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  • Psicanálise e Saúde Mental Moderna

    ''Trauma e resistência na saúde mental contemporânea" Como Entender a Alma Humana em um Mundo em Colapso Imaginemos uma jovem de 27 anos, gerente de marketing digital, que passa 11 horas por dia conectada. Ela tem um apartamento, uma carreira de sucesso, e uma vida que, aos olhos de muitos, parece invejável. Mas, há seis meses, seu avô faleceu. Ela não chorou, não sentiu nada — ou pelo menos foi o que pensou. Até que, um dia, seu celular quebrou. E aí, sim, as lágrimas vieram, torrenciais, incontroláveis. Não pelo avô, mas pelo aparelho. Parece absurdo né? Talvez. Mas, se você parar para refletir, essa história revela algo muito maior sobre o jeito como vivemos hoje. Nossas emoções estão entrelaçadas com a tecnologia de uma forma que nunca imaginamos. Não é que a jovem não sentisse a perda do avô; ela simplesmente não sabia como processar isso. O luto, que antigamente era vivido em comunidade, com rituais, reuniões familiares, conversas e tempo para digerir a dor, hoje se fragmenta, se dilui em pedaços minúsculos. Choramos em pílulas, não em ondas, esses sedativos provisórios e viciantes vêm disfarçados de vídeos de gatinhos fofos ou memes que nos arrancam um sorriso rápido, enquanto a tristeza verdadeira está ali, quieta, escondida, esperando a oportunidade para o seu próximo ataque. ''A jovem que chora pelo celular quebrado carrega o luto que não nomeou; a psicanálise me convida a acolher essas lágrimas como um portal para a reconexão com sua alma.'' - Dan Mena. ''O ‘Eu ideal’ das telas é uma ilusão frágil; a saúde mental começa quando ousamos atravessar a ponte até o ‘Eu real’, com todas as suas imperfeições.'' - Dan Mena. Freud já dizia, em Luto e Melancolia, que a dor não some — ela se transfere. Para essa jovem, o celular virou o depositário dessa dor represada. Quando ele parou de funcionar, foi como se a barreira que ela havia construído para não encarar o luto desabasse. O digital, nesse caso, não é o vilão da história, é uma ponte intermediária para as emoções que nossa mente, sozinha, não dá conta de embater. Mas por que vídeos de gatinhos? É uma injeção de dopamina, um alívio instantâneo. Já a psicanálise vai além do óbvio: o gato, com sua independência e mistério, pode ser um símbolo do que ela deseja ser — livre, sem as amarras emocionais que a sociedade tem cobrado dela. Em Topologia da Violência - Byung-Chul Han espreme que a sociedade hiper-conectada trocou os rituais por essas descargas emocionais. Não temos mais tempo para sentir de verdade. Estamos sempre correndo, sempre online, sempre distraídos. E, enquanto isso, a dor vai se acumulando, escondida atrás de um consumo de bytes frenéticos, como se estivéssemos tentando tapar um vazio existencial com likes, stories e scrolls infinitos.' 'Em um século de conexões fugazes, a psicanálise é uma bússola, ela guia para os rituais de introspecção que resgatam a humanidade soterrada pelo frenesi online.'' - Dan Mena. Agora, pense no que acontece com nosso inconsciente nesse cenário. Lacan usa o ''Estádio do Espelho'', aquele momento em que a criança se vê no reflexo e começa a construir uma ideia de si mesma, um ‘’Eu ideal’’ . Hoje, esse espelho é a tela do celular, perfis nas redes sociais são como avatares, versões polidas, recortadas e fantasiosamente perfeitas de quem gostaríamos de ser. Mas a realidade bate à porta. Já ouvi de um influencer de 35 anos, com 200 mil seguidores: “Me sinto invisível” . Ou de uma mãe blogueira: “Minha família parece perfeita nas fotos, mas meu casamento está em pedaços” . Essas translações mostram que, por mais que tentemos projetar uma imagem impecável online, o que sentimos por dentro não acompanha essa missão fictícia. Tal descompasso entre o ‘’Eu ideal’’ das redes e o ‘’Eu real’’ estão separados por uma longa ponte — e é aí que a angústia do século XXI se instala, silenciosa, mutilante e avassaladora. ''O inconsciente,  pode dançar entre carrusels e stories, mas é na solitude intencional que encontramos os símbolos que curam nossa saúde mental.'' - Dan Mena. Então, como podemos sair desse ciclo? Como reconectar nossas emoções e resgatar um pedaço da autenticidade perdida? Não há fórmula mágica, mas algumas práticas podem ajudar. Escrever um diário à mão, por exemplo, sem filtros ou curtidas, só você e seus pensamentos. Ou reservar dez minutos por dia para uma “meditação da tela preta” — sem celular, sem notificações, apenas silêncio e o que vier à mente. Criar espaços de desconexão também funciona: uma caminhada, cantar no chuveiro; já fez isso? , qualquer coisa que te dê espaço para sentir sem interferências. E, claro, buscar conversas de verdade, daquelas em que você pode dizer o que realmente está sentindo, sem medo de ser julgado(a). Quando foi a última vez que você ligou para seu amigo(a) para tomar um café e jogar conversa fora? ''Os desafios do trauma no século XXI" Esses passos não resolvem tudo, mas abrem brechas importantes para que possamos voltar a nos ouvir. Porque a angústia deste século, não é só sobre internet e conexão o tempo todo — é sobre estar desconectado de nós mesmos. Freud tinha razão: a dor não desaparece, ela se transfere. Resta a nós decidir, se vamos transferir o problema para mais um vídeo de gatinhos ou se encaramos isso com coragem. ''Quando o celular se torna o espelho, a psicanálise te desafia a desligá-lo e olhar para dentro, onde sua verdadeira imagem espera ser reconhecida.'' - Dan Mena. A Angústia do Século — Entre Redes e Lacunas Nesta passagem do tempo, nossas ansiedades assumiram uma nova forma. “O sujeito moderno não tem mais medo do pai; teme o silêncio da própria tela em branco.” - Dan Mena. Não é apenas uma frase de efeito; ela aponta uma mudança em como nos percebemos. Antes, era não atender às expectativas de figuras de autoridade; hoje, nos angustiamos com nossa presença digital — será que somos vistos, curtidos, validados? As velhas estruturas de disciplina — como fábricas ou escolas — deram lugar à auto-exploração. Não somos mais apenas conduzidos por ordens externas; agora, nós esgotamos voluntariamente, sempre performando, otimizando. Isso é especialmente visível na atualidade: cada postagem é uma apresentação, cada perfil, uma marca cuidadosamente construída. Não vivemos apenas; curamos uma versão de nós mesmos. O conceito do Estádio do Espelho, nos ajuda a entender esse fenômeno. Ele sugere que nossa identidade se forma pelo reflexo do que vemos — primeiro no espelho, depois nos olhos dos outros. Hoje, esse retrovisor é a tela do celular. Nossos perfis refletem uma imagem idealizada, polida, mas nem sempre verdadeira. A distância entre esse “eu digital” e nosso ‘’eu real’’ gera angústia e vazio existencial. Pense em um profissional que brilha no trabalho, sendo “o cara” , mas que, em casa, se sente perdido, sem saber quem é. Ou no influenciador que posta uma vida ideal, mas vive isolado e inseguro. Esses exemplos mostram um descompasso comum: nossas ‘’personas públicas’’ não refletem as vidas privadas. Essa ruptura não afeta só o indivíduo; ela tensiona relações e alimenta problemas emocionais. Focados na imagem online, podemos nos afastar de quem está ao nosso lado. Técnicas como a ‘’livre associação’’ podem mostrar que essa obsessão por curtidas esconde uma necessidade de validação, ou que nossas publicações mascaram fragilidades não enfrentadas. ''A tecnologia constrói casas virtuais e simula afetos frios, mas, apenas no vínculo humano, imperfeito e vivo, damos sentido ao lar da alma.'' - Dan Mena. Atividades Reais: Um Antídoto para Cair Fora Quando foi a última vez que você foi acampar, pescar ou caminhar sem destino? Atividades como essas nos re-conectam ao mundo físico e a nós mesmos. Acampar nos força a desplugar, a enfrentar o silêncio e a beleza crua da natureza. Pescar exige paciência, atenção focada e presença — algo que raramente praticamos, acelerados(as) e cheios(as) de notificações. Caminhar por uma trilha, subir morros ou montanhas, atravessar vales, podem ser uma metáfora para o próprio percurso da vida, com seus desafios e recompensas. Jardinar nos conecta à terra, ao ciclo de plantar e colher, oferecendo um senso de propósito tangível. Até uma simples conversa cara a cara, sem celulares interrompendo, sem conversas de whatsapp, reacendem a chama do elo fraternal, nos lembrando que o ‘’outro’’ é mais do que um avatar na tela. Essas experiências são um contraponto à superficialidade, nos ancoram no presente, exigem a presença física de corpo e mente, e nos afastam da curadoria constante de quem somos atrás da tela. ''Robôs podem imitar emoções, mas, é na escuta analítica que se  encontra o que nenhuma máquina oferecer: a empatia que acolhe nossas fragilidades.'' - Dan Mena. ''Tudo Começa em Casa na era da hiperconexão" Quando a Máquina Toma o Lugar A tecnologia não está apenas facilitando nossas vidas; está assumindo papeis que antes eram exclusivamente nossos. Veja o “pedreiro” da Tesla, um robô capaz de construir uma casa sozinho. Ele substitui trabalhadores em uma tarefa que já foi símbolo de esforço coletivo e habilidade artesanal. Mas o avanço vai além do trabalho físico. Robôs como o Paro, já possuem um selo terapêutico usado em lares de idosos, projetados para oferecer conforto emocional. Há também robôs sexuais, que prometem substituir parceiros em relações íntimas. Máquinas estão invadindo até os espaços mais pessoais da vida. O que isso significa para nós? Um androide pode construir uma casa, mas não entende o significado de lar. Pode simular afeto, mas não sente emoções. Pode estar ao nosso lado, mas não compartilha nossa história. Ao delegar essas funções a máquinas, corremos o risco de perder a base da humanidade: algo que demorou milhares de anos para ser elaborado, a imperfeição, a empatia, o vínculo genuíno. Estamos trocando relações autênticas por versões controláveis, mas vazias? ''Jardinar, pescar, acampar e conversar sem telas: são rituais simples, destarte, ancoram o real, onde a angústia digital perde sua força.''- Dan Mena. ''São nos gestos simples, borrados pelo tempo presente, que o real se faz íntimo e a urgência virtual desmaia.'' Amigos Virtuais vs. Amigos Reais Nossas relações sociais também estão mudando. Plataformas como Instagram, Facebook e Twitter nos permitem acumular centenas ou até milhares de “amigos” . Mas quantos deles realmente conhecemos? Quantos estariam ao nosso lado em uma crise? Um like ou um comentário rápido é fácil, mas não substitui o esforço de uma conversa longa, o apoio em um momento difícil ou o calor de um abraço. As conexões online são convenientes, mas muitas vezes superficiais, reduzidas a interações que cabem em 280 caracteres ou em uma foto filtrada. Já trocamos, em parte, os amigos reais pelos virtuais. Preferimos a validação instantânea de um estranho na internet à construção lenta e às vezes desafiadora de uma amizade verdadeira. Mas essa troca tem um custo: a solidão que sentimos mesmo estando “conectados” o tempo todo. Vai pagar para ver? ''Entre avatares e máquinas, a saúde mental nasce do imperfeito, dos laços afetivos, vínculos frágeis e histórias compartilhadas.'' - Dan Mena. Amor Líquido e Vínculos Virtuais — A Crise da Intimidade ''Swipe à direita é o novo ‘fuja do Édipo’.” - Dan Mena. Neste momento o amor se tornou tão fluido quanto as telas que deslizamos com os dedos. Nesta frase, aponto para uma verdade incômoda: o gesto de deslizar para a direita em aplicativos de namoro não é apenas uma busca por conexão, mas também uma fuga emocional que o amor verdadeiro exige. Bauman, com seu conceito de “amor líquido” , descreve relações frágeis e transitórias, onde compromissos são flexíveis e muitas vezes descartáveis. Essa fluidez é intensificada por plataformas que bombardeiam com um fluxo de potenciais parceiros, tornando os elos afetivos mais efêmeros do que nunca. Por outro lado, temos uma chave para entender essa dinâmica: “o excesso de opções paralisa o desejo” . Em um mar de escolhas infinitas ele não se perfaz — se congela. A crise da intimidade nasce deste paradoxo: quanto mais opções disponíveis, mais difícil é investir emocionalmente em uma única pessoa. ''Vejo que a intimidade moderna se dissolve em telas, precisamos construir laços que resistam à transitoriedade digital.'' - Dan Mena. Amor Líquido na Era Digital O “amor líquido” de Bauman captura a essência dos relacionamentos contemporâneos: são efêmeros, moldados por uma lógica de rapidez e descartabilidade. Aplicativos de relacionamento, como Tinder e Bumble, transformam a busca por um parceiro em um jogo de perfis, onde a próxima opção está sempre a um deslize de distância. Essa facilidade reduz as pessoas a imagens e textos curtos, dificultando o investimento emocional necessário para conhecer alguém de fato. A tecnologia, não só facilita esses encontros, mas também amplifica a transitoriedade das relações. Surge então o antagonismo da escolha: com tantas possibilidades, a satisfação diminui. Há sempre a sensação de que alguém melhor pode estar a um clique, alimentando o medo de perder algo = (FOMO) corroendo a capacidade de se comprometer. O resultado é uma intimidade frágil e fragmentada. A Paralisia do Desejo Como vimos, o excesso de predileções estaciona os quereres, e isso se torna evidente no universo dos relacionamentos virtuais. A abundância de perfis em aplicativos de namoro cria uma ilusão de possibilidades infinitas, mas, na prática, isso gera um ciclo de busca constante e vínculos pulverizáveis. A cada swipe, cresce a expectativa de encontrar a “pessoa perfeita” , mas essa procura impede a construção de laços fortes. Dita paralisia não se limita ao campo romântico. Amizades e relações familiares também são impactadas pela mesma lógica de escolha e transitoriedade. A facilidade da virtualização substitui o esforço necessário para sustentar relações reais. O custo psicológico é significativo: ansiedade, depressão e uma insatisfação crônica com as próprias escolhas. Apesar desses desafios, é possível cultivar intimidade. Outras estratégias podem incluir reservar tempo para conversas significativas, praticar a escuta ativa e se permitir ser vulnerável, pode ajudar na inversão do processo. ''A paralisia do desejo, nascida de escolhas infinitas, encontra alívio quando conectamos ao pulsar da intimidade genuína.'' - Dan Mena. Entre o Coaching e a Análise O coaching promete respostas; a psicanálise, perguntas que libertam.” — Dan Mena. Na busca pelo autoconhecimento, dois caminhos se destacam: o coaching, com sua abordagem prática e orientada a resultados, e a psicanálise, que mergulha no inconsciente. Enquanto o coaching oferece soluções rápidas e diretas, psicanalistas oferecem perguntas que desafiam certezas, abrindo portas para uma compreensão mais rica de si. A Moda do Mindset Positivo A tendência do ''mindset positivo'' (se refere a uma forma de pensar e agir que se concentra no positivo, nas oportunidades e no crescimento, em vez de se centrar no negativo, nos obstáculos e nas limitações. É uma mentalidade que promove a confiança em si mesmo, a resiliência diante dos desafios e a busca por soluções criativas.), amplamente difundida no coaching que propõe técnicas para reprogramar a mente. Essa visão, embora atraente, ignora a costura labiríntica do inconsciente. Ela simplifica o ser a um conjunto de hábitos ajustáveis, desconsiderando as emoções, os traumas e os desejos reprimidos que moldam nossa construção. Citando Massimo Recalcati: “A felicidade não é um destino, mas um efeito colateral da verdade.” Esse prisma, sugere que a verdadeira realização não vem de um otimismo forçado, mas de um confronto honesto com nossa realidade interior. ''O mindset positivo pode prometer felicidade, mas, é na verdade interior que encontramos sentido, não em fórmulas prontas.'' - Dan Mena. ''A esquizoanálise contra a patologização da vida" Diferenciação Clínica: Metas vs. Preço Emocional O coaching e a psicanálise divergem em seus focos fundamentais, destarte detesto fazer comparações, agora necessárias: Coaching : Orientado para metas, ele pergunta: O que você quer alcançar? e fornece estratégias práticas para chegar lá. Seu objetivo é o sucesso externo — seja na carreira, nos relacionamentos ou na produtividade. Psicanálise : Questiona: Qual o preço emocional dessa meta? Em vez de apenas buscar resultados, exploramos as motivações inconscientes por trás dos desejos, revelando o que realmente impulsiona os atos. Por exemplo, alguém pode buscar o coaching para conquistar uma promoção no trabalho. O coach oferecerá ferramentas para alcançar esse objetivo. Já a psicanálise pode perguntar: Por que essa promoção é tão importante? Talvez a resposta revele uma necessidade de validação ou um medo de fracasso enraizado em experiências passadas. Enquanto o coaching foca em “como” , a psicanálise investiga o “porquê” . Neurodiversidade e Inclusão — A Clínica Ampliada “O autista não é um quebra-cabeça a ser montado, mas um universo a ser decifrado.” - Dan Mena. A psicanálise moderna está passando por uma transformação ao abraçar a neurodiversidade, um conceito que reconhece e valoriza as variações neurológicas como parte essencial da nossa experiência. Longe de se prender a padrões rígidos de aparente “normalidade” que por décadas moldaram práticas clínicas, propomos uma perspectiva mais acolhedora e inclusiva. Vou certamente muito inspirado por pensadores como António Damásio e Frances Tustin, onde a psicanálise moderna rejeita a ideia de que diferenças como AUTISMO, TDAH ou DISLEXIA sejam patologias a serem corrigidas. Em vez disso, as estamos contemplando como expressões únicas e singulares da mente, linguagens próprias que merecem ser compreendidas e respeitadas. ''Cada mente neuro divergente é um cosmos único, minha missão é ouvir suas estrelas, não forçá-las a brilhar como as demais.'' – Dan Mena. "Cada mente desenha constelações próprias: ouvir é honrar a luz que recusa mapas alheios." Redefinindo a Normalidade A neurodiversidade desafia a concepção tradicional de que existe um único modelo de funcionamento “normativo” para o cérebro. Pessoas diferentes — como aquelas com autismo — não estão incompletas ou quebradas; elas simplesmente percebem, processam e interagem com o mundo de maneiras distintas. Damásio, com sua visão neurocientífica, e Tustin, com sua expertise psicanalítica no autismo, nos lembram que essas diferenças não são déficits, mas formas de comunicação que refletem a heterogeneidade da psique. ‘’Cada indivíduo neuro-divergente é um universo singular, cheio de nuances e riquezas que escapam às tentativas de padronização.’’ - Dan Mena. ''Neoliberalismo e adoecimento emocional" Essa mudança de paradigma exige que os terapeutas abandonem a busca por uma “cura” que force a adaptação aos moldes neurotípicos. O objetivo não é consertar, mas decifrar — ouvir atentamente as mensagens que surgem dessas mentes únicas e ajudá-las a florescer em seus próprios termos, condições e condutas. Essa clínica ampliada aparece como uma resposta prática a essa nova realidade. Se adapta aos princípios psicanalíticos para criar um espaço terapêutico que respeite as particularidades dos pacientes dessemelhantes. Mediante o uso de metáforas visuais, como infográficos, desenhos ou mapas mentais, especialmente úteis para indivíduos não verbais ou com dificuldades de abstração. O inconsciente, afinal, não se restringe às palavras — ele se manifesta em imagens, símbolos e sensações. “O inconsciente fala todas as línguas, cabe ao terapeuta aprender quanto a sua interpretação.’’ - Dan Mena. Além disso, vale incorporar ferramentas como objetos transicionais, inspirados em Winnicott, que ajudam a construir acessos entre o mundo interno e externo do paciente. O ‘’setting terapêutico’’ também se torna mais flexível, permitindo movimentos ou interações que façam o paciente se sentir seguro e acolhido. Essas adaptações transformam a terapia em um processo criativo, onde a singularidade de cada pessoa é o ponto de partida. Trabalhar com diversidade exige uma postura aberta e adaptável. Aqui estão algumas diretrizes práticas para terapeutas: Escuta sensível : Evite julgamentos baseados em padrões neuro-típicos e busque compreender a lógica interna do paciente. Metáforas visuais : Use infográficos, desenhos ou diagramas para facilitar a comunicação, especialmente com pacientes não verbais. Essas ferramentas ajudam a acessar o inconsciente de forma acessível e concreta. Flexibilidade : Respeite o ritmo do paciente, permitindo que o processo terapêutico se desenvolva sem pressa ou imposições. Colaboração : Trabalhe em conjunto com outros profissionais, como terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, para oferecer um suporte mais completo. Abandonemos a rigidez da “normatização” e celebremos as diferenças como parte essencial da vida. Nesse cenário, sejamos os verdadeiros guias da curiosidade, e pelo respeito, estejamos prontos para decifrar os universos únicos que recebemos como um presente. ''Neuro-divergência não é defeito ou falha, mas uma melodia distinta; minha tarefa é aprender sua partitura, não tentar reescrevê-la para soar como as outras.'' – Dan Mena. Quando o Morto Vive Online “Perdi minha mãe, mas seu perfil ainda ‘curte’ minhas fotos. Como chorar um fantasma?” — diz uma paciente. Talvez você tenha dúvidas quanto a veracidade desta fala, mas, garanto a vocês leitores, é real.  As redes sociais criam um limbo para o luto, onde a morte não é final, mas um perfil inativo. A presença eletrônica de falecidos transforma a perda em algo ambíguo, onde o conforto da memória colide com a dificuldade de aceitar o fim. Esse fenômeno, que chamo de ‘ ’luto digital’’ , é uma realidade nova, que desafia as formas tradicionais de elaboração da dor. Freud argumentou, que o luto exige uma retirada gradual do apego emocional ao ente querido perdido, um processo que permite ao enlutado seguir em frente. Mas como realizar esse trabalho psíquico quando o falecido parece ainda "vivo" online para alguns? "Os algoritmos são os novos oráculos, reencarnam fantasmas em pixels, desafiando nossa capacidade de sepultar o que já não respira." - Dan Mena. O Limbo do Luto Tecnológico Nas plataformas, os perfis de pessoas falecidas não desaparecem com a morte. Amigos e familiares continuam a interagir com eles, postando mensagens, compartilhando fotos ou até recebendo notificações automáticas que sugerem a presença do ausente. Para o paciente anônimo, ver o perfil da mãe “curtindo” suas fotos é um lembrete constante dessa presença fantasmagórica. Isso pode ser reconfortante em alguns momentos, oferecendo um espaço para manter a conexão emocional. No entanto, também pode dificultar a aceitação da morte, criando uma ilusão de continuidade que prende o enlutado ao passado. O luto saudável depende da capacidade de reconhecer a realidade da perda e redirecionar a energia emocional para novos vínculos. Quando a presença on-line persiste, esse processo pode ser interrompido, levando a um estado de melancolia — uma tristeza persistente marcada pela incapacidade de soltar o laço. O luto digital, assim, não é apenas uma extensão, mas uma experiência distinta que exige novas formas de compreensão e enfrentamento. "Enquanto os mortos ‘curtem’ nas redes, os vivos se perguntam: como re-significar a dor quando a morte perdeu sua fronteira física?" - Dan Mena. ''Como chorar quem ainda 'vive' em pixels?" Historicamente, o luto era guiado por rituais claros e objetos tangíveis. Um enterro marcava o fim físico, enquanto cartas ou fotografias serviam como lembranças estáticas. Esses mementos, embora preciosos, não interagiam com o enlutado — eram finitos e imóveis. Já os perfis digitais são dinâmicos: algoritmos podem trazer à tona memórias antigas, amigos podem adicionar novos conteúdos, e notificações inesperadas podem reacender a dor. Essa interatividade constante dificulta o encerramento das fases, tornando a morte menos definitiva e mais fluida. Essa diferença tem implicações, o enlutado pode sentir alegria ao revisitar uma postagem antiga, mas também angústia ao perceber que a vida segue sem a pessoa amada. A pergunta do paciente — “Como chorar um fantasma?” — reflete essa tensão: o espírito tecnológico persistente é uma sombra que não pode ser plenamente abraçada nem totalmente deixada para trás. Impactos Psicológicos e Sociais O luto digital pode prolongar a dor de maneiras que o luto tradicional raramente fazia. A exposição contínua à presença online pode manter a ferida aberta, impedindo a cicatrização emocional. Isso pode aumentar o risco de complicações, caracterizado por sintomas de depressão, ansiedade e dificuldade de retomar a vida cotidiana. Para o paciente anônimo, cada “curtida” da mãe é um gatilho que mistura saudade com confusão. Além disso, o aspecto público das redes sociais adiciona outra camada de problemas. O luto, que antes era um processo íntimo, agora é performado diante de uma audiência online. Comentários de apoio podem ser bem-vindos, mas também podem vir acompanhados de expectativas sociais que pressionam o enlutado a parecer “forte” ou “superado” . Essa falta de privacidade pode inibir a expressão genuína da dor, transformando o luto em um ato público em vez de um processo pessoal. "Memorializar um perfil é um ato de coragem, é necessário escolher e transformar a dor em legado, sem permitir que o passado colonize o futuro." - Dan Mena. Ritual de Despedida Digital Para enfrentar esses desafios, é possível criar um ritual que ajude a trazer o fechamento do quadro. Esse exercício envolve duas etapas: Escrever um Comentário Final: O enlutado pode redigir uma mensagem final no perfil do falecido, expressando sentimentos não ditos, agradecimentos ou um adeus definitivo. Essa ação simbólica permite que a pessoa coloque em palavras o que precisa ser liberado, dando voz à dor e à saudade. “Arquivar” o Perfil : Após a mensagem, o enlutado pode optar por deixar de seguir o perfil, silenciar notificações ou até criar um memorial offline (como imprimir uma foto ou salvar uma captura de tela). Isso não apaga a memória, mas reduz a exposição constante, ajudando a estabelecer um limite emocional. Esse ritual não elimina a presença digital do falecido, mas oferece uma maneira de reconhecê-la e, ao mesmo tempo, dar um passo em direção à aceitação. É um ato de equilíbrio entre honrar o passado e abrir espaço para o futuro. O Papel das Plataformas e da Comunidade As redes sociais também têm responsabilidade nesse processo. Recursos como contas memoriais — disponíveis em plataformas como o Facebook — permitem que perfis sejam preservados sem sugerir que o falecido ainda está ativo. Essas opções, porém, precisam ser mais acessíveis e amplamente divulgadas. Além disso, as plataformas poderiam oferecer ferramentas para que os usuários definam como desejam que suas próprias presenças digitais sejam gerenciadas após a morte, dando mais controle sobre esse legado. Toda essa temática é um reflexo da era em que vivemos — onde a tecnologia redefine até mesmo as experiências mais fundamentais da existência. Ele nos força a repensar o que significa dizer adeus quando os mortos continuam a “viver” de formas subjetivas. O desafio é encontrar um equilíbrio: permitir que a memória digital console sem que ela se torne uma corrente que impede o movimento em direção à cura. Assim, podemos chorar nossos fantasmas — e, com o tempo, deixá-los descansar. O Futuro da Psicanálise — Entre o Divã e o Metaverso “O divã não será substituído, mas multiplicado em infinitas realidades.” - Dan Mena.  A psicanálise sempre foi um mergulho no invisível: os desejos reprimidos, as narrativas inconscientes, o peso do outro em nossas mentes. Em um mundo onde o real e o virtual se misturam, porém: o que significa confrontar o inconsciente? Em 2025, terapias em realidade virtual (VR) já são usadas para tratar fobias, transtornos de ansiedade e traumas. Pacientes enfrentam aranhas digitais, voam em aviões simulados ou revisitam memórias recriadas em ambientes controlados. A tecnologia oferece um palco seguro para o enfrentamento do medo. Contudo, a tecnologia pode simular a empatia, mas nunca substituir a presença física. Como analistas, desenvolvemos uma escuta rara e singular, não é um algoritmo de respostas calibradas — somos o espelho vivo que reflete o sujeito em sua vulnerabilidade. No metaverso, a psicanálise enfrenta uma oposição: a promessa de um espaço infinito para a subjetividade e o risco de dissolver o sujeito em avatares desprovidos de história. Plataformas já oferecem “terapeutas-IA” baseados em modelos de linguagem avançados, prometendo insights instantâneos. Mas o inconsciente não se deixa enganar. Ele não é um banco de dados a ser minerado; é um fluxo caótico, um labirinto de significantes que exige tempo, silêncio e relação. Como Lacan nos lembra, o analista é o “sujeito suposto saber” — uma figura que sustenta a transferência, algo que nenhuma máquina pode replicar.  "A transferência no metaverso é um fio de voz em meio ao ruído digital, frágil, mas capaz de costurar presença mesmo onde os corpos são hologramas." - Dan Mena. A Psicanálise em um Mundo Descentrado Em 2030, a psicanálise não será mais sobre “curar ou guiar” a mente, mas sobre ensiná-la a caminhar em um mundo sem centro — onde a própria noção de “saúde mental” será redescoberta. Em um planeta saturado de narrativas e pulverizado por realidades paralelas, o sofrimento psíquico não será definido por categorias diagnósticas rígidas, como depressão ou ansiedade, mas por uma nova angústia: a incapacidade de encontrar sentido em um real que se dissolve. A tarefa do analista será menos reparadora e mais cartográfica — ajudar o sujeito a mapear seus desejos em um território onde as bordas e fronteiras entre o eu, o outro e a máquina vão se tornam indistintas. No futuro não abandonaremos o divã, mas o reinventaremos. Poderemos ver “divãs virtuais” onde analistas e analisados se encontram em espaços oníricos projetados para evocar o inconsciente. Interfaces cérebro-máquina, como as desenvolvidas por empresas como a Neuralink, poderão captar sinais neurais em tempo real, permitindo acessar estados emocionais com uma precisão nunca antes vista. Dispositivos vestíveis, já em uso para monitoramento de saúde, poderão evoluir para mediar intervenções psicanalíticas em tempo real, ajustando o ambiente virtual com base em respostas fisiológicas do paciente. Contudo, essas tecnologias trazem tanto possibilidades quanto perigos. A Ética da Presença Virtual Como manter a autenticidade da relação analítica em ambientes digitais? A transferência, motor da análise, pode operar em um espaço onde corpos não se encontram? Wilfred Bion, com seu conceito de “continência” , nos oferece uma pista: ''o analista deve ser um continente capaz de acolher e transformar os afetos brutos do paciente'' . No virtual, essa moderação pode ser desafiada pela ausência do corpo físico, mas também ampliada por ambientes projetados para amplificar a ressonância emocional. Precisaremos desenvolver uma ética para lidar com a desmaterialização do encontro, garantindo que a presença, mesmo mediada permaneça humanística. Lembro agora que Jean Baudrillard, com sua noção de hiper-realidade sinalizou que o metaverso não seria uma extensão do real, mas uma simulação que substitui o real. As IAs que analisam padrões de comportamento já tentam prever nossos desejos antes que os reconheçamos, criando uma ilusão de transparência. Mas o inconsciente é o que resiste à lógica do capital e da tecnologia. Ele é o “real” que insiste em aparecer, mesmo em um mundo de signos digitais. A psicanálise deve se posicionar como uma prática de resistência à redução humana, ao calculável, lembrando que o desejo sempre irá escapar às previsões algorítmicas. ''Qual o lugar do silêncio analítico quando o algoritmo dita o ritmo do desejo?'' Seria este o Fim da Psicanálise? Nem todos são otimistas sobre o seu futuro. Críticos como o filósofo tecnológico Evgeny Morozov argumentam que estamos condenados tecnicamente em um mundo dominado por soluções rápidas e tecnológicas. Para ele, terapias cognitivo-comportamentais (TCC) mediadas por IA, que oferecem resultados mensuráveis em semanas, tornarão a análise freudiana ou lacaniana obsoleta: argumenta, “Por que passar anos no divã quando um algoritmo pode estruturar seus padrões de pensamento em meses? ” Além disso, a crescente dependência de interfaces digitais levanta preocupações éticas: se o inconsciente pode ser “lido” diretamente por dispositivos, a privacidade psíquica estará em risco, e a psicanálise, com seu respeito pelo mistério do sujeito, pode parecer anacrônica. No entanto, esses argumentos subestimam a força centenária da psicanálise. A TCC e suas IAs podem tratar sintomas, mas não abordam a complexidade do desejo. Painéis digitais podem mapear sinais neurais, mas não interpretam o significado singular de uma fantasia ou trauma. A psicanálise, com sua aposta no tempo e na relação, oferece algo que a tecnologia não pode: um espaço para o sujeito se reinventar, não como um produto de software otimizado, mas como um ser em constante transformação. "Enquanto a IA busca otimizar mentes, a psicanálise celebra a arte imperfeita de existir, com suas fendas e rachaduras onde a luz do desejo penetra." - Dan Mena. Como Bion sugeriu, a análise é um ato de contenção; entanto Baudrillard nos provoca. É uma resistência à hiper-realidade; como Žižek insiste, um confronto com o real. O divã, seja de couro ou de pixels, continuará sendo o espaço onde o sujeito se encontra com sua verdade — não para eliminá-la, mas para aprender a dançar com ela. Em 2030, nossa técnica será menos uma cura e mais uma navegação: um mapa para atravessar a matrix do metaverso sem perder o seu lado humano. Minha Defesa Implacável da Psicanálise A ideia de que a psicanálise seria um extemporâneo em face dos avanços tecnológicos, como interfaces cérebro-máquina e terapias mediadas por inteligência artificial, não é apenas uma leitura míope, mas uma capitulação ridícula. Tratar a psicanálise como obsoleta é sucumbir à ilusão narcísica de que a tecnologia pode domesticar o inconsciente, como se o real pudesse ser capturado por sensores ou se rebaixar ao reducionismo positivista que ameaça reduzir o humano a um amontoado de linhas de código. Tal perspectiva não apenas subestima a resiliência de uma disciplina que atravessou um século de revoluções epistemológicas, mas também ignora sua capacidade singular de confrontar “o traumático do real” — aquele núcleo irredutível da subjetividade que resiste à lógica do capital e da simulação. Este adendo que faço, é uma defesa provocadora sim, necessária para desmontar as críticas banais com o rigor acadêmico que merecem, reafirmando sua pertinência em um mundo que se afoga na hiper-realidade, hipnotizando sujeitos que nada entendem do ser humano. "Reduzir o humano a linhas de código é não apenas uma arrogância cientificista, mas uma fuga covarde àquilo que Lacan chamou de 'o não-todo': o vazio estruturante que nos define." - Dan Mena. ''Somos mais que dados, existimos como o vazio que nenhum código pode preencher'' A Transferência como Ato de Subversão Críticos como Evgeny Morozov celebram a eficiência da terapia cognitivo-comportamental (TCC) mediada por IA, como se a psique pudesse ser reprogramada. Essa visão tecnocrática que pretende antes que nada reduzir o ser a um autômato comportamental, desprovido do aprofundamento que a psicanálise, em sua ousadia, insiste, e tem demonstrado ser efetiva. A transferência, como conceito central na obra de Lacan, não é uma mera técnica, mas um evento ontológico: um encontro intersubjetivo que desestabiliza as certezas do ego e abre o sujeito ao abismo de seu inconsciente. Nenhum algoritmo, por mais avançado que seja, pode replicar a presença viva do analista — menos ainda, podem captar o peso de um silêncio, a ironia de um lapso ou a densidade de um sonho. A psicanálise sobrevive gloriosamente a qualquer tecnologia, enquanto a desafiamos. Somos o que escapa ao cálculo, a equação, o que resiste, o que insiste por natureza em ser singular, único e irreplicável. Contexto Histórico Que tal mencionar Einstein, que como o maior físico da historia, valorizava métodos empíricos e matemáticos, enquanto via a psicanálise como uma disciplina interpretativa, não quantificável. Sua postura refletia o debate da época entre ciências "duras" e "humanas" . Apesar disso, reconhecia que Freud havia aberto caminhos para entender a subjetividade — ''algo que a física jamais alcançaria'' . Portanto, vemos aqui que sua crítica era menos sobre Freud e mais sobre os ''limites do reducionismo'' : para ele, (o chefe de vocês) , que certas dimensões humanas (como a ética e a subjetividade) exigiam abordagens distintas das equações físicas. Uma outra citação poderosa nessa tensão entre ciências exatas e a subjetividade vem do matemático e filósofo Henri Poincaré, pioneiro da ''teoria do caos'' e crítico do reducionismo positivista: "A ciência é feita de fatos, assim como uma casa é feita de pedras. Mas um amontoado de fatos não é ciência, assim como um monte de pedras não é uma casa. [...] O que distingue o verdadeiro cientista não é apenas seu método, mas sua capacidade de contemplar o invisível — aquilo que os números não podem medir." ''O verdadeiro cientista não é apenas seu método, mas sua capacidade de contemplar o invisível — aquilo que os números não podem medir." Por que essa citação se alinha ao debate? Poincaré, como Einstein, questionavam a ideia de que tudo pode ser reduzido a dados ou equações, algo diretamente relacionado às críticas à tentativa de "domesticar o inconsciente" com tecnologia. Valorização do intangível: A frase ressalta que há dimensões humanas (como o inconsciente freudiano) que escapam à métrica científica, mas não perdem validade por isso, é neste sentido estou totalmente de acordo. Diálogo com a psicanálise: A menção ao "invisível" clarifica a noção lacaniana de Real — aquilo que resiste à simbolização, seja por algoritmos ou linguagem técnica. Para sintetizar esta minha defesa, convoco, Werner Heisenberg (físico quântico). Heisenberg, em "Física e Filosofia" , também refletiu sobre os limites da ciência frente ao humano: "A cada passo, descobrimos que o mundo não pode ser totalmente objetificado. O observador sempre pertence ao sistema, e isso inclui suas dúvidas, seus desejos — tudo que a psicanálise chamaria de 'inconsciente'." Todas as citações reforçam que, mesmo em campos como a física e a matemática, incluindo a quântica, há reconhecimento de que a imaterialidade desafia a lógica empírica. Isso não invalida a ciência, mas mostra que ela coexiste com outras formas de conhecimento — como a psicanálise — para explorar o que Heisenberg chamou de "o território inacessível às equações" . ''O 'sujeito suposto saber' agora é um avatar, mas os quereres ainda escapam, intocáveis pelas frestas do código." - Dan Mena.   O Inconsciente como Resistência ao Controle Algorítmico A fantasia de que o inconsciente pode ser “lido” por interfaces é ''uma expressão do delírio totalitário que Baudrillard descreve'' . Não somos um banco de dados a ser minerado, mas um campo de rupturas, contradições e desejos que se manifestam em sintomas, atos falhos e narrativas fragmentadas. Em uma era de vigilância digital, onde a privacidade é mercantilizada e a subjetividade reduzida a padrões previsíveis, a psicanálise se equilibra como uma prática ética, salvaguardando o mistério do sujeito contra a tirania do transparente. Chamar isso de anacronismo é endossar uma distopia que se ilude ao tentar descartar o ser de sua opacidade, tentando o transformar em um produto consumível. Outra crítica vazia é de que a psicanálise é lenta demais em comparação com a TCC mediada por IA, isso reflete a lógica perversa do que Byung-Chul Han chama de “sociedade do desempenho” . Nesta cultura, o sofrimento é um defeito a ser eliminado, e a felicidade, um mandato neoliberal. Vamos continuar nos recusando obstinadamente de prometer ' 'curas rápidas'' ou oferecer uma alternativa radical: a validação do conflito, da falta, do imperfeito como elementos constitutivos. Longe de buscarmos a “otimização” do sujeito, o convidamos a habitar sua singularidade, a confrontar o que o torna ímpar — habitar seus desejos, romper com seus traumas, revalidar suas contradições. Avatares padronizados e ''nudges algorítmicos'' ameaçam dissolver a individualidade em simulacros, a psicanálise é o ato puro de subversão ética. Ela não promete eficiência, mas transformação; não oferece respostas, mas a coragem de perguntar. Essa é sua força: em um mundo que exige conformidade, defendemos o direito de sermos incompletos. A Psicanálise como Máquina de Guerra Epistemológica A acusação de arcaico, presume a psicanálise como artefato imutável, mas nossa história é opostamente uma reinvenção contínua . Desde Freud, que dialogou com a nascente neurociência, até os analistas contemporâneos que exploram a realidade virtual como espaço para o inconsciente, demonstra adaptabilidade que desmente qualquer obituário prematuro como alguns poucos pretendem. Longe de ser ameaçada por tecnologias, estamos nos apropriando delas, nos servindo ao bel prazer do seu uso, utilizando dados fisiológicos para enriquecer a escuta analítica sem sucumbir ao simplismo. Como Deleuze e Guattari poderiam sugerir, a psicanálise é uma “máquina de guerra” de última geração, epistemológica, capaz de desterritorializar os discursos dominantes — sejam eles científicos, tecnológicos ou mercadológicos — e reafirmar com toda certeza a primazia do sujeito. Sua relevância não está em competir com ''terapias de curto prazo'' , mas em oferecer uma crítica equilibrada às ideologias que sustentam essas abordagens. Essa polarização pretendida, bem instrumentada, muito articulada e camuflada de propósitos puramente capitalistas não vai nos contaminar. Antes de matar a psicanálise, vão precisar exterminar um exército poderoso de seres pensantes e preparados para elucidar tentativas de manipulação. "Contra a ditadura da transparência erguemos um altar ao opaco, o inconsciente é nossa última trincheira contra a colonização do ser." - Dan Mena. "Na névoa do que não se revela, resistimos: o inconsciente é a sombra que nenhum zoom da razão ilumina." Um Antídoto Filosófico à Hiper-Realidade Os defensores da superioridade da IA ''caem como patinhos'' no que Žižek identificaria como uma armadilha ideológica: a crença de que a tecnologia pode abolir o real. A psicanálise, ao contrário, confronta o real em sua forma mais crua — ''o desejo que não se submete, a falta que não se preenche, o trauma que retorna'' . Baudrillard avisou, que o metaverso substitui a experiência vivida por simulacros, e a psicanálise é a prática que resgata o sujeito desses buracos negros de signos vazios. Não apenas vamos confrontar o simplismo tecnológico, mas, ''vamos cair de pau'' , oferecendo uma crítica filosófica à lógica do capital que pretende transformar a psique em mercadoria. ''Não seremos sob qualquer argumentação: ‘’inputs e outputs’’. - Dan Mena. Somos o Farol Cultural e Político Além de potência clínica que a psicanálise representa, é um holofote intelectual que ilumina os dilemas de nossa era. Conceitos como repressão, pulsão de morte e estádio do espelho não são apenas ferramentas terapêuticas; são chaves para decifrar a cultura, a política e a subjetividade em um mundo saturado por narrativas binárias ou quânticas. Enfrentamos com realismo as questões existenciais da inteligência artificial e da realidade virtual, a psicanálise oferece sua linguagem única para articular as tensões entre o ’’ eu e o outro’’ , o ‘’real e o simulado’’ . A capacidade analítica de diagnosticar as patologias do presente — do narcisismo coletivo à alienação tecnológica — e de propor uma ética do desejo que transcende as promessas triviais, vulgares, genéricas e vazias do progresso. A Técnica da Insistência do Real Tal falácia da psicanálise como um resquício do passado expõe da forma mais ridícula uma cegueira voluntária para sua potência disruptiva. Ela não é uma relíquia; é uma força viva que desafia a hegemonia do mensurável, do otimizado e controlado. Maquinas podem oferecer soluções paliativas, mas apenas a psicanálise ousa confrontar o sujeito com sua verdade mais incômoda: ele é dividido, incompleto, desejante. Como Bion nos legou, a análise é um ato de continência; como Baudrillard nos provoca, é uma resistência à hiper-realidade; e como Žižek insiste, é um enfrentamento do real. Façam suas apostas, a psicanálise vai responder aos avanços tecnológicos com mais um século de reinvenção. Até lá, nenhum de nos estará aqui para reclamar seu prêmio, mais uma coisa é ''certa e liquida'' , estaremos os psicanalistas, muito bem representados para receber. ‘’A psicanálise moderna é uma arqueóloga do caos, escavando sentido onde vemos apenas ruínas.’’ - Dan Mena. FAQ - Saúde Mental e Psicanálise na Era Digital O que é a "angústia do século XXI" segundo a perspectiva psicanalítica abordada no texto? É a angústia gerada pela desconexão de nós mesmos, a desvalorização do silêncio e da introspecção, e o descompasso entre o "eu ideal" das redes sociais e o "eu real", intensificada pela hiperconexão e pela busca constante por validação digital. Como a tecnologia afeta o luto e o processamento emocional? A tecnologia pode fragmentar e diluir o luto, oferecendo alívios provisórios (como vídeos fofos) em vez de permitir o enfrentamento profundo da dor. Também cria um "luto digital" onde a presença online do falecido dificulta a aceitação da perda. O que significa "transferir a dor" no contexto apresentado? Seguindo Freud, a dor não desaparece, ela se transfere. Quando não processada, a tristeza ou o luto podem ser depositados em objetos ou comportamentos substitutos, como a dependência excessiva do celular. Qual é o papel do celular nas emoções contemporâneas? O celular pode funcionar como um "depositário" da dor emocional reprimida, uma ponte intermediária para emoções não processadas e um espelho que reflete um "eu ideal" ilusório. O que é o "Estádio do Espelho" de Lacan e como ele se aplica às redes sociais? É o estágio em que a criança constrói sua identidade pelo reflexo. Hoje, as telas dos celulares e os perfis nas redes sociais atuam como esse espelho, promovendo a construção de um "eu ideal" que pode gerar angústia ao se confrontar com o "eu real". Por que chorar por um celular quebrado pode revelar mais do que parece? Pode ser uma manifestação simbólica de outra perda não elaborada, como o luto pelo avô. A dor reprimida encontra uma brecha para emergir quando o objeto que a continha deixa de funcionar. Como a psicanálise vê os relacionamentos tóxicos e a dificuldade de intimidade na era digital? ? A psicanálise vê isso como uma crise da intimidade, onde o "amor líquido" e a superficialidade das conexões digitais dificultam o compromisso emocional e a construção de vínculos profundos e autênticos, levando à paralisia do desejo. O que é "amor líquido" e como ele impacta os relacionamentos? É o conceito de Zygmunt Bauman para descrever relações contemporâneas frágeis, transitórias e fáceis de serem descartadas, intensificadas pelas plataformas digitais que oferecem infinitas opções, dificultando o investimento emocional duradouro. Qual a diferença entre coaching e psicanálise na busca pelo autoconhecimento? O coaching foca em metas e resultados práticos ("como alcançar algo"), enquanto a psicanálise investiga as motivações inconscientes por trás dos desejos e das dores ("por que isso é importante?"). O que é "neurodiversidade" e como a psicanálise contemporânea a aborda? É o reconhecimento das variações neurológicas como parte natural da experiência humana. A psicanálise moderna abraça isso, rejeitando a patologização e buscando compreender e respeitar essas diferenças como formas únicas de subjetividade, adaptando a clínica conforme necessário. O que é "luto digital" e quais os seus desafios? É a experiência de luto quando a presença online do falecido persiste. O desafio é que isso cria um "limbo" onde a morte parece menos definitiva, dificultando o processo de aceitação e podendo prolongar a dor. Como criar um ritual de despedida digital? Pode envolver escrever uma mensagem final no perfil do falecido, expressando sentimentos e despedidas, e depois arquivar o perfil ou limitar a exposição às notificações, ajudando a estabelecer limites emocionais. Quais práticas podem ajudar a reconectar com emoções reprimidas e a autenticidade? ? Práticas como escrever um diário à mão, meditação em silêncio, atividades na natureza (acampar, pescar, caminhar), jardinar e conversas sinceras e sem distrações podem criar espaços para sentir e reconectar-se consigo mesmo. Por que a "presença física" ainda é importante na era virtual? Porque a presença física, mesmo mediada, é fundamental para a transferência e para a escuta empática que caracterizam a relação analítica. O corpo e a vulnerabilidade compartilhada são elementos que máquinas e avatares não podem replicar plenamente. Qual o futuro da psicanálise diante da inteligência artificial e do metaverso? A psicanálise não será substituída, mas se reinventará. Pode utilizar tecnologias como RV para ambientes terapêuticos, mas manterá seu foco no inconsciente, na transferência e na singularidade do sujeito, resistindo à padronização algorítmica. A psicanálise é obsoleta diante de terapias rápidas e baseadas em IA? Não. A psicanálise oferece uma abordagem ética que resiste à lógica de otimização e padronização. Ela valoriza o conflito, a falta e o processo subjetivo, não apenas a eliminação de sintomas. O que a psicanálise diz sobre a busca por "mindset positivo"? Pode ver o "mindset positivo" como uma simplificação que ignora a complexidade do inconsciente. A verdadeira realização pode vir do confronto com a realidade interior, incluindo aspectos negativos e conflituosos, e não apenas da imposição de positividade. Como a psicanálise pode ajudar a lidar com a solidão em meio à hiperconexão? Ao promover a introspecção e a escuta de si mesmo, a psicanálise ajuda a identificar as raízes da solidão existencial, mesmo quando estamos "conectados", e a buscar conexões reais e significativas. O que significa "o inconsciente resiste à lógica do capital e da simulação"? Significa que o desejo e o real do sujeito escapam às tentativas de controle, padronização e previsibilidade impostas pela tecnologia e pela lógica de mercado, mantendo sua singularidade e imprevisibilidade. Por que a psicanálise é considerada uma "máquina de guerra epistemológica"? Porque ela desafia os discursos dominantes (científicos, tecnológicos, mercadológicos) e reafirma a primazia do sujeito singular, confrontando ideologias que tentam reduzir a complexidade humana a dados e comportamentos. Referencias Bibliográficas HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Vozes, 2015. FREUD, Sigmund. Além do Princípio do Prazer. Companhia das Letras, 1920. LACAN, Jacques. Escritos. Zahar, 1998. RECALCATI, Massimo. O Complexo de Telêmaco. Paz e Terra, 2014. SAFATLE, Vladimir. O Circuito dos Afetos. Autêntica, 2016. WINNICOTT, Donald. Tudo Começa em Casa. Martins Fontes, 1989. BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido. Zahar, 2004. DAMÁSIO, António. O Erro de Descartes. Companhia das Letras, 1996. TUSTIN, Frances. Autismo e Psicose Infantil. Imago, 1990. HAN, Byung-Chul. No Enxame. Vozes, 2018. JUNG, Carl. O Homem e Seus Símbolos. Harper Collins, 1964. ŽIŽEK, Slavoj. Bem-vindo ao Deserto do Real, 2003. FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade. Graal, 1988. REICH, Wilhelm. 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Palavras Chaves #SaúdeMentalModerna, #PsicanáliseContemporânea, #BurnoutEmocional, #TerapiaOnline, #AutoconhecimentoProfundo, #AngústiaExistencial, #AmorLíquido, #LutoDigital, #Neurodiversidade, #InconscienteTecnológico, #FreudNaEraDigital, #SolidãoDigital, #AnsiedadeModerna, #FuturoDaTerapia, #PsicanalistaOnline#IA Visite minha loja ou site 🔗 https://uiclap.bio/danielmena 🔗 https://www.danmena.com.br ORCID™ - Pesquisador - iD logo são marcas comerciais usado aqui com permissão. "Open Researcher and Contributor ID" Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199. Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130. Dr. Honoris Causa em Psicanálise pela Christian Education University — Florida Departament of Education — USA. Enrollment H715 — Register H0192. Comente e avalie o artigo; De 1 a 5 - Quantas estrelas merece o artigo? Deixe seu voto e relato abaixo em COMENTÁRIOS.

