consultório ou na tela, a pulsão ainda busca sua representação. E a escuta, onde for possível, deve estar disponível. "Resistir à clínica digital é confundir tradição com rigidez, enquanto a psicanálise, viva, sempre foi arte da adaptação simbólica ao novo cenário do mal-estar do ser que o habita." – Dan Mena.

Ética profissional e sigilo digital: pilares do vínculo terapêutico online.
Ética profissional e sigilo digital: pilares do vínculo terapêutico online.

Considerações Finais

A clínica, que por tanto tempo dependeu cem por cento da proximidade física, hoje se reinventa. E o que vejo é uma revolução silenciosa, a saúde mental online rompendo barreiras geográficas. Ditas razões levaram a psicanálise a lugares antes inimagináveis e oferece flexibilidade e articulação global inovadora a um cotidiano acelerado. Vocês já pararam para pensar quantas pessoas, isoladas em rincões distantes ou presas por limitações físicas e de mobilidade urbana, agora têm a chance de falar e serem ouvidas? Isso é mais que acessibilidade ou logística aperfeiçoada, é um ato de inclusão alargada. Hoje atendo pacientes que estão em outros países, que falam outras línguas, apenas nestes dois pontos, já é possível mensurar a potencialidade ilimitada desta mudança.

Mas, como tudo o que é muito nosso, há sombras e ambiguidades que permeiam o contexto. "A escuta analítica sempre foi um ato de fé no invisível, talvez seja por isso que ela resista tão bem ao virtual, desde que o desejo clínico esteja verdadeiramente presente." – Dan Mena. Os desafios éticos na terapia online, como o sigilo digital e a proteção de dados, indagam: até que ponto estamos preparados para confiar nas telas? E a relação terapêutica, como vínculo sutil tecido na escuta, resiste de fato à ausência do corpo? Aqui, eu vou ler Freud, em A Interpretação dos Sonhos (1899), que diz: o inconsciente fala mesmo quando o silêncio reina. Talvez incluir Damásio, em O Erro de Descartes (1994), que complementa esse pensamento freudiano ao mostrar que a emoção não precisa de presença física para ser real, ela pulsa na conexão simbólica, na empatia que atravessa ondas.

O que me inquieta, e espero que a vocês também, é o futuro. A clínica virtual será apenas uma extensão da psicanálise tradicional ou algo inteiramente novo? Penso em Klein, que em Luto e Melancolia (1959), nos mostrou como o trabalho psíquico exige um espaço confiável para processar perdas. Esse ambiente, hoje, poderia ser interpretado como uma tela, se soubermos lidar com a preservação ética. Já Zimerman falava em Fundamentos Psicanalíticos, onde anota que a técnica precisa evoluir, mas a essência da escuta permanece.

A construção de vínculos reais no mundo virtual: o afeto que atravessa telas.
A construção de vínculos reais no mundo virtual: o afeto que atravessa telas.

Será que estamos prontos profissionalmente para essa escalada?

A psicanálise digital não seria um fim, mas um começo? Ela nos desafia a ressignificar o conceito de presencialidade, a adaptar nossas ferramentas sem perder nossa humanidade, aplicando com com destreza o desenvolvimento da capacidade amplificada de ouvir além do perceptível. Logo, me apoio em Frankl no seu livro em Em Busca de Sentido (1946), o sentido não está nas circunstâncias, mas no que fazemos com elas. Então, o que faremos hoje com essa clínica que se transforma diante de nós? "A psicanálise não precisa ser salva da tecnologia, necessita ser conduzida por analistas capazes de carregar seu ethos simbólico para além das paredes, inclusive virtuais." – Dan Mena.

Palavras Chaves



FAQ – Terapia Online e Transformação da Clínica

O que é terapia online e como ela funciona na prática clínica?

A terapia online é uma modalidade de atendimento psicológico realizada por videochamada. Ela preserva a escuta clínica e permite o vínculo simbólico entre analista e paciente, mesmo à distância.

A terapia online é eficaz como a presencial?

Sim. Estudos e experiências clínicas mostram que a terapia online pode ser tão eficaz quanto a presencial, especialmente quando conduzida por profissionais capacitados e com setting bem estruturado.

Quais os principais benefícios da psicanálise online?

Acessibilidade geográfica, flexibilidade de horários, redução de faltas, segurança emocional no ambiente doméstico e continuidade terapêutica mesmo em contextos de isolamento.

Quais desafios éticos envolvem a terapia online?

Sigilo digital, proteção de dados, privacidade do paciente, estabilidade da conexão e o manejo de emergências são desafios centrais que exigem preparo técnico e jurídico.

Como garantir o sigilo na terapia virtual?

Usando plataformas seguras, fones de ouvido, ambientes privados e respeitando normas da LGPD. O profissional também deve orientar o paciente sobre medidas de segurança.

A terapia online serve para todos os tipos de pacientes?

Embora bastante abrangente, há casos em que a modalidade presencial pode ser mais indicada, como em situações de risco iminente ou quadros clínicos graves com necessidade de intervenção presencial.

É possível criar vínculo terapêutico real pela internet?

Sim. O vínculo simbólico se constrói na escuta, na constância do setting e na empatia. A ausência física não impede o surgimento da transferência, que é a base da psicanálise.

Como o setting analítico muda na terapia online?

O setting digital exige novos contornos: ambiente estável, horários fixos, ética partilhada e o cuidado com a presença simbólica mesmo sem o corpo presente.

A terapia online pode atrapalhar a livre associação?