  • Feridas Emocionais Moldam Quem Você É.

    '' Rejeição, Abandono, Humilhação, Traição e Injustiça'' Vamos nos imaginar caminhando por uma floresta densa, onde cada passo mostra uma digital da trilha marcada pelo nosso histórico de dores antigas. Você já sentiu, em algum momento, um vazio que não tem explicação? Uma angústia que parece pulsar e vir de um lugar desconhecido, como se carregasse uma pústula que não se vê, mas se sente? Hoje eu quero falar de um território delicado: as cinco feridas emocionais. De onde elas vem? — Emergem de raízes existenciais essenciais, tão antigas quanto a consciência. São arquétipos esculpidos na mente coletiva, resíduos de uma época em que nossa sobrevivência como raça dependia da aceitação tribal. Numa síntese inicial, a rejeição nasce do medo ancestral de exclusão, quando ser deixado para trás significava a morte. O abandono expõe a vulnerabilidade infantil diante de um ambiente hostil à época. A humilhação, reflete a hierarquia primitiva onde a vergonha preservava a conformidade. A traição surge da quebra de pactos essenciais à cooperação, injustiça, a revolta contra a desproporção na divisão de recursos, base da organização social imemorial. Essas demarcações são como sinais invisíveis que formatam nossas relações, escolhas, e até a forma como nos percebemos diante do mundo. Mas, como bem nos lembra Jung, "aquilo que não enfrentamos em nós mesmos, encontramos no mundo como destino" — e é nesse entroncamento, entre o íntimo e o coletivo, que nosso percurso se perfaz. Era uma tarde de sol — (para variar) aqui no Nordeste do Brasil não tem estações, é verão o ano inteiro, quando ouvi uma paciente — vamos lhe chamar de Clara — sussurrar baixinho: “Por que sempre sinto que não sou o suficiente?” A pergunta dela, tão simples e ao mesmo tempo antagonicamente densa, abriu uma porta para eu definir o que chamo de “arquitetura emocional” , um conceito que entrelaça a psicanálise com a filosofia existencial de Simone de Beauvoir. Obviamente que Clara não sabia, mas estava tocando no centro da rejeição, uma das cinco aflições mais expressivas que vou abordar neste artigo. Percebo que essas chagas não são apenas conceitos; senão narrativas vivas, histórias que contamos a nós mesmos sem perceber. Como toda boa história, elas deixam o leitor curioso — você — querendo saber o que vem depois. O que Clara descobriu sobre si mesma? E o que você descobrirá sobre si ao final desta resenha? Espero que o tema seja do seu interesse. "Como curar a ferida da rejeição? Psicanálise e autoconhecimento para reconstruir a autoestima" Vou usar metáforas, reflexões e um diálogo direto, como se estivéssemos sentados frente a frente. Como disse Freud, “A mente é como um iceberg; apenas uma pequena parte dela emerge à superfície, enquanto a maior parte permanece oculta” . Mas hoje, inspirado pela ética do cuidado de Chul Han e pela crítica social de Bauman, vamos além do inconsciente: uma arqueologia das emoções, onde cada escoriação pode nos mostrar os traumas pessoais e as fraturas fundas de um firmamento que nos ensina a performar felicidade, usar máscaras, enquanto sopra inseguranças. "As feridas não são falhas, mas mapas", como escrevi em ‘’O Silêncio dos Afetos’’ (2022). ‘’Elas nos mostram onde doeu — e onde ainda doi —, mas também, apontam rotas de resiliência.’’ - Dan Mena. "Somos treinados para curar feridas físicas, mas deixamos as emoções sangrarem em silêncio"- Dan Mena. Convido você a olhar para suas cicatrizes, não como fracassos, mas como testemunhas de uma humanidade que insiste em renascer. "A cura não está em apagar as feridas, mas em aprender a dançar com seus vestígios remanescentes" - Dan Mena. O que suas escoriações afetivas mostram sobre suas buscas mais interiorizadas? Como a sociedade atual amplifica ou silencia essas dores? É possível transformar sinais em símbolos de resistência? Em um mundo que idolatra a perfeição, lembre-se: A cura não está na ausência de dor, mas na coragem de poder nomeá-la. “As feridas da alma não sangram, mas gritam em silêncio, pedindo para serem ouvidas.” - Dan Mena. Rejeição — A Dor de Não Ser Visto A rejeição, esse pesar primordial, finca suas raízes no solo da nossa necessidade básica de aceitação. É um traquejo visceral que nos atinge em cheio, deixando uma baliza demarcatória na forma como nos relacionamos. A refusão não se limita a grandes eventos traumáticos; ela se manifesta em sutilezas, em olhares de indiferença, em comentários aparentemente inofensivos que, no entanto, batem em nosso interior como um tremor: — "Você não é desejado(a). Não pertence." Na perspectiva kleiniana, a criança, em seus primeiros momentos de vida, projeta no outro suas próprias ansiedades e medos. Tal sensação de não ser amada(o), de não ser suficiente, pode ser projetada nos pais ou cuidadores, criando um ciclo de expectativa e decepção. Essa dinâmica, molda o "objeto interno" , via a representação mental que carregamos do outro e que vai influenciar nossos laços futuros. Voltando para Clara, ela personifica essa dinâmica. Sua constante sensação de incongruidade não era um reverbero de sua realidade presente, mas sim uma ressonância de rejeições passadas, internalizadas e transformadas em uma crença limitante: "Eu não sou o suficiente." Essa doutrina impregnada, a impedia de se conectar genuinamente com os outros, de se permitir ser vulnerável, de acreditar em seu valor. O desacolhimento se manifesta em uma miríade de comportamentos, desde a autossabotagem, que nos impedem de alcançar nossos objetivos por medo de não sermos aceitos, até o isolamento social, que nos protege da dor do abandono, mas também nos priva da alegria da fusão. A busca incessante por validação, a necessidade de agradar a todos, também é uma face da denegação, uma tentativa desesperada de preencher o vazio deixado pela falta de aceitação. Bourbeau descreve isso como a "máscara do fugitivo" , adotada por aqueles que foram feridos(as) pela rejeição. Essa paramenta, se manifesta na evitação de junções, no medo de se comprometer e dificuldades em se entregar a relacionamentos íntimos. Como escapista em que se transforma o sujeito nessa condição, preferem a superficialidade e distanciamento, a ilusão de segurança que o isolamento oferece. Para curar a ferida provocada, é preciso, antes de tudo, reconhecer sua existência, aceitar sua dor e se dar permissão para sentir. "Abandono emocional: o vazio existencial e estratégias terapêuticas para superar a dependência afetiva" A autorreflexão guiada, a escrita de cartas para a criança interior, a colaboração terapêutica na re-elaboração desses momentos de cancelamento, são ferramentas poderosas para estruturar a narrativa e transformar a crença limitante em uma afirmação de valor. A dor da reprovação, de não ser reconhecido(a) como um ser desejante, como um sujeito com seus próprios anseios e necessidades, passa pelo reconhecimento do próprio querer, e a afirmação da identidade. A busca de uma vida autêntica é um processo de auto-descoberta e libertação das amarras do passado. Abandono — O Vazio de Ser Deixado O desamparo, essa sombra persistente que paira sobre nossas relações, se manifesta como um medo paralisante: geralmente na forma de ser deixado(a) para trás, esquecido(a), ou substituído(a). Diferente da rejeição, que nega nossa existência, o abandono nos faz questionar nossa capacidade de manter os outros por perto, de sermos amados e cuidados de forma consistente. É a fenda que se abre quando a confiança é quebrada, promessas de presença que são desfeitas, no momento que nos sentimos desamparados(as) e vulneráveis. As medulas do abandono podem ser encontradas em experiências precoces de separação, de perda e negligência. A mãe que parte sem explicar nada, o pai que se ausenta emocionalmente, o amigo que se distancia sem motivo aparente, todos contribuem para a formatação desse agravo, que se manifesta como uma constante sensação de insegurança e instabilidade. O abandono, visto pelo arquétipo do "órfão" , como uma figura universal, procura obstinadamente por pertencimento e proteção. Privado(a) que é de seus pais ou cuidadores, se sentem perdidos(as), desamparados(as), ansiando por um lar, uma família ou um lugar onde possam se sentir seguros(as e amados(as). Quando a frustração da partida indesejada não é elaborada, vai gerar dois padrões de comportamento opostos, mas igualmente destrutivos: a dependência emocional e a recusa em se conectar. O oprimido busca essa anuição e afeto, se agarrando aos outros com unhas e dentes, temendo ser deixado(a) para trás novamente. O recluso(a), por outro lado, evita qualquer tipo de envolvimento emocional, construindo muralhas ao redor de si mesmo(a), para se proteger da dor da perda. O desabrigo não é unicamente a ausência física do outro; é o eclipse de si mesmo na presença desse outro, a perda da identidade em detrimento e função da necessidade de agradar e manter o outro por perto. É também a renúncia aos próprios desejos e necessidades, a submissão aos caprichos alheios, anulação da individualidade em prol da manutenção do(s) relacionamento(s). A "máscara do dependente" , descrita muito bem por Lise Bourbeau, é uma armadura que esconde a fragilidade e a hesitação daquele que foi ferido(a). Essa máscara se manifesta na descoberta constante por apoio externo, na dificuldade em tomar decisões sozinho(a), e na carência de ter alguém ao lado para se sentir supostamente assegurado(a). Pedro, meu paciente, personifica essa dinâmica. Após um divórcio traumático e difícil dos pais na sua infância, se tornou excessivamente complacente em seus relacionamentos, temendo ser abandonado novamente. Ele se anula em função dos outros, sacrificando seus próprios quereres, apenas para ter que evitar atravessar essa experiência dolorosa novamente. Para curar, é preciso fortalecer a autonomia, aprender a confiar em si mesmo(a), a se bastar, a encontrar a alegria dentro de si. A prática de momentos de solitude intencional, como escrever um diário, meditar, praticar um hobby, é fundamental para construir confiança em sua própria companhia, para aprender a se amar e se aceitar incondicionalmente. "Traição e confiança: como ressignificar a deslealdade e reconstruir relacionamentos saudáveis" A solidão nos lembra que ela não vem da falta de companhia, mas da incapacidade de comunicar as coisas que parecem importantes, da dificuldade em expressar nossos sentimentos e pensamentos. Isso passa pela habilidade de se articular consigo, de se manifestar autenticamente e construir rede de contatos baseados na confiança e respeito mútuo. Humilhação — O Peso da Vergonha A vexação mina nossa autoestima e nos faz sentir pequenos e insignificantes, surge em momentos em que nossa dignidade é atacada, vulnerabilidades expostas e nosso valor questionado. Dita experiência de ser ridicularizado(a), alvo de críticas destrutivas e negativas, como ser tratado(a) com desprezo e desrespeito. A humilhação nos deixa marcados(as) pela vergonha, como um sentimento predatório, onde ansiamos querer desaparecer, nos esconder do mundo e de todos. Enxergo isso como uma violência à nossa auto-imagem, uma investida ao direito de existir com orgulho e dignidade. Michel Foucault, analisa isso pelas relações de poder, ele nos mostra que a sujeição está conectada à dinâmica do domínio e da submissão. O outro, em uma suposta e fantasiosa posição de superioridade, exerce seu mando pretendendo nos rebaixar, usando a inferiorização ao nos fazer sentir envergonhados de quem somos. Usa da inveja e à culpa como instrumentos manipuladores, emoções que amplificam a vergonha e nos fazem sentir merecedores(as) do desprezo. A ganância, inveja, ambição, ciúme, sofreguidão e o desejo de possuir o que o outro tem, também nos leva a fazer comparações horríveis e nos sentimos inferiorizados, enquanto a culpa, e o sentimento de termos feito algo errado, faz sua parte pela responsabilização do próprio rebaixamento.  A afronta vexatória cria a "máscara do masoquista" , uma estratégia de defesa que consiste em se submeter ao outro para evitar mais dor. O masoquista acredita que, ao se rebaixar voluntariamente, pode controlar a situação e evitar ser minimizado de forma mais cruel. No entanto, esse parâmetro acaba perpetuando sua própria desvalorização, reforçando a crença de que não é digno(a) de respeito e amor. Pessoas com a ferida aberta neste sentido, podem evitar situações de exposição, como falar em público, apresentar seus projetos, expressar suas opiniões, por medo de serem julgadas(os) e ridicularizadas(os). Podem adotar concomitantemente comportamentos auto-depreciativos, como fazer piadas sobre si mesmos, desmemoriar propositalmente seus talentos e conquistas, para "desarmar" as críticas e evitar serem rebaixadas(os) por outros. Ana, me conta, cresci ouvindo que era "desajeitada" "burra" e "incompetente" . Essas críticas, que foram sendo repetidas ao longo de sua infância, a marcaram psiquicamente, gerando uma constante sensação de inadequação e vergonha. Na vida adulta, ela evita liderar projetos ou pessoas, por medo de falhar e ser escrachada. Ela se sabota constantemente, se bloqueando de alcançar seu pleno potencial por causa do medo da depreciação. "Feridas da alma gritam! Aprenda a identificar e transformar rejeição, abandono e humilhação em resiliência" Para reescrever tal narrativa do passado, é preciso reconstituir os momentos de dor e vergonha, se permitir sentir raiva e tristeza, é resgatar a própria dignidade. Confrontar diretamente os "humilhadores" do passado, para expressar esses sentimentos reprimidos e construir uma nova auto-imagem, baseada no amor próprio. Praticar exercícios de assertividade, muito valiosos para aprender a dizer "não" , a expressar opiniões, e a defender seus direitos. Aprender a se posicionar de forma firme e confiante. Desenhar, pintar, escrever, dançar, praticar esportes, ajudam a externalizar o demérito, mudar a forma da dor, transformando os sentimentos negativos em expressão criativa e força interior. A humilhação não é unicamente um golpe na alma, mas também um convite a recuperar o próprio brio e lutar contra as opressões, uma batalha contra todas as formas de discriminação, exclusão e preconceito. Traição — A Quebra dos Pactos e a Confiança A deslealdade que dilacera a confiança nos faz questionar a prevaricação daqueles que amamos, a qual se manifesta de diversas formas: a quebra de uma promessa, a infidelidade conjugal, a decepção com um amigo(a), a corrupção em uma instituição, etc. A traição nos deixa desorientados(as), confusos(as), incrédulos(as). Nos faz duvidar da nossa capacidade de julgar, confiar e amar. Não se resume ao ato em si; nos confronta com a nossa vulnerabilidade, somados a fragilidade dos laços e a incerteza do futuro. Está ligada ao "desejo do Outro" , onde ancoramos muitas das nossas expectativas e esperanças, idealizando-o(a), atribuindo qualidades que talvez não possua. Quando somos traídos, enfrentamos o vazio do desejo não correspondido, a desilusão da realidade, e a dor da perda da imaginação. Ela cria a "máscara do controlador(a)" , como uma estratégia de defesa que consiste em tentar dominar os outros para evitar novas decepções. O regulador(a), vai se tornar possessivo(a), ciumento(a), desconfiado(a), tentando dominar cada aspecto do relacionamento, na vã tentativa de evitar ser traído(a) novamente. Quem viveu a traição pode desenvolver desconfiança crônica, dificuldade em formar laços, medo de se entregar aos afetos e ao amor. Pode se tornar cínica(o), amargurada(o), ressentida(o), perdendo a fé na paixão e a humanidade. A história de Lucas passa por essa quimera, após ser traído por sua parceira, passou a monitorar seu par, vasculhando o celular, checando as redes sociais, interrogando seus parceiros. Esse comportamento gerou tensões e minou seus relacionamentos, perpetuando seu ciclo de desconfiança. Para reconstruir a confiança em si mesmo e nos outros, teve que aprender a perdoar (não necessariamente o ato em si, mas o sofrimento causado) , a se libertar do ressentimento e da amargura que lhe acompanharam por longos anos. Essa reconstrução da firmeza é um processo gradual, que começa com pequenos atos de vulnerabilidade, como compartilhar algo pessoal com alguém confiável, pedir ajuda quando necessário e expressar seus sentimentos e necessidades de forma sincera e aberta. Ditas crenças disfuncionais que se formam, como; "ninguém é confiável", "todos vão me trair" , apenas perpetuam o medo e a indisposição. A meditação da gratidão, com foco nas relações positivas e nos momentos de alegria ajudam a reequilibrar o desconforto e a cultivar a esperança no outro. Traição destapa que o ‘’Outro’’ também falha, que é igualmente  imperfeito, quanto quem é traído, que por analogia do ser é também capaz de errar. A cura, portanto, passa pela aceitação da imperfeição, e a compreensão de que todos somos vulneráveis e capazes de fraquejar, frustrar, malograr, mentir, faltar e titubear. "Psicanálise e sociedade: como hierarquias e opressões amplificam feridas como humilhação e abandono" Injustiça — A Revolta Contra o Desequilíbrio A injustiça, arde e inflama nossa alma, nos faz clamar por equidade e retidão, emerge irada quando nos sentimos tratados de forma desigual, se somos vítimas de preconceito, discriminação ou opressão. É a dor de ser punido por algo que não fizemos, de ter uma oportunidade negada por motivos arbitrários, de sermos criticados de forma desproporcional. A iniquidade nos faz questionar a ordem do mundo, a bondade da natureza e a existência de um poder superior que zela pela arbitrariedade. Todos nós ansiamos por um mundo onde as ações tenham consequências justas, onde o bem seja recompensado e o mal seja punido. Quando essa ordem é quebrada, nos tornamos vítimas de injustiça, nossa fé no mundo é abalada, a sensação de segurança é ameaçada e a autoestima rachada. A justiça é a base da dignidade, todos, independentemente de raça, gênero, orientação sexual ou condição social, têm o direito de serem tratados com integridade, assim, sendo injustiçados, nossa moralidade é desafiada e ultrajada. Bourbeau associa a ferida da injustiça à "máscara do rígido" , uma técnica defensiva que consiste em se tornar perfeccionista, controlador, inflexível, na tentativa de evitar ser visto como imperfeito. O engessado no seu arbítrio, se cobra de forma excessiva, exige demais dos outros, se torna intolerante com os erros e falhas alheios. Pessoas com essa delimitação emocional podem ser muito cruéis e críticas, tanto consigo mesmas quanto com os outros, julgando, apontando e condenando com severidade. Elas também podem desenvolver uma visão cínica, perdendo a fé na bondade e a fraternidade. Após ser demitida injustamente de seu emprego, Sofia se tornou hiper-controladora em seu novo trabalho, requerendo, demandando e reclamando altos níveis de desempenho de seus colegas, se irritando com qualquer sinal de imperfeição ou negligência. Não estava senão  temendo ser novamente vítima de injustiças, se agarrando ao controle como meio de se proteger. Ao reconhecer a própria raiva e revolta, expressando e dando voz aos seus sentimentos de forma saudável e construtiva, aprendeu a perdoar (não a injustiça em si, mas o sofrimento que lhe causaram). Desta forma, canalizou a energia da indignação em ações positivas e construtivas. A terapia a ajudou a identificar os padrões de pensamento anômalos, desenvolvendo o enfrentamento saudável baseado na resiliência, paciência e benevolência. A prática e o exercício da empatia é importante para tentar compreender as intenções dos outros, mesmo em situações de desequilíbrio, podemos minimizar e reduzir a ira e o ressentimento. Novas narrativas e ângulos sobre acontecimentos negativos ajudam a recontar as histórias dos injustiçados, dando a si mesmo o poder de mudar o desfecho emocional, de recriar o traquejo atravessado e de encontrar um novo sentido. O ativismo consciente, consiste em inverter a revolta em boas ações, como o voluntariado, participação em movimentos sociais, defesa dos direitos humanos, como uma forma poderosa de restaurar o senso de harmonia e contribuindo para a construção de um mundo mais igualitário. "Autoconhecimento profundo: técnicas para identificar suas máscaras emocionais e libertar sua essência" As Máscaras que Criamos Cada uma das feridas emocionais que apresentei anteriormente – rejeição, abandono, humilhação, traição e injustiça – nos impulsionam a criar uma máscara, uma persona que constituímos como forma de nos salvaguardar da dor e da vulnerabilidade. Ditos artifícios como o fugitivo (rejeição) , o dependente (abandono) , o masoquismo (humilhação) , o controlador (traição) e o rígido (injustiça) . Embora sirvam como subterfúgios psíquicos em um primeiro momento, se tornam arcabouços do tempo para o sujeito, limitando totalmente sua capacidade de ser autêntico(a) e de se socializar genuinamente.  Do ponto de vista da psicanálise, as máscaras representam mecanismos de defesa do ego, como proposto por Freud, visam lidar com a ansiedade e a angústia. São mecanismos e artimanhas inconscientes que desenvolvemos para evitar o sofrimento que tanto driblamos, que nos tutelam aparentemente de sermos magoados. No entanto, ao nos escondermos atrás desses fetiches sociais, nos desligamos de nossa verdadeira essência, de sentimentos e de ser supridos por necessidades autênticas. O controlador(a), por exemplo, pode parecer forte e confiante, mas por trás da sua fachada dissimulada, reside um medo constante de perder o controle, de ser traído(a) ou enganado(a). O(a) dependente, por sua vez, se agarra aos outros em busca de segurança e validação, mas essa dependência o(a) impede de desenvolver sua própria autonomia e de encontrar a felicidade interior. "As máscaras que usamos para nos proteger são as mesmas que nos aprisionam," essa frase resume o problema. Elas nos oferecem uma falsa sensação de proteção, mas ao mesmo tempo nos impedem de viver o real. Para desmontar essas peças teatrais, é necessário desenvolver um processo de autoconsciência. O primeiro passo é identificar o seu protagonista: você tende a fugir de relacionamentos? A controlar tudo ao seu redor? A se submeter aos desejos dos outros? Responder a essas perguntas pode ser o início para encontrar as respostas necessárias. Freud, em sua obra "Uma Dificuldade no Caminho da Psicanálise", nos legou que "o ego não é o mestre em sua própria casa." Nossas hipocrisias, são construções inconscientes que nos dominam e nos impedem de ir adiante. Desmontá-las, exige um trabalho árduo de autoconhecimento e de aceitação. "Da dor à cura: 5 passos alquímicos para transformar feridas emocionais em sabedoria existencial" A (Cura) como Processo Alquímico A cura não é um evento pontual, é um destino a ser alcançado, mas sim, um processo contínuo de transformação e crescimento. Assim como na alquimia, a arte de modificar a caminhada da mente em direção à totalidade envolve a transmutação da dor em sabedoria, da sombra à luz. Acredito sinceramente que ‘’curar’’ talvez não seja a palavra que mais me deixa confortável em dizer, não acredito em pessoas doentes emocionalmente. Por que a Psicanálise Não Considera as Pessoas "Doentes"? Na psicanálise rompemos com a lógica patologizante ao compreender que os sofrimentos que transpassamos não são "doenças" a serem extirpadas, mas sintomas a serem decifrados. Enquanto a medicina busca curar, a psicanálise escuta. Ela não enxerga um "paciente" , mas um sujeito cujos conflitos — angústias, repetições, traumas — são mensagens cifradas do inconsciente, vestígios de uma história absolutamente singular e particular. Por esta razão, "o inconsciente é estruturado como uma linguagem" , e seus desarranjos não são falhas biológicas, mas diálogos interrompidos entre desejo e realidade. A noção de "adoecimento" pressupõe um ideal de ‘’normalidade’’ , para nós, analistas, não há "normal" : há particularidades, traços, facetas, predicados, etc, em luta com as exigências da vida. A depressão, a ansiedade ou os traumas não são vírus a serem eliminados, senão, sinais de que algo, na trama psíquica pede para ser reescrito. A ‘ ’cura’’ , aqui, não é o apagar o sintoma, mas dar voz ao que ele(a) cala, mesmo no silêncio da fala. "Não tratamos mentes 'quebradas'; acompanhamos almas em busca de sentido" - Dan Mena. Humanizamos o ser ao reconhecer que sofrer não é fraqueza, mas parte do existir em si. Seu rigor está em não reduzir o hermetismo humanístico a diagnósticos laboratoriais, e sim em abrir espaço para que cada um encontre, nas próprias feridas a chave de sua liberdade. Esse é um caminho para a integração dos aspectos conscientes e inconscientes do self. Cada úlcera emocional representa uma oportunidade de crescimento, um convite para nos tornarmos mais inteiros. Ao invés de evitarmos ou negarmos nossas dores, podemos abraçá-las como parte integrante da nossa constituição, seriam lições preciosas que nos ensinam sobre nós mesmos e sobre o mundo. Carl Gustav Jung, em sua obra "O Livro Vermelho", remete a lembrar que "onde o amor reina, não há desejo de poder; onde o poder predomina a falta do amor. " Um Olhar Sociológico Feridas emocionais são na verdade, um espelho das dinâmicas e estruturas da sociedade em que vivemos. A rejeição pode ser amplificada por carcaças que valorizam a aparência física e o sucesso material. Sejam o abandono por desestruturas familiares frágeis e instáveis, a humilhação por hierarquias opressivas e sistemas de poder desiguais, a traição por promessas políticas não cumpridas e a corrupção generalizada, a injustiça de sistemas jurídicos falhos e leis que não protegem os mais vulneráveis. A sociologia nos oferece esclarecimentos para analisarmos como as diretrizes sociais contemporâneas, os valores culturais e as bases estabelecidas de poder configuram e regulam ao seu bel prazer nossas vivências emocionais. Ditas estandardizações contribuem para a formação das feridas que carregamos. Pierre Bourdieu, em sua teoria do "capital simbólico" , nos ensina que o valor de uma pessoa é determinado por ‘’normas sociais’’ que nem sempre são equitativas. Quando essas ‘’regras estabelecidas’’ excluem determinados grupos ou indivíduos, se aprofundam as diferenças e se tornam mais difíceis de curar. Somos uma sociedade ‘’doente’’ , ‘’aqui sim o termo se aplica’’ , porque trata da política, da guerra, da fome, desigualdade, injustiça, racismo, desinclusão, entre outras tantas centenas de desequilíbrios doentios sociais provocados propositalmente. Por isso é preciso provocar e questionar as estruturas de poder que perpetuam a opressão e lutar por um mundo mais justo. "Nossas feridas não são apenas nossas; elas retinem as dores de um mundo fragmentado e insensível," - Dan Mena. "Arquitetura Emocional: Entenda as Raízes Filosóficas da Humilhação, Traição e Injustiça'' O Convite à Transcendência Chegamos ao fim desta pernada pelas cinco feridas emocionais mais relevantes da nossa experiência. Ao invés de encerrar este artigo com um sentimento de desesperança ou resignação, quero propor uma virada, uma mudança de dimensão. E se essas escoriações não fossem apenas fontes de dor e sofrimento, mas sim portas, portais para um entendimento de quem somos, de como amamos e resistimos às adversidades da vida? Cada marco particular conta uma história de sobrevivência, de luta, de beleza, dores superadas nos tornam mais fortes. Pense nisso: e se, ao invés de temer suas feridas, você as abraçasse como um(a) mestre(a)? E se cada angústia fosse um telegrama urgente para criar, amar, transformar e construir um mundo melhor? O que você faria com as marcas que carrega? Como você as transformaria em fonte de luz e inspiração para você e o mundo? "Do Vazio Existencial à Cura Criativa: Transforme Feridas Antigas em Arte, Ativismo e Resistência Social" Referências Bibliográficas Bourbeau, L. (2000). As Cinco Feridas que Impedem de Ser Você Mesmo . Sextante. Freud, S. (1917). Uma Dificuldade no Caminho da Psicanálise . Editora Imago. Jung, C. G. (1961). Memórias, Sonhos, Reflexões . Record. Jung, C. G. (2009). O Livro Vermelho . Vozes.Lacan, J. (1966). Écrits . Zahar. Lacan, J. (1973). O Seminário, 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise . Zahar. Klein, M. (1975). Envy and Gratitude and Other Works . Free Press. Foucault, M. (1976). História da Sexualidade: A Vontade de Saber . Graal. Bourdieu, P. (1998). A Dominação Masculina . Bertrand Brasil. Rawls, J. (1971). A Theory of Justice . Harvard University Press. Kant, I. (1785). Fundamentação da Metafísica dos Costumes . Martins Fontes. Nietzsche, F. (1883). Assim Falou Zaratustra . Companhia das Letras. Beauvoir, S. de. (1949). O Segundo Sexo . Nova Fronteira. Vygotsky, L. (1934). Pensamento e Linguagem . Martins Fontes. Arendt, H. (1951). As Origens do Totalitarismo . Companhia das Letras. Maslow, A. (1954). Motivação e Personalidade . Harper & Row.Fanon, F. (1961). Os Condenados da Terra . Civilização Brasileira. Butler, J. (1990). Gender Trouble . Routledge. Han, B.-C. (2015). Sociedade do Cansaço . Vozes. Recalcati, M. (2019). O Segredo do Filho . Autêntica. Palavras Chaves #SaúdeMental #Psicanálise #FeridasEmocionais #Rejeição #Abandono #Humilhação #Traição #Injustiça #ComportamentoHumano #Autoconhecimento #Psicologia #CuraEmocional #MáscarasEmocionais #TerapiaPsicanalítica #Autoestima #Confiança #Vergonha #Justiça #Sociedade #Individuação #danmena FAQ - Perguntas Frequentes O que são as cinco feridas emocionais? São marcas psicológicas (rejeição, abandono, humilhação, traição e injustiça) que influenciam comportamentos e relações. Como a rejeição afeta a autoestima? A rejeição cria uma narrativa de desvalorização, levando à auto-sabotagem ou busca por validação externa. O que é a máscara do fugitivo? É a defesa usada por quem sofreu rejeição, marcada por isolamento e evitação de conexões. Como superar o medo do abandono? Fortaleça a autonomia com práticas de solitude intencional e explore gatilhos em terapia. Por que a humilhação causa vergonha? Ela fere a dignidade, amplificando a sensação de inadequação e criando comportamentos auto-depreciativos. O que fazer após uma traição? Reconstrua a confiança com pequenos atos de vulnerabilidade e trabalhe crenças disfuncionais em terapia. Como lidar com a sensação de injustiça? Pratique empatia, reescreva narrativas de injustiça e canalize a revolta em ações positivas. O que são máscaras emocionais? São defesas psíquicas criadas para evitar a dor, como o controlador (traição) ou o rígido (injustiça). A cura emocional é possível? Sim, por meio de autoconsciência, terapia e práticas integrativas, como mindfulness e análise de sonhos. Como as feridas emocionais afetam a sociedade? Elas refletem dinâmicas sociais, como exclusão, desigualdade e hierarquias opressivas. Qual é a relação entre feridas e psicanálise? A psicanálise ajuda a explorar o inconsciente, revelando como feridas moldam comportamentos. Como identificar minha ferida principal? Observe padrões emocionais, como medo de rejeição ou controle excessivo, e discuta-os com um terapeuta. Por que usamos máscaras emocionais? Para proteger o ego da dor, mas elas podem nos desconectar de nossa autenticidade. Como a terapia pode colaborar nas feridas emocionais? Ela oferece ferramentas para ressignificar experiências e integrar aspectos reprimidos do self. O que significa dançar com as feridas? É abraçar as dores como parte da caminhada da vida, transformando tudo em sabedoria e crescimento. Visite minha loja ou site: https://uiclap.bio/danielmena https://www.danmena.com.br ORCID™ - Pesquisador - iD logo são marcas comerciais usado aqui com permissão. "Open Researcher and Contributor ID" Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199. Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130. Dr. Honoris Causa em Psicanálise pela Christian Education University — Florida Department of Education — USA. Enrollment H715 — Register H0192.

  • Do Corpo ao Avatar.

    "Do corpo físico à identidade digital: como os avatares moldam nossa presença." A Crise Identitária Digital Em 2024, uma paciente me confessou, com os olhos fixos no chão: " Dan, meu Instagram tem mais vida que eu" . Seu relato não era obviamente sobre inveja ou vaidade, mas sobre um luto — o luto de um ‘’eu real’’ abandonado em prol de ‘ ’um avatar’’ . Essas palavras, que sempre lembro quando o assunto vem à tona, tocam numa verdade incômoda ao sujeito: a tela se tornou o novo divã. Se Freud analisava sonhos, hoje deciframos feeds. Se Lacan falava do espelho, hoje confrontamos algoritmos. Essa falsa migração do corpo físico ao ente digital não é apenas uma mudança de suporte — é uma revolução ontológica. Nas redes sociais, o desejo não se manifesta: é programado. Bytes convertem vulnerabilidades em produtos, corpos em transfiguração e intimidade em espetáculo. A construção da identidade virtual não é totalmente inocente, se reconhecer em uma imagem é o primeiro passo para a ilusão de ‘’unidade do eu’’ . Nas redes, porém, o espelho é infinito: cada postagem, um fragmento; cada like, um tijolo nesse edifício imaginário. O resultado? Um ‘’eu’’ disperso, refém da validação alheia. Mariana, 22 anos, passa 6 horas por dia editando várias ''selfies'', e fala: "Se não posto, sinto que não existo" , Seu caso ilustra a síndrome do "eu espectral" : quanto mais se expõe, menos se reconhece. Na psicanálise, descobrimos que sua ‘’projeção imaginária do perfeito’ ’ era uma fuga da rejeição parental na adolescência. Por esta razão, pela importância e atualidade do tema, vou abrir este artigo com algo muito novo em termos de contexto narrativo: '' O AVATAR'' . "Algoritmos do desejo: entenda como as redes sociais reprogramaram sua mente." O Avatar na Era Moderna — Entre o Espelho e o Algoritmo Donna Haraway, em ‘’Manifesto Ciborgue’’ originalmente publicado em (1985) como parte do livro ‘’Simians, Cyborgs, and Women: The Reinvention of Nature’’. A obra foi escrita em um contexto de intensas transformações tecnológicas (como o surgimento da internet) posteriormente, o texto se tornou um marco teórico para os estudos de gênero, ciência e tecnologia. Tive a grande oportunidade de ler, onde já previa essa fusão entre humano e máquina. Para ela, o avatar não é apenas uma extensão, mas um organismo político — um campo de batalha onde lançamos medos e desejos reprimidos. Em sua essência, é uma metáfora da nossa condição em tempos tecnológicos. O termo ‘’AVATAR’’ é originário do sânscrito ‘’avatara’’ — que designava a encarnação terrena de divindades para restaurar a ordem cósmica —, hoje, descreve o arremesso de nós mesmos em pixels, algoritmos e perfis filtrados. Não foi por acaso que essa palavra migrou do sagrado ao eletrônico, o avatar contemporâneo cumpre uma função quase religiosa, pois oferece redenção através da reinvenção. Nele, buscamos não apenas interligações, mas expiação — uma chance de apagar falhas reais e reescrever narrativas em ''timelines'' imaculadas. Como Lacan previu, a identidade se constroi na tensão entre o corpo real e sua imagem idealizada. Nas redes, esse estágio é revisitado quase diariamente. Cada selfie, post, atualização de perfil é um ato de reconhecimento: olhamos para esse novo ''Aladim'' como a criança olha para o espelho, buscando uma unidade que nunca se completa. A diferença cabal é que, enquanto ele falava de um ‘’espelho físico’’ , hoje temos ‘’cânones algorítmicos’’ — plataformas que não apenas sugerem, mas distorcem, ampliando partes de nós que geram engajamento e apagando as que não se encaixam no feed. Como nota Byung-Chul Han em Psicopolítica (2020), ‘’o avatar é menos uma expressão de liberdade e mais um campo de batalha onde lutamos por visibilidade em uma economia de atenção que nos consome.’’ Assim chegamos a um paradoxo: quanto mais nos esforçamos para sermos autênticos online, mais nos tornamos prisioneiros de scripts pré-definidos. O Instagram, por exemplo, não é uma ‘’vitrine passiva’ ’, mas um roteiro cultural que dita desde filtros até horários ideais para postar. Shoshana Zuboff, em A Era do Capitalismo de Vigilância (2019), explica como as plataformas transformam nossa busca por identidade em dados comercializáveis. O avatar, nesse sentido, é um produto de dupla face: enquanto nos permite adentrar em novas versões de nós mesmos, simultaneamente nos reduz a pacotes de informações comercializados a anunciantes. A liberdade de ser "quem você quiser" encontra um esbarro na dura realidade de que, no universo digital, até a rebeldia é categorizada em hashtags. Se vou pelo caminho da literatura filosófica, consigo encontrar outras respostas, principalmente chegando em Foucault, que ao questionar a noção de autoria em ‘’O Que é um Autor? ’’ (1969), parece antever essa pulverização do sujeito neste ambiente atual. O avatar não tem um único autor: é co-escrito por algoritmos, seguidores, tendências e até por aqueles que nunca interagem, mas cujo olhar ‘’imaginado’’ nos obriga a performar. Logo, Haraway, em seu Manifesto Ciborgue, vai além: propõe que somos todos híbridos de carne e código, seres liminares para quem a distinção entre humano e máquina já não faz muito sentido. O avatar, seria então, não uma mentira, mas uma desejada verdade aumentada — uma extensão inevitável de um eu que já não cabe na pele. Existe esperança nesse hibridismo? Em jogos como Second Life, (esse eu joguei), ' 'avatars'' tem minorias marginalizadas — LGBTQIA+, pessoas com deficiência, sobreviventes de traumas — reivindicam espaços de existência que são negados, limitados ou fóbicos no offline. Um estudo da Universidade de Stanford (2022) mostrou que 62% dos usuários de ambientes virtuais se sentem mais confortáveis expressando sua identidade de gênero através de avatares do que no mundo físico. Aqui, a tecnologia não é vilã, mas ferramenta de emancipação: um espelho que, ao invés de refletir opressões, as subverte de alguma forma. Destarte, a mesma fluidez que liberta, também aliena. Žižek, em ‘’Bem-Vindo ao Deserto do Real’’ (2003), nos adverte que vivemos em uma era de "fantasias desmaterializadas" , onde o corpo digital substitui o fisiológico como locus do desejo "locus do desejo" (do latim locus, "lugar" ) se refere ao espaço simbólico, psíquico ou material onde o querer se origina, se estrutura ou manifesta. Na psicanálise, essa ideia é central para entender como o desejo opera em contextos como os citados, onde esses novos códigos sociais reconfiguram nossa relação com o que desejamos.) Quando passamos mais tempo alimentando perfis online do que relações presenciais, arriscamos nos tornar estrangeiros de nós mesmos. A ‘ ’síndrome do impostor digital’’ — uma sensação de que o avatar é mais "real" que o eu offline — não é uma patologia individual, mas um sintoma coletivo de uma cultura que confunde existir com ser visto. Penso aqui com meus botões, que a saída, talvez, esteja em resgatar o avatar como metáfora, não como prisão. Em ‘’O Brincar e a Realidade’’ (1971), Winnicott fala dos "objetos transicionais" — como um cobertor ou um ursinho — que ajudam a criança a sobreviver à ansiedade da separação. O avatar, nesta comparação com o infantil, poderia ser nosso objeto transicional adulto: um mediador entre o eu íntimo e o mundo externo, desde que lembremos que mediadores não são fins, senão meios. Como escrevi em versos recentes: "Na tela, sou heroi, vilão, poeta, / Mas na carne, sou um verso ainda inacabado. / Que o avatar não apague minha sombra: / Ela é o que me faz real, mesmo desfocado." - Dan Mena. "Metaverso e psicanálise: o que Freud diria sobre avatars digitais?" A ética do ente robótico, portanto, não está em que o neguemos, mas, em usá-lo com lucidez. Isso exige questionamento a cada postagem: "Estou me expressando ou me editando?" . Também, isso requer reconhecer que, por trás de cada perfil, há um corpo que envelhece, cansa e deseja — uma alma que, no fim das contas, é a única capaz de sentir o abraço, o gozo e a dor que nenhum algoritmo pode simular. Afinal, como Lacan nos lembrava, "o real é o que resiste à simbolização" . E é nessa resistência — teimosa, imperfeita, gloriosamente nossa — que reside nossa chance de equilíbrio entre o que somos e o que as telas nos convidam a ser. "O avatar é a máscara que não oculta, mas expõe a ferida narcísica de uma geração que troca a intimidade por likes" - Dan Mena. A Metamorfose do Desejo na Era dos Avatares Se a jornada psicanalítica começa no inconsciente freudiano — território de pulsões reprimidas e fantasias cifradas —, ela termina, hoje, nos símbolos binários que regem nossos corpos digitais. Entre esses dois pólos, o erotismo vive uma metamorfose sem precedentes. Nas redes sociais, o desejo já não é apenas uma força íntima: é um script algoritmicamente otimizado, uma coreografia performática. A sexualidade, antes vivida como campus subjetivo, se tornou uma vitrine de corpos maquiados, relações líquidas e encontros descartáveis. Apps como Tinder e Instagram não mediam apenas conexões — reprogramam nossa libido, a transformando em dados navegáveis. Como escrevi em outro artigo: "O like é a moeda do desespero contemporâneo: compramos visibilidade com migalhas da alma." - Dan Mena. Essa transição da pulsão carnal ao cenário digital não é apenas trivial. Freud, ao falar da sexualidade como motor psíquico, jamais imaginou que um dia a genitalidade seria substituída por swipes e emojis. O "locus do desejo" , antes ancorado no corpo, migrou para as telas — um fenômeno que Byung-Chul Han descreve como "a pornificação da existência" , onde até a intimidade vira conteúdo. Há uma ironia cruel nesse processo, onde a promessa de liberdade sexual via redes, esbarra na padronização de corpos e fetiches. Esses novos cupidos ‘’tecnos’’ , nos empurram para nichos pré-definidos — fitness, geek, goth, etc —, reduzindo nosso hermetismo voluptuoso a categorias binárias. Do ‘’OnlyFans’’ aos avatares hipererotizados da IA e o Metaverso, eu pergunto? : o que perdemos quando o prazer vira produto, e o corpo, um perfil? Como pegar de volta a autenticidade do desejo em um mundo onde até o orgasmo é mensurável em curtidas? "Autoestima em colapso: o impacto das comparações digitais na saúde mental." A busca por validação altera a percepção do próprio corpo e das lascivas, conduzem a um estado de alienação em relação à própria sensualidade. A promessa de encontros rápidos e descomplicados enfrenta a superficialidade da interação, transformando a busca amorosa em um jogo de descartes. Os ''crushs digitais'' deslocam o erotismo para a imediatez do aquisitivo: ''o outro'' não é mais um sujeito desejável, mas um ‘ ’objeto de satisfação momentânea’’ . O impacto psíquico da ''hiper-exposição'' não pode ser subestimado. O aumento de transtornos como ansiedade e depressão tem sido correlacionado com a utilização acentuada dessas mídias, especialmente no que tange à autoestima e à percepção corporal. A comparação, seguida de relatos fictícios de prazer, geram uma distorção da realidade sexual e afetiva. Entretanto, não quero de forma alguma demonizar a tecnologia ou defender um retorno a um passado de telefones fixos. Pelo contrário, o que se faz necessário é uma educação emocional e digital que permita ao indivíduo usar esses espaços como ferramentas de expressão e autoconhecimento, e não como arcabouços psicológicos que se pretende. Encontrar um equilíbrio entre a vida eletrônica e a autenticidade dos desejos é um desafio contemporâneo, mas também uma oportunidade de ressignificar o prazer. A chave para essa integração está no autoconhecimento e na capacidade de reconhecer que, apesar das inovações, a estrutura do desejo permanece imutável: buscamos, acima de tudo, ser vistos e compreendidos, dentro e fora das telas. "A ilusão do eu virtual não é uma fuga, mas um sintoma contemporâneo: quanto mais nos mostramos, menos nos encontramos." - Dan Mena . Projeção de Fantasias e a Busca por Validação Navegamos por uma cisão primordial: de um lado, o consciente, território iluminado das escolhas racionais; de outro, o inconsciente, abismo onde residem os desejos recalcados, fantasias arquetípicas e pulsões que desafiam a lógica. Quanto mais buscamos controle sobre nossa identidade, mais somos governados por forças subterrâneas que escapam à razão. Nas redes sociais, essa dinâmica ganha contornos dramáticos. Elas não são meras ferramentas de angariar amizades, são teatros do inconsciente coletivo, onde projetamos, em tempo real, nossas sombras e anseios. A construção da identidade virtual, assim, não se limita à autorrepresentação: é um processo de transubstanciação psíquica. Nas plataformas, convertemos impulsos recalcados (a necessidade de ser amado, o medo da invisibilidade) em narrativas visuais. Instagram e TikTok operam como espelhos lacanianos amplificados — refletem não quem somos, mas quem desejamos que o ‘ ’Outro’’ acredite. Essa hiper-realidade simbólica, cria uma dupla incongruência: quanto nos aproximamos do ‘’ideal projetado’’, mais nos distanciamos do ‘’eu autêntico’’ , gerando a fratura interna que Winnicott chamaria de divórcio entre o “verdadeiro self” e o “falso self” . A compulsão à repetição — mecanismo psíquico que nos leva a reviver traumas na esperança inconsciente de serem dominados, nas redes, assumem forma algorítmica: rolamos infinitamente o feed, buscando em posts alheios a chave para preencher nosso vazio interior, enquanto a plataforma monetiza essa angústia. Portanto, não estamos simplesmente participando de um jogo social: é uma verdadeira economia libidinal, onde trocamos fragmentos afetivos por moedas de aprovação efêmera. O resultado? Uma identidade em colapso, esfacelada entre a ânsia de autenticidade e a sedução da ‘’persona’’ . A Tirania do Tempo no Metaverso Se Freud via na memória um "arquivo vivo" do inconsciente, o metaverso propõe um novo paradigma: a ‘’memória como commodity’’ . Aqui, não apenas registramos experiências, mas as recriamos, editamos e monetizámos em loops infinitos. Um passeio romântico em Paris, uma conversa com um ente querido falecido, uma reunião de trabalho — tudo pode ser revivido, reescrito ou apagado com um clique. O que isso significa para a psique, estruturada em narrativas temporais lineares (passado, presente e futuro)? A resposta está na crise do luto. No mundo físico, a morte impõe um limite à nossa identidade: somos o que lembramos, e o esquecimento é parte do processo de cura. Neste ambiente, porém, avatars de falecidos podem ser "ressuscitados" via IA generativa, mantendo conversas, enviando mensagens e até celebrando aniversários. Startups como ‘’HereAfter AI’’ já oferecem esse serviço, prometendo "eternizar" entes queridos como chatbots. O luto exige um trabalho de desapego; aqui, ele é sabotado por uma ilusão de imortalidade que Lacan chamaria de "gozo perverso" — o prazer mórbido de negar a falta que nos constitui. Essa distorção temporal vai além. Plataformas como ‘ ’Somnium Space’’ permitem que usuários "congelem" momentos em cápsulas de tempo virtual — um jantar, uma conquista, um trauma — para serem revisitados quando quisermos. É a realização extrema da pulsão de repetição freudiana: revivemos compulsivamente traquejos na esperança de poder domá-los, mas no metaverso, essa reiteração é literal, não simbólica. Qual o risco? A cristalização do eu: ficarmos presos em versões idealizadas de nós mesmos, como insetos arqueológicos em âmbar digital. A temporalidade desta esfera também desafia a noção de presente. Em ambientes como ‘’Decentraland’’ , o tempo é elástico: podemos participar de um show dos anos 70, depois de uma reunião corporativa em 2025, e terminar o dia em uma taverna medieval — tudo sem sair do avatar. Essa esquizofrenia cronológica, dilui a experiência do self, que já não se reconhece em uma linha narrativa coerente, sem ter um ‘’continuum temporal’’ , o "verdadeiro self" perde seu chão existencial, flutuando entre realidades paralelas como um fantasma sem história. Aqui surge uma pergunta impertinente: o que acontece com o inconsciente quando o tempo vira um playground? Se para Jung, o ‘ ’inconsciente coletivo’’ seria um reservatório de arquétipos atemporais; no metaverso, ele se torna um banco de dados, onde memórias são armazenadas, indexadas e vendidas. Empresas como ‘ ’Neurogress’’ já testam interfaces que convertem pensamentos em avatares, transformando sonhos em NFTs. É a capitalização do imaginário, onde até nossos devaneios mais íntimos têm preço. (NFTs são certificados digitais únicos, registrados em ’’ blockchains’’ , que atestam a propriedade e originalidade de um ativo (arte, música, avatares, terrenos virtuais). "Da selfie ao deepfake: a evolução da identidade na era tecnológica." Diferente de criptomoedas, são insubstituíveis: cada NFT é um item exclusivo, conjecturando a busca por singularidade em um mundo de reproduções infinitas. No metaverso, eles simbolizam ‘’status’’ : (roupas de avatar, propriedades virtuais) e alimentam a economia do desejo — onde "ter" substituí " ser". Como psicanalista, vejo nestas mecânicas dois caminhos. O primeiro é patológico: uma geração que substitui a elaboração psíquica pelo consumo de vivências pré-fabricadas, trocando a riqueza do conflito interno pela pobreza do entretenimento sem fim. O segundo é terapêutico: o metaverso como espaço de ressignificação, onde pacientes revisitam traumas com a mediação segura de ‘’avatars’’, ou se reconectam com memórias perdidas através de reconstruções digitais. A mediação, como sempre, está no uso crítico. Se o mundo virtual for apenas um novo shopping center de identidades, repetiremos os erros das redes sociais. Mas se o encararmos como uma lupa — que retrata não apenas quem somos, mas quem poderíamos ser —, talvez encontremos nele um aliado no espírito freudiano de "recordar, repetir, elaborar" . Hiper conexão, Isolamento e Narcisismo Na era da hiper-globalização, a sensação que temos é que hoje tudo parece estar ao alcance de um clique. Isso determina um paradoxo crescente, pois o que se verifica na clínica é o aumento dos sentimentos de encapsulamento, isolamento e solidão. Essa contradição utópica, será muito bem detalhada por Byung-Chul Han, que de forma perspicaz em sua obra; “A Sociedade do Cansaço” de (2015) descreve. Apesar dessa aparente articulação conectiva proporcionada pelas redes, vivemos em uma sociedade exausta, onde a comunicação se tornou um fluxo incessante e frívolo de informações. Ele assevera, que a comunicabilidade não é mais do que simplesmente uma constante sequência de dados e elementos sem sentido, destacando como tal a proliferação de opiniões, pareceres e apreciações, que podem, incoerentemente, isolar mais do que ligar. Esses fatores alargam o narcisismo e amplia exponencialmente o egocentrismo, criando um ambiente onde o indivíduo se vê como um projeto contínuo de atuação. Observa Han: “O narcisismo reflete uma sociedade que valoriza a produtividade e o desempenho acima de tudo, resultando em uma desconexão emocional” (Han, 2015). Nesse universo, não apenas projetamos uma imagem produzida e pré-fabricada de si, mas também envolvemos sentimentos de corroboração. A exibição pública, e a necessidade de sustentar uma imagem impecável, podem obscurecer o verdadeiro eu, criando uma ruptura psicológica. Logo, posso convocar uma frase de Freud; “O narcisismo é a forma mais primitiva de amor que o ego pode ter por si.” "O narcisismo virtual nos obriga a existir como personagens de nós mesmos, medindo nossa relevância por curtidas." - Dan Mena. Plataformas Digitais Redefinem - Proximidade e Intimidade Nesta era informática, a percepção de proximidade não mais se limita ao físico. Sabemos que interações genuínas envolvem trocas emocionais, afetos e empatia — elementos regularmente enfraquecidos no ambiente virtual. Elas criam a sensação de estarmos sempre conectados, mas essa proximidade virtualizada pode ser muito ilusória. Embora estejamos continuamente presentes nelas, a ausência de contato físico direto pode intensificar a sensação de solidão, ao invés de ser um atenuante. Essa nova forma de distanciamento íntimo, enseja compartilhar aspectos pessoais da nossa vida com um público vasto, sem a vulnerabilidade inerente ao contato presencial. Nessa dinâmica, exercemos controle sobre o que revelamos de si, e, ao mesmo tempo, expomos assuntos particulares para o olhar constante e crítico de outros, moldando imperceptivelmente a nossa identidade, conforme tais observações de terceiros. Nesse sentido, a vizinhança é radicalmente transformada, o ''outro'' está próximo no campus virtual, mas permanece longe em termos de verdadeira vinculação. As interações oferecem encontros e cruzamentos rápidos, imediatos e instantâneos, mas carecem da necessária introspecção que caracteriza as relações autenticamente humanas. Essa redefinição das noções de proximidade e distância, mudam as fronteiras entre o real e o virtual. Redes, enquanto teatros de construção de identidades, intensificam, tanto a alienação quanto o desejo de reconhecimento. Destarte oscilamos, entre presença e ausência, autenticidade e interpretação, enfrentamos não apenas novas formas de ligação ao outro, mas também, sofremos severamente os desafios afetivos e psíquicos decorrentes dessa transição. "Na sociedade do cansaço, onde a produtividade define o valor do indivíduo, até o amor se tornou uma atuação, e o descanso, um ato de resistência." - Dan Mena. "Privacidade vs. Exposição: qual o preço de ser visto nas redes sociais?" Identidades Despedaçadas A autoestima, outrora ancorada na congruência interna, agora flutua na instabilidade das métricas externas — "você é suficiente" ou "falhe melhor na próxima tentativa" . Destarte, o espelho digital tem uma duplicidade perversa. Enquanto nos mostra corpos esculpidos, vidas perfeitas e conquistas irreais, ele nos devolve uma imagem fragmentada de nós mesmos. O paradoxo do descuido é coreografado, o "espontâneo" é ensaiado e a autoexploração substituiu a disciplina externa. Caçamos falhas como se fôssemos curadores de um museu que nunca aceitará nossa própria exposição. Identifico aqui uma mutação da pulsão de morte: não mais dirigida à autodestruição física, mas à compulsão por editar, apagar e retocar. A medicalização da autoimagem é o desdobramento mais sombrio dessa lógica. Cirurgiões plásticos relatam pacientes que exigem "nariz de influencer" ou "lábios de avatar" , trazendo prints de filtros como referência. Um estudo da Faculdade de Medicina de Boston (2023) noticiou que 68% dos jovens entre 18 e 25 anos consideram realizar procedimentos estéticos para se assemelhar a suas versões editadas online. A fronteira entre o real e o virtual se dissolveu, e o corpo físico se tornou uma tela a ser corrigida. Nem tudo, porém, é distopia. Movimentos como #NoFilter e #FaceCheck desafiam a ditadura da perfeição, enquanto artistas como Lauren Lee McCarthy expõem a vigilância algorítmica em instalações que escancaram como nossos rostos são rastreados, categorizados e vendidos. São atos de desobediência ontológica, no espírito de Haraway, que lembram que a tecnologia pode ser ferramenta de emancipação, não só de opressão. ‘’Nem tudo está perdido, — podemos a qualquer momento reatar com a desconexão, retomando o diálogo entre corpo e self.’’ - Dan Mena. Efeitos na Identidade Juvenil e nas Gerações Digitais Olhando agora para os jovens que crescem nesse mar digital, a identidade é como uma embarcação no estaleiro, em constante construção. A crise identitária na adolescência é um período de grandes questionamentos e estabelecimento de definições. Essas tribulações se intensificam, à medida que os adolescentes amadurecem tentando se adaptar a uma identificação frouxa, onde a autenticidade é incessantemente sacrificada pela busca dessa validação. Às reflexões íntimas que deveriam se desenvolver naturalmente pelo contato físico — são substituídas por uma ininterrupta troca de mensagens e interações virtuais. A elaboração da personalidade e individualidade dos pubescentes, se transformaram em um jogo de ‘’playstation’’ , onde o objetivo é se tornar visível, pop, famoso, popular e curtível, muitas vezes, à custa de explorar verdadeiramente quem se é. "Como os avatars redefinem a identidade humana no metaverso: uma análise psicanalítica." Ciberbullying e outros Tipos de Violência Digital Onde a conexão parece à primeira vista uma ponte que nos une, se esconde a sua sombra a importunação, uma forma progressista e sorrateira de atentado. Se no passado recente, as agressões precisavam de proximidade física, hoje, por trás de uma tela, o agressor encontra um disfarce perfeito, envolto num manto de invisibilidade que facilita suas investidas. Se bem que Freud nos recorda, que a agressividade é parte inerente da nossa condição, agora, ela encontra outro espaço manifestado no anonimato, sem a necessidade de enfrentar sua vítima de frente, diretamente. É uma investida ofensiva, que surge como um grito no vazio, sem a culpa de ver as consequências imediatas de suas palavras. Para melhor compreender esse comportamento nada melhor que Lacan. Ele introduz o conceito de gozo, que revela o ''prazer inconsciente'' que o sujeito pode carregar, ao extrair do sofrimento alheio seu próprio deleite. Onde tudo é instantâneo, o júbilo da arremetida digital é multiplicado, especialmente, porque o invasor sente que está distante, seguro e imune às repercussões diretas de seus atos. Essa violência online, é muitas vezes mascarada de chistes, sarcasmo, humor, piadinhas e brincadeiras, mas pode deixar grandes cicatrizes e feridas emocionais nas suas vítimas. Viver esse mundo virtualizado, onde tudo está sempre à vista, é como habitar uma casa feita de vidro. Um cenário expresso, escancarado, transparente e exposto à constante crítica, onde não importa qual a natureza delas, ao poder provocar efeitos devastadores sobre o bem-estar psicológico do seu habitador. Vale aqui lembrar, trecho inerente da psicanalista Nancy McWilliams, que destaca como nossa autoestima se constrói na maioria com base em como imaginamos sermos vistos. Na internet se forma essa visão distorcida, que por ângulos extraordinários e prismas diáfanos transpassa uma constante competição pela atenção. A cada curtida, há um impulso de validação, mas sua ausência pode desencadear sentimentos de incongruência. Não tenha dúvidas, o uso excessivo das redes pode levar ao apagão emocional, criando uma sensação paradoxal. Podemos estar cercados de pessoas virtualmente, mas, nos sentimos mais sozinhos do que nunca. Uma comunicação que foca na quantidade, e carece de qualidade, o que esvazia a fundura das relações e interações interpessoais, gerando uma busca perene por abonação, que nunca será o suficiente, é não é mesmo. A vítima de ''ciberbullying'' , pode ser atacada(o) justamente na importância que dá ao seu corpo, na formação da identidade, na aparência, hábitos e gostos. Desta forma, encontra o agressor um ambiente propício, com informações particulares e detalhadas da sua provável e próxima vítima. Isso pode gerar depressão e ansiedade, e, em casos extremos, levar ao isolamento ou até mesmo a pensamentos suicidas. "Cyberbullying: quando a violência migra para o mundo virtual." "O paradoxo do mundo digital é cruel: ele oferece conexões, mas nos devolve uma solidão aprimorada, onde somos vistos, mas nunca verdadeiramente compreendidos." - Dan Mena . Educação Digital e os Paradoxos da Privacidade Meu texto não é um manual de instruções para usar nas redes sociais, mas um tratado de sobrevivência psíquica em um mundo onde a linha entre o real e o virtual se esfarela. Ensinar alguém a "navegar com segurança" vai além de evitar golpes ou senhas fracas: é prepará-lo(a) para decifrar as sombras que projetamos e as que nos são impostas. Nas redes, como escrevi certa vez, "o excesso de conexões virtuais não compensa a ausência de vínculos reais; a solidão moderna é a ironia de estarmos sempre cercados, mas nunca visíveis" . Esse exílio não é falta de likes, mas a desconexão de um eu que se perdeu entre performances e algoritmos. A conscientização sobre comportamentos tóxicos começa com um ato radical: reconhecer que o ódio online é sempre autorretrato. O troll que ataca anonimamente, o influencer que humilha para ganhar views, o ex-parceiro que expõe ‘’nudes’’ — todos são sintomas de uma cultura que transformou a agressividade em mercadoria. Plataformas como o Twitter (X) ‘’pagam pela polarização’’ , ‘’premiando posts inflamatórios’’ com viralidade. A educação digital precisa ser descolonizadora: não basta bloquear perfis, é preciso questionar por que a crueldade vende. Como promover autoconhecimento em um ambiente que glorifica a autoficção? A resposta está em pedagogias do imperfeito. Projetos como o ‘’Digital Mindfulness’’ (EUA) ensinam usuários a mapear padrões emocionais: "Você posta por impulso ou por necessidade? ", "Sua timeline reflete quem você é ou quem teme ser? ". Na prática, é a aplicação do "conhece-te a ti mesmo" socrático ao universo digital — um mergulho nas próprias motivações para escapar da armadilha da comparação. Nestes termos, a privacidade deixa de ser um direito abstrato e se torna o útero simbólico — espaço íntimo onde o self pode existir sem curadoria. Lacan sugere que o olhar do ‘’Outro’’ nos constitui, mas nas redes, esse ‘’mirar’’ é pervertido em vigilância constante. Cada check-in, cada foto íntima, cada busca no Google é rastreada, vendida e usada para alimentar algoritmos que nos conhecem melhor que nossos psicanalistas. Startups como a ‘’Spyware’’ já oferecem serviços para monitorar parceiros via app, normalizando a violação como prova de "amor" . Seria logo a patologização do controle, onde ciúme vira recurso? A privacidade não é sobre esconder segredos, mas preservar a soberania sobre a própria narrativa. Quando um adolescente expõe sua sexualidade no TikTok antes de se assumir em casa, ou quando um funcionário é demitido por posts políticos antigos, vemos o preço dessa prática: o eu é reduzido a um quebra-cabeça de dados, onde peças íntimas viram armas. A solução? Ferramentas como criptografia de ponta a ponta e autocuidado digital (ex.: dias sem postar) devem andar de mãos dadas com políticas públicas. Na UE, o GDPR tenta frear a coleta predatória, mas enquanto a educação não ensinar que "não postar" é tão válido quanto "postar" , continuaremos reféns. A oposição final é esta: a mesma tecnologia que nos permite existir em múltiplas identidades é a que ameaça apagar nossa humanidade. Como escrevi em outro contexto, "a imagem é a máscara moderna: feita para impressionar, programada para esconder, condenada a nunca revelar o que realmente somos" . ‘’A educação no convívio com a tecnologia deve ser um ato de resistência — não contra as máquinas, mas contra aquela parte de nós que acredita que valemos mais filtrados do que crus.’’ - Dan Mena. A geopolítica da privacidade revela outra ponte: enquanto países ricos debatem ética na IA, na periferia global, dados são extraídos como minérios. No Brasil, comunidades são mapeadas por câmeras de reconhecimento facial, e trabalhadores de apps têm seus movimentos vigiados por algoritmos. Essa instrução digital, muito presente em países latinos precisa ser antirracista e decolonial, denunciando como corpos afrodescendentes, indígenas e periféricos são hipervigilados. Projetos como o Tecnopolítica (UFBA) já conectam segurança digital a direitos humanos, ensinando comunidades a usar VPNs e criptografia para proteger seus legítimos protestos. Já a psicologia das redes mostra que a dependência digital não é vício, mas sintoma de vazios. Um estudo da Universidade de Cambridge (2023) associou o uso compulsivo do Instagram à carência de espaços de pertencimento offline. A educação, portanto, deve ir além do "controle de tempo de tela" e criar oásis de acolhimento — oficinas de arte, grupos de diálogo, etc. Mas, há luz nesse cenário, ONGs como a ‘’SaferNet’’ oferecem mentoria para vítimas de ‘’cyberbullying’’ , enquanto influencers usam plataformas para discutir saúde mental e auto-aceitação. Essas iniciativas são atos de desobediência pedagógica, provando que as redes podem ser humanizadas. A saída? Reescrever o contrato social digital. Exigir que plataformas priorizem bem-estar sobre engajamento (como o Modo Bem-Estar do TikTok), ensinar crianças a codificar para entenderem a manipulação algorítmica, e, sobretudo, lembrar que — "nenhum feed captura o cheiro da chuva, o tremor das mãos em um primeiro encontro, ou o silêncio que acolhe". Impactos Positivos e Negativos das Redes Este mundo digital que herdamos é palco sem limites geográficos, no fundo da nossa essência busca seus objetos de amor, recompensa e satisfação. Assim, fica fácil compreender por que nos parecem tão sedutoras, ao criarem laços e comunidades, Elas nos conectam com pessoas ao redor do globo, oferecendo oportunidades para moldar e expressar com bastante liberdade, inclusive aquilo que não somos. Por vezes, encontro certo paradoxo, como se estivesse em um grande parque de diversões, saltando de um perfil para o outro, absorvendo o fluxo de informações, validando experiências e ampliando um repertório de relações. Porém, ao mesmo tempo, elas trazem uma provocação. Jacques Lacan, ao falar sobre o ''Grande Outro'' , ressalta o papel da alteridade na formação do sujeito. Presença Virtual: Acredito que muitas pessoas, das quais me incluo, mantêm inúmeras conexões por motivos variados, como curiosidade ou desejo de visibilidade. Esses contatos, são mais uma forma de manter uma presença digital do que de engajamento ativo. Essa rede que vamos formando com o tempo, funciona como uma vitrine, onde a quantidade pode ser mais valorizada do que a profundidade das interações. "O gozo da exposição online é tão sedutor quanto traiçoeiro – na ânsia de sermos vistos, abrimos mão do direito de sermos protegidos." - Dan Mena. ''O gozo da exposição online pode ser tão sedutor quanto traiçoeiro." Função: Redes funcionam como plataformas para partilhar atualizações pessoais, acompanhar atividades de outros e manter uma presença online. A manutenção de muitos contatos, pode ser uma forma de reafirmar a própria identidade em diversos contextos, mesmo que a interação real seja limitada ou nula. Diferenças na Participação: O nível de engajamento varia significativamente entre os usuários. Alguns preferem uma postura mais observadora, enquanto outros se envolvem de maneira mais ativa. Essa disparidade entre o número de conexões e a angariação real pode refletir essa diversidade no comportamento dos amigos. Psicologia das Conexões: Do ponto de vista psicológico, manter um extenso número de conexões pode ser uma forma de lidar com inseguranças ou mesmo buscar validação. Valor das Interações: A qualidade das interatividades deve superar a quantidade. Ter um círculo menor, mas genuinamente significativo, pode ser mais gratificante do que possuir milhares de contatos com pouca interação real. Isso destaca a importância de focar em conexões autênticas e valiosas. Refletir e Avaliar: O que esperamos delas e como essas expectativas estão sendo atendidas pode nos ajudar a ajustar nossas práticas, promovendo uma maior qualidade nas trocas. "A comparação é a nova prisão do sistema; quanto mais olhamos para o outro, mais nos afastamos de nós mesmos." - Dan Mena. Navegando pela Pressão dos Padrões Sociais Freud, em sua análise que faz sobre o mal-estar na civilização, observa que a sociedade impõe restrições que sufocam nossos impulsos. Essa tensão se reflete na constante atuação de um ''eu performático'' , sempre em busca de aplausos. Para fechar, diante desse cenário, a questão que surge é: como encontrar o equilíbrio entre a vida digital e a preservação da saúde mental? Winnicott fala; ao desenvolver o conceito de espaço transicional, descreve um lugar intermediário onde o indivíduo pode se expressar criativamente sem ser consumido pelas exigências do mundo exterior. Esse espaço é cada vez mais necessário. Precisamos de um ponto de fuga, um lugar onde possamos nos reconectar com nossas raízes, longe das pressões modernas. Navegar nelas, exige também a habilidade de se afastar e olhar com distância crítica, usando o autoconhecimento como chave para manter o equilíbrio. Em um ambiente que nos convida constantemente a nos comparar é importante a autopercepção como ferramenta indispensável para evitar a armadilha de medir nosso valor com base em padrões alheios. "A verdadeira conexão não acontece nas curtidas, mas nos encontros fora da tela, onde não há filtros nem edições." - Dan Mena. Gratificação Instantânea e o Encontro Fiel Consigo Mesmo Assim como no balé, onde o aprumo entre força e leveza é a base da bailarina, nas redes, precisamos de uma coreografia cuidadosa. Não se trata de abandonar as plataformas, pelo contrário, devemos aprender a dançar com elas, sem perder o compasso da nossa vida interior. Estarmos atentos, e trabalhar entre o princípio do prazer e da realidade, pois o verdadeiro contentamento não vem da gratificação imediata que possam fornecer os vínculos, mas do encontro fiel consigo mesmo. Para escapar das armadilhas que suas propostas podem criar e apresentar, é vital adotar uma postura crítica e consciente. Pensar sistematicamente sobre como a tecnologia nos transforma em consumidores passivos. Não sermos arrastados pela correnteza de conteúdos infinitos, ficar ligados para não se perder nessa imensidão eletrônica de ‘’fake news’’ , em vez de criar nosso próprio texto. Essa abordagem consciente começa com a aceitação de que a vida digital é uma articulação positiva, não uma realidade definitiva. Precisamos de um espaço, sim, onde possamos brincar e criar, longe das críticas e julgamentos. O que pode ser entendido como um retorno à autenticidade — uma maneira de engajamento sem sermos absorvidos completamente por elas. "Como escapar da gratificação instantânea das redes sociais e reencontrar sua autenticidade?" "Usar a internet de forma consciente é a arte de equilibrar presença e ausência, interação e solidão, visibilidade e privacidade." - Dan Mena. Identidade e Ilusão - Dan Mena. Na era digital, ser lúcido é urgente Navegar com clareza, seguir consciente Não só para evitar o perigo voraz Ver no espelho o que a tela traz. A bússola é o saber que nos orienta Distinguir o que fere, o que nos alimenta Aceitar-se por inteiro, sem disfarçar É o passo mais nobre para se equilibrar. Na rede, a visibilidade é tentadora Sua moeda cobra em dor duradora O “olhar do Outro” com precisão Na tela nos fere sem compaixão. Viver exposto é viver vigiando Privacidade? Um fio se esvaindo Cuidar da imagem é gesto vital Para não naufragar no digital. Luzes e sombras formam esse palco Onde o “eu” se exibe sob brilho opaco Likes seduzem, mas não preenchem E as máscaras caem quando não se entende. Seguidores mil, mas a troca é vazia, Por que tanta gente, se falta harmonia? Buscamos o olhar, a aprovação Mas o afeto real mora fora da mão. Como num balé, oscilamos no ar Entre o “ser” e o “parecer” a nos empurrar A gratificação é veloz, viciante Mas nos tira o centro, nos torna errantes. A vida online não é a verdade É só ferramenta, não identidade Brinque, crie, sem medo ou prisão A liberdade nasce da expressão. Contentamento não vive em curtida Mas no silêncio que pulsa a vida Na era da imagem, o maior labor É ser fiel ao que vibra no interior. Referências Bibliográficas FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. São Paulo: L&PM, 2011. LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015. HARAWAY, Donna. Manifesto Ciborgue: Ciência, Tecnologia e Feminismo-Socialista no Final do Século XX. São Paulo: Ubu, 2020. BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. TURKLE, Sherry. Alone Together: Why We Expect More from Technology and Less from Each Other. Nova York: Basic Books, 2011. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1987. WINNICOTT, Donald. O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975. ZUBOFF, Shoshana. A Era do Capitalismo de Vigilância. São Paulo: Intrínseca, 2019. ORBACH, Susie. Bodies. Londres: Profile Books, 2009. DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. São Paulo: Contraponto, 1997. 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Palavras Chaves #CriseIdentitáriaDigital #PsicanáliseETecnologia #AvatarEIdentidade #NarcisismoVirtual #SaúdeMentalNasRedes #FOMO #CapitalismoDeVigilância #AutoestimaDigital #Ciberbullying #Metaverso #EducaçãoDigital #PrivacidadeOnline #AlgoritmosDoDesejo #FragmentaçãoPsíquica #ComparaçãoSocial #DependênciaDigital #AutenticidadeVirtual #SociedadeDoCansaço #SolidãoDigital #ÉticaNasRedes FAQ - Perguntas Frequentes O que é a crise identitária digital? → É a fragmentação do "eu" entre o mundo real e o virtual, gerada pela busca de validação online. Como as redes sociais afetam a autoestima? → Através da comparação constante e da dependência de likes como métrica de valor. O que é FOMO? → Medo de ficar de fora (Fear of Missing Out), ansiedade causada pela idealização de vidas alheias nas redes. Como o metaverso impacta a identidade? → Permite criar ‘’avatars’’, mas pode aprofundar a cisão entre o "eu real" e o virtual. O que são NFTs e como se relacionam com a identidade? → Tokens digitais únicos que transformam aspectos do eu em produtos comerciais. Como proteger minha privacidade online? → Use criptografia, evite ‘’oversharing’’ e reflita antes de postar. O que é a "sociedade do cansaço" de Byung-Chul Han? → Cultura que substitui a disciplina externa pela autoexploração compulsiva. Como o cyberbullying afeta a saúde mental? → Gera ansiedade, depressão e, em casos extremos, pensamentos suicidas. Qual a relação entre Lacan e os algoritmos? → Ambos moldam o desejo através do "Outro" (seja humano ou inteligência artificial). O que é um "falso self" digital? → Persona criada para agradar algoritmos, em detrimento da autenticidade. Como equilibrar a vida online e offline? → Estabeleça "dias de detox digital" e priorize interações presenciais. Por que o corpo virou uma "vitrine" nas redes? → A pressão por padrões estéticos transformou a imagem física em moeda social. O que Freud diria sobre o Instagram? → Que é um palco para a pulsão de morte disfarçada de busca por perfeição. Como a educação digital pode ajudar? → Ensinando a criticar algoritmos e a usar redes como ferramentas, não vícios. Qual o futuro da identidade no metaverso? → Será definido pela ética: ou nos libertamos dos avatares ou nos tornamos seus reféns. Visite minha loja ou site: https://uiclap.bio/danielmena https://www.danmena.com.br ORCID™ - Pesquisador - iD logo são marcas comerciais usado aqui com permissão. "Open Researcher and Contributor ID" Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199. Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130. Dr. Honoris Causa em Psicanálise pela Christian Education University — Florida Department of Education — USA. Enrollment H715 — Register H0192. De 1 a 5 - Quantas estrelas merece o artigo? Deixe seu relato abaixo em COMENTÁRIOS .

  • A Arte de Escutar - Existir com o Outro

    Como ouvir alguém com empatia no dia a dia. A Arte de Escutar - Ouvir é Existir com o Outro A Escuta Psicanalítica: Para Além do Espelho do Eu No âmago da prática psicanalítica habita uma competência aparentemente trivial, mas de enredo vertiginoso: a arte de acolher a palavra do outro . Freud e Lacan sublinharam que o ato de ouvir ultrapassa a mera decodificação verbal, o que exige um despojamento radical das nossas próprias referências internas para permitir a emergência do inédito no dizer do alheio. No entanto, o nosso impulso inicial é de filtrar histórias através das particulares vivências, o que transforma essa escuta — ou melhor, essa recepção — convertendo a ação em um exercício contraditório. Aquilo que se apresenta como um gesto de aproximação — a tentativa de encontrar paralelos entre experiências — apaga o traço de singularidade do interlocutor. O Narcisismo da Audição Cotidiana No tecido ordinário das conversas, é natural que sintonizemos com as narrativas apartadas, as comparando inconscientemente com nossas singulares memórias, afetos e percepções. Quando alguém compartilha algo doloroso, é quase instintivo que procuremos psiquicamente o próprio repertório emocional para situações semelhantes, como se a empatia dependesse de uma equivalência biográfica . Usamos comumente expressões como “Compreendo exatamente o que você está sentindo”  ou “Já passei por algo parecido”  - não é desse  jeito?  - palavras que num primeiro momento parecem angariar um esforço de empatia e acolhimento, mas, que também denunciam um mecanismo de redução da alteridade —  ‘’o outro’’  é convertido em espelho e voz da nossa própria teia e narrativas. Esse movimento, que funciona como uma cola para os vínculos sociais, se tornou um empecilho no ‘’setting analítico’’ , onde o propósito é precisamente dar vida a aquilo que escapa aos padrões da fala. Essa operação psíquica, que pertence a uma articulação do registro imaginário — é uma zona onde os vínculos se constroem por meio de imagens especulares, comparações e rivalidades. Quando o(a) analista se deixa capturar por essa lógica, corre o risco de interpretar os conteúdos do paciente como extensões de si — se perguntando, por exemplo, se uma crítica à figura paterna não seria, em última instância, uma afronta disfarçada à sua suposta autoridade. Esse ouvir autocentrado empaca os elementos disruptivos da linguagem falada do paciente: lapsos, vacilações, repetições enigmáticas e detalhes resistem bravamente à lógica corrente. A capacidade de escutar é tão antiga quanto a linguagem, mas tão negligenciada quanto o som de uma folha caindo na rua. Num mundo saturado por ruídos — notificações de todos os tipos, falas incessantes, debates polarizados inflamados —, retiramos a verdadeira atenção ‘’ao outro’’ , tornando essa oitiva um gesto insurgente e contra-hegemônico. Por que ouvir o outro melhora relacionamentos? "Aquilo que se apresenta como um gesto de aproximação — a tentativa de encontrar paralelos entre experiências — apaga o traço de singularidade do interlocutor. Já a escuta analítica, como sugere Christopher Bollas, 'é um ato de entrega ao desconhecido do outro' (Bollas, 1987, p. 14), um movimento que privilegia a abertura em vez da assimilação." “Ouvir é resistir à tirania do óbvio” - Dan Mena. Não se trata de uma atividade passiva, mas de um gesto de abertura radical ao discursante, à sua narrativa, ao não-dito que ele(a) carrega em silêncio e, que na maioria dos casos, sequer reconhece em si. Esse tipo de atenção é ponte entre existências insuladas e subjetividades que, por breves momentos, podem comungar de um mesmo espaço simbólico. Neste artigo, vamos falar dessa sensível, lúdica e crítica diária— para redescobrir essa escuta como um gesto do ser inaugural. O Silêncio: Subterrâneo das Palavras Vamos fazer uma metáfora e pensar o silêncio como se fosse um oceano na sua profundidade, muito sereno na superfície, mas repleto de correntes marítimas que se movimentam no seu fundo. As palavras, por sua vez, seriam como frágeis embarcações que ousam navegar nessas águas encobertas. “As palavras são barcos; o silêncio, o oceano profundo que as sustenta”- Dan Mena. Sem essa vastidão imensa, os vocábulos perdem sua densidade, direção e mistério. É nas pausas entre uma remada e outra, uma frase, e nas hesitações, lapsos, chistes, etc, que os conteúdos mais íntimos são insinuados. O mutismo provocado não é portanto ausência — é origem. “O silêncio não é vazio — é o útero onde nascem as palavras essenciais” - Dan Mena . Ainda assim, quantas vezes fugimos dele, como se seu esvaziamento ameaçasse nos engolir. Preenchemos cada intervalo com ruídos, gritos, interrupções, pontos de vista e reclamações, atropelando o que poderia florescer em plena quietude. Sustentar o silêncio é um gesto corajoso, uma forma de insurgência íntima. “Cada silêncio que retemos é uma semente de revolução interior” - Dan Mena. Nesse solo mareado da escuta silente, o inconsciente encontra espaço para se expressar com suas metáforas enigmáticas. Como ouvir as emoções do outro com cuidado. “O inconsciente sussurra em metáforas; cabe a nós decifrar seus poemas” Dan Mena. Escutar, nesse contexto, transcende o esforço de atenção — é um gesto de acolhimento desarmado. Despojamento é a palavra-chave: abrir mão de armamentos, como o julgamento, a pressa, a resposta automática, aquele  ‘’fazer de conta que estou ouvindo’’ . Isso vale para todos, não apenas para o analista. É, em síntese, oferecer ao outro um espaço temporário de refúgio, um lar onde se possa ser o que ainda tememos reconhecer em si. “Ouvir é permitir que o outro habite temporariamente seu silêncio, é dar asilo ao que o outro receia ser” - Dan Mena. Vamos imaginar uma situação bastante comum, uma criança tentando nos contar uma história, com sua voz quase sempre trêmula, entrecortada, cheia de pausas, tropeços e fragmentos recortados. Um adulto, normalmente impaciente a iria corrigir ou tentar abreviar seu relato, ‘’como se fosse possível’’ . Um ouvinte verdadeiro, porém, acolhe esse caos linguístico. Seja, portanto, um “jardineiro de almas”.   “Escutar é plantar flores em desertos emocionais" - Dan Mena . Cada tropeço verbal dessa criança é uma semente, pedindo ajuda, tempo e cuidados para florescer. Ouvir atentamente é como embarcar numa viagem sem mapa — um improviso delicado entre duas subjetividades em busca de sintonia, elaboração e compreensão. “A escuta verdadeira não tem roteiro — é um súbito despertar de duas almas em busca de acordes desconhecidos” - Dan Mena . Como entender melhor o que o outro diz? Cada hesitação prolongada e suspiros, contém uma pista de sentidos ocultos, tente praticar isso, você pode se surpreender. Essa navegação, que requer uma paciência quase mística, está cada vez mais rara numa cultura da velocidade e do imediatismo. “A verdadeira escuta não tem pressa — ela sabe que os frutos mais doces amadurecem no tempo da terra” Dan Mena . Trata-se de um processo orgânico, não industrial; de uma experiência de cultivo, não de colheita antecipada. A Harmonia no Caos Verbal As conversações que travamos são territórios de confusão: palavras que se atropelam, ideias que se perdem, sentimentos que transbordam em desordem aparente. Mas, para o ouvido sensível existe como uma música para o caos.   “A escuta é a arte de encontrar música no ‘’pandemonium’’ das palavras”- Dan Mena . Tal como uma orquestra afina seus instrumentos, esse barulho e ruído inicial é prelúdio de algo que ainda virá — uma melodia ainda por nascer para ser tocada. Dita harmonia escondida se expõe não nas frases explícitas , nas entrelinhas, nos gestos silenciosos que acompanham o discurso. “As maiores verdades não são ditas — são sussurradas nas entrelinhas da palavra, perscrutar é a única forma de apalpar uma alma sem violá-la - Dan Mena. Num tempo em que a maioria grita para ser ouvido(a), o valor parece ter passado a residir no volume e na visibilidade, auscultar a voz, se transformou em resistência ética. É uma recusa a participar do espetáculo do vazio, uma competição por atenção que pretende eliminar o outro para se afirmar. Como destaca Donald Winnicott em Playing and Reality (1971), ‘’O analista deve criar um ambiente onde o paciente possa sentir-se seguro para ser quem é, sem medo de ser julgado ou interrompido. Esse espaço de ‘’holding’’ é essencial para que possa explorar sua própria experiência e encontrar sua voz autêntica’’  (p. 56). “Ouvir é resistir à tirania do óbvio” - Dan Mena. Logo interpretamos que ouvir é ação, também uma postura ativa de presença, curiosidade e entrega. Ao reconhecermos que o outro carrega em si um enigma irredutível, um universo, que talvez jamais possamos compreender por completo, mas, possível de ser contemplado — ainda que por breves instantes. A escuta não transforma apenas o falante — ela modifica, de forma sutil e poderosa, o que se oferece ao papel de ouvinte. Cada narrativa é uma fresta por onde somos desafiados, provocados, deslocados a abrir à possibilidade de rever nossas certezas, permitindo a necessária metamorfose interna. Trata-se de um processo que nos humaniza e vitaliza. Essa transformação é calada, não acontece em grandes gestos, mas nas pequenas escolhas: escutar sem interromper, perguntar sem invadir, acolher sem controlar. É uma revolução sem armas nem trincheiras — feita de escuta, presença e entrega. Como podemos integrar essa forma de posicionamento da escuta à vida comum?   Essa condição está na matéria prima mais importante da clínica. A "escuta flutuante"  (ou "atenção flutuante" , como também é conhecida) é um conceito fundamental na psicanálise freudiana e pós-freudiana, representando uma postura técnica e ética do analista durante as sessões. Destarte, minha intenção hoje é poder oferecer a você meu leitor, um insight valioso que possa ser usado— no supermercado, na sala de aula, no convívio doméstico, nos relacionamentos, no trato com os filhos, etc —  essa qualidade de atenção rara. Se fosse dar uma dica para quem deseja promover tal virtude, diria que: a proposta está no gesto simples de se deixar tocar pelo que o outro diz sem correr para responder. É um convite ao encantamento cotidiano, diante da singularidade de cada voz, uma chance de transformar encontros banais em grandes e importantes revelações. O que significa ouvir o outro de verdade. E não é este o maior dos desafios?   O de sustentar o nascimento do outro sem o anestesiar com as certezas que nos confortam?  Ouvir é, paradoxalmente, aceitar não entender — ou ao menos, não captar de imediato. É sustentar a angústia de não saber o que fazer com o que ouvimos, permitir que a palavra do outro reverbere em nós, não para que se encaixe em nosso mundo, mas para que desestabilize suas bordas. Pode ser uma casa sem móveis: um espaço onde tudo pode entrar, sem saber o que vai permanecer. E nesse vazio — radical, desconcertante, transformador —, um espaço, onde encontraremos algo de nós mesmos que ainda não conhecíamos. No fundo, quem ouve sensivelmente também se escuta, não como repetição, mas como reflexo. Quem se debruça no próximo com honestidade se vê diante de sua própria incerteza, a das suas projeções. Nesse confronto inaudível que o sujeito se transforma, portanto, não é técnica, se desprende como ética. Não é método, enquanto experiência, não é domínio. É entrega. Há, nesse gesto, uma incrível generosidade que ultrapassa a clínica e invade a vida comum. Dar atenção a fala de alguém sem esperar nada em troca, sem tentar salvar, corrigir ou ajustar, é permitir que ele(a) exista, ainda que por alguns minutos, fora das exigências sociais. Tal movimento, por mais simples que pareça, é uma forma de cura — ainda que não promova seu alívio imediato, fato que seria da presença que muitas vezes realmente precisamos e carecemos. Não seriam também respostas, mas de alguém que não fuja quando dizemos algo sem sentido, que permaneça mesmo diante do absurdo. Talvez esse exercício seja a única forma de amor que não tenta possuir, que não se planeja, nem se molda. Um afeto que acolhe sem devorar e respeita a alteridade como impenetrável do seu enigma. Porque há algo no outro que jamais será dito, haverá certamente esse infindável ponto cego no núcleo do calado, como um resto inassimilável. Estamos acostumados a pensar que o conhecimento vem da fala, mas existe a possibilidade que venha antes da escuta. Do que ouvimos sem compreender e aceitamos sem reduzir, daquilo que sustentamos sem tentar traduzir. Essa postura rompe com a lógica do consumo, do controle e da previsibilidade. Assim, pare o tempo e diga: “Estou aqui. Não para te consertar, mas para te escutar. Mesmo que isso me desmonte um pouco, sem que eu precise sair de mim para te receber” . Benefícios de ouvir com atenção nas amizades. Seria isso um retorno a uma forma antiga de encontro? . Não à moda das redes sociais, onde tudo é exposto, exibido. Mas à tendencia dos encontros reais que podem se converter sem alarde e deixam marcadores invisíveis. Estes não produzem respostas, senão fecundam perguntas. Acredito que seja este um fator fundamental perdido que nos falta hoje: perguntas sinceras para vencer, que abram caminho e acolham o desconhecido para sustentar a dúvida. Estendamos a Fé, na possibilidade de que mesmo atravessados(as) por feridas, angústias e barulhos ensurdecedores, desencontros e traumas,  ainda possamos tocar sem ocupar, ouvir sem capturar. Estar com o outro sem estar, nos perder — sem querer encontrá-lo(a) dentro de nós. A escuta é ao final, esse lugar onde o outro pode finalmente ser  ‘’o outro’’ . Quem sabe só reste isso: dois seres, lado a lado, tentando, com harmonia, se ouvir na desordem. ''A escuta não transforma apenas o falante — ela modifica, de forma sutil e poderosa, o que se oferece ao papel de ouvinte.'' Como Freud descreveu em Recomendações aos que Exercem a Psicanálise (1912), ''O analista deve voltar sua própria atividade mental inconsciente, como um órgão receptor, para o inconsciente transmissor do paciente'' (p. 112). Nesse movimento, o ouvinte se torna um espaço vivo, aberto ao que o outro traz, desafiando suas próprias certezas e permitindo que a palavra alheia provoque deslocamentos internos.” Como escutar com paciência em conflito. A Escuta no Cotidiano Como reintegrar a escuta sensível à vida comum?  A proposta não exige uma ruptura radical com a rotina, mas sim o granjeio de pequenas atenções — brincar com o tempo: desacelerar, dar margem ao improviso, permitir que o outro surpreenda. A escuta cotidiana pode ser um jogo poético entre mundos distintos. Em vez de reagir automaticamente, por que não fazer uma pausa? Em lugar de responder com um conselho apressado, que tal oferecer uma pergunta sucinta?   “Escutar é brincar de existir no tempo do outro” - Dan Mena. Ao adotarmos uma postura lúdica, absorvemos sons e escavamos sentidos.  “Ouvir é dar sem esperar — é oferecer hospitalidade à assimetria do outro”- Dan Mena. A escuta, compreendida em sua plenitude, é uma forma de coabitar o mundo do outro sem querer colonizá-lo. Um modo de ser que exige abertura radical ao desconhecido, uma ética do acolhimento que desmonta defesas, dissolve fronteiras e instaura vínculos reais.  Uma arte ancestral esquecida, que com olhos novos pode ser reinventada e amplificada. “Ouvir e tocar o invisível com os ouvidos do coração” - Dan Mena. Uma Poética da Presença Há dias em que o mundo fala alto demais. As vozes se atropelam, as imagens piscam sem cessar, e tudo parece urgente — como se a própria existência dependesse de sermos ouvidos, vistos, notados. No entanto, há algo que desaparece nessa pressa: o espaço para a escuta. Não a escuta funcional, que responde e resolve, mas aquela outra — feita de demora e ressonância. Talvez nunca tenhamos tido tanto acesso ao que os outros dizem, e, ironicamente, escutemos tão pouco. Em tempos digitais, a escuta rareia. Não porque perdemos a capacidade auditiva, mas porque o que se cala foi expulso de nossas relações. Tudo deve ser dito, imediatamente, as palavras foram convertidas em conteúdos e suas pausas se tornaram suspeitas. Mas o que é uma escuta sem pausa? ou: Um encontro sem demora? Um ato que precisa de sombra. De um tempo que não exige eficiência, mas comparência. De um espaço onde as palavras não servem para explicar, mas para existir. Por isso, ela é tão rara quanto necessária. Na clínica, vejo isso com clareza. Pacientes chegam carregando um cansaço que não sabem nomear. A narrativa passa por um excesso de exposição, de expectativa, e auto-exigência. Querem falar, mas também não sabem mais o que dizer. Estão esvaziados de si. Na escuta analítica não oferecemos respostas, devolvemos espaço. Ao sustentar o silêncio, permitimos que a fala emerja de outro lugar — mais cavado, confuso e verdadeiro. Essa função terapêutica, devolve ao sujeito a dignidade de não saber o que sente. E ainda assim ser acolhido(a). Há também a escuta dos afetos miúdos, aquela que se faz no cotidiano: escutar um suspiro, um desvio no olhar, uma frase dita pela metade. Nem sempre é necessário um divã para que essa escuta exista, basta um coração desarmado, disposto a não atravessar o outro com suas certezas. Esse, "estou aqui" que não pede aplausos — que revela seu valor. Como uma lareira acesa numa noite fria: não fala, mas aquece. Como praticar escuta empática no trabalho? “Há escutas que salvam sem dizer uma só palavra.” - Dan Mena. Mais escuta, menos diagnósticos, menos conselhos, mais mãos dadas. Seria este o último refúgio de um mundo cansado de estampidos? ...um antídoto contra a pressa. Escutar é aceitar que não há solução imediata para o que doí. É permitir que o sofrimento tenha lugar antes de querer curá-lo. Também é espiritual, desde que possamos reconhecer o outro como uma charada, não como problema. Podemos enxergar no vazio da linguagem não uma ausência, senão uma potência, afinal, é um jeito de dizer: você não está só .Como escreve Emmanuel Levinas em Totalidade e Infinito (1961), “A relação com o outro é a ausência de resposta, é a pergunta sem resposta, é a pergunta que não tem resposta, é a pergunta que é a resposta”  (p. 89).  Referências Bibliográficas FREUD, Sigmund.   Interpretação dos Sonhos . 1900. Editora Companhia das Letras. LACAN, Jacques.   Escritos . 1966. Editora Zahar. FANON, Frantz.   Pele Negra, Máscaras Brancas . 1952. Editora UFMG. HAN, Byung-Chul.   Sociedade do Cansaço . 2010. Editora Vozes. FOUCAULT, Michel.   A História da Loucura . 1961. Editora Perspectiva. BUTLER, Judith.   Problemas de Gênero . 1990. Editora Civilização Brasileira. VYGOTSKY, Lev.   Pensamento e Linguagem . 1934. Editora Martins Fontes. BEAUVOIR, Simone.   O Segundo Sexo . 1949. Editora Nova Fronteira. DURKHEIM, Émile.   O Suicídio . 1897. Editora WMF Martins Fontes. JUNG, Carl Gustav.   O Homem e Seus Símbolos . 1964. Editora HarperCollins. NIETZSCHE, Friedrich.   Assim Falou Zaratustra . 1883. Editora Martin Claret. RECALCATI, Massimo.   Complexo de Telêmaco . 2013. Editora Âyiné. SKINNER, B.F.   Ciência e Comportamento Humano . 1953. Editora Universidade de Brasília. BAUMAN, Zygmunt.   Modernidade Líquida . 2000. Editora Zahar. CHOMSKY, Noam.   Linguagem e Pensamento . 1968. Editora Unesp. KLEIN, Melanie.   Inveja e Gratidão . 1957. Editora Imago. BANDURA, Albert.   Aprendizagem Social . 1977. Editora Artmed. MASLOW, Abraham.   Motivação e Personalidade . 1954. Editora Harper Row. BOURDIEU, Pierre.   A Dominação Masculina . 1998. Editora Bertrand Brasil. WEBER, Max.   A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo . 1905. Companhia das Letras. Palavras Chaves #Psicanálise #SaúdeMental #EscutaAnalítica #Freud #Lacan #Terapia #Inconsciente #ClínicaPsicológica #Trauma #SociedadeDoCansaço #EscutaAtiva #Psicoterapia #Autoconhecimento #MentalHealth #Psicologia #Filosofia #ComportamentoHumano #Empatia #SigmundFreud #ByungChulHan FAQ - Perguntas Frequentes sobre a Escuta Psicanalítica Qual é a essência dessa técnica terapêutica? → É um método clínico que transcende a audição superficial, focando no que não é vocalizado : hesitações, repetições e nuances do discurso. Como a prática de ouvir sem interromper transforma diálogos? → Suspender respostas automáticas permite que o inconsciente  se revele. Exemplo: um paciente que sempre mudava de assunto ao mencionar a mãe descobriu, meses depois, um luto não elaborado. Essa abordagem pode ser útil em conflitos familiares? → Sim! Evitar frases como "Eu também passei por isso" abre espaço para histórias únicas. Experimente substituir por: "Como isso soa em você?" . Quanto tempo leva para se tornar proficiente nesse método? → Domina-se na prática constante. Sugestão: inicie com 2 minutos diários de silêncio ativo em conversas, observando o que surge nas pausas. É possível aplicar isso com adolescentes? → Totalmente. Eles comunicam-se por metáforas (músicas, jogos). Um jovem que só falava de Dark Souls  estava, na verdade, descrevendo seu medo do fracasso. Essa estratégia substitui tratamentos psiquiátricos? → Não. Enquanto remédios atuam na química cerebral, o processo terapêutico trabalha significados simbólicos. São complementares. Por que iniciantes acham essa habilidade tão desafiadora? → Porque exige desconstruir  o impulso de ajudar. Parafraseando Dan Mena: "Ouvir é um ato de resistência contra o próprio ego" . Como evitar cair em falsas conexões emocionais? → Troque "Entendo sua dor"  por "O que essa dor está lhe dizendo?" . A verdadeira conexão nasce da curiosidade, não da projeção. Funciona em sessões online? → Sim, mas perde-se 38% da comunicação não verbal (dados de um estudo da Universidade de Stanford). Dica: peça para o paciente descrever gestos espontâneos. Qual o equívoco mais frequente entre terapeutas novatos? → Querer salvar  o paciente com interpretações rápidas. Lacan dizia: "A cura está no ritmo do não saber" . E se o paciente inventar histórias? → Mentiras são sintomas narrativos . Em vez de desmascarar, explore: "Que verdade essa ficção está protegendo?" . Posso treinar sozinho essa competência? → Exercício prático: ouça um podcast em velocidade 0.75x, anotando como  as palavras são ditas (tom, pausas) mais que o quê . Por que ‘’millennials e Gen Z’’ precisam disso urgentemente? → Cresceram em ambientes digitais onde a fala virou commodity. A técnica restaura a profundidade perdida  nas interações. Como lidar com traumas intensos nesse contexto? → Respeite o tempo psíquico . Traumas são como vidro congelado: pressa quebra, paciência derrete. Qual a diferença entre isso e métodos de autoajuda? → Autoajuda oferece respostas. A clínica psicanalítica faz perguntas que o paciente nunca soube que tinha. Visite minha loja ou site: https://uiclap.bio/danielmena https://www.danmena.com.br ORCID™ - Pesquisador - iD logo são marcas comerciais usado aqui com permissão. "Open Researcher and Contributor ID" Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199.Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130. Dr. Honoris Causa em Psicanálise pela Christian Education University — Florida Department of Education — USA. Enrollment H715 — Register H0192. De 1 a 5 - Quantas estrelas merece o artigo? Deixe seu relato abaixo em COMENTÁRIOS .