Em muitos casos, a familiaridade do espaço doméstico favorece a espontaneidade. No entanto, o conforto também pode reforçar resistências, o analista deve estar atento a isso.

Quais plataformas são seguras para sessões de psicanálise online?

Plataformas como Google Meet, Zoom, Whatsapp com criptografia, Psicologia Viva, iMedicina ou Doctoralia Pro, são amplamente utilizadas, desde que sigam normas de segurança.

Como saber se estou preparado para começar terapia online?

Se você tem acesso à internet, um espaço com privacidade e sente necessidade de escuta clínica, a terapia online pode ser uma excelente escolha. Converse com o profissional sobre suas dúvidas.

Como encontrar um psicanalista confiável para atendimento online?

Busque profissionais experientes, observe seu currículo, verifique aqueles registrados em conselhos como CFP e CNP, levante boas e más avaliações, de forma que ofereçam contrato terapêutico com clareza ética.

O que muda na formação dos novos analistas com a clínica digital?

A formação precisa incluir capacitação em tecnologias, ética digital, escuta virtual e manejo simbólico do setting online. A clínica do futuro exige analistas preparados para esse novo cenário.

Como a terapia online afeta o futuro da psicanálise?

A psicanálise está se reinventando. A clínica digital é um campo para novas expressões do inconsciente, exigindo reinvenção técnica sem perder a essência científica estrutural.

Links sobre o Tema

[The effectiveness of online therapy in promoting wellbeing and reducing burnout among psychotherapists (Frontiers in Psychology, 2025)](https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fpsyg.2025.1510383/full)

Estudo recente que destaca os benefícios da terapia online tanto para pacientes quanto para terapeutas.

[Online counseling – Wikipédia (inglês)](https://en.wikipedia.org/wiki/Online_counseling)

Uma visão geral sólida sobre o tema, com referências cruzadas e atualizações constantes.


[The common ground in in‑person and telehealth psychoanalysis (Scandinavian Psychoanalytic Review, 2024)](https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/0803706X.2024.2436993)

Análise de como os fundamentos da psicanálise se adaptam (ou não) ao ambiente virtual.


[Online therapy: an added value for inpatient routine care (National Library of Medicine)](https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7961170/)

Pesquisa científica sobre o uso complementar da terapia online em cuidados hospitalares e clínicas de rotina.


[Pandemia e trabalho psicanalítico, do presencial ao remoto (Revista Psicologia Clínica - PePSIC)](https://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0486-641X2020000300007&lng=pt&nrm=iso)

Reflexão crítica brasileira sobre o impacto da pandemia na prática psicanalítica e na migração para o online.


Bibliografia


SCHORE, A. N. Affect Regulation and the Origin of the Self: The Neurobiology of Emotional Development. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum, 1994. Obra seminal que articula neurociencia afetiva e psicanalise para compreender como o self se organiza nas experiencias emocionais precoces.

SCHORE, A. N. Affect Dysregulation and Disorders of the Self. New York: W. W. Norton, 2003. Explora a desregulacao emocional e sua relacao com transtornos psicologicos, oferecendo um modelo psicodinamico fundamentado na neurobiologia.

FREUD, S. O Futuro de uma Ilusao. Rio de Janeiro: Imago, 1927. Freud discute a incerteza humana diante da existencia e a funcao das crencas religiosas como forma de apaziguar a angustia.

WINNICOTT, D. W. O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1971. Investiga o espaco potencial onde a incerteza da realidade externa e a subjetividade interna se encontram na experiencia do brincar.

KERNBERG, O. Ideology, Conflict, and Leadership in Groups and Organizations. New Haven: Yale University Press, 1998. Analisa como a incerteza em grupos pode levar a rigidez ideologica e as dinamicas inconscientes de poder.

LEDOUX, J. The Emotional Brain: The Mysterious Underpinnings of Emotional Life. New York: Simon & Schuster, 1996. Explica os mecanismos cerebrais do medo e da incerteza emocional, explorando os circuitos da amigdala e suas implicacoes para o trauma.

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BAUMAN, Z. Modernidade Liquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. Aborda a fluidez da vida contemporanea, marcada por relacoes ageis, identidades instaveis e o colapso das certezas solidas.

HAN, B.-C. A Sociedade do Cansaco. Petropolis: Vozes, 2012. Analisa como a hiperprodutividade e a autoexploracao emergem da tentativa de suprimir a incerteza e o vazio existencial.

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KAHNEMAN, D. Thinking, Fast and Slow. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2011. Vieses cognitivos que afetam nosso julgamento.


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https://www.danmena.com.br Outros links relacionados com o tema


Para aprofundar a ponderação sobre os impactos da tecnologia na clínica contemporânea, recomendo três leituras complementares:


Psicodélicos e a Nova Fronteira da Terapia (https://www.danmena.com.br/post/psicodélicos) uma análise sobre o uso terapêutico dos psicodélicos e sua relação com a expansão da escuta clínica.


A Inteligência Artificial na Saúde Mental: Progresso ou Perigo?(https://www.danmena.com.br/post/ia-na-saúde-mental): um olhar crítico sobre o uso da IA no campo emocional e sua interseção com a prática online.


Serviços de Atendimento Psicológico e Psicanalítico Online (https://www.danmena.com.br/services-2): conheça as modalidades, recursos e práticas oferecidas para quem busca acompanhamento à distância, com ética e qualidade.


A terapia online é apenas o começo de uma transformação clínica mais ampla.

Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199.

Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130.

Dr. Honoris Causa em Psicanálise pela Christian Education University — Florida Department of Education — USA. Enrollment H715 — Register H0192.




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