  • Psicodélicos: "A Nova Fronteira da Terapia".

    Benefícios da Terapia Psicodélica para a Saúde Mental. Tendências de 2025: O Futuro da Psiquiatria - Psicologia e a Psicanálise Enquanto a crise global de saúde mental atinge níveis epidêmicos, com milhões de pacientes fracassando em tratamentos convencionais para depressão, ansiedade e TEPT, um fenômeno científico surge ineditamente com respostas: a terapia assistida por psicodélicos. Distante de misticismos ou tendências passageiras, essa revolução é sustentada por evidências muito robustas, garanto que estudei o assunto muito a fundo: (leia bibliografia ao final do artigo). Pesquisas recentes conduzidas pelo Imperial College London, Johns Hopkins e pelo Instituto de Psiquiatria de São Paulo demonstram que compostos como psilocibina e MDMA alcançam taxas de remissão de até 70% em casos resistentes, desempenho que antidepressivos tradicionais levariam décadas para igualar. Estamos diante do surgimento de uma ferramenta acessória terapêutica inédita, no qual o rigor científico e avanços farmacológicos se alinham para confrontar os limites da psiquiatria contemporânea. Você já ouviu falar em psicodélicos para depressão ou ansiedade? Se tantos remédios não funcionam, por que não olhar para caminhos que a ciência está redescobrindo? O Colapso do Modelo Tradicional e a Urgência de Alternativas A psiquiatria atual enfrenta uma encruzilhada sem precedentes. Inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs), considerados padrão-top desde os anos 1980, falham em 30% a 50% dos casos, enquanto abordagens como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) demandam meses para obter resultados parciais. Nesse enquadramento, os pacientes não são meros "náufragos da alma" , mas vítimas de um sistema fragmentado, que reduz diagnósticos a desequilíbrios químicos simplistas. A neurociência moderna, contudo, pode afirmar que transtornos mentais envolvem redes neurais hipercomplexas, memórias traumáticas consolidadas e padrões cognitivos inflexíveis – justamente, os alvos onde os psicodélicos atuam com precisão inusitada segundo as pesquisas. Além da Serotonina, Rumo à Neuroplasticidade Diferentemente de fármacos que regulam sintomas superficialmente, psicodélicos clássicos (psilocibina, LSD) e entactógenos (MDMA) induzem a uma reestruturação cerebral. Estudos de neuroimagem evidenciam que essas substâncias suprimem a atividade da rede de modo padrão (DMN), estrutura hiperativa em quadros depressivos crônicos e associada à ruminação autodepreciativa. Paralelamente, estimulam a neurogênese no hipocampo e ampliam a conectividade entre hemisférios cerebrais, mecanismos que fundamentam relatos de "reinicialização mental" . Em ensaios clínicos de fase III, financiados por organizações como a MAPS e a Compass Pathways, ‘’sessões únicas de psilocibina combinadas à psicoterapia’’ produziram efeitos antidepressivos por até 12 meses – um avanço exponencial frente ao paradigma da medicação contínua. "Os psicodélicos não são remédios, mas ‘ferramentas de reinicialização’ que reescrevem a arquitetura cerebral, dissolvendo padrões rígidos como ácido sobre uma placa de metal" (GOLDSMITH, Psychedelic Healing, 2011). Será que estamos tratando doenças da alma apenas com química e esquecendo nossa complexidade? Experiências Psicodélicas Podem Expandir Sua Consciência Quantas pessoas você conhece que vivem medicadas, mas continuam sofrendo? O Papel da Ciência na Mudança de Narrativa A reinserção dos psicodélicos na medicina não é fortuita. Após meio século de proibição, impulsionada pela Guerra às Drogas, o ressurgimento dessas pesquisas se deve a três pilares: (1) Metodologia rigorosa: protocolos com dosagens controladas, ambientes sensoriais monitorados e integração psicológica pós-experiência; (2) Inovações tecnológicas: técnicas de ressonância magnética funcional permitem decifrar em tempo real a atividade cerebral durante as sessões; (3) Demanda social: iniciativas como o Decriminalize Nature e investimentos de US$ 2,5 bilhões em startups do setor, aceleram mudanças regulatórias. A própria Food and Drug Administration (FDA) - USA, concedeu status de "Terapia Inovadora " ao MDMA para TEPT. Por que tantos cientistas sérios estão investindo tempo e dinheiro nisso agora? Você confiaria em um tratamento que já foi considerado perigoso, mas hoje é apoiado por grandes universidades? Psicanálise e Psicodélicos: Diálogos no Labirinto Mental A interseção entre psicanálise e psicodélicos oferece perspectivas interessantes para compreender os mecanismos simbólicos e arquetípicos ativados durante as sessões analíticas. Enquanto como psicanalistas adentramos no inconsciente através da ‘’associação livre’’ e ‘’da transferência’’ , os psicodélicos funcionam como catalisadores que dissolvem as defesas do ego, expondo conteúdos reprimidos com intensidade cinematográfica. Carl Jung, ao discutir o ‘’inconsciente coletivo’’ e os arquétipos, antecipou metaforicamente a experiência de universalidade relatada por usuários de psilocibina, que descrevem encontros com imagens mitológicas ou narrativas existenciais compartilhadas. Na prática da clínica moderna, tem muitos psicanalistas envolvidos em pesquisas com psicodélicos – como os protocolos da MAPS – destacam que a substância não substitui a escuta analítica, senão que amplifica o processo de elaboração. Durante a experiência, resistências são temporariamente suspensas, permitindo que traumas infantis, conflitos edipianos ou fantasias primárias possam emergir com clareza em sessões convencionais. A integração pós-experiência, etapa fundamental, se assemelha à interpretação de sonhos em escala ampliada, onde auxiliamos o paciente a tecer significados a partir do material bruto do inconsciente. Esse sincretismo entre farmacologia e hermenêutica psicanalítica pode inaugurar uma nova era de terapias ampliadas, onde ciência e subjetividade coexistem sem hierarquias. "A experiência psicodélica é um convite, não uma resposta. Cabe ao analista evitar que o paciente confunda êxtase químico com iluminação" (FADIMAN, The Psychedelic Explorer's Guide, 2011). Afinal, como lembra Terence McKenna: "A cura está no caos, mas o sentido está na integração" (MCKENNA, Comida dos Deuses, 2010). Será que os psicodélicos nos ajudam a ver o que escondemos até de nós mesmos? O que você faria se pudesse acessar memórias e emoções que hoje estão adormecidas? Ética, Acesso e Sustentabilidade Apesar do cenário promissor, os dilemas críticos persistem. Como impedir a exploração comercial de substâncias sagradas para povos originários? Como assegurar acesso democrático em nações periféricas, onde 80% dos casos de depressão permanecem sem tratamento? Especialistas do Centro Global de Saúde Mental sugerem modelos híbridos: parcerias com comunidades indígenas para uso ético de conhecimentos ancestrais, aliadas a protocolos digitais de terapia de integração via plataformas online. O objetivo é transformar a "revolução silenciosa" em um movimento inclusivo, nos distanciando dos erros históricos da indústria farmacêutica, como a elitização de tratamentos. Estamos assim, diante de um marco histórico. A psicodelia não é uma panaceia, mas pode simbolizar a mais disruptiva inovação em saúde mental desde a descoberta dos antipsicóticos nos anos 1950. Seu diferencial reside na capacidade de abordar não apenas sintomas, mas as raízes existenciais do sofrimento – promovendo não só sua remissão, mas ressignificação. À medida que instituições como Harvard e a UNIFESP inauguram centros especializados nessa área, se torna cada dia mais evidente: o século XXI será definido pela ousadia de adentrar a mente em sua absoluta complexidade multidimensional, orientada não por dogmas, mas por empirismo. A odisseia transcende a metáfora – se consolida como empreendimento científico, ético e, sobretudo, necessário. Eu acredito firmemente que essa possível convergência entre psicanálise e psicodélicos não apenas enriquece a prática clínica, mas resgata um diálogo interrompido pela medicalização excessiva. Enquanto a ciência mapeia circuitos neurais, a nossa escuta decifra narrativas íntimas, nos lembrando que a (cura) de processos psicológicos exige tanto precisão farmacológica quanto coragem de iluminar as sombras do ‘’Self’’ . Entrando pela porta dos fundos, me pergunto: Por que a ciência, em seu incessante afã por desvendar os mistérios do universo, redescobre agora o que culturas ancestrais já cultivavam em seus rituais sagrados? Ayahuasca e DMT: Explorando as Moléculas que Alteram a Mente. "Se o século XX medicaliza a alma, o século XXI corre o risco de espiritualizar a farmácia. Cabe a nós garantir que a revolução psicodélica não troque um reducionismo por outro" (POLLAN, How to Change Your Mind, 2018). Esse tipo de tratamento vai estar disponível só para quem pode pagar caro? Como garantir que não repitamos os erros do passado, o que é sagrado apenas para alguns? Revisitando a História e Desvendando a Ciência dos Psicodélicos Essa relação entre a humanidade e os psicodélicos se tece desde os primórdios da civilização, vem entrelaçada com a busca sempre infindável do ser pelo sagrado, pelo transcendente. Michael Pollan, em sua obra "Como Mudar Sua Mente" , nos lembra que "a cronologia dos psicodélicos se confunde com a memória de uma queda e de um possível renascimento" . Desde os rituais ancestrais com a ayahuasca nas entranhas da Amazônia, onde o espírito da floresta se manifesta em visões caleidoscópicas, até os laboratórios de Basel, na Suíça, onde Albert Hofmann sintetizou o LSD em 1943, essas substâncias sempre serviram como pontes entre o mundano e o transcendental, entre a realidade ordinária e as dimensões ocultas da consciência. Na década de 1960, o LSD, que outrora foi tão celebrado como um portal para a expansão da mente, foi sendo tragado pelas sombras do pânico moral, estigmatizado e banido para a ilegalidade. No entanto, o tempo, esse grande mestre implacável, traz consigo a redenção. Hoje, neurocientistas visionários como Robin Carhart-Harris, munidos de ferramentas de última geração, mapeiam meticulosamente os efeitos da psilocibina no cérebro. Seus estudos revelam que essa substância é capaz de reduzir a atividade do ‘’Default Mode Network’’ (DMN) que traduzida seria algo como "Rede de Modo Padrão" ou "Rede Cerebral em Repouso" . Trata aqui de um circuito neural interconectado, envolvendo regiões como o córtex pré-frontal medial, o córtex cingulado posterior, o lobo parietal inferior e o hipocampo. Essa rede é ativada quando o indivíduo não está focado em tarefas externas, funcionando como um "piloto automático" da mente durante estados de introspecção, devaneio ou autorreflexão, a região cerebral associada ao ego, à ruminação obsessiva e à incessante tagarelice psíquica. ''Será que o ‘reset cósmico’ é realmente novo?'' Ou é apenas a ciência, em sua lentidão burocrática, finalmente alcançando o que os curandeiros já sabiam há milênios?" (POLLAN, How to Change Your Mind, 2018). É como se o cérebro, antes aprisionado em padrões rígidos de pensamento e comportamento, ganhasse um "reset cósmico" , uma oportunidade de se reinventar, de se libertar das amarras do passado. Tais sinapses, antes enrijecidas pela repetição, se tornam maleáveis e abertas a novas conexões e possibilidades. A mente se torna assim uma terra fértil, pronta para ser cultivada com novas sementes. "O ‘psicodélico’ não tem o poder de criar o novo; seu potencial reside em revelar o antigo que jaz soterrado sob as ruínas do eu, esperando o momento certo para ressurgir." - Dan Mena. Um Diálogo no Limiar do Inconsciente DMT: A Molécula do Espírito e Suas Implicações para a Consciência Humana. Diante desse ‘’tsunami psicodélico’’ , levanto uma pergunta que desafia a própria noção de cura: e se Freud, ao invés de seu charuto, segurasse um cogumelo? O que ele faria com uma molécula que não pede licença para arrombar os porões da mente, rasgando os véus que a fala que por vezes, apenas acaricia? Quando Freud falava da compulsão à repetição como um rio subterrâneo que arrastava o sujeito de volta à cena traumática ou um retorno, que é ao mesmo tempo seria uma prisão na tentativa fracassada de restauração. Mas, eis o paradoxo dos psicodélicos: eles não desviam o rio, mas o transbordam. Como observou Grof, pacientes em estados alterados não relembram traumas — eles os reencarnam, reverberados em memórias pré-verbais, quase mitológicas, onde o corpo é palco e a consciência, espectadora atordoada. É a recorrência elevada ao potencial do ritual, onde o sofrimento, antes enclausurado, ganha asas de fênix. A psicanálise, com sua paciência arqueológica, varre camada por camada. Os psicodélicos, são como alquimistas que transformam essa escavação em erupção: derretem as muralhas do ego, e expõem fósseis psíquicos sob a luz crua de uma lanterna química. Mas cuidado — como argumenta James Fadiman, a substância é a chave, mas o terapeuta é o ladrão, aquele que sabe roubar segredos do caos e deve ter a proficiência de poder devolvê-los como narrativas conciliadoras. Como escreve Stanislav Grof, “as experiências psicodélicas frequentemente trazem à tona memórias perinatais e transpessoais, ampliando a consciência para além da biografia individual” – LSD Psychotherapy, 1980). E aqui, Lacan sussurra nos ouvidos da ciência: o Real não é um tesouro enterrado, mas o terremoto que revela que o chão sob nossos pés sempre foi ilusão. Os psicodélicos não "mostram" o Real — eles são o Real, uma erupção que dissolve a fantasia de controle, deixando o sujeito nu diante do espelho quebrado de si mesmo. Será que a psicanálise, em nosso rigor interpretativo, não teme justamente essa nudez? Ou será, afinal das contas, a única capaz de costurar uma nova roupagem para o rei desnudo, transformando delírio em diálogo? "O inconsciente não é um baú de segredos, mas um teatro em chamas. Os psicodélicos são os incendiários. Nossa tarefa? Aprender a dançar nas suas cinzas." - Dan Mena. O Renascimento Psicodélico: Como Está Transformando a Psicoterapia Moderna. Enquanto a ciência mede os neurotransmissores, a psicanálise pergunta: quem é o dono desse laboratório interno? E quando a química derruba as portas, será que o sujeito encontra o trauma ou apenas uma distorção de sua própria sede de infinito? "O Real não é aquilo que se esconde atrás do véu; é o véu que se dissolve quando o sujeito ousa olhar sem medo de ser despedaçado, quando se permite encarar a verdade nua e crua de sua própria existência." Dan Mena. Você acredita que algumas dores emocionais são tão cavadas que só podem ser acessadas por vias diferentes do diálogo ou da escuta? Quando a Química Se Encontra com a Alma A depressão resistente, aquela que teima em persistir apesar dos tratamentos convencionais, é um labirinto implacável, onde o Minotauro não é uma criatura externa, mas a própria escuridão que habita o interior do indivíduo. No entanto, a esperança renasce com os estudos promissores da MAPS (Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies), que demonstram que uma única dose de psilocibina, combinada com terapia de apoio, é capaz de reduzir os sintomas da depressão em até 80% dos casos, com efeitos duradouros por até 6 meses. Por que essa substância possui um poder tão transformador? A resposta reside na neuroplasticidade, a capacidade do cérebro de se reorganizar, de formar novas conexões sinápticas. Enquanto os antidepressivos tradicionais atuam como "amortecedores químicos" , aliviando os sintomas sem abordar a causa raiz, os psicodélicos parecem promover uma reconfiguração sináptica, permitindo que o indivíduo construa novas estradas neurais, caminhos e estradas para a Disney e o bem-estar. É a diferença entre tapar um buraco na estrada e reconstruir a estrada por completo. Nietzsche, em sua obra "Assim Falou Zaratustra" , antecipou: "É preciso ter caos dentro de si para dar à luz uma estrela dançante" . Poderíamos dar a essa frase esse peso em relação ao psicodélicos, esse caos organizado, uma força disruptiva que pode impulsionar para romper com o ‘’status quo’’ , questionando crenças limitantes e a sua própria reinvenção. "A cura não reside na fuga da sombra, mas na coragem de dançar com ela sob a luz de um sol para cada um, abraçando nossos demônios internos e os transformando em aliados." - Dan Mena. O que aconteceria se, ao invés de esconder nossos traumas, os percebêssemos com intensidade ritual? Na sua opinião: isso ajudaria a curar? O Potencial Terapêutico dos Psicodélicos: Desafios e Oportunidades. Ayahuasca e o Renascimento do Sagrado Esse ' 'chá ancestral dos povos amazônicos'' foi sempre um portal para o sagrado, um facilitador de experiências de morte e renascimentos simbólicos. Francisco Londoño, em sua obra "Trippy: The Awakening of Ayahuasca" , descreve cerimônias onde pacientes confrontam "fantasmas intergeracionais", traumas transmitidos de geração em geração, que aprisionam o indivíduo em padrões de sofrimento. "O sagrado não habita a substância; ocupa o espaço entre o que foi vomitado e o exposto, entre a purgação do sofrimento e a iluminação da compreensão." - Dan Mena. Ética, Risco e os Limites Psíquicos As palavras de Foucault batem com força: "Todo poder clínico carrega o risco de uma nova disciplina" . A comercialização desenfreada de retiros de ayahuasca e o uso recreativo descontrolado de psicodélicos são armadilhas perigosas. Rick Strassman, em sua obra "DMT: A Molécula do Espírito" , advertiu: "Experiências místicas não são atalhos para a maturidade espiritual" . A terapia psicodélica exige (preparo mental), ‘’setting’’ (ambiente seguro) e ‘’guidance’’ (acompanhamento). Sem essa tríade, o que poderia ser um facilitador terapêutico se transforma em um pesadelo, um gatilho para psicoses latentes. “As experiências psicodélicas têm o poder de desarmar os mecanismos de defesa do ego, permitindo acesso direto ao inconsciente profundo, onde reside não apenas a dor, mas também a sabedoria arquetípica” – Psychology of the Future, 2000.) - Stanislav Grof. É básico que o terapeuta possua uma formação sólida, um conhecimento assertivo dos efeitos psicodélicos e uma sensibilidade aguçada para lidar com as emoções raras que surgem, sem dúvidas durante a experiência. "A banalidade do mal reside também na ilusão de que a transcendência pode ser engarrafada e vendida como mercadoria, de que a iluminação pode ser alcançada através de um atalho químico." - Dan Mena. Será que estamos preparados para ver tudo o que o inconsciente guarda, de forma tão direta como os psicodélicos permitem? Reconstrução do Trauma (TEPT) O MDMA, conhecido popularmente no Brasil como "ecstasy" , surge como alternativa medicamentosa para aqueles que sofrem com o Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Temos relatos de psicanalistas americanos que em sessões controladas, essa substância reduz o medo e aumenta a confiança, permitindo que os pacientes revisitem memórias traumáticas sem se dissociarem da realidade. Ben Sessa, em sua obra "The Psychedelic Renaissance" , defende que o MDMA "não apaga o trauma, mas desarma sua carga emocional" . É uma reprogramação do arquivo cerebral, onde o evento permanece, mas perde o poder de definir quem somos. O trauma deixa de ser uma sentença de condenação perpétua e se torna uma cicatriz, uma marca de superação. Superando Vícios com Psicodélicos: Uma Abordagem Inovadora. Democratizando o Acesso à Cura Enquanto clínicas de elite cobram somas exorbitantes por tratamentos psicodélicos, comunidades periféricas continuam à margem dessa revolução terapêutica. A psicologia ambiental nos ensina que contexto é destino. Negar seu acesso é perpetuar uma violência epistêmica, uma injustiça social. Projetos como o Santo Daime no Brasil demonstram que é possível integrar tradição e ciência, mas a regulamentação ainda caminha a passos lentos aqui no Brasil. Como diz Byung-Chul Han, "a sociedade do cansaço prefere anestesiar a questionar" , a perpetuar o sofrimento em vez de buscar soluções inovadoras. "A descolonização da mente exige mais que discursos; exige soluções que quebrem as algemas invisíveis da angústia internalizada, que permitam ao indivíduo se libertar das opressões arcaicas." - Dan Mena. O Futuro da Terapia – Integração ou Ilusão? Estamos no limiar de um novo paradigma. A ketamina, já aprovada para depressão resistente nos EUA, é apenas a ponta de um iceberg. Mas a pergunta seria: "O que queremos dessa nova realidade?" A resposta pode estar na integração. Uma sessão psicodélica sem acompanhamento pós-experiência é como ler um livro sem sua interpretação, como assistir a um filme sem refletir sobre sua mensagem. Neal M. Goldsmith fala: "A trilha psicodélica é 10% experiência e 90% assimilação" . A integração é o processo de dar sentido a esse traquejo, e, traduzir as visões acolhidas em ações concretas e mudanças positivas. Você já sentiu que seu corpo “lembra” de coisas que sua mente esqueceu? "Na modernidade, até a cura deve aprender a se inserir entre a efemeridade do êxtase e a solidez do sentido, entre a promessa de transformação instantânea e a necessidade de um trabalho contínuo de autoconhecimento." - Dan Mena. Essa capacidade de romper com padrões mentais cristalizados remete ao conceito de “campo mórfico” de Rupert Sheldrake, onde “mudanças sondas em um indivíduo reverberam no campo coletivo, permitindo que outros também encontrem novas formas de ser” (The Presence of the Past, 1988). Minha Visão Psicanalítica da Terapia com Psicodélico s Apesar de Freud não ter vivenciado diretamente os efeitos dessas substâncias, lançou bases para uma teoria da mente que se mostra surpreendentemente relevante no contexto da amostragem psicodélica. Seguindo seus passos por exemplo, na noção de recalque, central na teoria freudiana, Aqui descreve o mecanismo pelo qual impulsos e memórias dolorosas são banidos da consciência, relegados ao reino obscuro do inconsciente. Os psicodélicos, ao diminuírem a atividade do ‘’default mode network’’ , parecem afrouxar ditas amarras do recalque, permitindo que conteúdos inconscientes afloram à consciência com maior facilidade. Essa emergência pode ser tanto libertadora quanto desafiadora. Por um lado, o indivíduo tem a oportunidade de confrontar traumas e conflitos não resolvidos, de elaborar emoções reprimidas e integrar partes de si mesmo que haviam sido negadas. Por outro, a avalanche de conteúdos inconscientes pode ser desestruturante e até mesmo traumatizante, caso não haja um terapeuta qualificado para guiar o processo. Ouvindo Lacan, outro mestre gigante da psicanálise, ao introduzir o conceito de "Real" , como dimensão da vivência que transcende a linguagem e a representação. O Real é o indizível, o traumático, o que resiste à simbolização. Dita experimentação psicodélica, em sua intensidade e estranheza, pode levar o sujeito a confrontar o ‘’Real’’ de maneira abrupta, vislumbrando sua fragilidade da realidade construída, e a questionar a própria identidade. Como psicanalista nesta posição, não sou apenas um guia, mas também uma testemunha, um ouvinte atento e compassivo, capaz de acolher o sofrimento do paciente e de ajudá-lo(a) a dar sentido à sua singularidade. O terapeuta, à semelhança do ‘’analista lacaniano’’ , deve se situar como um "objeto a" , um objeto causa de desejo, que impulsiona o paciente a buscar sua própria verdade, e construir sua narrativa particular. Assim como o poeta Arthur Rimbaud proclamava: "É preciso ser absolutamente moderno" , a terapia com psicodélicos nos convida a desafiar o novo, a questionar o estabelecido e a nos aventurarmos nos territórios desconhecidos da consciência. No entanto, é um percurso que deve ser amplamente discutido e guiada pela ética, pela responsabilidade e pelo respeito à integridade do indivíduo. Até que ponto o nosso "eu" é uma construção frágil que teme ser desfeito? Você já teve alguma experiência onde sentiu que perdeu o controle, mas ao mesmo tempo se encontrou? Cura Espiritual com Psicodélicos: Uma Perspectiva Contemporânea. A Última Fronteira É o Próprio Humano Ao longo deste artigo, desafiei, me arrisquei a abordar um tema que muitos psicanalistas nem ousam tocar na primeira letra. É portanto uma trilha tênue, uma corda quase invisível, como linha de pesca, que separa o ceticismo da crença, o racional do místico. A nova fronteira da terapia mental não se encontra nas moléculas em si, mas na nossa ousadia em redescobrir que a mente é um território incógnito ainda, vasto e inexplorado, repleto de mistérios e potencialidades. Os psicodélicos não representam a panaceia universal, a solução mágica para os males da alma. Eles são, antes de tudo, um repensar nossa concepção do que significa ser, questionando nossas crenças limitantes e provocando expandir a percepção da realidade. Como escrevi no início, citando Jung: "O psicodélico revela o antigo". Talvez o "antigo" que ansiamos resgatar seja a capacidade de nos maravilharmos com o infinito que reside em nosso interior, de nos conectarmos com a essência primordial, e a capacidade inata de amar, criar e nos transformar. "A única maneira de lidar com um universo absurdo é se tornar um revolucionário da própria existência — e nisso, os psicodélicos são tanto espelho quanto martelo: espelho que reflete nossa sombra e luz, martelo que quebra as correntes do conformismo’’ - Dan Mena. O que te parece mais curativo: calar a dor com medicamentos ou entender o que ela quer dizer? Ketamina e Outros Psicodélicos no Tratamento da Depressão: O Que a Ciência Revela. Por fim, quero fechar com duas citações pertinentes: “Não exploramos o mundo externo porque o conquistamos, mas porque temos medo de entrar em nós mesmos” - Clarice Lispector. E talvez, como sabiamente diz Lacan: ‘’não é o inconsciente que nos assusta, é o fato de que ele sabe demais sobre nós’’ . Referências Bibliográficas POLLAN, Michael. How to Change Your Mind: What the New Science of Psychedelics Teaches Us About Consciousness, Dying, Addiction, Depression, and Transcendence. 2018. Penguin Press. POLLAN, Michael. Como Mudar Sua Mente: O Novo Poder da Psicodelia. 2018. Companhia das Letras. FADIMAN, James. The Psychedelic Explorer's Guide: Safe, Therapeutic, and Sacred Journeys. 2011. TarcherPerigee. GROF, Stanislav. LSD Psychotherapy. 1980. Grove Press. GOLDSMITH, Neal M. Psychedelic Healing: The Promise of Entheogens for Psychotherapy and Spiritual Development. 2011. MAPS. SESSA, Ben. The Psychedelic Renaissance: Reassessing the Role of Psychedelic Drugs in 21st Century Psychiatry and Society. 2012. Muswell Hill Press. LEVINE, Stephen M. The Ketamine Papers: Science, Therapy, and Hope. 2020. Synergetic Press. Não disponível. KRIPPNER, Stanley; PITCHFORD, Daniel B. Psychedelic Psychotherapy: The Healing Potential of Expanded States. 2019. Inner Traditions. STRASSMAN, Rick. DMT: The Spirit Molecule: A Doctor's Revolutionary Research into the Biology of Near-Death and Mystical Experiences. 2000. Park Street Press. STRASSMAN, Rick. DMT: A Molécula do Espírito: Uma Pesquisa Revolucionária sobre a Biologia das Experiências de Quase-Morte e Místicas. 2010. Cultrix. SHRODER, Tom. Acid Test: LSD, Ecstasy, and the Power to Heal. 2014. Blue Rider Press. LONDOÑO, Francisco. Trippy: The Awakening of Ayahuasca. 2023. Celadon Books. BROWN, David Jay. Maps of the Mind: Interviews with Researchers, Therapists, and Designers of Consciousness-Altering Drugs. 2006. MAPS. MCKENNA, Terence. Food of the Gods: The Search for the Original Tree of Knowledge. 1992. Bantam Books. MCKENNA, Terence. Comida dos Deuses: A Busca pela Árvore do Conhecimento Original. 2010. Cultrix. GROF, Stanislav. Realms of the Human Unconscious: Observations from LSD Research. 1975. Viking Press. NARANJO, Claudio. The Healing Journey: New Approaches to Consciousness. 1973. Ballantine Books. WINKELMAN, Michael J.; ROBERTS, Thomas B. (Eds.). Psychedelic Medicine: New Evidence for Hallucinogenic Substances as Treatments. 2007. Praeger. Palavras Chaves #TerapiaComPsicodélicos #SaúdeMental #Psilocibina #MDMA #LSD #Ayahuasca #Psicoterapia #Depressão #Ansiedade #TEPT #Neurociência #Inconsciente #BemEstar #PsicologiaPositiva #TerapiaOnline #InclusãoPsicológica #PsicologiaAmbiental #PsicologiaEsporte #ViésesCognitivos #Felicidade #danmenapsicanalise #blogpsicanalise FAQ - Perguntas Frequentes para a Escuta Psicanalítica Observações Importantes; No momento o uso terapêutico de psicodélicos no Brasil, incluindo a ayahuasca, só pode ser realizado dentro de pesquisas científicas previamente autorizadas pelas autoridades competentes: (ANVISA). Está autorizada em diversos países, embora com diferentes regulamentações e condições. Alguns deles onde existem programas ou autorizações para terapia incluem: Estados Unidos : Existe um interesse crescente em ensaios clínicos autorizados pela FDA que estão em andamento para tratar condições como transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e depressão resistente ao tratamento. Canadá : O uso terapêutico de psicodélicos, como a psilocibina, está sendo explorado com ensaios clínicos e autorizações específicas. Reino Unido : O NHS (Sistema de Saúde do Reino Unido) conduz ensaios clínicos com psilocibina para tratamento de depressão resistente. Brasil : Recentemente, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autorizou o uso compassivo de psilocibina e MDMA para tratamento de doenças mentais graves. Holanda : Embora não oficialmente aprovada, há discussões e programas de pesquisa em andamento com psicodélicos. Suíça : Psicoterapeutas têm permissão para usar psicodélicos em terapia, em contextos específicos e com regulamentação rigorosa. Verifique as regulamentações locais específicas, pois a legalidade e as condições para terapia com psicodélicos podem variar significativamente de país para país. O que é terapia com psicodélicos?  → É o uso de substâncias como psilocibina e MDMA em sessões clínicas controladas, com o objetivo de tratar transtornos mentais e promover experiências terapêuticas profundas. Quais substâncias são usadas na terapia psicodélica?  → Psilocibina, MDMA, LSD, ayahuasca e ketamina são as mais utilizadas, cada uma com propriedades específicas que facilitam diferentes formas de acesso ao inconsciente. É seguro fazer terapia com psicodélicos?  → Quando realizada em ambientes clínicos controlados e com acompanhamento profissional, é considerada segura. Fora desse contexto, há riscos físicos e psíquicos importantes. Quais transtornos a terapia psicodélica pode tratar?  → Depressão, ansiedade, TEPT, dependência química e transtornos relacionados a traumas são as indicações mais comuns, com resultados promissores em estudos clínicos. Como a psilocibina funciona na terapia?  → Ela altera a percepção e diminui as barreiras do ego, permitindo o contato com conteúdos emocionais profundos e reprimidos, favorecendo insights e reestruturações internas. O que é MDMA na terapia?  → O MDMA facilita o processamento de traumas ao reduzir o medo e aumentar a empatia, sendo especialmente eficaz no tratamento do TEPT, segundo estudos internacionais. A terapia com psicodélicos é legal no Brasil?  → Ainda não é regulamentada, mas existem pesquisas em andamento, como as desenvolvidas pelo Instituto Phaneros, que buscam embasamento científico e respaldo ético. Como a neurociência apoia a terapia psicodélica?  → Estudos demonstram que psicodélicos alteram redes neurais e aumentam a plasticidade cerebral, o que favorece novas conexões e formas de pensar, sentir e agir. Qual é o papel do inconsciente na terapia psicodélica?  → Os psicodélicos facilitam o acesso a conteúdos inconscientes, como memórias reprimidas e emoções não verbalizadas, permitindo que sejam ressignificados terapeuticamente. Psicodélicos podem melhorar o bem-estar?  → Sim. Muitos relatos e pesquisas apontam para aumento na sensação de conexão, felicidade e propósito de vida após sessões terapêuticas bem conduzidas. O que é psicologia positiva e como se relaciona?  → É uma abordagem que valoriza aspectos como resiliência, gratidão e felicidade — dimensões que também emergem nas experiências com psicodélicos, ampliando seus efeitos. Como a terapia online se conecta aos psicodélicos?  → A psicoterapia online pode ser uma aliada na preparação para sessões com psicodélicos e, especialmente, na integração das experiências vividas, tornando-as mais transformadoras. Por que a inclusão é importante na terapia psicodélica?  → A inclusão garante que pessoas de diferentes origens e culturas tenham acesso seguro e ético ao tratamento, respeitando suas histórias e singularidades. Como o meio ambiente afeta a saúde mental?  → A crise climática e a degradação ambiental geram angústias existenciais e ecológicas, que podem ser acolhidas e transformadas em processos terapêuticos com psicodélicos. O que são vieses cognitivas na psicologia?  → São distorções inconscientes do pensamento que afetam decisões e percepções. Na terapia psicodélica, esses vieses podem ser revelados e trabalhados com mais clareza. Visite minha loja ou site: https://uiclap.bio/danielmena https://www.danmena.com.br ORCID™ - Pesquisador - iD logo são marcas comerciais usado aqui com permissão. "Open Researcher and Contributor ID" Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199. Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130.Dr. Honoris Causa em Psicanálise pela Christian Education University — Florida Department of Education — USA. Enrollment H715 — Register H0192. De 1 a 5 - Quantas estrelas merece o artigo? Deixe seu relato abaixo em COMENTÁRIOS.

  • Feminicídio - Violência, Perseguição e Morte.

    A ferida narcísica coletiva e sua relação com o feminicídio no Brasil. Desnudando a Alma da Violência Antes de adentrar no tema profissionalmente, devo me lembrar que carrego em mim a memória viva das mulheres que me fizeram homem: uma mãe que teceu dias e noites para me proteger, irmãs que desbravaram horizontes estreitos com unhas e dentes, filhas que me ensinaram a ver o mundo não apenas com meus olhos, mas com os delas. São essas vozes — suaves, rugosas, resilientes — que me sussurram: Maria não é um nome solitário. É um espelho refletindo milhões de rostos: mães que carregam mundos nas costas, filhas que brincam sob a sombra de um medo que ainda não nomearam, avós que enterram segredos nas dobras do tempo. Ao amanhecer, a rotina de Maria parece trivial: o aroma do café se mistura ao caos matinal de filhos famintos e tarefas infindáveis. Cada gesto — abrir a janela, arrumar mochilas, esconder um bocejo na manga da camiseta — são na verdade, atos invisíveis de resistência. A esperança, aqui, não é um sentimento abstrato, pois o relógio avança enquanto ela corre contra ele. Mas quando o sol se põe, essa mesma mulher — que personifica a força em cada fissura — é silenciada. Não por um acaso do destino, mas pela mão que um dia acariciou seu rosto e depois se fechou em punho. Alguém que jurou amor, embora confunda afeto com posse, proteção com controle, ciúme com direito. O feminicídio não é um fim abrupto: é a última linha de um roteiro escrito a sangue frio. Me pergunto: que abismos psíquicos engolem um homem até que ele enxergue no extermínio da mulher um ato de "honra", "paixão" ou "justiça"? Não há respostas, podemos considerar algumas pistas. Entre elas, destaco a ‘’ferida narcísica coletiva’’ . "No feminicídio, o agressor destrói o espelho que reflete sua ruína." - Dan Mena. A psicologia por trás do feminicídio: entendendo a mente do agressor. O Retrato Social A noção de ferida narcísica remonta a Freud, ele descreveu o narcisismo como uma etapa fundamental do desenvolvimento psíquico, onde o ego investe a libido em si mesmo. Quando ferido — seja por uma rejeição, uma humilhação ou a ameaça de perder controle —, a reação pode ser violenta, uma tentativa desesperada de restaurar a ilusão de ''suposta grandiosidade ameaçada' '. Aplicada ao contexto social, se refere a uma ‘’fratura na identidade grupal’’ , especialmente em estruturas de poder historicamente dominantes (como o patriarcado). Quando um sistema baseado em hierarquias rígidas — onde homens são socializados para se verem como provedores, controladores e centrais — desafiado pela autonomia feminina, surge uma crise. A emancipação das mulheres, a contestação de papeis de gênero e a perda de "privilégios simbólicos " (como a posse sobre o corpo e o tempo da mulher) são vividas, por alguns homens, como uma ameaça existencial à sua própria identidade. Desdobramentos psíquicos e sociais: A ilusão da completude: Na psicanálise lacaniana, o sujeito é marcado por uma falta constitutiva. No patriarcado, porém, se ensina aos homens que essa falta pode ser preenchida pela dominação do "outro" (neste caso, a mulher). Quando essa fantasia é quebrada — e ela se recusa ser objeto de completude —, o golpe narcísico aflora. A violência se torna então, uma tentativa patológica de restaurar a ilusão de onipotência perdida. Masculinidade como performance frágil: A masculinidade hegemônica é construída sobre mitos de invulnerabilidade e dominação. Quando um homem é confrontado com sua própria vulnerabilidade (um divórcio, uma independência financeira da parceira, uma recusa sexual), a ferida narcísica coletiva se manifesta como ódio projetado: ele não ataca a própria debilidade, mas a mulher que a espelha. A cultura como espelho deformado: A sociedade patriarcal atua como um ‘ ’grande Outro’’ que valida e normaliza essa fenda. Piadas misóginas, a romantização do ciúme ("quem ama, cuida") , e a ideia de que a mulher é uma "propriedade" a ser defendida reforçam a narrativa de que a agressão é legítima para "reparar" a honra vista como ferimento. O assassinato como ato "restaurador": No feminicídio, o agressor não mata apenas uma mulher: mata o símbolo do que o confronta com sua própria inadequação . É um ato de negociação delirante com o próprio ego, onde extinguir o "outro" parece a única forma de recuperar uma identidade em colapso . Como escreveu Contardo Calligaris: “Os crimes passionais são crimes de orgulho: mato para não ter que admitir que não sou quem eu pensava que era”. A importância da rede de apoio na prevenção do feminicídio e violência doméstica. Ele faz uma crítica contundente à ideia de que crimes passionais são motivados por "amor" ou "paixão" . Ele desloca o foco para o ‘ ’narcisismo ferido’’ ’ do agressor: "Não sou quem eu pensava que era" : O feminicida mata para evitar o colapso de sua auto-imagem grandiosa e estereotipada (o homem provedor, dominador, "dono" da mulher'' ). A citação expõe a ‘’mentira social’’ por trás do termo 'passional' , que romantiza a violência, e revela a raiz do problema: uma identidade masculina construída sobre ilusões de superioridade, que se esfacela quando confrontada com a autonomia feminina. Por que a ferida é coletiva? Não se trata de patologia individual, mas de uma dinâmica social internalizada. A ferida narcísica coletiva é alimentada por: Mitologias culturais : Narrativas que glorificam homens como "senhores do destino" (herois, conquistadores). Falhas na simbolização : A incapacidade de elaborar simbolicamente a igualdade de gênero, substituindo hierarquias por relações de alteridade. Transmissão geracional : Meninos aprendem que "homem não chora" , mas dominam; meninas aprendem que "amar é sofrer" . Um ‘’ego’’ que só se reconhece inteiro ao reduzir o outro a fragmentos e pulverização. O assassino não é um monstro à parte da sociedade — ele é o fruto podre de uma árvore plantada em solo arcaico, regado por piadas misóginas, leniência institucional e a romantização do sofrimento feminino ("ele bate, mas ama") . "Educar é dissolver os mitos que transformam homens em algozes e mulheres em presas." - Dan Mena. Parece que estamos assistindo a um ''teatro de horror'' . Somos uma plateia silenciosa. Chamamos o feminicídio de "crime passional" , como se houvesse paixão no ato de esvaziar um corpo de sua humanidade. Minimizamos agressões como "brigas de casal" , como se o lar fosse um território neutro, não um campo de guerra invisível. Consumimos histórias onde a posse é confundida com romance, e depois nos perguntamos por que o ciclo persiste. Esse espiral exige mais que discursos — exige mudanças. Lentes que naturalizam a violência: nas escolas, onde meninas aprendem a se encolher e meninos a se expandir; nas leis, que muitas vezes chegam tarde demais; na cultura, que transforma corpos femininos em territórios a serem conquistados. Precisamos olhar para Maria e ver nela não uma vítima, mas uma guerreira interrompida. Reconhecer que cada vida truncada é um fracasso épico da humanidade compartilhada. Uma Análise Histórica da Aniquilação Feminina O termo "feminicídio" bate como um lamento que carrega o peso de séculos de opressão. Não se trata de um mero homicídio, mas de um crime impregnado de gênero, uma execução deliberada que encontra suas raízes no ódio, no controle e na subjugação da’’ mulher enquanto mulher’’. O conceito, que foi lançado na década de 1970 por ativistas feministas, ganhou contornos acadêmicos com as estudiosas Jill Radford e Diana E. H. Russell, que o definiram como "o assassinato de mulheres por homens motivado por misoginia" . Essa definição transcende a mera técnica, onde o podemos enxergar como um ato político, um espelho de uma sociedade que ainda luta para reconhecer a mulher como sujeito pleno de direitos, como diria Simone de Beauvoir em "O Segundo Sexo" . A violência contra elas é tão antiga quanto as primeiras sociedades. Gerda Lerner, em "The Creation of Patriarchy ", argumenta que o controle sobre o corpo e a vida das mulheres foi um dos pilares da construção das hierarquias sociais. Nos tempos do Código de Hamurabi, a mulher era legalmente vista como propriedade do pai ou do marido, um objeto que podia ser castigado, trocado ou destruído. Na Idade Média, as leis feudais reforçaram essa lógica, punindo com a morte a mulher que "desonrou" o marido. Tais padrões não desapareceram, apenas se metamorfoseiam na atualidade, se adaptando às eras, mas mantendo sua essência. Leis de proteção contra o feminicídio: avanços e desafios no Brasil. "A empatia é o antídoto para um mundo que normaliza a violência." - Dan Mena. No Brasil, o tema é uma chaga aberta. Jeová Rodrigues Barbosa, em "Feminicídio no Brasil" , demonstra que milhares de mulheres são assassinadas anualmente, muitas vezes por seus próprios namorados, parceiros ou ex, também isso se confirma facilmente nos noticiários. O que distingue o feminicídio de outros homicídios é a motivação: a vítima é morta por ser mulher, por desafiar o domínio masculino, mesmo que de forma sutil ou inconsciente. O crime frequentemente representa o ápice de uma escalada de abusos: insultos que evoluem para tapas, tapas que se transformam em surras, e surras que culminam na morte. Um roteiro trágico que se repete com assustadora regularidade. Por que falhamos em proteger essas mulheres? A resposta reside na história, nas leis brandas e na cultura que ainda romantiza o controle masculino, perpetuando a misoginia denunciada por Jack Holland em "Misogyny: The World's Oldest Prejudice" . "O feminicídio é a expressão mais extrema de uma guerra travada contra as mulheres, uma batalha cujas armas são o poder e o silêncio. " – Rita Segato, La Guerra Contra las Mujeres (2016). A Mente do Agressor O que leva um homem a assassinar a mulher que ele afirmava amar? A resposta não reside na superfície da raiva ou do ciúme. Estudos como os de Jackson Katz, em "The Macho Paradox" , expõem que muitos agressores compartilham traços como narcisismo, baixa tolerância à frustração e uma visão distorcida de poder . Eles não matam em um momento de fúria, mas sim, porque acreditam ter o direito de decidir sobre a vida da vítima, como se fossem donos de sua existência. Agressores sempre exibem comportamentos obsessivos, como monitorar redes sociais, ligar incessantemente ou isolar a vítima de sua rede de apoio. Um estudo recente da Universidade de São Paulo (USP) sobre violência doméstica mostra que a maioria das mulheres assassinadas por seus parceiros já havia sofrido abusos psicológicos prévios, como humilhações e ameaças. Tais atos não são aleatórios, mas sim táticas de poder, formas de "treinar " a vítima a se submeter. "A rede de apoio é o fio que costura a esperança onde o medo rasgou." - Dan Mena. Ademais, muitos deles carregam traumas não resolvidos. Um histórico de abuso na infância ou exposição a modelos violentos pode normalizar a agressividade como resposta a conflitos. Isso não justifica a violência, mas demonstra que ela é um ciclo aprendido, não um instinto inato. Romper essa configuração psíquica exige intervenção psicológica séria, algo que nossa sociedade raramente oferece. A violência também é alimentada por crenças culturais. A ideia de que o homem "deve" ser o ''provedor e a mulher " cria uma caixa fechada para o feminicídio. Quando essa ordem é desafiada, o agressor reage como se sua identidade estivesse em xeque. É um paradoxo: ele mata para afirmar poder, mas revela, na verdade, sua impotência diante da liberdade alheia , como ressalta Michael Kimmel em "The Gendered Society" . "A violência masculina não é um desvio; é um produto apreendido de uma cultura que equipara masculinidade à posse." – Michael Kimmel. Gaslighting e feminicídio: como a manipulação psicológica leva à violência extrema. O Inconsciente Patriarcal O inconsciente é como um território selvagem irrigado por um patriarcado enraizado na cultura. Lacan, com seu conceito de "Nome-do-Pai" , nos ajuda a entender como a lei simbólica masculina estrutura o desejo e o poder. O feminicídio, nesse sentido, é um ‘’acting out’’ , ("passagem ao ato") se refere a um conceito base da psicanálise que descreve a manifestação de conflitos psíquicos inconscientes por meio de ações, geralmentes impulsivas, em vez de serem elaboradas verbalmente ou simbolicamente. Seria um mecanismo de defesa distorcido, conteúdos recalcados que o sujeito não consegue acessar conscientemente) logo aparece uma explosão do inconsciente que não tolera a mulher como livre de amarras. O patriarcado não é apenas um sistema social externo, mas uma ferida psíquica internalizada. Quando uma mulher rompe o ‘’script’’ , o agressor reage como se sua própria existência estivesse em risco. Não se trata apenas sobre ela, mas sobre o que ela representa: a ameaça à ordem que o valida como homem . Psicanaliticamente, isso é uma ‘’pulsão de morte’ ’, não só contra a vítima, mas contra a possibilidade de um mundo onde ele não seja o centro. No caso do tema, o instigador pode invejar a capacidade da mulher de ser autônoma, de criar vida, de existir fora dele. Essa inveja se transforma em ódio, e o ódio em um desejo de destruir o que não pode ser possuído. Outro aspecto é o mecanismo de projeção. O acometedor projeta suas fraquezas na vítima, a transformando no "problema" a ser eliminado . Esse sujeito geralmente está preso ao "Imaginário" , incapaz de entrar no "simbólico" onde a alteridade é aceita. Entendendo ou Simbólico e o Imaginário Nossa fala reflete a dinâmica entre os registros do Imaginário e do Simbólico. O Imaginário é o campo das imagens, identificações e ilusões de completude , onde o sujeito se fixa em relações dualistas (como o "eu" versus o "outro" no espelho de si) busca desta forma uma unidade narcísica. Quando falamos na psicanalise estar "preso ao Imaginário " sugerimos que o individuo não consegue transcender essa ' 'lógica egocêntrica e fusional' ', permanecendo incapaz de reconhecer a diferença ou a alteridade (o outro como distinto) . O Simbólico, por outro lado, é o domínio da linguagem, a lei e a cultura, onde o sujeito se insere em uma ordem social que estrutura as relações e aceita a alteridade. Entrar no ''contexto simbólico'' implica reconhecer o outro como um sujeito separado, mediado pelas regras e significações compartilhadas, o que exige a renúncia à ilusão de completude imaginaria e ficcional . Assim, a expressão indica que o sujeito descrito está fixado em uma lógica narcísica e imaginária, resistindo à entrada no simbólico, onde a aceitação da alteridade e a mediação pela linguagem permitiriam relações mais estruturadas e menos centradas no eu . Isso pode apontar para dificuldades em lidar com a diferença, a castração (no sentido lacaniano) ou a inserção na ordem social. "O patriarcado é uma neurose coletiva que transforma o outro em ameaça." – ''Shulamith Firestone, The Dialectic of Sex' ' (1970). Feminicídio no Brasil: a violência de gênero e o silêncio da sociedade. A Sociedade que Sustenta a Violência A sociedade não apenas tolera essa violência, mas o alimenta com normas, silêncios e justificativas. Judith Butler, em "Gender Trouble" , nos lembra que o gênero é uma performance imposta, e quando a mulher sai desse palco predeterminado, o castigo é brutal. No Brasil, as estruturas sociais criam um panorama acolhedor para o tema. A desigualdade econômica deixa muitas mulheres presas a parceiros abusivos por falta de recursos. A romantização do amor possessivo normaliza o controle. Carla Cristina Garcia, em "Feminicídio: Uma Análise Sociojurídica" , destaca que a impunidade é o oxigênio desse crime historicamente. Quando agressores saem impunes ou recebem penas leves, a mensagem é clara: a vida delas importa menos . A mídia também tem seu papel sombrio, tratando o tema como espetáculo, focando na brutalidade, mas raramente nas causas. Precisamos de uma mídia que eduque, que mostre os sinais de alerta e cobre responsabilidade. As instituições, por sua vez, falham miseravelmente, com delegacias sobrecarregadas e sub-financiadas. Muitas vítimas não denunciam por medo, vergonha ou desconfiança no sistema, que também não protege eficazmente. Mulheres que fizeram dezenas de boletins de ocorrência, tem medidas judiciais protetivas consolidadas, chamaram a policia dezenas de vezes, acabam mortas. Alguma coisa está muito errada, não é verdade? Isso denota uma crise na ordem simbólica da ordem social , onde as instituições falham em sua função de mediar as pulsões, proteger os sujeitos e simbolizar o trauma. Esse erro, deixa as vítimas presas entre o Imaginário (vergonha, medo) e o Real (violência, morte) , sem acesso a uma elaboração estrutural que poderia interromper o ciclo de violência. Esse laço civilizatório, sustentado pelo Simbólico, está quebrado, permitindo que a pulsão de morte prevaleça. A educação é outro ponto cego. Crianças crescem vendo modelos de gênero rígidos, e sem uma educação que desconstrua isso desde cedo, o patriarcado se renova a cada geração. Somos todos cúmplices quando fechamos os olhos. Cada piadinha sexista, cada silêncio diante de um grito, tipo "deixa pra lá" é um passo rumo a próxima vítima. R.W. Connell, em "Gender and Power ", nos lembra: "A violência contra as mulheres é um mecanismo de controle social que mantém o patriarcado intacto." – R.W. Connell, Gender and Power (1987). A interseccionalidade no feminicídio: raça, classe e vulnerabilidade das mulheres. Redes Sociais: Amplificadoras da Misoginia ou Ferramentas de Denúncia? As redes são como uma alma coletiva, e o que refletem nem sempre é bonito. Por um lado, dão voz às vítimas com movimentos como o #NiUnaMenos. Por outro, são um megafone para a misoginia, com posts que culpam mulheres por "provocarem" seus agressores ou que romantizam os ciúmes doentios. Sara Ahmed, em "The Cultural Politics of Emotion" , nos alerta que as emoções circulam online e constroem realidades, algumas delas tóxicas. O ódio digital muitas vezes é o primeiro passo para a violência física. Grupos de ódio usam plataformas para atacar mulheres que desafiam normas de gênero. A linha entre o virtual e o real é tênue, e o feminicídio muitas vezes começa com palavras digitadas. A polarização também complica o cenário. Enquanto feministas lutam por visibilidade, a ‘’backlash’’ online cresce. Redes ampliam tanto o grito das vítimas quanto o veneno dos agressores. Para mudar isso, precisamos de educação digital e moderação mais rigorosa nas plataformas. Ensinar empatia online desde cedo e punir discursos de ódio com agilidade pode reduzir o impacto negativo. "O digital não cria o ódio; ele o organiza e o amplifica." – Sara Ahmed, ' 'The Cultural Politics of Emotion' ' (2004). A Luta Pela Liberação Feminina e o Contra-Ataque do Patriarcado Simone de Beauvoir escreveu: "Não se nasce mulher, torna-se." Mas o que acontece quando esse "se tornar" desafia o mundo ao seu redor? Susan Faludi, em "Backlash" , descreve como cada avanço feminino provoca uma reação violenta. A autonomia das mulheres é vista como uma ameaça existencial por homens presos a tradições. A mídia reforça essa tensão, muitas vezes retratando mulheres independentes como "frias" ou "arrogantes" , enquanto homens ciumentos são "apaixonados" . Esse ‘’backlash’ ’ não é só individual, mas estrutural, com políticos conservadores defendendo "valores tradicionais" que colocam a mulher como subordinada. O feminicídio é a expressão mais extrema dessa resistência: se mata a mulher para "restaurar" a ordem. Vítimas Vulneráveis Nem todas elas enfrentam o problema da mesma forma. Raça, classe e gênero se cruzam, criando camadas de vulnerabilidade que não podemos ignorar. Mulheres afrodescendentes e menos favorecidas economicamente são desproporcionalmente alvo desse crime. No Brasil, elas têm o dobro de chance de serem assassinadas em comparação com as caucasianas. Esses números são o resultado de um sistema que abandona quem está nas margens. A ‘’interseccionalidade’’, termo criado por Kimberlé Crenshaw, nos obriga a olhar além do óbvio. Não basta falar de "mulheres" como um grupo homogêneo, pois as opressões se entrelaçam. "A violência de gênero é inseparável das hierarquias de raça e classe." – Rita Segato, Feminicidio en América Latina (2010). Como prevenir o feminicídio: estratégias de proteção e conscientização social. Estratégias de Prevenção e Intervenção Desconstruir mitos de gênero é o primeiro passo para combater o problema. Na clínica, vejo que terapias focadas em ‘’masculinidade tóxica’’ podem desarmar agressores em potencial, enquanto o acolhimento às vítimas é essencial para romper o silêncio. Socialmente, precisamos de leis mais rigorosas e políticas públicas que funcionem. A prevenção começa na educação, com crianças aprendendo desde cedo que respeito e igualdade não são negociáveis. A intervenção psicológica é outro pilar. Homens com histórico de violência, podem se beneficiar de terapias que explorem suas inseguranças e que derrubem a ideia de posse . Para as vítimas, o apoio é vital. Terapias que validem a dor e ofereçam ferramentas práticas podem salvar vidas. Socialmente, precisamos de mais abrigos, linhas de apoio 24 horas e treinamento para policiais e médicos reconhecerem sinais de risco. A justiça também precisa agir, com juízes sensibilizados e processos ágeis. Por fim, a sociedade deve se envolver. Vizinhos que ouvem gritos, amigos que notam hematomas, familiares que percebem o isolamento, todos têm um papel. Identificando o Perigo: Perfis Homicidas e Estratégias de Proteção Os passos desse agressor seguem um padrão : aproximação com charme e idealização, controle e isolamento, escalada com ameaças e violência, e, por fim, o feminicídio com a destruição final. Sinais de alerta incluem ciúmes extremos, controle sobre finanças, mudanças de humor bruscas e ameaças. Estratégias de proteção incluem confiar em seus instintos, manter uma rede de apoio, planejar uma saída e continuar denunciando (a pesar da falha). É fundamental enfatizar que a independência feminina é um direito, não uma provocação. Mulheres são livres para expressar sua sexualidade sem medo, e homens devem aprender a respeitar isso . Eu vejo um futuro onde o silêncio não seja mais arma, mas ponte para o entendimento, onde as mulheres não sejam sombras de roteiros alheios, mas autoras de suas próprias histórias, livres para amar, trabalhar e existir sem medo. Esse amanhã não é utopia, é uma escolha. A mudança começa com homens questionando o privilégio que os cega, mulheres se erguendo sem culpa e a sociedade dizendo "basta" com ações, não só palavras. O Gaslighting É uma forma de manipulação psicológica em que uma pessoa ou grupo semeia dúvidas na mente da outra, a fazendo questionar sua própria memória, percepção ou sanidade. O termo vem do filme ‘’Gaslight (1944)’’ no qual um marido manipula a esposa ao alterar o ambiente (como diminuir luzes de gás) e negar as mudanças, a levando a acreditar que está enlouquecendo. Táticas Principais - Negação e Mentiras O ‘’gaslighter’’ nega fatos ou conversas, mesmo diante de evidências. Banalização dos Sentimentos : Despreza emoções do outro como "drama" ou "frescura" . Distorção da Realidade : Apresenta versões falsas de eventos para confundir. Isolament o: Afasta a vítima de amigos/família para aumentar a dependência. Projeção : Acusa a vítima de comportamentos que ele mesmo pratica. Motivações Controle : Dominar a vítima emocionalmente. Fuga de Responsabilidade : Evitar culpa por ações próprias. Manipulação : Mantém a vítima insegura e submissa. Sinais Dúvida constante sobre suas memórias ou percepções. Se perceber excessivamente sensível. Pedir desculpas frequentes, mesmo sem culpa. Isolamento progressivo de pessoas próximas. Impactos na Vítima Emocionais : Ansiedade, depressão, autoestima fragilizada. Cognitivos : Dificuldade de confiar no próprio julgamento. Sociais : Isolamento e dependência emocional. Contextos Comuns Relacionamentos abusivos, famílias disfuncionais, ambientes de trabalho tóxicos. Pode ocorrer de forma intencional (para controle) ou inconsciente. Diferença de Conflitos Normais A diferença de embates se dá observando que não se trata de desentendimentos pontuais, mas de um ‘’padrão sistemático’’ para minar a autopercepção da vítima. Gaslighting é uma forma grave de ''abuso emocional'' . Se identificar esses sinais, priorize sua saúde mental. Provocações Sensuais e Reflexão Um ponto sensível: às provocações públicas sensuais. Quero ser claro: nada justifica o ato. A violência é sempre culpa do agressor . Mas, em um mundo ainda patriarcal, algumas mulheres usam a sexualidade como poder ou até como forma de "testar" o parceiro , o que pode gerar tensões. Por exemplo, uma mulher que busca independência, mas mantém o homem como "projeto" emocional ou financeiro , vai desenvolver um conflito de expectativas. Isso não é culpa dela, mas, uma contradição que merece reflexão. Como a educação pode combater o feminicídio nas futuras gerações. “A violência não é uma resposta ao desejo; é a falência do diálogo.” - Dan Mena. Observação Importante ; As fotos utilizadas para ilustrar este artigo são meramente produtos fotográficos profissionais sob licença da Pixabay concedidas ao autor do artigo. Equivalem a representações teatrais de maquiagem, cenários e figurações de atores(as). Em hipótese alguma devem ser consideradas como reais, ter ligação ou associação com crimes, ódio contra a mulher, violência doméstica, assassinatos, armas são cenográficas, racismo ou perseguições contra quem seja. FAQ – Feminicídio: Violência, Perseguição e Morte O que é feminicídio e como ele se difere do homicídio comum? → Feminicídio é o assassinato de uma mulher motivado por razões de gênero, muitas vezes resultado de violência doméstica, controle, ódio ou desprezo. Diferencia-se do homicídio comum por sua motivação misógina. Por que o feminicídio deve ser analisado também sob a ótica psicanalítica? → Porque envolve pulsões inconscientes de domínio, frustração e negação da alteridade feminina, exigindo mais do que punição: é preciso compreender as raízes emocionais do agressor e do sistema. Quais são os principais fatores psíquicos que desencadeiam o feminicídio? → Fracasso narcísico, sentimento de posse, medo da perda e traumas não elaborados que transformam o amor em destrutividade. O que leva um homem a perseguir uma mulher até matá-la? → A incapacidade de aceitar o fim da relação ou a autonomia feminina pode ativar mecanismos de regressão, ódio e desejo de aniquilação. Como a infância traumática do agressor pode influenciar o comportamento violento? → Relações familiares abusivas ou negligentes podem criar uma estrutura psíquica fragilizada, propensa a repetir violências para manter controle e identidade. Por que muitas mulheres não denunciam seus agressores? → Medo, dependência emocional ou financeira, vergonha, culpa introjetada e promessas manipuladoras criam um ciclo de silêncio e submissão. Como a sociedade contribui para a perpetuação do feminicídio? → A cultura patriarcal, a objetificação da mulher e a impunidade institucional normalizam comportamentos de violência e posse. O que diferencia uma relação abusiva de um conflito comum de casal? → O abuso envolve manipulação, humilhação, controle sistemático e violência emocional ou física. É desequilíbrio de poder, não desentendimento pontual. O que acontece na mente do feminicida no momento do crime? → Há uma fusão entre raiva, dor narcísica e perda de controle do ego. É um colapso psíquico onde o objeto de amor se torna alvo de destruição. Como prevenir o feminicídio em nível social e individual? → Por meio de educação emocional, fortalecimento da autoestima feminina, quebra de padrões culturais e acolhimento psicológico das vítimas e dos agressores. O feminicídio pode ser previsto? → Sinais de controle excessivo, ciúmes patológicos, ameaças, isolamento e histórico de violência indicam alto risco e devem ser levados a sério. Existe tratamento psicológico eficaz para agressores? → Sim, mas exige compromisso e reconhecimento do problema. A psicoterapia pode reestruturar padrões inconscientes de violência e misoginia. Por que o feminicídio impacta toda a sociedade? → Porque atinge o núcleo da vida social — as relações afetivas. Gera medo coletivo, perpetua desigualdades e enfraquece o tecido moral da comunidade. Qual o papel da mídia na abordagem do feminicídio? → A mídia deve informar com responsabilidade, evitar espetacularização e reforçar a compreensão estrutural do problema, sem culpabilizar a vítima. Como a psicanálise explica o desejo de posse sobre o outro? → O desejo de posse está ligado a uma estrutura narcísica frágil, que vê o outro como extensão de si, não como sujeito separado. Como educar emocionalmente meninos para evitar futuros comportamentos violentos? → Ensinar empatia, diálogo, tolerância à frustração e respeito à diferença desde cedo é essencial para construir masculinidades saudáveis. Qual é o impacto do feminicídio na saúde mental das famílias das vítimas? → Trauma, luto complicado, culpa, medo e sentimento de injustiça se somam, exigindo acompanhamento psicológico a longo prazo. Como acolher uma mulher em situação de violência? → Com escuta empática, sem julgamentos, oferecendo apoio prático e emocional, além de direcionamento a serviços especializados. Qual a relação entre feminicídio e narcisismo patológico? → O narcisista não suporta a rejeição, pois ela fere seu “eu ideal”. O rompimento pode acionar um desejo de destruição do objeto que o confronta. Como transformar o luto social causado pelo feminicídio em ação? → Por meio de políticas públicas eficazes, campanhas de conscientização, escuta ativa e mudanças culturais profundas sobre gênero e poder. Referências Bibliográfica s Ahmed, Sara – The Cultural Politics of Emotion (2004, Routledge) Barbosa, Jeová Rodrigues – Feminicídio no Brasil (2019, Editora Appris) Beauvoir, Simone de – The Second Sex (1949, Vintage Books) Butler, Judith – Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity (1990, Routledge) Connell, R. W. – Gender and Power: Society, the Person, and Sexual Politics (1987, Stanford University Press) Dobash, R. Emerson & Dobash, Russell P. – Violence Against Women: A Critique of the Due Diligence Standard (2015, Open University Press) Engels, Friedrich – The Origins of the Family, Private Property and the State (1884, Penguin Classics) Faludi, Susan – Backlash: The Undeclared War Against American Women (1991, Crown) Firestone, Shulamith – The Dialectic of Sex: The Case for Feminist Revolution (1970, Bantam Books) Foucault, Michel – The History of Sexuality (1976, Pantheon Books) French, Marilyn – The War Against Women (1992, Summit Books) Friedan, Betty – The Feminine Mystique (1963, W.W. Norton & Company) Garcia, Carla Cristina – Feminicídio: Uma Análise Sociojurídica da Violência Contra a Mulher no Brasil (2018, Editora Juruá) Holland, Jack – Misogyny: The World’s Oldest Prejudice (2006, Carroll & Graf) Johnson, Allan G. – The Gender Knot: Unraveling Our Patriarchal Legacy (1997, Temple University Press) Katz, Jackson – The Macho Paradox: Why Some Men Hurt Women (2006, Sourcebooks) Kimmel, Michael – The Gendered Society (2000, Oxford University Press) Lerner, Gerda – The Creation of Patriarchy (1986, Oxford University Press) Mies, Maria – Patriarchy and Accumulation on a World Scale (1986, Zed Books) Millett, Kate – Sexual Politics (1970, Doubleday) Radford, Jill & Russell, Diana E. H. – Femicide: The Politics of Woman Killing (1992, Twayne Publishers) Segato, Rita – La Guerra Contra las Mujeres (2016, Prometeo Libros) Segato, Rita (Editora) – Feminicidio en América Latina (2010, Universidad Nacional de Quilmes) Wolf, Naomi – The Beauty Myth: How Images of Beauty Are Used Against Women (1990, Chatto & Windus) Palavras Chaves #Feminicídio #ViolênciaContraMulheres #Patriarcado #Misoginia #CrimePassional #AgressãoDoméstica #EmpoderamentoFeminino #IgualdadeDeGênero #LeisDeProteção #RedeDeApoio #ConscientizaçãoSocial #EducaçãoDeGênero #SaúdeMental #Trauma #CulturaMachista #DireitosDasMulheres #PrevençãoDeViolência #MovimentoFeminista #JustiçaSocial#PolíticasPúblicas#DanMenaPsicanalise#Violência#Agressão# Visite minha loja ou site: https://uiclap.bio/danielmena https://www.danmena.com.br ORCID™ - Pesquisador - iD logo são marcas comerciais usado aqui com permissão. "Open Researcher and Contributor ID" Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199. Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130.Dr. Honoris Causa em Psicanálise pela Christian Education University — Florida Department of Education — USA. Enrollment H715 — Register H0192. De 1 a 5 - Quantas estrelas merece o artigo? Deixe seu relato abaixo em COMENTÁRIOS.

  • Às 10 Marcas Traumáticas da Infância.

    Como os Traumas Influenciam a Vida Adulta Traumas Infantis Não Resolvidos: Como Eles Moldam Nossas Relações Afetivas na Maturidade? Lições da Infância e Efeitos na Vida Adulta Imagine uma criança, talvez você mesmo(a), um quintal ensolarado, a bola que vai, a boneca que cai, os pés descalços na grama, o vento carregando risadas que parecem não ter fim. Há uma leveza nesse instante que certamente muitos de nós já vivemos, uma promessa de que o mundo é um lugar seguro, onde o amor é dado e recebido sem esforço. Mas, em algum canto dessa memória, há também uma sombra — um olhar não correspondido, uma palavra dura, um castigo, um ''cala a boca'' ou um silêncio que pesa mais do que deveria. Essas nuvens escuras tão pequenas na infância, crescem e se expandem conosco. Se dissimulam nos cantos da mente, desenhando como amamos, tememos e vivemos o hoje. E, às vezes, nos perguntamos: por que carrego isso? Por que, mesmo adulto(a), sinto o bater de algo que não sei dar nome? Como psicanalista, já me debrucei diante de incontáveis histórias — principalmente de adultos que, sem saber, ainda dialogam com as crianças que foram. A psicanálise nos instrui que a infância não é apenas um capítulo que fechamos; é a tinta com a qual escrevemos as páginas do livro da vida. Disse Freud, ''o adulto é apenas uma criança que cresceu'' — e, nesse crescimento, carregamos lições, algumas luminosas, outras dolorosas, que retumbam nos relacionamentos futuros, escolhas, e até nos mutismos que evitamos. Mas o que exatamente essas exortações nos ensinam? Como elas configuram o que nos tornamos? Lucia, uma mulher de 38 anos, chegou relatando quanto a um vazio que ela não sabia explicar. Profissionalmente tinha uma carreira sólida, amigos, uma vida que, aos olhos dos outros, parecia completa. Mas, no seu interior, havia uma inquietação, uma sensação de que algo estava sempre faltando, ausente. Durante nossas sessões, remete a sua infância. Não se lembra de grandes traumas, mas sim de pequenos momentos. Sua mãe elogiava suas notas, mas nunca seu esforço. Seu pai estava sempre ocupado. Isso a fazia sentir que precisava ser ' 'perfeita'' para ser notada. Esses fragmentos, quase imperceptíveis da época, se tornaram bases de uma autocrítica interna feroz que a impedia de se sentir suficiente e realizada. Claramente, ela não é um caso isolado, senão um espelho vivo de muitos. Essa fase infantil, é a arena onde o inconsciente começa a ensaiar seus primeiros passos. Como as Carências Afetivas da Infância Distorcem o Amor Romântico. Cada interação, cada afeto e ausência vividas como infantes, deixam lacunas não preenchidas, marcas indeléveis e registros importantes para o futuro desenvolvimento. A ''teoria do apego'' , mostrou como os primeiros vínculos estabelecem nossa capacidade de confiar — ou de duvidar — do mundo é dos ''outros' '. Mas aqui reside a questão que quero deixar no ar: e se as lições da infância não forem só balizas demarcatórias, mas também chaves? E se, ao serem rememoradas, pudéssemos não somente entender quanto as nossas dores, angústias e traumas, senão, serem utilizadas como mecanismos de transformação? Neste artigo, vamos embrenhar nessas experiências — das mais sutis às intrinsecamente elaboradas — e de que forma influenciam nossa vida adulta. Vamos penetrar aspectos clínicos, filosóficos e psicanalíticos. Faremos ponderações sobre Freud, Jung, Winnicott e Lacan, entre outros, que tanto contribuíram para aportar conhecimentos nessa área. Vamos entender como essas preleções nos talharam. Mais importante, veremos como podem ser usadas para superar e crescer. Porque, já dizia Jung, ''o que não enfrentamos em nós mesmos, encontraremos como destino'' . Quero que você pense, por um momento, em uma lembrança da sua infância. Não precisa ser algo grande. Pode ser algo simples, como segurar a mão de alguém ou esperar por uma exaltação merecida que não chegou. O que essa memória diz sobre você hoje? Não responda agora. Deixe essa pergunta flutuar, como sementes que plantamos juntos. Ao longo destas páginas, vamos desenterrar esse cultivo, regá-las com ponderações e ver o que pode florescer delas. “A infância não é algo que deixamos para trás; é um mapa que nos guia, às vezes sem perceber.” - Dan Mena. A criança dentro de nós nunca deixa de brincar, de sonhar e buscar sentido. E é nesse fruir, no diálogo que surge entre ' 'quem fomos e quem somos'' , que encontraremos respostas. Então, vem comigo, podemos reescrever essa história. Boa leitura. Memórias Inconscientes: Como o Cérebro Infantil Grava o que a Mente Adulta Repete. O Peso do Perfeccionismo Meu pai era mecânico, quando criança, eu o observava organizando a oficina com uma precisão quase obsessiva. Ferramentas alinhadas no painel, carros aprumados, tudo em seu devido lugar — para ele, ordem era controle — e controle significava segurança. Minha mãe, ao contrário, vivia no caos criativo, com projetos inacabados sempre espalhados pela casa. Cresci entre esses dois polos, absorvendo, sem perceber, um código invisível : crenças, medos e expectativas que, anos depois, jogaram seus dados. Esse ''código invisível da infância" é essencial para entender o tema, porque expõe claramente como padrões inconscientes, enraizados na educação parental e nas dinâmicas familiares vão ditar nossos comportamentos amadurecidos. Ele conecta o que vivemos quando infantes aos desafios que enfrentamos hoje, como o perfeccionismo que nos paralisa ou o medo da rejeição que nos faz buscar por aprovação e afirmação. Entender isso não é apenas um exercício de autoconhecimento — é um caminho para transformar essas heranças pregressas em escolhas conscientes. Jung já dizia: "Até que você torne o inconsciente consciente, ele dirigirá sua vida e você o chamará de destino." "Nossas crises adultas são gritos silenciosos de uma criança que ainda busca ser vista."- Dan Mena. Outro padrão comum é o medo de rejeição. Pense em Maria, 35 anos, admirada por todos, mas aterrorizada por ser abandonada. Nos relacionamentos, ela se anula para agradar. Sua infância revelou o porquê: uma mãe deprimida, incapaz de oferecer afeto estável, isso a ensinou que o amor era condicional. Assim, ela aprendeu a ser fantasiosamente "perfeita" para merecer reparo, carregando esse peso enorme até a vida adulta. "O amor que busco é realmente amor, ou apenas um elo do passado?" - Lacan. "Rejeição é o semblante de um amor que nunca se sentiu seguro." - Dan Mena. A Herança das Expectativas Esses padrões não são apenas sobre pais e filhos, eles atravessam gerações. Famílias onde o silêncio sobre emoções é a norma, crianças aprendem que sentir é perigoso, que vulnerabilidade é fraqueza. Adultos, no entanto, lutam para se conectar, para expressar o que sentem. É o caso de Pedro, que cresceu ouvindo: "Homens não choram." Hoje, ele se sente isolado, incapaz de compartilhar suas dores. Seu código familiar o ensinou a engolir as emoções, mas o preço foi alto. Winnicott falava da importância do "ambiente facilitador" — um espaço onde a criança pode ser ela mesma. Quando esse lugar é rígido, o adulto vai carregar esse engessamento. Por isso não é incomum escutar: ''eu sou assim mesmo(a)'' ''eu não vou mudar'' , etc. "Expectativas familiares são como formas prontas: podem nos dar estrutura, mas também nos aprisionam." - Dan Mena. Refazer esse percurso não é fácil, mas é possível. Começa com a consciência: olhar para trás, não para culpar, mas para entender. Na análise, ou na reflexão pessoal, podemos questionar: ''Isso é meu, ou algo que herdei?""A criança que não foi amada não pode amar a si mesma." Mas, pode aprender — e nós também.'' - Alice Miller. "A validação que não recebemos na infância se torna o guia inconsciente que buscamos no mundo afora." - Dan Mena. O Silêncio da Criança Não Ouvida: Como a Supressão Emocional Alimenta a Depressão. O Silêncio que Fala Famílias que evitam conflitos ou escondem segredos criam criptografias de silêncio. Crianças sentem a tensão, mas não a nomeiam. Adultos, vivem com uma ansiedade que não tem explicação — até perceberem que carregam uma codificação de palavras nunca pronunciadas. O silêncio, às vezes, é o mais alto dos professores. Quais códigos você carrega? Que crenças da sua infância ainda ditam sua biografia?   A criança condicionada a buscar aprovação a todo custo se torna um adulto que, mesmo muito bem-sucedido, passará sua vida percebendo uma constante inadequação. Essas primeiras experiências com o mundo externo vão costurar muitas das suas fantasias e angústias, tais, vão persistir na maturidade transformados em padrões e hábitos comportamentais. Brincadeiras de Criança, Batalhas de Adultos Aos sete anos, eu adorava brincar de esconde-esconde com meus primos(as) e amigos — a adrenalina de encontrar o esconderijo ideal, o remanso tenso que se seguia enquanto esperava ser descoberto e logo a disparada até o ponto de batida. Às vezes me camuflava tão bem que ninguém me encontrava, e o que começava como uma vitória infantil mudava para um vazio inquietante: e se eu ficasse perdido ali para sempre, esquecido no canto escuro do jogo? Esse medo sutil, apavorante, quase apagado pelo tempo, reapareceu nas minhas relações adultas, onde eu oscilava entre me fechar emocionalmente, como quem se esconde, e a ânsia por ser lembrado. Talvez você já tenha sentido isso: os laços afetivos são assim, como um tabuleiro invisível, onde jogamos sem perceber, as partidas inacabadas da infância. Isso não é mera coincidência, os primeiros vínculos — com pais ou cuidadores — desenham os contornos de como amamos, confiamos e até tememos. O que vivemos nessa fase não se dissipa como névoa; pelo contrário, se torna uma bússola, que direciona nossos passos inconscientes. Se o afeto primordial nos chegou com lacunas, passamos boa parte da vida tentando preencher esse amor que buscamos. Se veio com rigidez ou frieza, podemos confundir limite com cuidado, ou distância com proteção. Assim, as brincadeiras leves de outrora se metamorfoseiam em batalhas adultas — disputas internas por segurança, reconhecimento ou simplesmente pelo direito de sermos quem somos, sem máscaras. Amor, rejeição ou reparação reverberam nas escolhas que fazemos décadas depois. Repetimos esses roteiros antigos, talvez na esperança de reescrever o passado, de consertar o que se quebrou, de sermos finalmente acolhidos como merecemos. Esse "brincar" como um espaço sagrado na infância, é um terreno onde a vulnerabilidade encontra acolhimento. Sem esse solo firme, o adulto pode buscar proteção em ilusões frágeis ou fugir dela por medo de se ferir outra vez, como quem evita a brincadeira por receio de perder. Esses paradigmas não são falhas ou defeitos; são tentativas corajosas de sobrevivermos emocionalmente, esculpidas em nós quando o mundo parecia grande demais e éramos pequenos ainda para fazer frente. O segredo está em ir de frente com gentileza, como quem recebe um velho amigo. Esses são os ''games'' que aprendemos desde cedo, regras gravadas em silêncio, mas que podemos com paciência e consciência, aprender a desaprender. "O amor que não cicatrizou na infância, se torna a ferida que tentamos curar em cada abraço que recebemos." - Dan Mena. No entanto, ao compreendermos esses arquétipos, ganhamos o poder de transformar o roteiro do filme. Não devemos culpar os pais, as circunstâncias, condições financeiras ou simplesmente o tempo. Precisamos reconhecer que, mesmo sendo ajustados por todos esses condicionantes, não somos reféns eternos dessa adequação. "Não sou o que me aconteceu; sou o que escolho me tornar." - Jung. "As relações afetivas são o roteiro onde podemos, finalmente, ser os diretores da nossa produção." - Dan Mena. Que papeis você repete, talvez sem notar, como um ator preso a um script antigo?   ''O apego seguro na infância é o alicerce para relações adultas saudáveis; sem ele, buscamos compensações que nem sempre nos satisfazem." - Bowlby. Bullying e Ansiedade Social: O Passado que Persegue a Vida Adulta. Biologia das Memórias O cérebro de uma criança é como um escultor incansável, que se esculpe a cada experiência, a cada emoção. Durante esse processo, desenvolvemos uma capacidade extraordinária chamada de ‘’ plasticidade neural’’ , ela permite que a articulação e adaptação possa ser alterada em resposta ao mundo exterior. Essa flexibilidade é a chave para entender por que as memórias deste estágio — sejam elas de alegria ou de dor — se fixem tão cavadamente. No coração desse recurso está o ‘’ hipocampo’’ , uma pequena estrutura no cérebro que funciona como um registrador de traquejos. Ele é responsável por capturar os eventos que vivemos, e os transforma em memórias que podemos acessar posteriormente. Na infância, o hipocampo está especialmente ativo, gravando delicadamente os detalhes do que acontece com uma clareza impressionante. É por isso que o cheiro de um bolo assado na casa da avó ou o som de uma tempestade noturna podem permanecer vívidos por décadas. Mas, ele não grava apenas os fatos, ele armazena o ‘’contexto emocional’’  de cada momento, e é aí que entra outro protagonista insubstituível: a ''amígdala'' . Amígdala: A Tinta Emocional A amígdala é o centro emocional do cérebro, ela dá cor e intensidade às memórias, como um pintor que mistura tons. Quando vivemos algo marcante — um momento de pura alegria, como ganhar um presente esperado, ou um trauma, como uma separação dolorosa —, a amígdala entra em ação. Ela associa essas emoções fortes, criando conexões neurais mais robustas. Quanto mais intensa a sensação, mais marcada permanece no cérebro. Situações de grande estresse podem levar a uma ‘’ hiperativação da amígdala’’ , o que faz com que memórias traumáticas sejam estipuladas com uma força especial. Isso explica por que, anos depois, um som, uma agressão sexual ou uma imagem ''X’' possa desencadear uma reação visceral, como se o passado voltasse à tona. Já as associações positivas, como o afeto de um cuidador, fortalecem os circuitos neurais que promovem a defesa e resiliência. Por Que Algumas Memórias Nos Perseguem? Nem todas as memórias têm o mesmo peso. As que carregam uma carga afetiva ou emotiva intensa — criam trilhas neurais mais fortes , como sulcos fundos em um caminho de lama. Isso ocorre porque as emoções liberam substâncias químicas, como a adrenalina e o cortisol, que reforçam as conexões neuronais. Assim, um evento traumático pode se transformar em uma sombra persistente, enquanto uma memória feliz pode se tornar um refúgio interior. Curiosamente, esses arquivos não ficam congelados no tempo. Elas podem ser reativadas  ao longo da vida, especialmente quando algo no presente tem similitude com o passado. Um cheiro, uma palavra ou uma situação pode reacender a amígdala, trazendo à tona não apenas a lembrança, mas a emoção que a acompanha. É como se o cérebro dissesse: "Isso já aconteceu antes, preste atenção." Embora a infância seja o auge da plasticidade cerebral, o cérebro adulto não perde completamente essa capacidade de se transformar. Isso significa que memórias antigas, mesmo as mais dolorosas, podem ser reprocessadas . Há uma criança dentro de cada adulto. Não como metáfora, mas como realidade psíquica – uma presença viva que carrega memórias, dores e desejos nunca plenamente expressos. Quando essa criança é repetidamente ignorada, calada ou invalidada, ela não desaparece. Aprende, sim, a falar em entrelinhas: através do corpo que treme, da mente que se angustia, do coração que acelera sem motivo aparente. A ansiedade contemporânea, em muitos casos, é esse símbolo – a linguagem distorcida de emoções infantis que nunca tiveram permissão para existir. Quantas vezes uma criança ouve, ao chorar: "Isso não foi nada", "Você está exagerando", "Para de frescura" Essas frases, aparentemente inocentes, carregam uma mensagem: "O que você sente é irrelevante" . O problema é que emoções não desaparecem quando negadas – elas se armazenam. Como um rio represado, a energia emocional bloqueada busca sua saída. Pode vir como tensão muscular crônica, insônia ou aquela sensação difusa de que "algo ruim está prestes a acontecer" . Adultos que foram crianças não ouvidas desenvolvem uma hipervigilância inconsciente – estão sempre alerta, como se precisassem se proteger de um perigo que não conseguem nomear. Identidade em Fragmentos: Como a Falta de Reconhecimento na Infância Afeta a Autoestima Adulta. A Ditadura do "Seja Forte" Algumas famílias operam sob um regime emocional implacável. Chorar é proibido. Medo é vergonhoso. Raiva, então, nem se fala. A criança aprende rapidamente que, para ser amada, precisa ser uma versão inatingível de si mesma(o) – tranquila(o), obediente, "fácil de lidar". O resultado? Um adulto que: Sente culpa ao dizer "não" Desconhece seus próprios limites Vive em estado constante de esgotamento (porque manter a máscara cansa) Desenvolve pânico diante de conflitos A ironia cruel é que, quanto mais a pessoa tenta controlar suas emoções para ser "forte" , mas frágil se sente por dentro. O Paradoxo da Criança Invisível Há um fenômeno intrigante: pessoas que sofreram negligência emocional na infância se tornam adultos extremamente atentos às necessidades alheias. São os que sempre perguntam "está tudo bem?" , os que antecipam desejos, os mediadores de conflitos. Por trás dessa aparente generosidade, porém, mora uma criança aterrorizada: "Se eu cuidar de todos, talvez alguém finalmente me enxergue" . É uma estratégia de sobrevivência emocional que, na vida adulta, se transforma em ansiedade de desempenho e medo patológico da rejeição. Resgatando a Voz Perdida Se curar não significa regredir, mas resgatar. É fazer as pazes com aquela parte de si que ainda espera permissão para existir. Alguns caminhos: Reaprender a linguagem das emoções  – Identificar e nomear sensações corporais ("onde no meu corpo eu sinto o medo?"). Exercitar o "não" como ato de amor-próprio  – Começar por situações pequenas e seguras. Cultivar a auto-observação sem julgamento  – Se perguntar:: "O que ‘’EU’’ realmente sinto sobre isso?" antes de consultar as expectativas alheias. Revisitar memórias com novos olhos  – Entender que a criança que fomos merecia acolhimento, não repreensão. A ansiedade, nesse prisma, deixa de ser apenas um transtorno a ser eliminado. Ela se apresenta como um sinal vital – o último recurso de uma voz interior que insiste em ser ouvida, mesmo depois de tantos anos de mordaça. Quando essa voz finalmente encontra seu espaço, algo mágico acontece: o adulto descobre que pode ser, ao mesmo tempo, forte e sensível, independente e carente, vulnerável e incrivelmente resiliente. Descobre, enfim, que a verdadeira maturidade não está em calar a criança que fomos, mas em dar a ela o que sempre precisou: atenção, respeito e um recinto seguro para existir. Fantasias Infantis que Viram Conflitos Adultos. O Impacto da Ausência Paterna/Materna na Arquitetura do Amor Os pais são nossos primeiros espelhos, eles nos mostram quem somos e como o mundo funciona. O pai, muitas vezes, representa a lei, a estrutura, o limite; a mãe, o acolhimento, o afeto primal. Quando um deles falta, o fino equilíbrio se rompe. Lacan, em seus seminários, falava do "Nome-do-Pai" como um ícone simbólico que organiza o psiquismo, dando ordem ao caos do desejo. Sem essa figura — ou sua função emblemática —, crescemos sem um norte, buscando nos outros uma âncora que nunca encontramos, assim, podemos ficar à deriva.  A ausência materna, por outro lado, pode deixar um vácuo no núcleo do afeto. A mãe como a primeira fonte de amor e reparação, quando não está presente, seja por abandono, negligência ou sobrecarga emocional. Nesse desamparo, internalizamos um vazio que pode se traduzir, na vida adulta, em uma fome insaciável por validação ou, paradoxalmente, criamos uma muralha contra a intimidade, como se o amor fosse sinônimo de risco. "A ausência de um pai ou de uma mãe não é apenas um espaço vazio; é uma pergunta sem resposta." - Dan Mena. A ausência parental não determina nosso destino, mas desenha os contornos de como iremos atuar no amor. Quem cresce sem um pai pode buscar figuras de autoridade em parceiros, projetando neles uma necessidade de orientação que nunca foi suprida. Ou, ao contrário, pode rejeitar qualquer forma de limite, temendo ser controlado(a). A ausência da mãe, pode levar a uma busca contínua por acolhimento — ou a incapacidade de se conectar, como se confiar fosse abrir a porta para uma antiga ferida. A segurança emocional nasce do cuidado consistente na infância. Sem ele, desenvolvemos estilos de apego inseguros — ansiosos, evitativos ou desorganizados —, que se manifestam em relacionamentos adultos como o ciúme excessivo, personalidade controladora, distanciamento emocional ou uma confusão entre proximidade e fuga. Essas são as bases quebradas, rachaduras que produzem efeitos distorcidos: amores que, embora intensos, muitas vezes carecem de estabilidade. "O amor que não encontramos na infância se torna um enigma que tentamos decifrar em cada abraço." - Dan Mena. "As raízes quebradas não condenam a árvore; com cuidado, ela ainda pode florescer e se sustentar." - Dan Mena. "A qualidade dos primeiros vínculos determina a confiança que depositamos no mundo; sua ausência deixa cicatrizes que buscamos reparar ao longo da vida." - Bowlby. "A mãe é o primeiro objeto de amor e ódio; sua ausência cria uma lacuna que o psiquismo tenta preencher, muitas vezes com dor." - Melanie Klein. Porque Medos Infantis se Tornam Limites Adultos? Polarização, Culpa e Nostalgia: Cartografia do Desejo na Maturidade A melancolia não é um mero saudosismo, mas uma mensagem afetiva. Ela mapeia os nossos lugares mais simbólicos onde projetamos anseios por inteireza, segurança ou conexão que o presente parece negar. A "nostalgia reflexiva " não busca reconstruir o passado, mas habitar seus lugares obscuros como espaços de significado. Como crianças corríamos em campos vazios, o cheiro de pão saindo do forno da avó, ouvíamos atentamente o sussurro das conversas familiares à noite — tudo se tornava metáfora de um tempo em que a vida parecia coerente, e fazia todo o sentido. Essa construção, porém, é antagônica: ao mesmo tempo que a saudade nos une a uma sensação de pertencimento, também nos afasta da realidade de um multiverso do que realmente vivemos. O passado é editado, e as cores desbotadas desse cotidiano ganham tonalidades épicas. A Culpa: Sombra da Consciência Ética Se a taciturnidade pinta o nosso passado com cores suaves, a culpa o atravessa com perguntas incômodas. Na maturidade, ganhamos uma lente exacerbadamente crítica para revisitar não apenas as falhas alheias — pais distantes, silêncios familiares, promessas não cumpridas —, mas também, nossas próprias omissões enquanto filhos, irmãos ou simplesmente crianças em aprendizado. A culpabilidade surge como um diálogo entre o "eu que experienciou"  e o "eu que julga" , uma divisão mediada pela inocência de quem não compreendia as regras do jogo e a responsabilidade de quem agora as domina. Trazer à tona essa autorreflexão, embora seja doloroso, é um sinal de primazia emocional. A culpa é um " debate íntimo com o irreparável" . Ela vem para nos lembrar que, mesmo sem intenção, fomos agentes e vítimas de narrativas que deixaram suas marcas — e que o conserto, quando possível, e é, está no reconhecimento honesto dessas cicatrizes. A Cultura do Retorno e a Tirania da Felicidade Perdida Vivemos na era onde a nostalgia se comercializa, (playlists de décadas passadas, modas retrô, séries que resgatam mitologias infantis) enquanto nos cobra um comprazimento  ininterrupto. Redes sociais ampliam essa dicotomia: de um lado, os ‘’ throwbacks’’   que glorificam o passado; de outro, a pressão por resenhas de superação, onde até a infância deve ser "resignificada" em nome do crescimento pessoal. Essa dinâmica cultural intensifica a assimetria entre culpa e nostalgia. Se antes o passado era um território privado, hoje ele é performático e comparativo. A pergunta é: " minha infância foi boa o suficiente?"   isso se torna o tal do tribunal interior, onde julgamos não apenas nossos enredos, mas os dos outros também. A ânsia por uma cura definitiva da "criança ferida" pode, ironicamente, reforçar a sensação de que há algo irremediavelmente esfacelado em nossa origem. Maturidade: A Arte de Habitar o Cinza A verdadeira sensatez não está em escolher entre esses pólos acima, mas em reconhecer que ambos são faces da mesma moeda: o desejo de dar sentido àquilo que nos constitui. Abandonar a busca incoerente pela inalcançável perfeição — seja na infância que tivemos, seja na que gostaríamos de ter tido. Integrar esses opostos exige um olhar generoso para a ambiguidade que nos compõe. O pai autoritário pode ter sido, também, o contador de histórias que nos ensinou a amar a literatura. A mãe ausente, talvez tenha aberto espaço para autonomias precoces que nos ergueram como resilientes e combativos(as). Não termos sido os "filhos ideais" pode ser revisitado com toda nossa compaixão pela criança que carregamos — cheia de medos e perguntas sem respostas. Por Que Nossa Autoimagem Adulta Começa na Infância. Do Preto e Branco ao Caleidoscópio Existencial A infância nunca será um capítulo encerrado, mas um texto vivo, reescrito a cada fase da vida na medida que avançamos. Na vida adulta, ganhamos a chance de reler esse texto não como juízes(as), mas como tradutores experientes que decifram nuances antes ignoradas. A melancolia nostálgica, despojada de suas idealizações, se transforma em gratidão pelo que foi possível viver. A culpa, desarmada de autopunição, será a reparação simbólica — seja através do perdão, da arte ou do cuidado com as novas gerações. O espelho da maturidade, portanto, não reflete imagens estáticas. Ele nutre esse caleidoscópio quântico onde passado e presente se fundem, criando padrões sempre novos e bem-vindos. Aceitar esse hermetismo da nossa humanidade, é entender que a criança que fomos não precisa ser redimida ou glorificada, apenas acolhida como parte de uma caminhada em curso ao infinito. E nesse movimento — de abraçar a ambiguidade do ser —, onde descobrimos que crescer não é deixar a infância para trás, mas aprender a caminhar com ela, em todas as suas cores incríveis. As 10 Marcas Traumáticas da Infância 1. Abuso físico ou sexual Uma invasão do psiquismo infantil, muitas vezes reprimida. Na vida adulta, pode surgir como desconfiança, medo de proximidade ou impulsos destrutivos, fruto de defesas como a dissociação. 2. Negligência emocional A falta de afeto cria um vazio inconsciente. Adultos buscam validação constante ou se fecham emocionalmente, presos entre negação e idealização. 3. Divórcio ou separação dos pais A ruptura familiar abala o equilíbrio edípico, gerando culpa ou medo de abandono. Relacionamentos futuros carregam essa fragilidade inconsciente. 4. Bullying Fere a autoimagem da criança, deixando cicatrizes narcísicas. Na vida adulta, pode se manifestar em ansiedade social ou tentativas de compensação, como busca por controle. 5. Perda de um ente querido Um luto não elaborado vira melancolia, fixando o adulto na dor reprimida. Conexões afetivas são temidas, como se cada vínculo repetisse a perda. 6. Doenças graves ou hospitalização Vividas como ataques à integridade psíquica, geram ansiedades somáticas ou fobias. O corpo adulto vira palco de conflitos inconscientes. 7. Violência doméstica A identificação com agressor ou vítima molda padrões de agressividade ou submissão. Reprimido, o trauma reaparece em laços disfuncionais. 8. Abandono Uma ferida narcísica que gera desvalia. Adultos oscilam entre dependência afetiva e isolamento, protegendo um ego frágil. 9. Mudanças frequentes de casa ou escola A instabilidade rouba o senso de pertencimento. Na vida adulta, surge como dificuldade de adaptação ou fuga de bases sociais estáveis. 10. Expectativas irrealistas A pressão fortalece um superego rígido, levando à autocrítica severa. Adultos enfrentam ansiedade e baixa autoestima, perseguidos por um ideal fantasiosamente inatingível. Todos esses fatores apontados acima, quando validados, permanecem escondidos no inconsciente, influenciando o adulto de maneira silenciosa, mas poderosa. A psicanálise oferece um caminho para escutá-los e guiá-los para a transformação positiva. Os Primeiros Vínculos Definem Nossa Capacidade de Amar. F.A.Q - Perguntas Frequentes para o Tema O que é a "criança interior" na psicanálise? → É um conceito que representa as memórias, traumas e vivências da infância armazenadas no inconsciente, influenciando comportamentos, medos e relacionamentos na vida adulta. Como os traumas infantis se manifestam na fase adulta? → Podem surgir como ansiedade, padrões autodestrutivos, dificuldade de confiança ou repetição de dinâmicas disfuncionais em relacionamentos. O que diz a teoria do apego de John Bowlby? → Explica como os vínculos afetivos estabelecidos com cuidadores na infância moldam a capacidade de formar relações íntimas e seguras na vida adulta. Qual o papel dos "objetos transicionais" (Winnicott) no desenvolvimento? → São itens (ex.: um cobertor) que ajudam a criança a lidar com a separação da mãe, servindo de ponte entre o mundo interno e externo. Como a educação autoritária afeta a vida adulta? → Pode gerar adultos com tendência à autocobrança excessiva, medo de falhar ou dificuldade em expressar autonomia. O que é o "estádio do espelho" de Lacan? → Fase em que a criança reconhece sua imagem no espelho, marcando o início da construção da identidade e da percepção de si como "outro". Por que alguns adultos idealizam a infância? → Mecanismo de defesa para evitar lidar com traumas reprimidos, criando uma narrativa nostálgica que oculta sofrimentos reais. Como a falta de afeto parental impacta a autoestima adulta? → Pode levar à busca compulsiva por validação externa, insegurança em relações amorosas ou sentimento crônico de inadequação. O que são "mecanismos de defesa" na infância segundo Anna Freud? → Estratégias inconscientes (ex.: repressão, negação) usadas pela criança para lidar com conflitos emocionais, perpetuadas na idade adulta. Como a psicanálise explica o medo de abandono em adultos? → Geralmente está ligado a rupturas traumáticas na infância, como separação dos pais ou negligência emocional. Qual a relação entre bullying na infância e ansiedade social adulta? → Experiências de humilhação podem gerar crenças de inferioridade e hipervigilância em situações sociais. O que é "feminicídio psicossocial" (Barbosa, 2019)? → Refere-se a violências estruturais de gênero internalizadas desde a infância, naturalizando opressões que culminam em agressões extremas. Como a arte pode ressignificar traumas infantis? → Através de terapias expressivas (ex.: pintura, escrita), que acessam memórias inconscientes e permitem reconstruir narrativas dolorosas. O que é a "criança bem-dotada" de Alice Miller? → Crianças que reprimem suas necessidades para atender às expectativas dos pais, tornando-se adultos com dificuldade de reconhecer próprios desejos. Por que alguns adultos repetem padrões tóxicos dos pais? → Por identificação inconsciente com figuras parentais ou pela crença de que merecem dinâmicas abusivas, aprendidas na infância. Como a neurociência explica a fixação de memórias traumáticas? → O hipocampo registra eventos emocionalmente intensos da infância, que são reativados em situações similares na vida adulta. O que é "reparentalização"? → Processo de acolher a própria criança interior, oferecendo a si mesmo o cuidado e validação que faltaram na infância. Como a literatura universal retrata a infância e a maturidade? → Obras como "O Morro dos Ventos Uivantes" mostram como traumas infantis alimentam obsessões e conflitos adultos. Q ual a crítica de Jung à visão freudiana da infância? → Jung amplia a análise para além do individual, incluindo arquétipos coletivos que influenciam a formação da personalidade. É possível "reescrever" as lições da infância na fase adulta? → Sim, através de terapias, autoconhecimento e reconstrução de vínculos, é possível ressignificar traumas e criar novos padrões emocionais. Referências Bibliográficas Freud, Sigmund  – A Interpretação dos Sonhos  (1900, Editora Imago) Freud, Sigmund  – O Eu e o Isso  (1923, Editora Imago) Jung, Carl Gustav  – O Inconsciente Pessoal e Coletivo  (1959, Editora Vozes) Klein, Melanie  – A Psicanálise das Crianças  (1932, Editora Imago) Winnicott, Donald W.  – O Brincar e a Realidade  (1971, Editora Martins Fontes) Lacan, Jacques  – O Seminário, Livro 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise  (1973, Editora Zahar) Erikson, Erik H.  – Infância e Sociedade  (1950, Editora Zahar) Bowlby, John  – Apego e Perda  (1969, Editora Martins Fontes) Miller, Alice  – O Drama da Criança Bem-Dotada  (1979, Editora Paz e Terra) Fromm, Erich  – A Arte de Amar  (1956, Editora Zahar) Horney, Karen  – Neurose e Crescimento Humano  (1950, Editora Martins Fontes) Nasio, Juan-David  – O Livro da Dor e do Amor  (1996, Editora Zahar) Kehl, Maria Rita  – O Tempo e o Cão: A Atualidade das Depressões  (2010, Editora Boitempo) Birman, Joel  – Arquivos do Mal-Estar e da Resistência  (2016, Editora Civilização Brasileira) Costa, Jurandir Freire  – Sem Fraude nem Favor: Estudos sobre o Amor Romântico  (1998, Editora Rocco) Safra, Gilberto  – A Po-ética na Clínica Contemporânea  (2004, Editora Ideias & Letras) Dolto, Françoise  – A Imagem Inconsciente do Corpo  (1984, Editora Perspectiva) Roudinesco, Elisabeth  – Por que a Psicanálise?  (1999, Editora Zahar) Figueiredo, Luís Cláudio  – Revisitando as Psicologias: Da Epistemologia à Ética das Práticas  (2007, Editora Vozes) Dunker, Christian Ingo Lenz  – Mal-Estar, Sofrimento e Sintoma: Uma Psicopatologia do Brasil entre Muros  (2015, Editora Boitempo) Calligaris, Contardo  – A Adolescência  (2019, Editora Publifolha) Alves, Rubem  – Conversas com Quem Gosta de Ensinar  (1980, Editora Loyola). Palavras Chaves #InfânciaEEfeitos, #PsicanáliseHoje, #TraumaInfantil, #VidaAdultaeMemória, #ApegoEmocional, #FreudNaPrática, #LacanExplica, #WinnicottECriança, #SaúdeMentalBrasil, #LiteraturaPsicológica, #JungEArquétipos, #AutoConhecimento, #CuraEmocional, #ViolênciaInvisível, #AmorRomântico, #DepressãoInfantil, #ResiliênciaPsíquica, #PsicologiaDasRelações, #FeminicídioEPsique, #DesenvolvimentoHumano. Visite minha loja ou site: https://uiclap.bio/danielmena https://www.danmena.com.br ORCID™ - Pesquisador - iD logo são marcas comerciais usado aqui com permissão. "Open Researcher and Contributor ID" Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199.Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130.Dr. Honoris Causa em Psicanálise pela Christian Education University — Florida Department of Education — USA. Enrollment H715 — Register H0192. De 1 a 5 - Quantas estrelas merece o artigo?

  • Bebe Reborn: A Descida Coletiva à Loucura.

    O Desejo e a Falta - Bebês Reborn O Desejo e a Falta - Bebês Reborn. O fenômeno dos bebês reborn se instalou como uma histeria coletiva autorizada de surto psicótico. Um modismo bizarro, um colapso mental que escancara um retrato perturbador da falência racional, emocional, espiritual e psíquica de toda uma geração. Não se trata de simples bonecas(os) hiper-realistas, foi rapidamente transformado em indústria, capaz de drenar afetos, de quem, anestesiada(o) pela solidão, pretende substituir a carne e os ossos de um filho, seja de sangue ou de criação por pedaços de borracha. Essa febre, que hoje alimenta narrativas nas redes sociais e reúne multidões em fóruns e grupos de “mães reborn” , expõe uma geração inteira órfã de sentido e direção, narcotizada pelo insulamento e niilismo: ( “Niilismo é contemplar um mundo sem alicerces, onde o vazio de sentidos se traduz na urgência – e no desafio – de forjar nossos próprios valores.” ) que passou a substituir filhos por bonecos. Esse movimento, longe de ser um gesto poético, é antes de tudo um espetáculo de negação absurda da realidade: isso não é amor. O reborn é um simulacro extremo, ao mesmo tempo objeto de fetiche, anseio falido da maternidade sem sacrifício. Sujeitos que dão mamadeira a pedaços de látex, fazem chá de bebê, carteirinhas de vacinação, agendam consultas médicas, dão vacinas, sessão de fotos, criam creches, aniversários com bolos e convidados, certidões de nascimento falsas, pode com todas as letras ser chamado de — a ''falácia do século' '. Simulam a maternidade de forma ritualizada, repetindo gestos que deveriam ser portadores de vida em corpos que nada mais são do que invólucros vazios. Adoção de Bonecos e o Individualismo como Fuga das Relações. ''A dor que não encontra abrigo no outro busca consolo no artifício.'' – Dan Mena. Não é incomum encontrarmos em blogs relatos emocionados sobre o conforto que as(os) bonecas(os) trazem, mas é preciso reconhecer a perversão que está por trás desse consolo: pagar psicólogo para validar o surto em nome da intropatia, transformar um comportamento psicopatológico em nome de um suposto bem-estar. Uma insanidade institucionalizada, que alguns psicólogos apoiam, a sociedade aplaude, influenciadores promovem — um verdadeiro rompimento socialmente autorizado, publicizado e vendido como normal e naturalizado. É o falso desalento em sua dimensão mais real, esse, que mata e vende filhos de verdade, que abandona crianças e aborta, que assiste meninos(as) passando fome, frio e necessidade e nada faz para ajudar, mas, embala bonecos frios em enxovais de luxo, quartos decorados e berços de plástico. Enquanto isso, crianças são violentadas, assassinadas, sequestradas, mortas e esquecidas. Em paralelo, adultos desequilibrados(as) buscam na frieza do silicone a utopia de uma maternidade sem dor, sem esforço, sem vida – filhos sem coração nem alma, um útero literalmente estéril. Isso é comprar a alienação como consolo, o que alimenta um ciclo infernal em que a fantasia se impõe à experiência, se valendo de catálogos e tutoriais online que ensinam a simular choro, a preparar mamadeira, trocar fralda e dar banho em um corpo inanimado. ''É mais fácil domesticar o afeto do que aceitar que o amor é sempre risco.'' – Dan Mena. Um sacrifício cruel da realidade em detrimento do delírio, porque é mais fácil amar o que nada demanda nem exige, do que enfrentar a oscilação, o desamparo e a seriedade necessária do exercício inerentes ao cuidado com um ser vivo. Eis a prova impiedosa de uma ''geração infantilizada'' , que atinge os limites imponderáveis do absurdo, sintoma de um tempo doente em que a valoração do real cede lugar ao culto da paródia. ''A dor que não é elaborada vira teatro,  o boneco é apenas o cenário.'' – Dan Mena. Filhos sem alma, amor sem reciprocidade — o bebê reborn se ergue como um ícone emblemático de uma era que prefere o ensaio de um lamento à vivência autêntica de um luto; que troca o calor da amamentação pelo sopro de um script manual de movimentação de olhos de vidro, cabeça, pernas e braços de fantoche. Estamos normalizando o anormal, romantizando a demência, e quando a realidade se tornar realmente insuportável para todos, o reborn, será mais um dos altares do sacrilégio humano como portador da nossa decadência. Se reproduz, insistentemente, a mentira de que esses inorgânicos são companheiros, egressos de um amor impossível: uma humanidade que prefere viver no faz de conta do que viver e encarar o peso das suas derrotas, desilusões e perdas. ‘’Bebê reborn’’ é uma imagem perturbadora do século XXI, um espelho fosco em que se configura a insolência de um tempo que evita, (como se fosse possível) a finitude e a dor. É o ícone máximo desconcertado, que já não é meramente individual, mas a soma das vontades, modismos, discursos de consolo e pânico, catalisando angústias no molde frio de um boneco. Ao privilegiar uma maternidade simulada, estamos abrindo mão da força transformadora do laço e do vínculo. Que possamos reencontrar a coragem de enfrentar a dor e celebrar a vida real, convertendo nosso cuidado em presença autêntica, não em fingimento. Não pode passar despercebido a instrumentalização estruturada da indústria, que capitaliza em cima da vulnerabilidade e os seus custos sociais, éticos e clínicos. Somente conscientizando essa avaliação, de forma crítica e fundamentada, que o verdadeiro alcance desse evento pode ser relegado aos anais da insânia, aquela, que nunca deveria ter saído do manicômio da imaginação desregrada. Agora, vou aliviar um pouco as críticas, e tentar estabelecer um diálogo mais filtrado. Boa leitura. ''A indiferença por crianças reais contrasta com o zelo por bonecos — isso diz tudo sobre a inversão dos valores contemporâneos.'' – Dan Mena. O Luto Prolongado e o Desejo de Recriar o Presente Acredito que o reborn seja utilizado em alguns casos como uma armadura contra a dor de perdas irreparáveis. Quando o vazio deixado por um aborto espontâneo, uma morte neonatal ou uma infertilidade persistente, que pode se tornar insuportável. Logo, ele aparece como um amplificador do luto – um objeto que pode ser punido, culpado ou até mesmo idealizado. Se busca então, um reencontro com o que se perdeu, mas esse retorno nunca traz alívio definitivo; antes, estabelece uma repetição compulsiva do sofrimento. Ao invés de acolher o luto através da presença real, se cria uma ilha de afeto que, embora pareça proteger, impede o sujeito de atravessar o momento e reconstruir seus vínculos reais. ''O apego a objetos transicionais pode, em determinados quadros clínicos, prolongar o processo de luto em vez de aliviá-lo.'' Como afirma Winnicott em: ''O Brincar e a Realidade'' , ''o uso saudável do objeto transicional deve ser progressivamente abandonado, permitindo ao indivíduo ingressar plenamente na realidade externa'' . No reborn, porém, esse abandono é negado, resultando em uma fixação regressiva, que fixa o paciente numa saudade eterna. ''Toda tentativa de substituir o ausente é um pacto silencioso com a dor que se recusa a partir.'' - Dan Mena. A Substituição do Conflito Emocional pela Estética da Tranquilidade. Solidão e Controle: A Dependência Emocional como Refúgio Na era da hiperconexão, paradoxalmente, vivemos momentos de isolamento. Esse boneco idealizado, talhado com silicone e vidro para simular a doçura da vida, oferece uma ilusão de companhia absoluta, sem risco de rejeição. Quem o integra busca segurança afetiva num “outro” que nunca falará de retorno, de cobranças, não exige responsabilidade e se deixará manipular ao bel prazer. É uma promessa de controle: o cuidador define cada gesto, cada choro e troca de fralda—um manejo que a vida real jamais pode oferecer, sob nenhuma circunstância. Esse simulacro de afeto, antecipa o fracasso das estruturas sociais em ofertar relações seguras; onde o reborn se encaixa como luva, substituindo os vínculos por sinônimos de consumo e domínio. Neste caso, testemunhamos o ápice da liquidez contemporânea dos laços afetivos: um sentimento fabricado, pasteurizado, pronto para ser descartado no lixo quando a ilusão se desfaz. Em um mundo onde nada persiste, tudo é fluido, ele promete eternidade e obediência, mas isso, apenas perpetua a exclusão relacional. ''A tentativa de domesticar o sofrimento apenas prolonga o seu reinado.'' – Dan Mena. Benefícios Terapêuticos ou Armadilha Clínica? Autores como Martha Stark, em ''Trabalhando com a Resistência'' , apontam que certas práticas ''terapêuticas'' podem cristalizar sintomas em vez de aliviá-las. É inegável que algumas pessoas relatam a diminuição momentânea de ansiedade ao cuidado com reborns, sobretudo em contextos de asilos geriátricos ou unidades de paliativos. Contudo, quando esses benefícios parecem justificar o afastamento de familiares ou a rejeição de intervenção profissional, água abaixo, cai em xeque sua validade. Jean Baudrillard em ''Simulacros e Simulação' ' resume: ''quando o simulacro ultrapassa o real, a cura se converte em alienação'' . Ao aplicar eles como possível  instrumento para o vazio, reafirmamos a hegemonia do ''objeto sobre o sujeito , negando a potência transformadora do vínculo humano.'' ''O que chamam de consolo pode ser, na verdade, o cárcere do afeto.'' – Dan Mena. O Abismo Ante o Espelho de Silicone Estamos diante de um sintoma coletivo da nossa época: lutos não elaborados, vinculações desfeitas pela ansiedade de performance, busca de mando a qualquer custo. É um reverbero subversivo de como transformamos a dor em mercadoria, o afeto em espetáculo, e a cura em espectro. Mais um abismo psicológico — não do boneco, mas de nós mesmos: uma geração ansiosa para abraçar o gerenciamento ilusório, enquanto negligencia a coragem de viver o caos inerente ao amar de fato. A Fantasia Fetichista e o Vazio do Inconsciente Com seus traços que emulam realismo e sua promessa de presença sem resistência, são mais do que uma moda cultural ou uma prática excêntrica: são objetos que condensam desejos inconscientes e tentativas desesperadas de preencher o vazio existencial. Na prática, funcionam como ferramentas transicionais e fetichistas, ocupando o espaço de uma falta primordial que nos estrutura como sujeitos. Espelhos do inconsciente que expõem uma luta contra a alteridade e a aceitação da incompletude. O apego a eles é uma tentativa de domesticar o desejo, transformando a maternidade em uma fantasia estéril que nega o outro real. ''A fantasia de um amor incondicional sem reciprocidade é um desejo de poder disfarçado de cuidado.'' – Dan Mena. Uma Ilusão de Continuidade Crianças utilizam objetos — como chupetas, cobertores, chocalhos ou ursinhos — para mediar a transição entre a dependência materna e a sua autonomia. Esses itens, situados entre o "eu" e o "não-eu" , oferecem conforto diante da ansiedade de separação. No caso dos bebês reborn, adultos parecem regredir a esse estado objetual infantilizado, os utilizando como substitutos para lidar com a ausência — seja de um filho perdido, de uma maternidade não realizada ou de conexões perdidas que foram significativas. No entanto, diferente do ' 'objeto transicional infantil'' , que facilita a entrada no mundo simbólico, ele aprisiona o sujeito no imaginário, um conceito lacaniano que descreve a esfera das ilusões e identificações narcísicas. Nesse ângulo, é utilizado para simbolizar e lidar com a ausência da mãe, representando uma forma inicial do "objeto a" , produto dos quereres que nos impulsionam ao apontar para uma falta essencial no sujeito. Quando o Amor é Encenado para as Redes Sociais. O imaginário é o domínio onde o indivíduo busca uma completude ilusória, rejeitando a alteridade que caracteriza o registro alegórico. O reborn, com sua aparência de vida, mas sem a capacidade de responder ou desafiar, se torna um produto idealizado que satisfaz o desejo sem confrontar o sujeito com sua própria falta. Cuidar de um boneco — com essa ritualização — é rejeitar a necessária vulnerabilidade mútua. Como fetiche, é uma tentativa de negar a castração, substituindo a falta por algo que possa encarnar o desejo reprimido e recalcado. Ao investir em um boneco, se tenta preencher o vazio estrutural, uma materialização do ''objet petit'' — o objeto-causa do desejo. ''O reborn é o espelho fosco onde se projeta o medo contemporâneo de aceitar a incompletude.'' – Dan Mena. O Risco da Regressão Patológica Manequins podem servir como ferramentas terapêuticas para processar luto ou infertilidade, destarte, se alerta para os riscos de uma regressão. O objeto transicional para bebês e crianças, é eficaz, fato que de certa forma os prepara para a independência; nos adultos, no entanto, o apego prolongado a eles pode indicar uma fixação no imaginário, bloqueando o acesso simbólico. Esse apego pode se tornar uma defesa contra a ansiedade, mas também um obstáculo à resiliência emocional, pois evita o confronto com a realidade da perda. A validação acrítica desses comportamentos por profissionais da saúde mental, sob o pretexto de empatia, podem agravar esse quadro. Como a Indústria Reborn Capitaliza a Falência Emocional Mais do que uma subcultura de colecionadores ou um nicho de artesanato; é uma indústria próspera que transforma a fragilidade emocional, a dor, o luto e a solidão em mercadorias de alto valor. Com preços que variam de centenas a dezenas de milhares de reais, são vendidos como obras de arte, ferramentas terapêuticas ou até substitutos de filhos.  A Cadeia Produtiva: Artesanato, Tecnologia e Comércio Esse mercado é impulsionado por uma rede complexa de artesãos, fabricantes e vendedores, que operam tanto em plataformas digitais quanto em feiras especializadas. O processo de "reborning" teve início nos anos 1990, quando colecionadores começaram a transformar bonecas de vinil em representações realistas de bebês, aplicando camadas de tinta, cabelo enraizado à mão e detalhes como unhas e veias visíveis. Hoje, a indústria se expandiu significativamente, com o mercado global de bonecas (incluindo reborns) avaliado em US$ 12,8 bilhões em 2025, projetado para atingir US$ 23,73 bilhões até 2033, com um CAGR de 7,1%. O segmento de colecionáveis, onde eles(as) se encaixam, cresce a um ritmo de 4,1% ao ano, um apelo crescente dessas criações. Os "reborners" , são o coração da indústria. O processo é meticuloso: kits de vinil ou silicone, fornecidos por fabricantes como Ashton-Drake ou Bountiful Baby, são pintados com até 80 camadas de tinta, recebem olhos de vidro, cabelos de mohair e pesos internos para simular o corpo de um bebê. Esses kits custam entre US$ 50 e US$ 500 globalmente, enquanto bonecos(as) prontos variam de US$ 200 a US$ 20.000, dependendo da reputação do artista e da exclusividade do design. Pessoas renomadas, como Sara de Reborn Dolls, oferecem criações personalizadas que podem levar três meses para serem concluídas, muitas vezes vendidas em minutos devido à alta demanda. "O consumo do afeto plastificado revela mais sobre nossa intolerância à frustração do que sobre nosso desejo de amar." - Dan Mena. As estratégias de venda são igualmente sofisticadas. Plataformas como eBay, Amazon, Etsy e sites especializados, como Paradise Galleries, funcionam como "berçários" virtuais, onde são apresentados com certificados de adoção e narrativas emocionais que simulam um processo de adoção real. Feiras como a Tiny Treasures Show e convenções como a IDEX, patrocinadas pela Doll Reader Magazine, atraem colecionadores, artistas e varejistas, oferecendo workshops e competições. Recentemente, a ascensão das redes sociais, especialmente Instagram e YouTube, transformaram o marketing: influenciadores exibem rotinas com seus reborns, enquanto artistas utilizam postagens para anunciar novos "bebês" disponíveis, gerando engajamento imediato. Postagens no X destacam que essas estratégias digitais, incluindo parcerias com influenciadores, visam maximizar lucros, muitas vezes explorando ''histórinhas emocionais'' sensibilizando para atrair compradores. O Desejo e a Falta Essa dinâmica, que transforma a dor em mercadoria, como apontado em postagens no X, é uma "bizarrice do capitalismo" , onde até o afeto é mercantilizado. Empresas como a Mattel, focadas em bonecas tradicionais, inspiraram o mercado reborn ao investir em realismo e personalização. Detalhes como a escolha de tom de pele, expressão facial ou gênero, atendem ao desejo de individualidade, mas também se aproveitam da vulnerabilidade emocional, prometendo um "filho" feito sob medida. Intenções Genuínas versus Lucro Predominante A indústria transforma a empatia em uma ferramenta de marketing, usando narrativas de cura para justificar preços elevados. Postagens nas redes reforçam essa crítica, apontando que fabricantes pagam influenciadores para promover histórias emocionais, visando lucros "estratosféricos" . A prática de simular adoções, é uma estratégia deliberada para intensificar o achego emocional, garantindo vendas repetidas e fidelidade à marca. Mesmo artesãos bem-intencionados operam dentro de um sistema que prioriza o lucro, onde a dor é transformada em um ciclo de consumo. "O boneco reborn não chora porque não tem alma — e ainda assim é amado por aquilo que não nos desafia." - Dan Mena. Quando a Dor se Esconde sob a Roupa de um Bebê Artificial. Trocando Filhos por Silicone no Niilismo Em uma era marcada pela fragmentação de valores e pela busca incessante por sentido, ''reborn'' não mais são do que outra tentativa de fugir do vácuo emocional abraçando substitutos artificiais. Tratados como filhos por adultos que os alimentam, vestem e celebram, não são apenas uma extravagância cultural; são um sintoma de um niilismo moderno, onde a vida, desprovida de propósito intrínseco, é preenchida por simulacros que prometem conforto sem compromisso. Uma crise existencial coletiva, onde os princípios tradicionais como a família, cuidado e responsabilidade são abandonados em favor de uma maternidade estéril. O niilismo, popularizado por Nietzsche no final do século XIX, é a crença de que a vida não possui sentido ou valor inerente. Em ''Assim Falou Zaratustra'' proclama a "morte de Deus" , simbolizando o colapso das estruturas morais e espirituais que outrora davam propósito à existência do ser. Esse absentismo de sentido se manifesta em uma civilização de gratificações instantâneas, onde prazeres efêmeros e substitutos fantasiosos são buscados para preencher o eclipse existencialista que atravessamos. Esses artefatos, com sua aparência de vida mas sem a sua essência, são a materialização desse niilismo. Uma forma de maternidade destilada, das noites sem dormir e das incertezas que acompanham a criação de uma criança. Assim, compromissos de longo prazo são evitados em favor de conexões fluidas e irrelevantes. São o símbolo perfeito: de um "filho" que não exige sacrifício, não cresce, não decepciona — uma solução rápida para o desejo de parentalidade sem o peso existencial de criar um ser autônomo. "O drama da ausência só é suportável quando aceitamos que o outro é irrecuperável — tudo o mais é fetiche de quem teme se perder." - Dan Mena. Mas, o que levaria a adultos optarem por bebês reborn em vez de filhos reais? A resposta reside em uma combinação de escapismo e controle. Em uma sociedade que valoriza a autonomia e o sucesso individual, a maternidade real é vista como uma ameaça à liberdade pessoal. Filhos exigem tempo, energia e uma renúncia ao ''eu'' que muitos não estão dispostos a fazer. Por outro lado, oferecem uma ilusão de maternidade sem suas demandas: eles são passivos e previsíveis. Essa preferência também nos mostra uma tendência mais ampla de evitar o compromisso. A taxa de natalidade global está em declínio, com países como Japão e Itália registrando quedas acentuadas. No Brasil, a taxa de fecundidade caiu para 1,6 filhos por mulher em 2024, abaixo da taxa de reposição. Paralelamente, o mercado de bonecas colecionáveis, incluindo reborns, está em ascensão. Essa correlação não é acidental: à medida que a criação de filhos reais se torna menos atraente, os substitutos artificiais ou robóticos ganham espaço, oferecendo uma forma de parentalidade que se encaixa na lógica do consumo e da instantaneidade moderna. "Desejar um filho que nunca cresça é desejar um amor que nunca nos confronte — puro narcisismo embalado em afeto." - Dan Mena. Creio que perdemos a fé nos valores tradicionais e na capacidade de encontrar sentido nas relações autênticas. Essa tendência de uma "dessublimação repressiva" , onde o desejo é canalizado para objetos inanimados, procura evitar a complexidade do ''outro'' Em vez de enfrentar as tensões— que exigem amor, paciência e, muitas vezes, dor — os adeptos, optam por uma versão pasteurizada da maternidade, onde o "filho" é uma extensão do ego, não um ser independente. Sem dúvidas, uma crise do cuidado, onde o futuro é incerto e a vida parece desprovida de propósito, o zelo com o outro — especialmente com as gerações futuras — que perdem seu valor. Esses silicones que não exigem cuidado real, são uma resposta cínica a essa decadência: uma forma de performar o afeto sem se comprometer com suas implicações éticas, onde a circunspeção genuína exige reciprocidade e vulnerabilidade, elementos ausentes na relação com objetos inanimados. "Contra a ditadura da transparência, erguemos um altar ao opaco, o inconsciente é nossa última trincheira contra a colonização do ser." - Dan Mena. Impacto nas Relações e na Sociedade A substituição de filhos reais por bebês de borracha tem implicações catastróficas para as relações sociais. Em primeiro lugar, contribui para o isolamento: adultos que dedicam seu tempo e afeto a objetos inanimados se afastam dessas conexões significativas, preferindo a segurança do artificial à imprevisibilidade. Essa tendência pode levar a uma sociedade mais atomizada, onde as interações são mediadas por acessórios em vez de pessoas. A glorificação dos reborns, distorce a percepção de família para as próximas gerações. Crianças que crescem vendo adultos tratarem bonecas(os) como filhos, irão certamente internalizar uma visão superficial do cuidado, onde o afeto é teatral, não substancial. Isso vai conduzir a uma diminuição na empatia e na capacidade de formar laços afetivos, logo, um ciclo de alienação. Como a Mídia Glamouriza o Desvio e o Transforma em Tendência. "Quando a boneca substitui o bebê, não é a infância que retorna, mas a desistência de amar que escapa ao nosso controle." - Dan Mena. Do ponto de vista demográfico, essa predileção por suplentes artificiais pode agravar a queda nas taxas de natalidade, com consequências econômicas e sociais a longo prazo. Uma sociedade que não se reproduz, envelhece, perde dinamismo e enfrenta desafios para sustentar sua estrutura social. Uma consequência lógica de uma cultura que valoriza o espetáculo acima da substância. Romantizando a Loucura no Século XXI A Mídia e a Cultura Pop Transformam os Bebês Reborn em uma Tendência Glamourosa Na sociedade atual, onde a realidade se dissolve em um mar de narrativas midiáticas, o fenômeno das bonecas(os) hiperrealistas vem alimentado por uma cultura pop obcecada por glamour e uma mídia que transforma excentricidades em espetáculo. Elevado de uma curiosidade psicológica a uma tendência aspiracional. Mas o que isso diz sobre nós? Uma romantização que disseca suas implicações psicológicas, sociais e culturais com um olhar crítico e provocador. Em programas de TV, influenciadores vendem essa prática como um ato de cuidado: mas, será que estamos manifestando a criatividade ou maquiando a loucura? '' A glamourização retrata uma sociedade adepta a ilusão e ao confronto com a realidade.'' - Dan Mena. É o falso desalento, esse que assiste meninos(as) passando fome, frio e necessidade e nada faz para ajudar. Transformando Patologia em Performance A mídia é a grande maestrina dessa ópera bizarra. Aparecem como figuras trágicas ou ''diferentonas'' , mas raramente como objetos de análise séria. O que deveria ser questionado, é empacotado ao nível do fascínio, como se cuidar de uma boneca fosse um talento digno de ''reality show'', o BBB dos bebes de mentira onde o escenario e a vida cotidiana. Até celebridades entram na dança, Kim Kardashian, por exemplo, já posou com reborns, os transformando em acessórios de moda porque foi provavelmente remunerada para isso. Isso não é pura coincidência. o teórico Guy Debord já alertava sobre a "sociedade do espetáculo" , onde o valor de uma coisa reside em sua exibição, não em sua essência. Ao dar holofotes a essa prática, a mídia não só a normaliza como a torna chique. Mas a que custo? Quem precisa de um bebê real quando se pode ter um perfeito, eterno e silencioso? "Chamam de liberdade o direito de amar sem riscos, eu chamaria isso de covardia emocional institucionalizada." – Dan Mena. A Loucura como Estilo de Vida Idolatramos a individualidade a qualquer preço. A afeição aos reborns é defendida como a tal da "liberdade pessoal" , um grito contra as normas. Então acredito que romantizamos a loucura como um ato de rebeldia, mas essa comemoração carrega um lado sombrio. Ao glamourizar o escapismo, enfraquecemos os laços reais. Zygmunt Bauman (2023) já falava a respeito sobre a "modernidade líquida ", onde o simulacro substitui o autêntico. E você, meu leitor(a), o que acha? É liberdade ou uma prisão disfarçada de ternura? Até quando vamos aplaudir a insanidade enquanto ela nos consome? Olhe para o reborn e me diga: o que você vê — uma boneca(o) ou o reflexo de um mundo que perdeu o seu rumo? Simulações e a Perda do Real Jean Baudrillard, em ''Simulacros e Simulação'' , nos apresenta que vivemos em uma era onde a cópia substitui o original , e a realidade se torna indistinguível da ilusão. Os bebês reborn são a materialização dessa ideia: uma simulação tão detalhada que, para alguns, substitui a experiência real. Eles são o que ele chamaria de "simulacros" — representações que não têm mais relação com a realidade, mas que criam uma ''nova concretude própria'' , uma hiper-concepção. Do ponto de vista psicanalítico, vejo uma tentativa clara de lidar com traumas e perdas, onde a ruptura desses vínculos leva a comportamentos compensatórios. Quando o Marketing Usa Bebês Reborn para Vender Estilo de Vida. Uma sociedade feita de relações efêmeras, onde os compromissos são evitados e o individualismo reina supremo. Nesse contexto, substitutos artificiais para conexões reais, oferecem uma ilusão de companhia sem as demandas necessárias da reciprocidade. Eles são o reflexo de uma cultura exausta de si mesma , incapaz de lidar com o hermetismo das relações verdadeiras. Na era do ''burnout emocional'' , onde a ansiedade é epidêmica eles oferecem um provável refúgio, com a depressão marcada pela incapacidade de elaborar perdas e pela busca por gratificações e validação. Com sua promessa de pouco ou nenhum esforço, são uma dessas recompensas ocas, uma fuga da dor que perpetua o vazio. "Substituímos a fragilidade do outro por objetos dóceis e controláveis, onde esquecemos que só a alteridade pode nos ensina a amar." - Dan Mena . O Trauma e a Memória Inconsciente O trauma não resolvido pode se manifestar de maneiras inesperadas, onde o inconsciente guarda memórias que, embora reprimidas, continuam a influenciar o comportamento. Para alguns, essa mania pode ser uma tentativa de encenar ou reparar seus ''traumas infantis'' , como a falta de cuidado parental ou a perda precoce. No entanto, essa repetição compulsiva de falhas de identidade não leva à cura, mas à perpetuação da angústia . Assim, o apego a eles é uma forma de ''acting out'' , uma teatralização inconsciente que, embora possa oferecer alívio temporário, impede a verdadeira elaboração da traumatização. Onde a imagem é mais importante que a realidade, eles se tornam protagonistas de uma realidade paralela, lugar, em que a vida será constantemente encenada para o consumo público . Os adeptos, documentam suas rotinas em vídeos e fotos, recebem validação de comunidades online. Essa prática, embora pareça inofensiva, assenta em uma tendência mais ampla de substituir o cuidado real por uma representação. Tais dinâmicas e articulações grupais podem reforçar ditos comportamentos disfuncionais, criando uma metáfora da normalidade que mascara suas patologias subjacentes. Em busca por conforto e controle, trocamos a carne e o sangue pela ilusão do silicone. Tempos de desamparo, onde a dor é evitada a todo custo, mesmo que isso signifique andar a cavalo com a fantasia. No entanto, como falava Freud, ''a negação da realidade tem um preço: ela nos aprisiona em um ciclo de repetição, onde o trauma é perpetuado, nunca superado'' . Vivemos em uma era onde a cópia substitui o original. "Quando o real exige mais do que o ego está disposto a dar, escolhemos a boneca — ela jamais nos rejeita." – Dan Mena . F.A.Q - Perguntas Frequentes para o Tema O que são bebês reborn? → Bebês reborn são bonecas hiper-realistas feitas de vinil ou silicone, projetadas para simular bebês humanos com detalhes como pele pintada, cabelos enraizados e pesos internos, mas sem vida ou alma. Por que as pessoas criam ou compram bebês reborn? → Algumas pessoas os compram para lidar com luto, solidão ou infertilidade, enquanto outras os veem como hobby ou coleção. Uma tentativa de substituir relações reais por um simulacro controlável. Qual é a crítica principal aos bebês reborn? → A crítica é que eles representam uma negação da realidade e um escapismo emocional, refletindo uma geração infantilizada que prefere o conforto de objetos inanimados ao risco de amar seres reais. Como os bebês reborn são usados? → Os donos simulam cuidados reais, como dar mamadeira, trocar fraldas, fazer aniversários e até criar certidões de nascimento falsas, ritualizando uma maternidade fictícia. Qual o impacto psicológico dos bebês reborn? → Eles podem prolongar o luto ou a solidão, funcionando como objetos transicionais que aprisionam o indivíduo em uma fantasia, em vez de ajudá-los a enfrentar a realidade. Os bebês reborn têm benefícios terapêuticos? → Alguns relatam alívio temporário da ansiedade, como em asilos, mas o artigo questiona sua validade, sugerindo que podem cristalizar sintomas e afastar pessoas de relações de verdade. Como a indústria dos bebês reborn funciona? → É uma indústria lucrativa que transforma dor em mercadoria, vendendo bonecos em plataformas como Etsy e feiras, explorando vulnerabilidades emocionais com narrativas de adoção. Qual é a relação entre bebês reborn e o niilismo? → Um sintoma do niilismo moderno, onde a falta de sentido leva à substituição de valores reais por simulacros que oferecem conforto sem compromisso. Por que chamo os bebês reborn de "falácia do século"? → Porque eles simulam maternidade sem vida ou exercício do sacrifício, criando uma ilusão de cuidado que ignora a dor das relações e afetos autênticos. Como a mídia contribui para o fenômeno dos bebês reborn? → A mídia os glamouriza como tendência, com influenciadores e celebridades promovendo eles como estilo de vida, transformando patologia em performance e normalizando o absurdo. O que os bebês reborn revelam sobre a sociedade atual? → Uma sociedade solitária e infantilizada, que evita a dor e o risco do amor, preferindo o controle e a segurança de objetos inanimados. Os bebês reborn podem substituir filhos reais? → Para alguns, sim, pois supõem oferecer uma maternidade sem trabalho ou responsabilidade, enquanto oferecem a indiferença por crianças de verdade em situação de abandono. Qual é a visão psicanalítica dos bebês reborn? → Os vejo basicamente como ''objetos transicionais'' ou ''fetiches'' que tentam preencher um vazio inconsciente, negando a falta e a castração, mas fixando o sujeito em uma ilusão regressiva infantil. Como os bebês reborn afetam as relações sociais? → Contribuem para o isolamento, afastando pessoas de vínculos e laços, distorcendo a percepção de cuidado, o que leva a uma sociedade mais atomizada. O fenômeno dos bebês reborn é passageiro? → Não, ''esquadrinham'' uma tendência da civilização contemporânea, assim como a robotização, denotam uma era marcada pelo encapsulamento e solidão, perda de sentido, sendo mais um sintoma duradouro do que uma moda temporária. Referências Bibliográficas Bowlby, John – Apego: A Natureza do Vínculo (2002, Martins Fontes) Winnicott, D. W. – O Brincar e a Realidade (1975, Imago) Freud, Sigmund – Além do Princípio do Prazer: O Estranho (2010, Autêntica) Lacan, Jacques – Escritos (1998, Zahar) Stark, Martha – Trabalhando com a Resistência (2002, Artmed) Baudrillard, Jean – Simulacros e Simulação (1991, Relume Dumará) Debord, Guy – A Sociedade do Espetáculo (1997, Contraponto) Sontag, Susan – Sobre a Fotografia (2004, Companhia das Letras) Bauman, Zygmunt – Modernidad Líquida (2001, Zahar) Han, Byung-Chul – A Sociedade do Cansaço (2015, Vozes) Žižek, Slavoj – Bem-vindo ao Deserto do Real! (2003, Boitempo) Klein, Naomi – No Logo (2002, Record) Diniz, Debora – Conflitos de Valor: Bioética em Debate (2005, Editora UnB) Loftus, Elizabeth – Testemunho Ocular (2010, Contexto) Safra, Gilberto – Psicose e Laço Social (2004, Escuta) Souza, Neide Lira de – A Clínica do Objeto Transicional (2016, Casa do Psicólogo) Birman, Joel – O Sujeito na Contemporaneidade: Espaço, Dor e Desamparo (2006, Civilização Brasileira) Kehl, Maria Rita – O Tempo e o Cão: A Atualidade das Depressões (2009, Boitempo) Roudinesco, Élisabeth – Jacques Lacan: Esboço de Uma Vida, História de Um Sistema de Pensamento (2000, Zahar) Green, André – O Discurso Vivo: A Concepção Psicanalítica da Emoção (2002, Martins Fontes) Kaës, René – O Sujeito do Grupo: Elementos para uma Teoria Psicanalítica do Grupo (1997, Casa do Psicólogo) Nasio, Juan-David – O Inconsciente: Um Estudo Psicanalítico (2002, Zahar) Mijolla, Alain de – Dicionário Internacional de Psicanálise (2005, Zahar) Ferenczi, Sándor – Primeiras Contribuições à Psicanálise (1992, Imago) Palavras Chaves #InfânciaEEfeitos, #PsicanáliseHoje, #TraumaInfantil, #VidaAdultaeMemória, #ApegoEmocional, #FreudNaPrática, #LacanExplica, #WinnicottECriança, #SaúdeMentalBrasil, #LiteraturaPsicológica, #JungEArquétipos, #AutoConhecimento, #CuraEmocional, #ViolênciaInvisível, #AmorRomântico, #DepressãoInfantil, #ResiliênciaPsíquica, #PsicologiaDasRelações, #FeminicídioEPsique, #DesenvolvimentoHumano. Visite minha loja ou site: https://uiclap.bio/danielmenahttps:/ / www.danmena.com.br ORCID™ - Pesquisador - iD logo são marcas comerciais usado aqui com permissão. "Open Researcher and Contributor ID" Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199. Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130. Dr. Honoris Causa em Psicanálise pela Christian Education University — Florida Department of Education — USA. Enrollment H715 — Register H0192.

  • Sexualidade, Culpa e Perdão.

    Sexualidade, Culpa e Perdão A culpa, basta mencionar essa palavra para que algo em nós desperte, como se ela carregasse um peso universal, uma ressonância que se faz ouvir em nossos recantos mais íntimos, privados e silenciosos. É, sem dúvida, uma das emoções mais robustas e paradoxalmente destrutivas que podemos transportar na alma. É a sombra que acompanha nossas escolhas, a voz que questiona os desejos, e o retrato que mostra as partes de nós mesmos que preferíamos não encarar de frente. Precisamente, quando falamos de sexualidade essa força se intensifica. O sexo, que deveria ser uma expressão de prazer, se torna um campo minado por compunções, medos e julgamentos. Mas, onde há alguma transgressão dos pactos, também pode haver perdão. Particularmente nesse delicado equilíbrio entre essas duas forças paralelas que encontramos a oportunidade de nos libertarmos e reconciliarmos com nossa essência primitiva. Culpa e perdão se cruzam em grande maneira com a sexualidade, inclusive, inesperadamente, afinal é uma das dimensões importantes da vida social. Uma potência que nos conecta ao outro, mas que também nos confronta. Precisamente nessa contenda, encontrar um espaço confortável para se instalar. De onde vem essa contrição? Era uma pergunta que me fazia com frequência antes de estudar psicanálise, e a resposta raramente era simples ou única. Em muitos casos, encontrava alguma relação com a sexualidade, interpretava isso como mensagens que recebia de forma inconsciente que pareciam ter alguma associação com minha infância. Obviamente que mais adiante, na minha própria análise as fichas foram caindo. A leitura parcial, seria que somos socializados em um mundo que envia sinais conflitantes sobre o sexo. Por um lado, somos bombardeados por imagens que celebram a sexualidade como uma forma de poder, sucesso e realização. Por outro, fomos ensinados – de forma sutil ou explícita – que há algo de muito errado no ato de desejar ou de se entregar totalmente a algum prazer. Ressignificando a Dor: Do Trauma à Libertação Essas correspondências mentais internalizadas de maneira inconsciente, criam uma dicotomia que pode ser cruel na maturidade. Por exemplo; uma mulher educada em um ambiente hostil, onde a sexualidade feminina era reprimida ou estigmatizada, cresceu seguramente com sentimentos de vergonha em relação ao seu corpo e desejos. Mesmo que intelectualmente ela reconheça que não há nada de errado em buscar jucundidade ou em explorar sua excitação, emocionalmente ela pode se sentir imputada e envergonhada como se estivesse violando alguma regra invisível. Essa provável bolha primaria de culpabilidade não se limita às mulheres. Homens, também enfrentamos as próprias batalhas, geralmente relacionadas à pressão social para desempenhar super papeis, para dominar, conquistar, prover, "provar" a masculinidade, etc. Essas expectativas gerais como padrão, podem gerar uma relativa deserção das emoções naturais e desejos, alimentando um pungimento que embora diferente, é igualmente paralisante e totalmente frustrante. Mas ela não é exclusivamente um produto da sociedade, também pode estar sedimentada em experiências pessoais. Um relacionamento abusivo, uma traição, perda ou afastamento de um amor, uma decisão afetiva que sentimos ter sido um "erro"  – todas essas situações entre outras tantas, podem deixar cicatrizes emocionais que se manifestam como tal. No campo da sexualidade essas balizas e indicadores podem ser altamente dolorosas. O sexo, em sua raiz, é por si um ato de vulnerabilidade e exposição. Um momento único no qual nos despimos – literal e metaforicamente – onde nos mostramos ao outro em nossa forma mais crua. Assim, quando algo dá errado, e quase sempre acontece, nesse espaço de fragilidade ela pode se tornar uma companheira persistente, sussurrando que somos de alguma forma defeituosos(as), incompletos, indignos ou imperdoáveis. Por consequência chegamos ao perdão. O que significa perdoar no contexto da sexualidade? Como podemos perdoar a nós mesmos dos equívocos dos ''outros''? Essas não são perguntas corriqueiras, mas acredito que elas são básicas para qualquer pessoa que deseje se libertar das amarras da contrição, e viver sua sexualidade de forma plenária. Não é um ato de fraqueza ou rendição, pelo contrário, é um exemplo de coragem. Significa enfrentar aquilo que dói, reconhecer feridas e escolher não permitir que elas nos abatam. No espectro do amplo contexto da sexualidade, começa com a aceitação, acolhendo sensivelmente que somos humanos, que cometemos erros, nos equivocamos, que temos desejos, que nem sempre sabemos o que fazer com eles ou como agir perante ‘’N’’  situações diversas. Aceitar que a perfeição é uma ilusão, principalmente a do ''outro'', e que a beleza do erótico está em sua falha, na capacidade de alguma forma de nos conectarmos além do puramente  racional. Caminho para o Perdão Mas, tudo isso também exige trabalho, não é uma tarefa automática ou que possa ser forçada. É um processo que requer introspecção, paciência, empatia, e compaixão – por nós mesmos e por terceiros. Aquilo que carregamos em relação à sexualidade não é apenas nosso, é quase sempre compartilhado e coletivo. Resultado de interações, de expectativas não correspondidas, de mágoas e mal-entendidos, e principalmente, das nossas próprias projeções. Para remir esse quadro, precisamos estar dispostos a reconhecer essas dinâmicas e liberar-nos do seu peso. Por exemplo, uma pessoa que se sente culpada por um relacionamento que terminou de forma traumática pode descobrir através da remissão, que o acontecido não é inteiramente da sua autoria. Se faz necessário assimilar que, embora se tenham feito escolhas que contribuíram para o fim do relacionamento, esse desenrolar era, em muitos dos casos, uma tentativa de lidar com suas próprias dores e limitações. Ao reconhecer isso, ela(e) pode(m) começar a se doar empaticamente – não com um ato de desculpa, mas como uma ação de aceitação. Importante notar que ditas atitudes não significam colocar a conta no esquecimento, desmemoriar ou apagar o passado. Significa em termos perceptivos reintegrar o pretérito de uma forma que permita seguir em frente. Isso pode evidenciar, passar por, e confrontar as mensagens que internalizamos sobre o sexo enquanto tudo, questioná-las. Revelar nosso passado com curiosidade em vez de cravar julgamentos, possibilita denotar e abrir espaço para criar novas narrativas, outras maneiras de criar laços com nosso corpo, desejo e parceiros. No final das contas, a simbiose desses elos, sexualidade e sexo é uma trilha de traquejos pessoais. Eles nos desafiam a confrontar sombras, abraçar vulnerabilidades e a reconciliarmos com quem somos. Certamente, nunca é uma tarefa fácil, destarte, seja ao fim, num determinado ponto, uma incrível conquista libertadora. Quando nos permitimos perdoar – estamos antes que nada se perdoando, – abrimos lugares expressivos para o prazer, para a ligação e o amor, e não existe nada mais poderoso do que isso. Que histórias têm contado a si(a) mesmo(a) sobre a sexualidade?   E como seria se por um momento concedermos a oportunidade de saldar essa conta – e entender as circunstâncias singulares de um perdão?  Absolver não é somente ''função do padre''  – é também uma chance pessoal de crescimento que nos pertence creditar. São janelas vanguardistas que começam por desculpar a própria incapacidade de se redimir das mágoas recebidas. A culpa se instala silenciosamente, está muitas vezes condicionada às normas sociais, valores familiares, morais, religiosos e éticos. Se manifesta em diversas áreas da vida nos impedindo de seguir o futuro, pesando sobre nossas cabeças em determinadas escolhas e influenciando a autoestima. Por outro lado, surge como um caminho, porque o ressentimento ensina, e não significa minimizar seus motivos, seja qual for a causa da sua instauração. Reelaborar o sofrimento, angústia, ódio, rancor, é permitir retirar o fardo paralisante da reclamação, da queixa, o desejo de vingança e a autocrítica excessiva. Você já se perguntou por que a culpa parece ser um sentimento tão persistente e entorpecente?   Mesmo quando desejamos perdoar do fundo do coração, encontramos barreiras, montanhas internas que parecem intransponíveis? O Corpo como Templo ou Prisão? Esses são dois lados de uma mesma moeda emocional, seguramente moldadas pela singular história pessoal e pelas dinâmicas inconscientes que governam nossa mente. No entanto, elas não são apenas questões privadas que atravessam cada um, senão todas as culturas e épocas. "Perdoar é se libertar da prisão emocional construída pelas mãos do ressentimento e da dor." – Dan Mena. Vamos imaginar a seguinte situação: você está navegando pelas redes sociais e se depara com uma lembrança de um erro passado, algo que você preferiria ou gostaria de esquecer. Esse momento de exposição pública, de uma falha pessoal acontecida pode desencadear uma espiral de remorso e autocrítica. Em um mundo onde a privacidade está se tornando cada vez mais escassa, lidar com tais emoções como a contrição se tornou um desafio quase diário para a maioria. Além disso, o ato de remir é assiduamente romantizado como algo simples, mas, na verdade, é um processo que exige muita pacificação, articulação e ponderação, um tripé sensível ao ser contemporâneo. Esse lugar é de difícil acesso quando se trata de relevar. Vivemos uma era em que as redes amplificam nossos equívocos e, simultaneamente, banalizam o ato de poupar o ‘’outro’’ . A psicanálise – desde Freud até os pensadores atuais – nos mostram que essas expressões emotivas são mais intrincadas do que aparentam. Elas não residem apenas na superfície da nossa consciência, mas afloram das camadas sondas do inconsciente, carregando seus significados icônicos, simbólicos e arquetípicos. "A culpa não é um peso, mas uma bússola que aponta para os aspectos de nós mesmos que clamam por transformação." – Dan Mena. A culpa está enraizada na dinâmica do superego, uma das três estruturas psíquicas do modelo estrutural da mente, juntamente com o id e o ego. Desempenha o rol da instância moral e ética, representando as normas, valores e ideais internalizados a partir da convivência com figuras de autoridade, como os pais, cuidadores e com a sociedade, que internalizam essas regras impostas pela civilização, assim, elas julgam e regulam nossos comportamentos. Surgem, portanto, do conflito entre o id, que busca satisfação imediata dos desejos, e o superego, que impõe essas restrições e limitações aos princípios elaborados. Esse desafio interiorizado pode gerar angústia e desconforto psíquico, por vezes difícil de compreender. Pessoas que experimentam altos níveis de culpa são mais propensos a desenvolver transtornos mentais. Essa carga adicional pode se manifestar em diversos comportamentos autodestrutivos, ansiedade, depressão e dificuldades em travar relacionamentos interpessoais na maturidade. Mas como podemos usar essas ferramentas para nosso benefício? Como conseguimos aliviar esse embaraço da culpa e alcançar o perdão genuíno? Vamos logo fazer a primeira parada no trem da vida e indagar. Por que a culpa parece insuperável, invencível e irremovível?   ''O transtorno da culpa é aliviado quando compreendemos que erros não definem quem somos, mas como podemos evoluir com eles." - Dan Mena. Surge   como um mecanismo de sobrevivência psíquica formatado pelas interações com figuras parentais e pela internalização das normas culturais que absorvemos durante a existência terrena. No entanto, quando não resolvida, ela pode se transformar em um fantasma obstinado, que bloqueia o crescimento emocional. Buscar a reconciliação interna não é apenas um ato de autocura, mas também um movimento de libertação das amarras do passado. Por essa razão Nietzsche afirmou com a seguinte perspectiva: "O perdão é a vingança dos fracos".  É realmente um ato de fraqueza ou uma expressão de força?  Qual seria sua opinião a respeito? "A culpa mal compreendida se transforma em corrosão emocional; quando acolhida, um alicerce para a maturidade." - Dan Mena. Em uma comunidade global que valoriza a perfeição e a meritocracia, pode ser exacerbada por expectativas irreais e pela constante comparação que fazemos com outros. Byung-Chul Han, em sua obra "A Sociedade do Cansaço",  argumenta que vivemos em um tempo onde a autocobrança e a busca incessante pelo sucesso geram sentimentos de inadequação, logo a culpabilidade, que também nasce da comparação. Nesse quadro, ela emerge como um ato de resistência, uma escolha consciente de abandonar a rigidez do superego e abraçar a indulgência. Sua prática, é uma das estratégias mais eficazes para lidarmos com ela. Tratar a si com a mesma gentileza que oferecemos a um amigo pode romper esse ciclo vicioso de autocrítica e promover a tão aclamada e libertadora cura emocional. Portanto, um caminho viável seria reconhecer que esse itinerário direto ao perdão é absolutamente pessoal e único para cada indivíduo. Seguindo aqui o que sabiamente Jung expressou: “O que negamos nos subjuga; o que aceitamos nos transforma.” - Jung. "A culpa nos aprisiona ao passado, mas o perdão abre suas portas para elaborar um presente de soberania." - Dan Mena. A Natureza da Culpa Qual é a verdadeira biogeocenose da culpa?   Será que é apenas um sentimento de remorso pelas ações cometidas ou há algo mais entranhado nela? Melanie Klein, em seus estudos sobre posições esquizo-paranóides e depressivas, sugere que pode estar associada a fantasias inconscientes de destruição e reparação. Essa visão nos ajuda a entender por que pode ser tão persistente e difícil de lidar. Lacan, por sua vez, nos oferece uma perspectiva diferenciada. Para ele, está ligada ao conceito de "Grande Outro"  – a instância simbólica que regula e julga nossas ações . É algo que não apenas sentimos, mas que também nos é imposto pelo contexto em que estamos inseridos. "Não carregamos a culpa apenas pelo que fizemos, mas pelo que o 'Grande Outro' espera de nós, moldando nosso ser no tribunal invisível do simbólico." - Dan Mena. A Sombra: Integrando Nossos Demônios A Natureza Interdisciplinar Para compreender completamente ambos os termos, é muito adequado adotar uma abordagem interdisciplinar, incorporando a psicologia, sociologia, teologia e filosofia. Essa perspectiva maior permite que consideremos suas múltiplas dimensões.  "A interdisciplinaridade nos ensina que a culpa e o perdão são entrelaçados, entre ética, religião e sociologia, elas moldam nossa existência." – Dan Mena. A teóloga Miroslav Volf, em seu livro "Exclusion and Embrace" , discute o perdão como um ato de reconciliação que vai além da justiça, promovendo uma nova forma de coexistência pacífica. Volf expõe que não se resume à renúncia de um ato de vingança, mas envolve a criação de um espaço para a renovação das relações, onde a justiça restaurativa substitui a retributiva.  "Ao perdoar, não renunciamos à justiça, mas levamos tudo para o espaço restaurativo, onde a reconciliação é a nobre vingança." - Dan Mena. Da mesma forma, Emmanuel Levinas vê o tema através da lente da ética da alteridade, onde o perdão é uma responsabilidade inalienável em relação ao outro. Para ele, a relação ética é a base da nossa humanidade, e a culpa emerge como um reconhecimento da intrínseca falibilidade e da obrigação para com o próximo. O perdão, nesse sentido, é um ato de transcendência que libera as amarras do decorrido e nos permite uma renovação. Na sociologia é vista como um mecanismo de controle social. A culpa funciona para manter a coesão social, internalizando essas normas e valores que regulam a conduta. Nesse âmbito, pode ser entendido como uma ferramenta de reintegração social, que permite a restauração das relações rompidas e a reconstrução do tecido social. "Durkheim nos lembra que a culpa não é apenas uma emoção pessoal, mas um mecanismo que reflete a necessidade de pertencimento em sociedades regidas por normas compartilhadas." – Dan Mena. A psicologia nos fornece uma compreensão detalhada dos processos internos que geram a culpa e facilitam o perdão. Teorias como a da  ''dissonância cognitiva''  de Leon Festinger explicam como o desconforto entre crenças e ações pode levar a esses sentimentos, e como a resolução de tal discordância pode ser alcançada mediante mecanismos de justificação ou da mudança comportamental. Destarte, as abordagens terapêuticas, como a Terapia Cognitivo-comportamental (TCC)  e a Terapia Focada na Compaixão (TFC) , oferecem estratégias práticas e eficientes. A psicanálise se beneficia enormemente dessa multiplicidade interdisciplinar, pois permite uma compreensão mais holística e integrada dos fenômenos psíquicos. A colaboração entre diferentes áreas do conhecimento enriquece a teoria e a prática da nossa clínica, sob novas perspectivas e métodos de intervenção. Ao integrar esses quadros, podemos abordar o tema de maneira mais abrangente, considerando não apenas os processos internos do indivíduo, mas também outros contextos subjacentes. "Perdoar não é esquecer, mas registrar com sabedoria, libertar o outro e a si da clausura da reprodução simbólica." - Dan Mena. A Dimensão Cultural As normas religiosas e morais desempenham um elemento chave na formação do superego, que, por sua vez, regulam essas vivências com a matéria. A tradição judaico-cristã, enfatiza a culpa como um reconhecimento do pecado e a necessidade de expiação. Esta concepção é sobremaneira enraizada na psique ocidental, que influencia tanto a prática religiosa quanto a ética secular. Autores como Freud e Erikson discutiram como a interiorização dessas normas podem levar a embates. Freud, em particular, a associou ao desenvolvimento do superego. Erik Erikson, ampliou o tema freudiano ao considerar a importância das etapas do desenvolvimento psicossocial. Assim, assinala, que surge especialmente durante a fase da "iniciativa vs. culpa" , que ocorre entre os três e os seis anos de idade. Nessa fase, a criança começa a desenvolver um senso de iniciativa, mas pode também sentir culpa ao perceber que certas ações ou impulsos são inaceitáveis para os padrões dos adultos. Essa lide entre a busca por autonomia e a necessidade de conformidade contribui para a formação da identidade e pode gerar persistente direcionamento. "A justiça restaurativa, ao substituir a retributiva, nos mostra que as verdadeiras reparações não são punitivas, mas relacionais, aquelas que promovem a paz." – Dan Mena. Religião e Desejo: Um Conflito Milenar A Visão Oriental Nas culturas orientais, a culpa é vista de uma maneira mais coletiva. As sociedades deste continente, como as japonesas e coreanas, valorizam a harmonia social e a interdependência dos indivíduos dentro da comunidade. Nesses âmbitos, tratar dela não é apenas uma questão de responsabilidade pessoal, mas também de manter o equilíbrio e a honra do grupo. A vergonha e a perda de face são componentes importantes na experiência deles. O sociólogo Erving Goffman aborda isso em seu estudo sobre a apresentação do ''self''  na vida cotidiana. Ele argumenta que, em sociedades orientais, a culpa e a vergonha estão ligadas às normas e à necessidade de preservar a imagem pública. Isso implica que também é uma experiência coletiva, envolvendo a restauração da honra e da harmonia no grupo. O Perdão nas Diferentes Culturas Também varia amplamente entre culturas. No Ocidente, é visto como uma ação individual, uma escolha pessoal de liberar a raiva e a dor. Já nas culturas orientais, pode ser um processo comunitário, onde a reconciliação e a restauração das relações sociais são premissas fundamentais. "Perdoar, na perspectiva filosófica, é considerar no outro uma alteridade inalienável, um chamado que transcende os limites do ‘’eu’’." - Dan Mena. Recentemente li "Exclusion and Embrace" , nas páginas deste livro fascinante fui muito tocado pelas suas reflexões. Ele nos guia admiravelmente via um terreno emocional e intelectual hermético, dando uma compreensão sobre o perdão como ferramenta que pode transformar tanto indivíduos quanto sociedades. "O perdão não é um ato passivo, senão uma revolução interna que desarma a exclusão e reconstroi caminhos para a dignidade compartilhada." - Dan Mena. Ele começa descrevendo a alienação como uma das maiores instigações que enfrentamos nas relações interpessoais. Ao tratar o outro como um indesejável, desumanizado, nós o excluímos de nossa esfera de compaixão e justiça. Esse popular ''cancelamento''  é uma conduta que não se limita apenas às interações, mas que se estende a estruturas sociais, políticas e culturais. Tal prisma me fez considerar sobre as formas sutis e não tão tênues de segregação que ocorrem ao nosso redor e percorrem dentro de nós mesmos. No centro da sua obra está a ideia de que o perdão é determinante para superar essa subtração social e promover a inserção. Ele nos desafia a enxergar o tema como algo muito mais alto do que simplesmente renunciar ao ressentimento. Entendi aqui, que perdoar é um movimento ativo em direção à reconciliação, não é apenas esquecer ou minimizar a ofensa, a traição, ou tudo aquilo que possa ser considerado como tal, mas sim aceitar autenticamente o ofensor como um ser digno de compaixão e respeito. "Seguir o caminho da escusa é resistir à lógica do cancelamento, optando por uma ética de acolhimento." - Dan Mena. A Justiça Restaurativa: Reparar sem Punir A aproximação teológica de Volf fundamenta essa prática na doutrina cristã, destacando que, assim como Deus perdoa incondicionalmente, nós também somos chamados ao ato reciprocamente. Esse entendimento como uma imitação do amor divino, oferece uma nova chance sem exigir nada em troca. Ele foi amplamente inspirado pelo filósofo francês Emmanuel Levinas, pois aborda o assunto através da ética da diversidade. Vejo nisso uma espécie de responsabilidade que temos em relação ao outro, uma resposta ao chamado ético. É também um estímulo provocativo que afronta a tentação de desumanizar aqueles que nos feriram e os que ferimos, e nos convida a reconhecer o semelhante de forma fraterna. "Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará a vós; se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, tampouco vosso Pai vos perdoará as vossas ofensas." (Mateus 6:14-15). Ele não deve de forma alguma perpetuar a injustiça ou isentar os opressores de seus deveres. Em vez disso, devemos criar uma dimensão de justiça restaurativa, onde se abra o caminho para a reparação, restituição e a renovação das relações quebradas. Este é um conceito que ressoou intimamente em mim, pois lida diretamente com a possibilidade de reconciliação em um mundo imperfeito. ''Ele não nos trata segundo os nossos pecados, nem nos retribui conforme as nossas iniquidades. Pois como os céus se elevam acima da terra, assim é grande o seu amor para com os que o temem; e como o Oriente está longe do Ocidente, assim ele afasta para longe de nós as nossas transgressões" (Salmos 103:10-12). Volf, usa a imagem do abraço como uma metáfora poderosa para a inclusão radical do outro. Esse acolhimento requer que abramos nossos braços e coração, simbolizando a disposição de receber o outro integralmente, apesar das suas transgressões. Esse gesto não é simples metáfora, exige sim um compromisso ativo com a construção de uma comunidade baseada na consideração do semelhante. "A alegoria do abraço, tão poderosa em Volf, nos ensina que o perdão não exige conivência com o erro, mas presume coragem para acolher o ‘’outro’’, com um gesto de empatia." – Dan Mena. O perdão liberta o ofendido do encapsulamento emocional do ressentimento e da amargura, permitindo uma vida mais autêntica. No nível social, tem o potencial de romper ciclos de violência e retaliação, promover a paz e a justiça a longo prazo. Logo, praticado de forma genuína, pode ser uma força poderosa para a mudança positiva. Destarte ele seja um defensor firme do perdão, também reconhece seus quadrantes limitadores. Pode ser extremamente difícil sua aplicação, especialmente em casos de ilegalidades graves e traumas hediondos. No entanto, devemos insistir, que o perdão, embora exigente, é primordial para a cura em qualquer norte. ''O perdão é a semente que, ao germinar, quebra as correntes do passado e liberta a alma. Sua verdadeira força reside na capacidade de restaurar o que foi perdido, sem jamais ignorar a justiça'' - Dan Mena. Vulnerabilidade: A Coragem de Ser Imperfeito O Impacto Gerado Tenho refletido sobre o choque que a culpa exprime, aprendi que ela não é simplesmente algo a ser superado, mas sim uma força psíquica, uma singularidade cravada na história pessoal das nossas interações e relações com o ''outro'' , logo, isso inclui um espectro muito personalizado. Quando me deparo com questões que envolvem o tema, percebo o quanto isso realmente atua em nossas vidas de maneira intensa e, muitas vezes, inconsciente. Quando não integrada ou resolvida, pode ser um arcabouço, que pode nos manter aprisionados a um passado que não conseguimos deixar ir. E, ao mesmo tempo, sinto que temos a chave para abrir a porta. Mas, ao contrário do que muitos acreditam, o perdão não é algo que oferecemos ao outro, a conciliação é sempre um processo que exige antes que nada tempo, depois, sim, trabalho, reflexão e renovação com nossas experiências mais dolorosas. "Perdão não é uma dádiva que oferecemos ao outro; é um processo interno que nos exige confrontar nossas próprias sombras, aceitar a dor e buscar a cura, para então estender um gesto de reconciliação legítima." - Dan Mena. Como analista fui além, entendendo que não é uma denúncia de atos, mas uma manifestação de desacordos internos. Como mencionei anteriormente, o superego, com sua necessidade de controle, cria uma vigilância constante sobre nossas ações e pensamentos. Cada erro, cada falha, é apontada em nosso nariz, criando uma oportunidade para a culpa se manifestar. Em algumas pessoas, essa sensação vira autocensura e autojulgamento. Mas, ao mesmo tempo, esse mesmo superego que aponta, é necessário para a formação da moralidade. O problema surge quando ele se torna excessivo, e se sobrepõe ao ego gerando aflição. A culpa, nesse caso, não está relacionada a um erro ou falha real cometidos, mas sim a uma percepção distorcida do que é “certo” ou “errado” , geralmente exagerados. "Em sua forma mais destrutiva, a culpa nasce da sobrecarga de um superego que não admite falhas e, ao se sobrepor ao ego, se perde na ilusão de perfeição." - Dan Mena. Em relação ao outro segue mais ou menos uma dinâmica muito semelhante. Quando alguém nos machuca, a culpa não procede apenas do ato cometido, mas da nossa incapacidade de lidar com o desgosto causado. Não seria assim uma simples concessão, mas uma escolha de se livrar da mágoa, de deixar de carregar o rancor e o ódio que possam ter ocasionado. Para ser genuíno, exige uma conversão, ele não anula o erro do outro, mas permite que a relação se renove, que o vínculo seja arranjado de uma maneira saudável, então, a vida segue. Esse remendo, por assim dizer, não é fácil de aplicar, pois muitas vezes nos sentimos extremamente golpeados(as) e a mágoa toma conta. No entanto, ao admitir perdoar, estamos permitindo que o laço se restabeleça, seja qual for, e evolua positivamente. "Culpa real e fictícia se confundem no campo da psique, mas apenas a compreensão de ambas podem nos permitir distinguir o que realmente precisa de reparo e o que pertence à nossa própria projeção fantasiosa." - Dan Mena. É importante salientar também a diferença entre culpa real e fictícia. A culpa real está relacionada a ações ou omissões que, de fato, causaram dano a nós ou aos outros. Já a culpa ficcional impõe uma sensação, essa que surge sem uma base concreta, habitualmente originada de expectativas e pressupostos projetados ou de um superego demasiado crítico. "Perdoar não é esquecer, mas uma decisão de não permitir que o rancor dite a direção de nossas vidas; é um ato corajoso de buscar a evolução do vínculo, mesmo diante da dor." – Dan Mena. Perdoar não é Esquecer "Sede bondosos e compassivos uns para com os outros, perdoando-se mutuamente, assim como Deus os perdoou em Cristo." (Efésios 4:32). O Poder do Perdão na Perspectiva Divina O perdão não apaga a dor, mas a ressignifica; não elimina o passado, mas o reintegra à história pessoal de forma que ela possa ser vivida sem a destruir. E assim, o ciclo de pesar do ato se torna não apenas uma trilha individual e leve, mas, uma força coletiva. Ele existe como um lembrete de que somos todos, em última análise, interligados por nossas vulnerabilidades, fragilidades, fraquezas e imperfeições compartilhadas, e também, da nossa grande capacidade de amar e recomeçar às fases. Este assunto é um atributo central do nosso criador, conforme escrito em inúmeras passagens bíblicas. Deus é misericordioso e compassivo, sempre disposto a poupar aqueles que se arrependem de coração. Esse ângulo, nos oferece uma penetração espiritual da fé ao ato de perdoar, sugerindo que, ao perdoarmos mutuamente, estamos imitando o caráter divino e acolhendo a graça que nos é oferecida, gratuita e incondicionalmente. "Eu mesmo sou o que apago as tuas transgressões por amor de mim, e dos teus pecados não me lembro." (Isaías 43: 25). F.A.Q Para o tema; Sexualidade, Culpa e Perdão na Psicanálise O que é culpa sexual e como ela se forma? → Culpa sexual é o sentimento interno de que o desejo ou o prazer são moralmente errados. Se forma a partir da repressão de desejos durante a infância, influências religiosas e normas familiares internalizadas no superego. A sexualidade pode gerar sofrimento psíquico? → Sim. Quando o desejo sexual entra em conflito com normas morais ou familiares rígidas, o sujeito pode desenvolver angústias, neuroses, ansiedade e sintomas como impotência, frigidez ou compulsão. Qual a diferença entre culpa real e culpa neurótica na sexualidade? → A culpa real está ligada a ações objetivamente prejudiciais. A culpa neurótica, por sua vez, é inconsciente, simbólica e vinculada a desejos reprimidos, mesmo quando não há dano real. Como o perdão pode ajudar na cura da culpa sexual? → O perdão não como absolvição moral, mas como reconciliação interna, permite ao sujeito ressignificar suas experiências e desejos, integrando o prazer sem o peso da punição inconsciente. Por que a repressão sexual causa sintomas na vida adulta? → Porque desejos reprimidos não desaparecem; eles retornam como sintomas, sonhos, bloqueios ou comportamentos compulsivos, exigindo a elaboração simbólica e escuta terapêutica. O que a psicanálise diz sobre sexualidade reprimida? → A psicanálise entende que a repressão sexual é uma das principais fontes de sofrimento psíquico, e que o inconsciente tenta constantemente encontrar vias para expressar esse desejo recalcado. A religião influencia na culpa sexual? → Sim, muitas tradições religiosas associam o prazer ao pecado, o que pode gerar forte repressão e internalização de sentimentos de vergonha, medo, rejeição do corpo, mesmo em atos íntimos consensuais. Como superar a culpa por desejos sexuais? → O processo envolve o reconhecimento do desejo como legítimo, a desconstrução de crenças repressoras e, muitas vezes, o acompanhamento psicanalítico para elaboração da angústia. Qual a relação entre sexualidade e o inconsciente? → A sexualidade é uma via privilegiada do inconsciente para se manifestar. Ela carrega traços infantis, afetos recalcados, imaginação e fantasias que precisam ser compreendidos, não apenas vividos. A culpa sexual pode gerar depressão? → Sim, a culpa persistente e inconsciente pode contribuir para quadros depressivos, pois impede o sujeito de experimentar prazer e jucundidade, criando uma vida afetiva marcada pela punição e autoacusação. Como a infância influencia na construção da sexualidade? → As experiências infantis com o corpo, o prazer, a vergonha e os limites impostos em varias esferas, moldam a forma como o sujeito vivencia sua sexualidade na vida adulta. O que é perdão simbólico na psicanálise? → É a capacidade de se reconciliar com partes internas fragmentadas, integrar e reelaborar esses erros e desejos sem recorrer à autopunição, ressignificam o passado por meio da escuta analítica. É possível viver a sexualidade sem culpa? → Sim, mas exige um processo de autoconhecimento, desconstrução, aceitação, tanto de discursos opressores e inclusão do desejo como parte legítima do ser. A culpa sexual tem relação com traumas? → Muitas vezes, sim. Traumas relacionados ao corpo, abuso, castigo moral, penitencias, limitações ou experiências de rejeição podem se manifestar como culpa e bloqueios na vida sexual adulta. O que é sexualidade saudável do ponto de vista psicanalítico? → É a vivência do desejo de forma espontânea, integrada e consciente, sem a interferência excessiva do superego punitivo ou do recalque certamente inconsciente. Como lidar com pensamentos sexuais considerados “errados”? → É necessário entender que o pensamento não é crime. Na psicanálise, pensamentos são manifestações do inconsciente, e não devem ser moralizados, julgados, senão interpretados. A masturbação causa culpa em algumas pessoas. Por quê? → Porque ainda carrega muitos tabus e discursos religiosos antagônicos. A psicanálise compreende a masturbação como uma forma natural de expressão do desejo e não como um ato culposo. A sexualidade pode ser ressignificada na análise? → Sim. Na clínica psicanalítica o sujeito reconstroe sua história, resgata desejos recalcados e se liberta da culpa simbólica que o impede de viver o prazer. Existe pecado no desejo? → Do ponto de vista psicanalítico, não. O desejo é estruturante do sujeito. O que pode adoecer é o recalque, a repressão ou a idealização excessiva dos quereres, não o desejo em si. O perdão é necessário para viver a sexualidade plenamente? → Sim. Se perdoar é essencial para que o sujeito possa amar, desejar e ser desejado sem carregar o peso do julgamento moral ou da culpa inconsciente que se estabeleceu no decorrer do tempo. Consultas Bibliográficas Freud, S. – O Mal-Estar na Civilização (1930) Jung, C.G. – Aion: Estudos sobre o Simbolismo do Si-mesmo (1951) Klein, M. – Inveja e Gratidão (1957) Lacan, J. – Escritos (1966) Nietzsche, F. – Genealogia da Moral (1887) Volf, M. – Exclusion and Embrace (1996) Levinas, E. – Totalidade e Infinito (1961) Fromm, E. – A Arte de Amar (1956) Durkheim, E. – As Formas Elementares da Vida Religiosa (1912) Goffman, E. – A Representação do Eu na Vida Cotidiana (1959) Han, B.-C. – A Sociedade do Cansaço (2010) Erikson, E. – Infância e Sociedade (1950) Bowlby, J. – Apego e Perda (1969-1980) Perel, E. – O Coração do Acontecimento (2006) Frankl, V. – O Homem em Busca de Sentido (1946) Hillman, J. – O Código do Ser (1997) Campbell, J. – O Poder do Mito (1988) Nussbaum, M. – A Fragilidade da Bondade (1986) Palavras Chaves #Culpa #Perdão #Sexualidade #Psicanálise #Freud #Superego #Reconciliação #Trauma #Autoaceitação #Jung #Psicologia #Relacionamentos #JustiçaRestaurativa #Autoperdão #Espiritualidade #Emoções #Moralidade #Vulnerabilidade #Ética #CrescimentoPessoal Link sobre o assunto; O corpo e a culpa: construção da sexualidade feminina sob a influência do cristianismo  – Revista Brasileira de Sexualidade Humana (PUC‑MG): aprofunda como a religião molda sentimentos de culpa sobre a sexualidade feminina.  Dan Mena Psicanáliserbsh.org .br Link: https://www.rbsh.org.br/revista_sbrash/article/view/998 Culpa e prazer: o conflito entre sexualidade e religião  – Psicanálise Clínica Integrada / Psicologia Positiva: discute o embate entre desejo erótico e normas religiosas/opressoras.  rbsh.org.brpsimarize.com .br Link: https://psimarize.com.br/culpa-e-prazer-o-conflito-entre-sexualidade-e-religiao/ Superando a vergonha e culpa sexual: estratégias psicanalíticas para cura e empoderamento  – Instituto Brasileiro de Terapias Holísticas: apresenta abordagens psicanalíticas para ressignificação da culpa sexual.  psimarize.com .br Enciclopedia Online+2IBTH+2IBTH+2 Link: https://institutobrasileirodeterapiasholisticas.com/superando-a-vergonha-e-culpa-sexual-estrategias-psicanaliticas-para-cura-e-empoderamento/ Overcoming Sexual Guilt: How Sex Therapy Can Help  – Couple Therapy (em inglês): explica como a terapia sexual ajuda a lidar com culpa e vergonha, fornecendo estratégias práticas.  fredericoburgos.com.br +3IBTH+3IBTH+3 scielo.br+13couple-therapy.net+13Enciclopedia Online+13 Link: https://couple-therapy.net/2024/08/12/overcoming-sexual-guilt-how-sex-therapy-can-help/ Aceitação da sexualidade: hora de superar a culpa e a vergonha  – Frederico Burgos (em português): reflexões terapêuticas sobre aceitar a sexualidade sem culpa, com enfoque na compaixão e autoconhecimento.  couple-therapy.netfredericoburgos.com .br Link: https://fredericoburgos.com.br/aceitacao-da-sexualidade-hora-de-superar-a-culpa-e-a-vergonha ORCID™ - Pesquisador - iD logo são marcas comerciais usado aqui com permissão. "Open Researcher and Contributor ID" Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199. Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130. Dr. Honoris Causa em Psicanálise pela Christian Education University — Florida Departament of Education — USA. Enrollment H715 — Register H0192.

  • Medos Ocultos que Sabotam a Vida Sexual.

    O Espelho da Autossabotagem Bloqueados no Prazer e na Intimidade Autossabotagem, apenas o som dessa palavra já carrega um peso quase visceral: não é mesmo? Um lembrete de que, em muitos momentos, somos os próprios algozes, criando barreiras que nos afastam daquilo que mais desejamos, ainda que secretamente. Mas, e se eu lhe dissesse que esse fenômeno, tão nosso, reverbera em áreas que sequer ousamos encarar? Sim, falo da sexualidade, do sexo. Dessa dimensão que, paradoxalmente, é também uma das mais negligenciadas, distorcidas e adiadas no silêncio da procrastinação e no teatro da autossabotagem. A sexualidade é uma extensão de quem somos, um reflexo das narrativas interiores que carregamos, das experiências que nos moldaram e das inseguranças que, muitas vezes, preferimos ignorar. E aqui, no cruzamento entre ambos que verificamos também como essas dinâmicas internas se relacionam com nossa capacidade – ou incapacidade – de nos entregarmos ao prazer, à intimidade e ao amor. Imaginemos, por exemplo, uma pessoa que sente atração por alguém, mas hesita em tomar qualquer iniciativa, seja por medo do fracasso, por um sentimento de inadequação ou até mesmo pela crença – consciente ou inconsciente – de que não é digna de ser desejada(o). Ela(e) procrastina. Adia o encontro, a conversa, o toque. E nesse diferimento, constrói uma narrativa interna que apenas reforça sua crença limitante: "Eu sabia que não era boa(m) o bom o suficiente" . Assim, o ciclo se perpetua. Mas será que essa tardança é apenas uma questão de preguiça ou falta de coragem? Ou seria, na verdade, um mecanismo de defesa contra a vulnerabilidade que a intimidade exige? A sexualidade, nesse quadro, escancara não apenas nossos desejos, mas também os medos ocultos. E a autossabotagem, como uma sombra persistente, nos impede de nos aproximarmos desse espelho, temendo o que podemos encontrar em si. É como se estivéssemos constantemente fugindo, evitando o confronto, partes fracionadas da nossa identidade. Mas o que exatamente estamos temendo? Seria o julgamento do outro? Ou, talvez, o juízo que já lançamos sobre nós mesmos? Ao longo das sessões terapêuticas que conduzo, percebo que muitos dos bloqueios relacionados à sexualidade têm raízes longas, geralmente cravadas em experiências anteriores que decretaram determinadas percepções sobre o corpo, o prazer e os quereres. Para alguns, esses liames estão em uma infância marcada por repressão ou vergonha, onde a sexualidade era vista como algo sujo, proibido, pecaminoso ou perigoso. Para outros(as), estão em relacionamentos passados que deixaram cicatrizes emocionais difíceis de curar. "Como parar de procrastinar na intimidade?" E, nesse clima, que aparecem como uma forma inconsciente de se proteger da dor que a intimidade pode trazer. Afinal, se eu não me permitir amar ou ser amado(a), também não arrisco ser rejeitado(a), não e? O Custo da Desconexão Sexual O problema é que essa proteção nos cobra um alto valor: o desligamento de nossa própria sexualidade . Quando procrastinamos da busca por intimidade ou evitamos situações que poderiam nos trazer prazer, estamos, na verdade, negando a nós mesmos uma parte crucial da nossa natureza. Essa negação não passa despercebida. Ela se manifesta em sentimentos de frustração, encapsulamento, solidão e insatisfação, que são erroneamente atribuídas a fatores externos. No fundo, sabemos que a causa está dentro de nós. É a voz da autossabotagem, sussurrando que não somos bons o suficiente, que não merecemos ser felizes. Uma forma de evitar aquilo que mais desejamos, porque tememos o que isso pode exigir de nós. É um paradoxo fascinante: retardamos o regozijo sexual porque, de alguma forma, acreditamos que não estamos preparados para ele. Mas como podemos estar, se nunca nos permitimos? Um exemplo clássico disso é a maneira como muitos de nós internalizamos padrões irreais de beleza, estética e desempenho sexual, alimentados por uma sociedade que reduz a sexualidade a uma questão de aparência, comparação e competitividade. Quando não nos encaixamos nesses padrões fantasiosos alinhavados – e, sejamos honestos: quem realmente se adéqua? – e uma impalpabilidade absolutamente irreal. Quem, e de que maneira poderia ditar ou que é ou não matriz, protótipo, forma, molde, design, de formosura, venustidade, etc? Infelizmente, e a pesar dessa realidade de leitura racional, muitos começam a duvidar do seu próprio valor. Essa prerrogativa alimenta esses conceitos que discutimos, criando um ciclo difícil de romper. Mas será que precisamos mesmo nos encaixar nesses critérios? Somos realmente capazes de poder redefinir interiormente o que significa ser sexual, atraente, cativante, bonito(a), etc., de uma forma que seja unicamente autenticada para nós? Destarte opiniões, sejam sempre bem-vindas desde que reparadas como um horizonte do outro, que positiva ou negativamente não tenham peso quanto ao que eu estabeleço como minha afirmação pessoal. Uma abordagem complementar que tenho encontrado como particularmente eficaz nesse processo de redefinição é a prática da atenção plena. Ao nos sintonizarmos com nosso corpo e com as sensações que ele nos proporciona, começamos a desconstruir as barreiras e muralhas que criamos contra o prazer. É um convite para estar presente no momento, sem julgamento, nos permitindo sentir e incluir-nos sem medo ou culpa. E essa presença ativa, ao contrário do que muitos podem pensar, não é apenas física; é também emocional. Se trata de consentir essa real vulnerabilidade, de abrir a intimidade em todas as suas formas de aceitação. Mas é claro, essa travessia não é fácil. Requer coragem, paciência e, acima de tudo, autocompaixão. Porque, no final das contas, todos, em algum momento, lutamos contra a protelação e a sabotagem em nossas vidas sexuais e afetivas. E essa briga não é um sinal de fraqueza, mas sim de reconhecer a própria singularidade. O importante é validar esses comportamentos que em última análise não nos definem. Eles são apenas uma parte de nossa história, uma divisão fragmentada que podemos reescrever se estivermos dispostos(as) a enfrentar o desconhecido. E então, eu pergunto: o que está lhe impedindo de viver integralmente sua sexualidade? Que narrativas você tem contado a si(a) que o(a) mantêm preso(a) em padrões de procrastinação? Talvez seja hora de questioná-las, de se permitir ousar, e, acima de tudo, sentir. Não acredito ser algo que precisemos conquistar ou merecer. Ela está inclusa no pacote da vida, esperando apenas que tenhamos a valentia de abrir seu conteúdo. Experiências precoces têm um proposito na forma como nos relacionamos com esses contextos corporais e emotivos. Uma criança criada em um ambiente onde a sexualidade era tratada como tabu ou associada à culpa e ao pecado pode crescer com uma relação ambivalente da sua pessoalidade e aceitação do seu corpo. "Quais medos estão bloqueando minha vida sexual?" Da mesma forma, vivências traumáticas ou relações interpessoais marcadas por rejeição e julgamento podem deixar marcas que tornam a entrega ao prazer um desafio quase insuperável e martirizante. A autossabotagem surge como uma estratégia inconsciente para evitar a dor, mas que, ironicamente cria uma distância da realização. E o que dizer da sociedade em que vivemos, com suas mensagens contraditórias e gabaritos presumidos? Por um lado, somos bombardeados por imagens e narrativas que glorificam a sexualidade como um símbolo de sucesso e poder. Por outro, somos constantemente julgados e monitorados por preceitos que nos dizem como devemos nos comportar, como parecer, vestir, e até mesmo como devemos sentir. O resultado disso é uma desconexão: em vez de vivermos de forma autêntica e livre, nos encontramos presos em um jogo de expectativas e comparações que alimentam a insegurança e o medo de não sermos "bons o suficiente" . E quando nos sentimos acanhados, o que fazemos? Adiamos a conversa difícil com o parceiro, pulamos o encontro dos próprios desejos. Nesse diferimento perdemos a oportunidade de nos reconectar, porque, no final das contas, a sexualidade não é apenas sobre o outro – é, antes de tudo, sobre nós . É quanto como nos sentimos no próprio corpo, sobre como nos permitimos sentir prazer e da maneira que nos relacionamos com nossos próprios quereres. Mas há esperança, se a autossabotagem e a procrastinação são aprendidas, também podem ser desaprendidas. E é aqui que a psicanálise e outras boas práticas terapêuticas entram como aliadas poderosas. Ao nos convidar a olhar para dentro, e enfrentar as crenças que carregamos, podemos reescrever nossa relação com o tema. Não se trata de "consertar" algo que esteja errado, mas de redescobrir o que sempre esteve lá: nossa capacidade inata de sentir, enlaçar e amar. Uma das ferramentas mais valiosas nesse processo é a prática da autocompaixão. Em vez de nos julgarmos por nossas hesitações ou falhas, podemos nos conceder compreender o que está por trás delas. Cada momento de procrastinação é uma oportunidade de investigação: o que estou realmente evitando? O que me assusta nessa situação? Ao cultivar essa curiosidade compassiva, começamos a desmontar as barreiras que nos mantêm presos. Além disso, a comunicação desempenha um papel fundamental. Falar abertamente sobre nossas inseguranças e desejos, seja com um parceiro, um terapeuta ou até mesmo conosco, pode ser libertador. Porque, ao compartilhar nossas experiências, percebemos que não estamos sozinhos . O Boicote que nos Assola Como é possível que desejemos ardentemente alcançar um objetivo e, ao mesmo tempo, boicotar esse querer de forma inconsciente? Por que o adiamento constante de tarefas significativas se torna para muitos de nós um padrão persistente, mesmo quando estamos plenamente conscientes das consequências negativas que isso pode acarretar? Essas questões não apenas intrigam a maioria, estudiosos de diversos campos descortinam o quanto essas evoluções impactam nossa sociedade, onde a produtividade é medida por resultados rápidos e sucesso tangível. Particularmente, pode ser vista como uma simples falta de organização ou disciplina, mas essa análise falha em capturar seu emaranhado lateral. Da mesma forma, a autossabotagem é tratada como um comportamento autoimposto e irracional, isso quando não oferecemos uma parada para uma apreciação de seus vínculos com o inconsciente e a ''formação do ego'' . Justamente neste limiar que se torna essencial decodificar tais mecanismos que nos levam a empurrar para baixo do tapete aquilo que mais queremos realizar. ''A autossabotagem é um cenário onde o inconsciente ensaia os conflitos não resolvidos entre o querer e o merecer.'' - Dan Mena. "Como meu corpo e mente estão sabotando meu prazer?" A sociedade em que vivemos, com sua ênfase em ganhos, coloca em nossos ombros uma pressão imensa, cobrando a eficácia a todo custo. Esse contexto global cria uma tensão particular: enquanto somos impulsionados a agir, também permanecemos paralisados por forças interiores que nos prendem em ciclos de adiamento e autodestruição. Mas será que esse comportamento é apenas fruto de nossas escolhas conscientes? Ou seria ele, uma expressão de desejos reprimidos e medos que permanecem como fantasmas ocultos no inconsciente? Se entendemos que normalmente o nosso corpo não é um obstáculo, mas sim um aliado no processo de autocompreensão, se desafia então a lógica de que predominantemente a procrastinação é puramente mental ou comportamental. Assim, ignorar os sinais do corpo é, em essência, desprezar os laços da protelação, cravados em nossos traumas e desejos subconscientes. Essas ligações entre o inconsciente e as manifestações físicas oferecem pautas transparentes sobre como a insustentabilidade da execução pode se manifestar fisicamente e impactar fortemente nosso proceder. Quando escolhemos adiar uma tarefa, o que realmente estamos postergando? Seria o medo do possível fracasso ou o fracasso em si? Refletir sobre como os processos interpessoais moldam nossas escolhas mais íntimas nos esclarece quanto ao seu deferimento, o que pode ser interpretado como uma defesa contra a ansiedade, associada à expectativa de sucesso ou à própria coação social, certamente, uma resposta ligada a certos melindres e escrúpulos que nos habitam. "A resistência ao fazer ou realizar não é um sinal de adinamia, mas uma mensagem do inconsciente para revisitar os porquês que sustentam nossos desejos." - Dan Mena. Ás histórias que contamos a nós mesmos sobre nosso valor e competência estruturam e elaboram nossas atividades. Quais narrativas inconscientes, portanto estão moldando nossa ação? E como podemos reescrever essas resenhas para superar os padrões de adiamento e autossabotagem? Uma dica pode ser olhar para nossas lutas interiorizadas, isso pode ser muito útil para decifrar a procrastinação como uma forma de resistência ao crescimento , assim, quebrar o ciclo, achando caminhos que nos conduzam a uma prosa mais positiva e capacitadora. "O adiamento constante não é uma fuga do fazer, mas um interior que se recusa a sermos limitados a máquinas de produtividade." - Dan Mena. Devemos considerar que impulsos inconscientes nos levam à repetição compulsiva, que, à primeira vista, parecem autodestrutivos. Por que, então, insistimos em repisar os mesmos equívocos e erros? Haveria por acaso uma recompensa mental fictícia oculta em atrasar o desejado? Posto isto, é válido considerar que, às vezes, o sofrimento é uma escolha inconsciente motivada por forças que estão além da nossa percepção consciente, para tanto, seria sim um convite a olhar mais detidamente os motivos que nos levam a determinadas condutas. "Na protelação, o Minotauro é o terror de descobrir que o nosso desejo talvez nunca seja suficiente para nos saciar." - Dan Mena. "Por que meu ego está sabotando minha intimidade?" A conexão entre corpo e mente é amiúde um reflexo das nossas emoções, traumas e inconformidades, ignorar os sinais físicos é desconsiderar a riqueza de informações que a matéria que nos constitui pode nos fornecer sobre nossa saúde psíquica e emocional. Não pense que é apenas um fenômeno mental; ela está absolutamente conectada às sensações que nos atravessam, e à forma como reagimos aos estímulos emotivos. Quando nos deparamos com uma tarefa difícil, podemos reagir com tensão, agressividade, fadiga ou outros sintomas que espelham claramente nossos receios. Esses sinais, podem ser elementos identificatórios reais para entender e vencer. ''Sabotamos nossos sonhos porque, no fundo, temos o peso de carregá-los nas mãos; o sucesso exige determinação para enfrentar não apenas o fracasso, mas a própria transformação." - Dan Mena. A Guerra Invisível na Análise Psicanalítica O trabalho na psicanálise nos estimula a questionar a relação com a mente e como nossa psique lida com a resistência. Em "Inibição, Sintoma e Ansiedade" Freud detalha sobre como esses fenômenos se manifestam e inquietam nossas vidas. "A resistência na análise não é a recusa da cura, mas a dança entre o desejo de mudança e o apego às zonas de conforto." - Dan Mena. O Significado de Inibição e Sintoma O conceito de inibição parte de como uma limitação ou bloqueio do potencial psíquico de uma pessoa ocorre, quando a energia libidinal ou os impulsos são reprimidos e desviados para outra forma ou direção. Isso resulta em uma sensação de incapacidade ou de paralisia emocional e mental, sendo um dos principais motores da procrastinação. A inibição não se limita apenas à incapacidade de agir, mas também se reflete via um desconforto interno, como se estivéssemos presos a um estado de tensão constante. Ela surge como uma defesa do ego contra a percepção de uma ameaça interna – a de que o ato de agir geraria uma angústia maior do que a própria procrastinação . Quando tentamos evitar uma dor emocional ou angústia psíquica, geralmente relacionadas a experiências passadas ou a uma colisão inconsciente não solucionada, aparece como uma forma de evitar essa ansiedade – assim, ao procrastinarmos, evitamos chocar com a causa da aflição, perpetuando logo esse decurso de adiamentos. Portanto, se observa que o sintoma, como expressão simbólica da refrega psíquica, pode ser interpretado como uma compensação, logo, um mecanismo de defesa . "O sintoma é o corpo falando a linguagem que o ego teme traduzir, expondo aquilo que a mente deseja esconder de si mesma." – Dan Mena. O Processo do Diferimento Ele envolve muito mais do que o adiamento de tarefas ou responsabilidades; é uma estratégia de enfrentamento inconsciente, uma tentativa de evitar a ansiedade associada à necessidade de agir. Geralmente aparece muito claramente quando estamos debatendo com um conflito interior se digladiando entre desejos opostos. A ansiedade gerada pela expectativa de realizar uma atividade ou incumbência pode ser insuportável para o ego, que então dilata o certame. Essa tardança pode se tornar recorrente, uma vez que a mente inconsciente se acostuma com o ciclo de se evadir do desprazer e prefere comportamentos mais fáceis de lidar . "O ciclo da procrastinação é uma prisão forjada pelo ego, que prefere a ilusão do imediato ao esforço de eclodir com a ansiedade." – Dan Mena. O Medo do Fracasso O receio de naufragar nas águas das nossas empreitadas, de não atender às expectativas ou de não estar à altura dos desafios propostos, são motores vigorosos para a manifestação da procrastinação . Quando nos deparamos com uma atribuição ou objetivo, podemos ser tomadas(os) pela sensação de não estarmos preparados devidamente, assim, gerando uma resposta de apavoramento e ansiedade. O adiamento da ação serve como uma engrenagem para nos proteger dessa sensação de inadequação para tal. Nesse quadro, não é apenas uma sinalização falha do gerenciamento de tempo, mas uma estratégia psíquica defensiva altamente arraigada no ser. Como procrastinadores, estamos sempre tentando evitar um duelo emocional com o medo do revés ou do julgamento alheio. Assim, a procrastinação acaba sendo uma forma de salvaguarda e proteção, mas também um instrumento de boicote, pois nos mantém amarrados e restritos a um ciclo vicioso de postergação. "O medo de falhar paralisa, mas é na vulnerabilidade da ação que descobrimos a coragem que tanto nos falta." – Dan Mena. A Luta Interna - o Boicote Nossa psique é enlaçada à ambivalência, exemplo: dinâmica entre desejo e culpa . A frustração deliberada ocorre quando propositalmente vedamos as próprias tentativas de sucesso ou realização. Essa tendência, está associada a pugnas internas e sentimentos de desmerecimento e vergonha. Destarte, sabemos perfeitamente que esses comportamentos autossabotadores muitas vezes têm raízes em experiências passadas, especialmente aquelas que envolvem a infância, relacionamentos familiares ou situações que geram hesitação ou sensação de não ser digno de tal sucesso. Por esta razão, surge uma expressão de uma crença inconsciente de que o acerto é indesejável ou perigoso. Esse sentimento de culpa que muitos carregamos em relação à felicidade e prosperidade que desejamos alcançar. No fundo, o próprio boicote é uma maneira de garantir que não alcancemos o êxito de nossos projetos, pois, na mente inconsciente, isso representaria uma ameaça à própria identidade. "Desejos reprimidos: como eles afetam minha sexualidade?" "O boicote interno é uma estratégia psíquica que nos mantém protegidos do sucesso que perseguimos, mas o tememos, como se isso pudesse nos roubar a essência." - Dan Mena. Autossabotagem é uma maneira que usamos como escudo para lidar com a ambiguidade primitiva, dividida entre as querenças de triunfo e o temor de sermos expostos ao insucesso . Esse conflito interno gera uma pressão constante, que se manifesta em ações que retardam o progresso ou minam a autoconfiança. Essa traição defensiva que praticamos, nos mantém numa zona de conforto mental, onde não precisamos encarar a possibilidade da derrota ou lidar com juízos e críticas de conquistas que podem nos deixar ansiosos(as) e inseguro(as). "Enfrentar o boicote interno é encarar nosso passado, aprendendo a temer aquilo que, na verdade, deveria nos libertar." - Dan Mena. Relação Entre Ansiedade e Procrastinação A ansiedade é um tema que ocupa um lugar central na teoria psicanalítica. A descrevemos como uma reação emocional a uma percepção de ameaça ou sinal de alerta. Em um nível mais aprofundado, consideramos que ela está ligada a antagonismos internos não solucionados. No caso da procrastinação, ela se torna a chave para entender o comportamento de adiamentos. A tarefa ou situação a ser enfrentada é percebida como uma ameaça à estabilidade psíquica, e o ego, na tentativa da nossa preservação ou equilíbrio, retarda a ação. Assim, não é apenas uma questão de não querer realizar uma tarefa, mas de não desejar enfrentar a ansiedade que a realização dela pode provocar. "A procrastinação exibe um paradoxo psíquico: ao evitarmos o desconforto, cultivamos sua perpetuação." – Dan Mena. Freud faz uma distinção importante entre a ansiedade real e a neurótica, sendo a última ligada a processos inconscientes que geram uma percepção exagerada da possível ameaça. Em muitos casos de adiamentos, a ansiedade não é proporcional ao real nível de dificuldade da ação a executar, mas sim, uma ocorrência inflada , originada por uma dissidência psíquica subjacente. Essa angústia neurótica, nos conduz a evitar a atividade, adiando indefinidamente a tomada de decisão e a resolução de problemas, resultando em um ciclo interminável de inoperância que perpetua seu poder mental . "Como a autoestima afeta minha vida sexual?" "Procrastinar é o reflexo de uma ansiedade desproporcional, onde o medo se transforma em uma intransponível muralha imaginária." – Dan Mena. A Sabotagem Pessoal como Fenômeno Psíquico Em minha análise sob a visão clínica do tema, considero ambos temas como manifestações amplas, que envolvem não apenas os sintomas já citados, mas também uma desmedida angústia existencial diante da responsabilidade e da exigência interna de realização. Estão conectadas ao estiramento tenso entre os impulsos inconscientes, os mecanismos de defesa do ego e a necessidade de enfrentar as tibiezas e temores. Não são apenas falhas de caráter ou questões de "administração do tempo" , mas sim, expressões de uma digladiação entre preocupações e assuntos emocionais. ''A luta contra a autossabotagem é também uma batalha pela acessibilidade de nossas imperfeições e pelo encontro com nossa fragilidade.'' - Dan Mena. Todas essas manifestações são observadas como obstáculos, mas também são pontos de acesso para compreendermos as questões dramáticas que envolvem a emoção, acrescidas das psíquicas, que em seu conjunto nos movem. Transforme a Autossabotagem em Força Pessoal Ao me aprofundar na obra de Brianna Wiest - "A Montanha É Você" , percebo uma riqueza maravilhosa de toques essenciais para o discernimento e superação da autossabotagem. Desde o início, Wiest utiliza a montanha como uma metáfora para desafiar nossas tibiezas e meandros. "Assim como a montanha desafia o corpo, a resistência interna nos encoraja a transcender nossas inseguranças e limitações." – Dan Mena. ''Ditas provocações da vida, não se levantam apenas para tratarmos de superar dificuldades emblemáticas externas, mas de reconhecer que a maior batalha que iremos travar é contra nós mesmos.'' - Dan Mena. A autora justifica o tema como uma forma de resistência, uma manifestação inconsciente de nossa tentativa de nos proteger da dor, do insucesso ou da vulnerabilidade. Entretanto, essa teimosia se transveste em um obstáculo para a realização pessoal. “O ciclo da autossabotagem começa onde a mudança é mais assustadora do que a própria frustração.” - Dan Mena. O Ciclo da Autossabotagem Padrões recorrentes sustentam a autossabotagem, descrevendo um ciclo comportamental muito singular e característico: Reconhecimento do desejo de mudança. Resistência interna causada por limitações. Comportamentos autossabotadores, como procrastinação, autocrítica e medo do sucesso. Frustração e reafirmação da crença de que não somos capazes. "O medo do sucesso é um paradoxo cruel: ansiamos pelo brilho, mas tememos o peso da sua sustentação." - Dan Mena. Quebrar esse circuito exige consciência e esforço deliberado. Isso me faz pensar sobre as ideias de Lacan, que ensejam que o desejo é totalmente influenciado pelo inconsciente. Para transformar a autossabotagem em autodomínio, é básico poder encarar os desejos inconscientes, geralmente disfarçados por racionalizações ou negações. ''O desejo é o desejo do ‘’Outro.’’ - Lacan. Esta citação pode ser entendida no contexto de como nossos desejos estão gravados no inconsciente, formados por um elo com os ''outros'' e com o que não conseguimos verbalizar ou compreender completamente. A autossabotagem, reflete uma desconexão entre os desejos inconscientes e a realidade, isso exige que enfrentemos essas forças internas, muitas vezes ocultas. Lacan esclarece, que o desejo nunca é puramente individual, mas sempre mediatizado pelas normas e pelas ausências do ‘’outro’’ , o que faz com que nossa busca por autodomínio exija uma reflexão sobre eles para caminhar em direção ao ''saber de si'' . "Cada padrão autossabotador é um apelo inconsciente para compensar nossas crenças sobre capacidade e merecimento." - Dan Mena. "Vulnerabilidade na intimidade: por que é tão difícil?" Percebendo seus vínculos As origens desses comportamentos destrutivos derivam de: Traumas passados. Medo do sucesso. Falta de autoconsciência. Compreender os motivos por trás de nossos comportamentos é determinante para avançar. Como Freud propôs, a cura começa quando trazemos à consciência o que está no inconsciente. "Nossos comportamentos mais destrutivos têm vínculos em dores não resolvidas; se curar depende de uma arqueologia emocional que exige paciência ao cavar a alma." - Dan Mena. Convertendo a Autossabotagem Positivamente Quais seriam as melhores estratégias? Aceitação Radical Para promover mudanças, é necessário aceitar nossa condição atual. Ao considerarmos hipoteticamente a montanha como parte de nós, nos libertamos do ciclo de autocrítica. Destarte, aceitação não significa resignação, mas representa um passo adiante para a mudança . Desenvolvimento da Autoconsciência Práticas como registro em diário, meditação e terapia são recomendadas para identificar padrões autossabotadores. Como psicanalista, sei que essas ferramentas são acessórios de valor para acessar o inconsciente e revisitar os fatores que nos limitam. Ação Consciente e Intencional Rasgar a autossabotagem requer um compromisso ativo com a conversão. Se faz necessário renovar o ajuste com as rotinas e hábitos que alinhem nossos comportamentos com nossos objetivos. Pequenas ações diárias podem levar ao êxito de grandes reformas. “Aceitar a si não é capitular diante das falhas, mas reconhecer que a renovação psíquica começa quando paramos de lutar contra quem somos verdadeiramente.” - Dan Mena. O Rol do Autodomínio Quando pensamos no conceito de autodomínio, é relevante se afastar da ideia de controle rígido sobre nós, se equilibrar é um estado de estabilidade em que conseguimos agir em sintonia com nossos valores, isso deve estar isolado das adversidades. Se governar neste sentido não significa eliminar o medo, mas aprender a coexistir com ele. O que me lembra Winnicott sobre a importância de tolerar a frustração e a ambivalência como parte do desenvolvimento saudável . "Tolerar a nossa primitiva ambivalência é uma prova de maturidade emocional, um elo elementar para a soberania da nossa legítima governança." - Dan Mena. Muitas Oportunidades Dentro do prisma de Wiest, a montanha não é um inimigo, mas um professor. Cada desafio que enfrentamos é uma oportunidade de autodescoberta e progresso. Concordo amplamente com essa visão. Na psicanálise, entendemos que o sofrimento, embora doloroso, é também uma janela para a reconstrução. Quando defrontamos nossos gigantes internos, não apenas derrotamos entraves, mas nos tornamos versões mais autênticas e resilientes de nós mesmos. Uma tarefa que exige coragem, autoconsciência e ação. É um percurso escabroso, mas recompensador. Afinal, como ela bem nos lembra: "A montanha não está no caminho, a montanha é o caminho." - Wiest. "Enfrentar nossos gigantes internos não e sobre como vencê-los, mas sim aprender com eles para moldar os danos legados." - Dan Mena. Sabedoria e Consciência Prudência e reflexão são princípios capazes de desconstruir os condicionamentos que nos aprisionam. Esses compromissos não são apenas boas práticas comportamentais, mas orientações para um estado de presença e consciência. Como podem ser aplicados para promover uma transformação pessoal genuína? "A verdadeira consciência não apenas observa, mas questiona, desconstrói e refaz o tecido de nossas opiniões e atitudes." - Dan Mena. "Traumas do passado estão sabotando meu prazer atual?" Conclusões Precipitadas Assumir algo sem compreender o todo de forma completa cria muitos mal-entendidos que geram embates e sofrimentos por vezes desnecessários. É natural que busquemos previsibilidade , apresentemos hipóteses. Porém, quando elas são tratadas como verdades estamos perdendo a oportunidade de enxergar a possível realidade. O nosso inconsciente adora preencher lacunas com narrativas distorcidas . Essas histórias geralmente projetam medos ou desejos reprimidos, criando uma realidade ilusória ou inverdades. O ato de não fazer desfechos impulsivos nos força a pausar, questionar e buscar clareza antes de agir ou reagir. Essa prática não só evita guerras psicológicas, mas também promove conexões genuínas e transparentes. "A pausa entre o estímulo e a resposta é onde reside o poder de transformar conflitos em compreensão." - Dan Mena. O Melhor de Si Dar o nosso melhor não denota perseguir exatamente a perfeição, mas sim, atuar com presença, esforço e intenção sincera, independentemente das situações. O ' 'melhor'' varia de ''momento para momento'' ; em um dia cheio de energia, o nosso supremo ' 'realizar'' será diferente de um em que estamos cansados, fragilizados ou doentes. Isso nos instrui a aceitar nossas limitações. A autocompaixão é um componente deste acordo, pois nos permite respeitar os processos a que somos submetidos sem julgar ou exigir excelência e maestria. Ao dar asas ao nosso potencial, também nos libertamos do arrependimento, culpa e autocrítica. Não há espaço para remorsos quando sabemos que trabalhamos com integridade e dedicação. "Aceitar nossas insuficiências é um ato de bravura, pois nos ensina que o 'melhor' não é estático, mas sim tão mutável quanto a própria vida." - Dan Mena. Seja Bom(a) com Suas Palavras A palavra é uma das forças mais poderosas do ser. Ela detém a autoridade suprema de criar e destruir, de inspirar ou aprisionar . Ser impecável com a linguagem significa saber usá-la com integridade, sempre conforme o máximo de sinceridade possível e incluir nela a fraternidade e o amor. Esta práxis, vai além da ética comunicativa; se trata de um valor espiritual. Quando verbalizamos algo, estamos materializando nossos pensamentos e intenções. Muitas vezes falamos sem plena consciência, replicando padrões herdados de julgamentos, pensamentos ou medos. O primor com o uso da palavra exige que enfrentemos esses condicionamentos, adotando uma postura de vigilância e autoconsciência, ela é uma ferramenta forte e articulada para a transformação pessoal. "Adotar uma postura cuidadosa com nossas palavras é honrar o impacto que elas têm na criação de nossa identidade e das relações que alargamos." - Dan Mena. Nada para o Lado Pessoal Falemos então de desapego emocional. O ego tende a buscar validação externa e, com isso, nos tornamos reféns de terceiros, logo vulneráveis ao arbítrio de outros. Ao transcender essa tendência, reconhecendo que a percepção do outro é também limitada por suas próprias experiências, dores e condicionamentos . Ao internalizar essa convenção, criamos um espaço, lugar da autonomia emocional. Isso não significa ignorar as críticas ou deixar de lado conexões interpessoais, mas sim compreender que nossa paz não deve depender de autenticações, chancelas ou da opinião alheia. Esse entendimento nos liberta das expectativas projetadas pelo meio, e nos permite viver de maneira mais integral. ''Ao internalizar a compreensão de que a opinião do outro é limitada, criamos espaço para nossa própria verdade e pacificação.'' - Dan Mena. Cultive a Autoconsciência Laborar essa representação envolve o desenvolvimento de uma compreensão cavada de nossos pensamentos, sentimentos, afetos, condutas e comportamentos. Ela nos permitem identificar padrões de comportamento autossabotadores e tomar medidas para sua reconstrução. Ao semear uma consciência reflexiva podemos tomar decisões mais informadas e alinhadas com nossos objetivos. ''A autoconsciência não é apenas perceber o que fazemos, mas entender o ''porque'' por trás das condutas, sentimentos e equívocos.'' - Dan Mena. Visão Integrada Crenças e normas sociais nos condicionaram desde a infância. Esses agrupamentos não são apenas regras, mas práticas para alcançar a liberdade emocional e espiritual. Liberdade é a capacidade de criar uma realidade compatível com nossos conceitos mais autênticos, desconstruindo as ilusões fantasiosas impostas pelo mundo. Essa moção é revolucionária, pois desafia o conformismo e nos coloca como cocriadores conscientes de nossa existência. O que é necessário para viver de acordo com esses princípios? Quais desafios você enfrentará no caminho? Como eles podem servir como oportunidades para aperfeiçoar e potencializar o fortalecimento pessoal e espiritual? "Relacionamentos sabotados: a procrastinação é a culpada?" Reconstruindo Nossa Narrativa Esses comportamentos que nos acompanham de maneiras sutis e silenciosas como elementos poderosos, por vezes devastadores, são manifestações que operam dentro das sombras do inconsciente. A resistência à ação é uma defesa primitiva do nosso ego, que tenta nos proteger de sentimentos de inadequação, mesmo quando sabemos que precisamos avançar e progredir para sobreviver a esta sociedade. Vamos lembrar das palavras de Freud: "O sintoma é o corpo falando a linguagem que o ego teme traduzir." A psicanálise nos dá as ferramentas para decifrar esses códigos internos: "Redizer nossa escrita pessoal começa com a valentia de olhar para as inseguranças e transformá-las em aliadas, não inimigas." - Dan Mena. Procrastinação no Sexo e na Intimidade F.A.Q - Perguntas Frequentes para o Tema O que é boicote da sexualidade? → É evitar prazer ou intimidade por medo, insegurança ou crenças limitantes. Como a procrastinação afeta a vida sexual? → Adiar encontros ou desejos cria barreiras emocionais e distância o prazer. Por que tememos a intimidade? → Por medo de rejeição, julgamento ou vulnerabilidade que ela exige. Qual o papel da psicanálise na autossabotagem? → Revela traumas e repressões inconscientes que bloqueiam a sexualidade. Como o corpo reflete a autossabotagem? → Manifesta tensões e sintomas físicos ligados a medos internos. O que a mente faz na procrastinação sexual? → Cria narrativas negativas que justificam o adiamento do prazer. O que é o inconsciente nesse contexto? → Parte da mente que guarda desejos, traumas e crenças reprimidas. Como o ego contribui para a autossabotagem? → Protege contra a dor, mas impede a entrega à intimidade. O que causa ansiedade na sexualidade? → Expectativas irreais e medo de não atender padrões sociais. Como os desejos reprimidos afetam a intimidade? → Geram frustração e reforçam ciclos de autossabotagem. O que são traumas na sexualidade? → Experiências passadas que criam bloqueios emocionais no presente. Por que reprimimos a sexualidade? → Por vergonha, culpa ou tabus aprendidos na infância ou sociedade. O que é vulnerabilidade na intimidade? → Abrir-se emocionalmente, essencial para conexões profundas. Como a autoestima influencia o prazer? → Baixa autoestima alimenta inseguranças e procrastinação sexual. Como superar a autossabotagem na sexualidade? → Com autocompaixão, terapia e enfrentamento das narrativas internas. Bibliografia Freud, Sigmund – O Mal-Estar na Civilização (1930, Imago) Lacan, Jacques – O Seminário, Livro 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise (1973, Zahar) Jung, Carl Gustav – O Homem e Seus Símbolos (1964, Nova Fronteira) Klein, Melanie – Amor, Ódio e Reparação (1957, Imago) Winnicott, Donald – O Ambiente e os Processos de Maturação (1965, Artmed) Reich, Wilhelm – A Função do Orgasmo (1942, Brasiliense) Fromm, Erich – A Arte de Amar (1956, Martins Fontes) Bowlby, John – Apego: A Natureza do Vínculo (2002, Martins Fontes) Foucault, Michel – História da Sexualidade (1976, Graal) Beauvoir, Simone de – O Segundo Sexo (1949, Nova Fronteira) Butler, Judith – Problemas de Gênero (1990, Civilização Brasileira) Bauman, Zygmunt – Amor Líquido (2003, Zahar) Giddens, Anthony – A Transformação da Intimidade (1992, Unesp) Marcuse, Herbert – Eros e Civilização (1955, Zahar) Kristeva, Julia – Poderes do Horror (1980, Rocco) Laplanche, Jean – Vocabulário da Psicanálise (1967, Martins Fontes) Nasio, Juan-David – O Livro da Dor e do Amor (1996, Zahar) Zizek, Slavoj – O Sujeito Incômodo (2008, Boitempo) Rolnik, Suely – Cartografia Sentimental (1989, Estação Liberdade) Safatle, Vladimir – O Circuito dos Afetos (2015, Autêntica) Wiest, Brianna – A Montanha É Você (2020, Sextante) Palavras Chaves psicanalista#Autossabotagem #Procrastinação #Sexualidade #Intimidade #Prazer #Medos #Inseguranças #Psicanálise #Corpo #Mente #Inconsciente #Ego #Ansiedade #Desejo #Trauma #Repressão #Vulnerabilidade #Autoestima #Relacionamentos #Cura#dan-mena-psicanalista #psicanálise Visite minha loja ou site: https://uiclap.bio/danielmena https://www.danmena.com.br ORCID™ - Pesquisador - iD logo são marcas comerciais usado aqui com permissão. "Open Researcher and Contributor ID" Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199. Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130. Dr. Honoris Causa em Psicanálise pela Christian Education University — Florida Department of Education — USA. Enrollment H715 — Register H0192 .

  • Análise Psicanalítica Filme "Secretária" ou "Secretary": Desejo, Poder e Liberdade.

    Psicologia por trás do Filme 'Secretária'. Olá, leitores! Hoje, convido vocês a entrarem comigo no universo cinematográfico que transcende o óbvio e nos provoca a refletir. "Secretária" ou "Secretary" (2002) , dirigido por Steven Shainberg e produzido pela Lionsgate Films , não é apenas um filme — é uma janela para os recantos fascinantes da psique. Estrelado por Maggie Gyllenhaal, James Spader e Jeremy Davies , este drama romântico com tons eróticos nos apresenta uma narrativa que entrelaça desejo, poder e submissão de maneira única e desafiadora . Como psicanalista e amante do cinema, vejo neste filme uma oportunidade rara de explorar comportamentos através de um olhar psicológico, acessível a todos, mas com a robustez que o tema merece. Nota ao leitor - Quando o cinema sonha com Freud Trailer Oficial Legendado do Filme ''Secretária'' É com entusiasmo e senso de propósito que inicio uma nova janela em nosso espaço de ponderações analíticas: a fusão entre psicanálise e cinema não é nenhuma novidade . Até aqui, no meu blog tenho dissertado unicamente sobre temas fundamentais da alma, sob o olhar clínico e teórico da psicanálise — desejos, angústias, repetições, vínculos e fantasias. A partir de agora, abriremos um prisma para a subjetividade: a da tela grande . O cinema, desde seu nascimento, tem sido um território fecundo para a expressão simbólica do inconsciente. Em sua essência, ele também é uma linguagem do sonho — feita de imagens, cortes, silêncios, repetições e símbolos. E não por acaso: o cinema moderno bebeu insaciavelmente das fontes da psicanálise . Freud, Lacan, Jung, Winnicott e tantos outros, influenciaram direta ou indiretamente roteiristas, diretores e produtores ao longo do século XX e XXI. O inconsciente, o recalque, os quereres e a fantasia — todos esses conceitos se tornaram, de certo modo, matéria-prima das histórias e temas cinematográficos de hoje e outrora. Não se trata apenas de filmes ''sobre'' o olhar da psicanálise, mas de obras estruturadas como experiências psíquicas. Trabalhos, que nos conduzem certamente pelas veredas do desejo, da perda, do trauma e da sublimação. Cada plano, cada cena, pode ser lido como uma metáfora do funcionamento da mente. Este novo eixo de publicações que pretendo introduzir — vão se alternar com os temas tradicionais da clínica — pretende ser um convite à escuta, à contemplação e ao pensamento . Um exercício de decifrar a linguagem do cinema como se lê num sonho. Sejam todos(as) bem-vindos(as) a essa nova  travessia. Aqui, o filme é analisado como sintoma, como linguagem do desejo, como espelho partido da nossa condição existencial. O Filme Secretária Imagine uma jovem recém-saída de uma clínica psiquiátrica, buscando um recomeço, que encontra um advogado meticuloso e enigmático. O que começa como uma relação profissional evolui para um jogo de dominação e submissão, revelando não apenas os desejos escondidos de ambos, mas também suas lutas internas por identidade e aceitação. "Secretária" , nos convida a ir além da superfície, questionando o que significa ser livre em um mundo repleto de repressões . Aqui, a psicanálise entra como uma ferramenta poderosa: nos ajudando a decifrar os impulsos inconscientes que movem Lee Holloway, E. Edward Grey e até mesmo Peter, o terceiro vértice desse triângulo emocional. Neste artigo, tracei o perfil psicológico desses três protagonistas, olhando para suas motivações, conflitos e transformações. Não se preocupe se você não for versado em Freud ou Jung — minha intenção é trazer clareza em uma linguagem que expanda para todos, do cinéfilo casual ao curioso sobre a mente. O filme aborda diretamente a saúde mental, relações de poder e a busca por auto-descobertas , oferecendo uma perspectiva que é ao mesmo tempo elegante e elucidativa. Se preparem para uma passagem que desvenda verdades que refletem em nossas próprias vidas. Afinal, "Secretária" não é só sobre Lee e Grey — é sobre o que nos move, mesmo quando não percebemos . Como o filme'Secretária' explora o desejo e submissão no cinema. Roteiro Geral"Secretária" (2002) Uma obra que desafia convenções e nos puxa para um território onde o cinema se torna um espelho da nossa alma. Ao abordar temas como BDSM , identidade e saúde mental com uma sensibilidade que foge do sensacionalismo, Maggie Gyllenhaal dá vida a Lee Holloway, uma jovem vulnerável mas determinada; James Spader encarna E. Edward Grey, um homem preso em suas próprias obsessões; e Jeremy Davies interpreta Peter, a personificação da segurança normativa. Juntos, eles formam uma trama que é tanto um conto de amor quanto um arranjo psicológico. O Script do Filme A teia começa com Lee, uma mulher que acaba de deixar uma instituição psiquiátrica após anos lidando com automutilação e uma família disfuncional. Buscando por um novo começo, ela aceita um emprego como secretária no escritório de E. Edward Grey, um advogado cuja exigência beira o excêntrico . O que poderia ser uma rotina trivial rapidamente se transforma em algo mais intenso: Grey corrige os erros de Lee com um rigor que logo ultrapassa os limites profissionais, iniciando uma relação marcada por dominação e submissão . Enquanto isso, Peter, um namorado gentil mas apagado, oferece a Lee uma alternativa mais convencional — uma vida que ela poderia escolher, mas que não parece suficiente para preencher seu vazio interior. A Crítica a 'Secretaria' O filme foi recebido com aplausos por sua ousadia e críticas, assim inserido em seu contexto explícito do BDSM. “Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo” . Chicotes, algemas, cordas, acessórios, amarras, mascaras e mordaças, integram o universo do sadomasoquismo . A prática, ficou muito conhecida a partir do lançamento dos livros e dos filmes da série 50 Tons de Cinza, todos, fazem parte de um universo maior que envolve a sexualidade. Contudo, reduzir "Secretária" a um estudo sobre práticas sexuais seria um erro. Ele é, acima de tudo, uma investigação sobre o que nos define como indivíduos e como lidamos com nossos desejos mais escondidos . Agora, vamos focar nos protagonistas e seus mundos internos, usando a psicanálise como nossa bússola guia. Perfis Psicológicos dos Protagonistas A Submissa em Busca de Si Lee Holloway é um retrato vivo do nosso hermetismo. Quando a conhecemos na sua representação, mostra que carrega as cicatrizes — físicas e emocionais — de uma vida marcada por trauma e insegurança . Sua automutilação, um hábito que ela retoma em momentos de angústia, não é apenas um grito de socorro; é uma tentativa de controlar o caos interno que a consome . Na visão de Freud, esse comportamento refletiria um superego punitivo, que castiga o ego por impulsos que Lee não consegue nomear ou aceitar . A dor física, para ela, é uma válvula de escape para a dor psíquica, uma forma de silenciar os conflitos da sua infância . Quando Lee começa a trabalhar para o Dr. Grey, algo muda. A submissão que ele exige — inicialmente nos erros datilográficos, depois em atos mais íntimos — desperta nela uma sensação paradoxal de poder e gozo . Ao se entregar a eles, Lee encontra um espaço onde pode ser vista e aceita, algo que sua família nunca lhe proporcionou. Aqui, vemos um conceito chave da psicanálise: a sublimação . Lee redireciona seus impulsos autodestrutivos para uma relação que, embora não convencional, a ajuda a se reconstruir. Nessa autodescoberta — ela deixa de ser uma vítima das circunstâncias para se tornar a autora de sua própria história, abraçando seus desejos como parte de quem é. E. Edward Grey: O Dominador e Suas Fragilidades E. Edward Grey, por outro lado, é um enigma envolto em controle. Interpretado com maestria por James Spader, ele é um homem cuja vida parece uma fortaleza impenetrável: seu escritório é impecável, suas ordens são precisas, sua postura é rígida. Mas, eu enxergo além dessa fachada. Grey sofre de uma neurose obsessiva, uma condição determinada por uma luta para reprimir desejos inconscientes através de rituais e disciplinas incorporadas sistematicamente . Sua necessidade de dominar Lee não é apenas um capricho — é uma defesa contra a vulnerabilidade que ele teme enfrentar e se expor. A relação com Lee, porém, o desestabiliza. O que começa como um exercício de poder se transforma em algo mais humano e arriscado: a conexão emocional. Grey, que antes evitava qualquer proximidade real, é forçado a encarar seus próprios anseios. Sua transformação ao longo do filme — de um dominador frio a um homem capaz de amar — é um processo de integração do ego, onde ele começa a aceitar as partes de si que reprimiu por tanto tempo . Para mim, Grey é a prova viva de que até os mais controladinhos entre nós, carregam um mar de emoções esperando apenas para emergir. Peter: O Contraponto da Normalidade Nesse triângulo, Peter, interpretado por Jeremy Davies, é o oposto de Grey em quase todos os sentidos. Ele é gentil, educado, previsível, quase insípido — o tipo de pessoa que representa o que a sociedade espera do personagem. Na psicanálise, ele é o superego em carne e osso: a voz das regras, da moral, da segurança . Mas é exatamente essa falta de intensidade que o torna incapaz de alcançar Lee em um nível mais elevado. Ele oferece estabilidade, mas não responde aos desejos que fervem no seu íntimo e inconsciente. Peter serve como um contraste essencial dessa narrativa. Ele nos lembra que a escolha de Lee por Grey não é apenas sobre submissão, mas sobre autenticidade . Enquanto Peter simboliza a repressão dos instintos, Grey permite que Lee explore o que realmente quer. Para mim, Peter é uma figura trágica — não por ser rejeitado e aceitar sua posição, mas, por nunca compreender a realidade que transborda a Lee. Lee Holloway: o perfil psicológico de uma submissa. Vertentes Psicológicas do Filme Secretária é o desejo que vira o motor da história.  Lee e Grey vivem uma tensão entre o que sentem e o que a sociedade permite moralmente, um conflito clássico entre o id (os instintos) e o superego (as normas). A repressão, outro tema base da nossa clínica, aparece na automutilação de Lee e na rigidez de Grey, mas o filme nos mostra que esses impulsos, quando enfrentados, podem levar à libertação. A questão do poder também é exuberante. Quem realmente manda nessa relação? Grey dá as ordens, mas Lee escolhe obedecer — e, ao fazê-lo, exerce um controle sutil sobre ele. Isso nos remonta às ideias de Foucault sobre poder como algo fluido, mas na psicanálise, o vemos como uma projeção de desejos internos. Finalmente, há o trauma e a cura: Lee transforma sua dor em algo construtivo, enquanto Grey aprende a se abrir. É uma narrativa de resiliência disfarçada de provocação. Secretária, a Dança entre Trauma e Redenção Aqui está minha contribuição para a análise de "Secretária": o filme funciona como um espelho do inconsciente, onde seus principais protagonistas projetam seus traumas e encontram, através de uma relação aparentemente (transgressora), uma trilha para a redenção. Não é apenas sobre BDSM ou amor — é sobre como usamos o outro para nos enxergarmos . Lee carrega o peso de um passado traumático, visível em suas cicatrizes e em sua fragilidade inicial. Sua submissão a Grey é, em parte, uma repetição desse trauma — uma latência da impotência que sentiu em casa. Mas, diferentemente do que poderia parecer, ela não se perde nisso. Ela usa essa dinâmica para se redimir, para elaborar e transformar a submissão em um ato delicioso da sua escolha e, assim, recuperar sua regência interior. É uma virada clínica: o trauma, quando revisitado com consciência, pode se tornar um portal para a cura . Grey, por sua vez, projeta no controle uma tentativa de apagar suas próprias inseguranças . Sua dominação é uma máscara para o medo de ser visto como ele é — imperfeito e humano. Quando Lee o desafia a ir além do jogo, ele se redime ao abandonar a armadura e abraçar sua vulnerabilidade. Peter, enquanto isso, é o lado oposto: ele reproduz a vida regrada socialmente que Lee poderia ter, mas que a manteria presa em uma existência sem alma, que não está no seu desejo. Essa visão geral da obra, me leva a uma extensão filosófica: e se a redenção não vier da conformidade, mas do confronto com o que nos assusta? "Secretária" sugere que o inconsciente, com seus desejos e medos, é o verdadeiro palco da nossa transformação. Para mim, o filme é um lembrete de que a cura não é linear — às vezes, exige zig-zags que dançam com nossos demônios. Cinema e psicanálise: desvendando o inconsciente do filme 'Secretária'. Análise Conclusiva Assistir e posteriormente escrever sobre este filme foi um grande prazer, me fez repensar o que significa humanidade. Lee, Grey e Peter não são apenas personagens — são fragmentos de nós mesmos, estabelecem lutas para conciliar desejo e dever, dor e prazer, repressão e liberdade . Realmente me encantou, com sua mistura de provocação e ternura. Ele nos desafia a olhar para dentro e perguntar: o que eu recalco? O que desejo? E, mais importante, o que de fato me liberta? A grande reviravolta não está em seu final feliz, mas na ideia de que a libertação pode nascer do que julgamos muitas vezes equivocadamente errado ou proibido. Lee e Grey nos ensinam que o poder de se conhecer está em aceitar o que nos torna únicos, mesmo que o mundo não entenda. Então, meus caros(as) leitores(as), vou certamente deixar vocês com uma curiosidade absurda: assistam ao filme, olhem para seus próprios espelhos e comentem — o que vocês veem no revérbero do seu inconsciente? Porque, no fim, "Secretária" não é só sobre eles. É sobre todos nós. Até breve. F.A.Q - Perguntas Frequentes sobre o Filme ‘’Secretária ’’Sobre o que é "Secretária"? É um drama romântico que explora a relação de dominação e submissão entre uma secretária e seu chefe, abordando desejo e identidade. Quem dirige o filme? Steven Shainberg é o diretor, trazendo uma visão sensível e provocadora. Quais são os protagonistas? Lee Holloway (Maggie Gyllenhaal), E. Edward Grey (James Spader) e Peter (Jeremy Davies). Por que Lee se automutila? Ela usa a dor física para lidar com conflitos emocionais, um sinal de trauma e culpa. O que motiva Grey a ser tão controlador? Seu controle é uma defesa contra vulnerabilidades e desejos reprimidos. Qual é o papel de Peter na história? Ele representa a normalidade que contrasta com a intensidade de Lee e Grey. Como a psicanálise explica a relação de Lee e Grey? Mostra como eles canalizam desejos inconscientes em uma dinâmica de poder e cura. O filme é só sobre BDSM? Não, é uma exploração de saúde mental, identidade e redenção. Por que Lee escolhe Grey em vez de Peter? Grey oferece autenticidade e conexão, enquanto Peter simboliza repressão. O que o filme diz sobre poder? Sugere que o poder é fluido e pode ser uma ferramenta de autodescoberta. Como Lee se transforma? De vítima de seu passado, ela se torna dona de seus desejos e escolhas. Grey muda ao longo do filme? Sim, ele abandona o controle rígido e aceita sua vulnerabilidade. Qual é o impacto do filme "Secretária"? Desafia tabus e provoca reflexões sobre comportamentos rígidos. Por que o filme é relevante hoje? Fala de temas universais como aceitação e libertação em tempos de repressão. Vale a pena assistir? Sim, para quem busca cinema que une emoção e aprofundamento psicológico. Bibliografia para quem deseja aprender sobre os temas centrais. Freud, Sigmund – O Mal-Estar na Civilização (1930, Imago) Marcuse, Herbert – Eros e Civilização (1955, Zahar) Deleuze, Gilles; Guattari, Félix – O Anti-Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia (1972, Editora 34) Lacan, Jacques – O Seminário, Livro 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise (1964, Zahar) Butler, Judith – Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade (1990, Civilização Brasileira) Foucault, Michel – História da Sexualidade – Vol. 1: A Vontade de Saber (1976, Paz e Terra) Žižek, Slavoj – O Sujeito Incômodo: Lacan através de Wenders, Hitchcock e Lynch (1999, Zahar) Recalcati, Massimo – O Complexo de Telemaco: Pais e Filhos na Era Pós-Edípica (2013, Planeta) Safatle, Vladimir – O Circuito dos Afetos: Corpos Políticos, Desamparo e o Fim do Indivíduo (2015, Cosac Naify) Roudinesco, Élisabeth – Lacan: Esboço de uma Vida, História de um Sistema de Pensamento (1993, Zahar) Fromm, Erich – O Medo à Liberdade (1941, Zahar) Agamben, Giorgio – O Poder Soberano e a Vida Nua (1995, Iluminuras) Dufour, Dany-Robert – O Divino Mercado: A Revolução Cultural Liberal (2007, Companhia de Freud) Benjamin, Walter – Magia e Técnica, Arte e Política (1985, Brasiliense) Bauman, Zygmunt – Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos (2003, Zahar) Palavras Chaves #Secretária #Secretary #Filme #Cinema #Psicanálise #Psicologia #ComportamentoHumano #SaúdeMental #MaggieGyllenhaal #JamesSpader #JeremyDavies #StevenShainberg #BDSM #Dominação #Submissão #Desejo #Repressão #Identidade #Autodescoberta #Poder Links do Site que Abordam os Temas Cinema, Sonhos & Psicanálise. “Sonhos são a linguagem da mente, e o cinema, uma poesia visual que dialoga entre a realidade imaginária. ''Eu, cinema e psicanálise''. É sábado e, independentemente do clima lá fora, seja com chuva ou sol, calor ou frio, eu vou ao cinema. Como os sonhos e o cinema transformaram minha clínica? Sonho, cinema e significado. https://www.danmena.com.br/post/cinema-sonhos-psicanálise A Arte Psíquica de Fantasiar. A fantasia não é apenas um mero devaneio; ela é uma construção psíquica rica que desempenha um papel extremamente importante na nossa sexualidade. Desde os primórdios da psicanálise, Freud destacou sua relevância como uma forma de satisfação dos desejos que não podem ser realizados na prática. Ela permite ao indivíduo experimentar prazeres que, de outra forma, seriam impossíveis devido às restrições sociais e morais. https://www.danmena.com.br/post/a-arte-psíquica-de-fantasiar O Estranho ou Infamiliar. O conceito de estranho, também conhecido como "Unheimlich" em alemão, ocupa um lugar central na teoria psicanalítica. Foi Freud quem introduziu este termo no seu famoso ensaio, "O Estranho" de (1919), onde se aventurou nos recantos obscuros da mente. O ''sinistro'' ou ''não familiar'', se configura quando o familiar se torna excêntrico, extraordinário e incomum. Não é tanto a novidade que pode causa horror, mas a transformação de algo que considerávamos singular e incomum e vice-versa. Essa passagem de um para o outro, séria o que dá origem à angústia. https://www.danmena.com.br/post/o-estranho-ou-infamiliar O Trauma. O trauma, na visão geral ocorre quando uma pessoa se depara com situações que representam uma ameaça real à sua vida ou integridade física. Acontece se testemunhamos eventos que envolvem morte, lesões graves, roubos, incêndios, ameaça à vida, etc. Esses incidentes evocam reações intensas, como medo, desespero, pavor e horror, frequentemente ultrapassando a nossa capacidade e tolerância de resposta típica, inibindo os mecanismos usuais de defesa. https://www.danmena.com.br/post/o-trauma Visite; https://www.uiclap.bio/danielmena https://www.danmena.com.br ORCID™ - Pesquisador - iD logo são marcas comerciais usado aqui com permissão. "Open Researcher and Contributor ID" Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199. Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130. Dr. Honoris Causa em Psicanálise pela Christian Education University — Florida Department of Education — USA. Enrollment H715 — Register H0192. De 1 a 5 - Quantas estrelas merece o artigo?

  • "Dar o Que Não Se Tem: Uma Perspectiva de Psicanálise, Psicologia e Neurociência"

    "Entenda o que significa 'dar o que não se tem' sob a ótica da psicanálise, psicologia e neurociência — uma imersão no desejo, na falta e na construção do sujeito." por Dan Mena. "O Silêncio que Fala" Um tema que atravessa o coração da nossa vivência: "dar o que não se tem" . Uma frase, cunhada por Jacques Lacan, que carrega um enigma ético, afetivo e significativamente intenso. Hoje, escrevo a vocês não apenas como um profissional, mas como alguém que, assim como a maioria, se debruça sobre os enredos do amor, do cuidado e daquilo que oferecemos ao outro — ou acreditamos estar oferecendo. Vou tratar isso com sensibilidade e rigor: o que significa este gesto paradoxal quando desmembrado e conjugado pela psicanálise, psicologia, neurociência e os desafios da clínica contemporânea? "O amor é um salto no vazio, onde oferecemos o que nunca verdadeiramente seguramos." - Dan Mena. "Por trás do silêncio de muitos adultos está a ressonância de uma infância marcada por ausências. Aqueles que hoje evitam confrontos foram, um dia, crianças soterradas em ambientes instáveis, onde discutir era perigoso demais. Quem se afasta quando está ferido aprendeu, muito cedo, que sentir é algo solitário. São estes precisamente, que se tornam imprescindíveis para os outros, mas invisíveis para si mesmos(as), foram ensinados(as) que amor só vem quando se é necessário. E os que não se posicionam carregam no corpo a memória de que abrir a boca pode lhes custar o pouco afeto que recebem. O que falta ao adulto é, quase sempre, aquilo que nunca lhe foi dado enquanto infante. Assim, portamos a fantasia de oferecer ao outro aquilo que nunca nos pertenceu — amor, presença, afeto, voz, acolhimento. Este antagonismo é o centro pulsante da subjetividade do ser contemporâneo: o desejo de entregar o que não se tem, e a angústia de repetir as feridas que não foram elaboradas e integradas a psique no momento adequado. A clínica se torna, então, um espaço de escuta para essa passagem inacabada, destarte, necessária entre a criança ferida e o adulto que tenta se reinventar hoje" Dan Mena. "Caminho do Vazio" O que realmente oferecemos ao outro? Imaginemos por um instante: você já se pegou outorgando, proporcionando, presenteando, exibindo, entregando algo a alguém — o que pode ser na forma de um conselho, um gesto de afeto, uma promessa — e, ao ponderar e refletir, percebeu que talvez não tivesse aquilo em sua plenitude para ofertar? Eu já. E é exatamente aí que reside a provocação do nosso versado professor, de "dar o que não se tem" . Lacan, em sua perspicácia e genialidade cortante, nos apresenta essa ideia no Seminário 8: A -Transferência (1960-1961) , quando fala do amor como um ato que não parte da completude, mas da falta. Ele diz: "Amar é dar o que não se tem a alguém que não o é" . Parece um tanto confuso né? Talvez. Adiante iremos compreender que não somente dito conceito nos atravessa verticalmente quanto é também muito libertador. Essa frase não é apenas um jogo de palavras; é uma chave que ele nos entrega para entender como nos relacionamos. Será que precisamos estar inteiros, resolvidos, para amar ou cuidar? Ou será que o verdadeiro zelo nasce justamente das nossas fragilidades, vulnerabilidades e incompletudes? Essa é a pergunta que me faço enquanto escrevo para vocês, e que vamos desdobrar juntos. Porque, vejam só, "dar o que não se tem" não é sobre fingimento ou carência disfarçada, radica naquilo que há de mais honesto em cada um de nós: o reconhecimento de que somos, coletivamente, como raça, transpostos por um vazio que paradoxalmente também nos conecta intimamente. "Cuidar é construir pontes com os fios da nossa própria fragilidade." - Dan Mena. Neste artigo, quero entrelaçar disciplinas, tanto pela escola da psicanálise lacaniana, com sua visão radical sobre o desejo e a falta; a psicologia, que nos ensina sobre autenticidade e presença; e a neurociência, que expõe os fios invisíveis do cérebro relacional; sem deixar de incluir a clínica, esse espaço sagrado onde a teoria encontra a vida e suas curvas do rio. Como de costume: estou sempre fugindo da certeza, menos ainda de oferecer respostas prontas. Minha intenção é provocar, inquietar e inspirar vocês a olhar para suas próprias relações diversas com outros olhares e perspectivas. Afinal, em tempos de redes sociais cheias de frases motivacionais, gurus, influenciadores, ''coachings'' e promessas de felicidade instantânea: o que significa assumir que não temos tudo — que somos de fato desprovidos, e ainda assim, dar? "A falta não é um abismo, mas o solo fértil onde o desejo brota." - Dan Mena. "Pontes do Cérebro" A Falta como Fundamento do Sujeito Eu sempre digo aos meus pacientes: "Você não é um quebra-cabeça a ser completado(a)" . Na psicanálise lacaniana, o sujeito é estruturado pela falta. Não somos seres plenos, como muitos se professam e sentem, mas sim, marcados pela castração — não no sentido literal, claro, mas como uma condição simbólica que nos faz desejar. E é esse desejo, essa busca por algo que nunca possuímos inteiramente, que vai nos mover em todas as direções possíveis. O amor é uma metáfora desse desejo, amar é oferecer algo que não temos em mãos, algo que escapa ao controle. "Dar o que não se tem a alguém que não o é" significa que o amor não é uma troca de bens materiais, econômicos ou emocionais concretos. É um ato teatral e simbólico, um verdadeiro salto no escuro. Eu vivo isso na clínica cotidianamente: pacientes que buscam no outro uma completude que eles mesmos não encontram, apenas para perceber que o outro também é, tão incompleto quanto. O analista, nesse contexto, tem um papel único. Ele não preenche o vazio do paciente com conselhos, receitinhas, remédios ou falsas promessas. Sustentamos deliberadamente esse vácuo, permitindo que o desejo do analisando possa emergir. "Dar o que não se tem" é, aqui, um gesto ético: oferecer espaço para que o outro seja singularmente, sem tentar colocar ele(a) numa caixinha feita sob medida ao nosso ideal. "O amor não é posse, mas um gesto de confiança da própria ausência." - Dan Mena. Amar é, dar algo que não se tem, ou seja, aquilo que falta ao sujeito e que ele supõe imaginariamente poder obter no outro. — Não é algo palpável, mas um espelho da nossa própria busca, aquilo que nos desafia a encontrar a ilusão de um amor fusional, onde dois se tornam um, e a abraçar a alteridade como essência do vínculo. Da Perfeição à Autenticidade: Transformações na Análise de Joana Joana tem   34 anos, bancária, casada há cinco anos com Marcos, sem filhos. Buscou ajuda na análise ao estar transitando por uma sensação de inadequação nas relações, sobretudo no casamento atual. No seu relato conta dedicar tempo ao seu cônjuge, atenção e cuidado que por vezes lhe parecem ser excessivos, mas sente um vazio persistente que a impulsiona a agir assim, como se "nunca fosse suficiente" . Nas primeiras sessões, diz: "Quero que ele me veja, me enxergue, mas não sei o que estou oferecendo." Esse seu discurso carrega ciúmes, tentativas de agradar (jantares elaborados, surpresas, presentes, mimos constantes) e uma eterna frustração por não ser devidamente reconhecida. "Raízes do Cuidado" Ao adentrar no seu contexto familiar, menciona uma mãe exigente e emocionalmente fria, distante na infância, o que a levou a sentir que precisava "fazer sempre mais ", mas, era sempre pouco para ser notada durante seu desenvolvimento em direção à maturidade. Nesse processo com Joana, adotei uma escuta atenta e silêncios estratégicos, inspirados na psicanálise lacaniana, sustentando a sua falta como espaço de descoberta, sem preenchê-la com respostas consumadas. "Dar o que não se tem" aqui, é oferecer um setting onde seu desejo emerja de fato. Uso a associação livre para explorar suas memórias e fantasias, como o medo de abandono se não for "perfeita" . Trago e uso Winnicott ao sugerir que ela pode ser "suficientemente boa" , sem optar por um sacrifício total, focando em que transpareça sua autenticidade. No andar das sessões, ela lembra das inúmeras e persistentes tentativas infantis de agradar a mãe, como preparar café da manhã aos nove anos, lavar louça, passar roupa, esfregar chão, juntar moedas para comprar presentes, sempre buscando um sorriso raro, que nunca acontecia. Toda essa reação infantil ilumina na reflexão do seu padrão atual de condicionamento ao "dar tudo" , uma clara repetição inconsciente. A questiono em algum momento: "E se o cuidado não exigisse perfeição? " Ela começa a pensar. Com o tempo, ela revisita seu comportamento. Após uma discussão com Marcos, diz: Dan, "Talvez eu não precise dar tudo, só existir, ocupar minha posição." Essa centelha, abre uma marca comportamental em Joana, onde se permite uma mudança sem o medo da rejeição ou abandono: menos foco em preencher o outro, mais em reconhecer também suas necessidades. Outras novas composições vão se somando, experimenta dizer "não" no trabalho e propor atividades que a satisfaça no casamento. Mais adiante, expõe; "Estou vivendo um sonho — como se estivesse em um campo aberto, sem nada a oferecer, mas leve — o que sugere que ela abraçou o seu vazio como possibilidade, não como carência." Um desfecho muito aguardado, após seis meses. A suavidade que Joana imprime agora nas relações. O vazio, que antes era angústia e ansiedade agora é autonomia, autossuficiência e independência. "Não preciso ser tudo para ele, e isso nos aproximou" , reflete. O processo segue, outras relevantes resoluções vão surgir, desbravando um caminho contínuo de singularidade e reencontro consigo mesma. O Cuidado que Nasce da Autenticidade Se na psicanálise falamos da falta, na psicologia encontramos o contraponto: o cuidado autêntico. Aqui eu trago Winnicott, um dos meus faróis teóricos, nos ensinando que não precisamos ser perfeitos para cuidar. Ele fala da "mãe suficientemente boa" — aquela que não é ideal, mas presente, que falha e repara. Pessoas que se sentem culpadas por não "dar tudo" : e ao final, o que é dar ‘’o absoluto’’? , uma completa fantasia. Se entregar aos filhos, parceiros, trabalho ou amigos, será que isso e "dar tudo" , seria então mesmo o objetivo? Winnicott nos mostra que o espaço transicional — aquele lugar entre o eu e o outro — é onde o cuidado acontece. É um dar que não exige sacrifício, mas abertura. Rogers, complementa essa ideia: para ele, oferecer algo sólido ao outro exige que eu me aceite como sou, com minhas falhas e limites. Por outro lado, há a armadilha da "doação compensatória" . Quantas vezes você já deu algo esperando ser amado em troca? Vemos isso repetidamente: um dar que, no fundo, é um pedido disfarçado. O desafio que encontro aqui, então, é dar de si — não para preencher um vazio próprio, mas como um gesto genuíno de compaixão, altruísmo, bondade e conexão. "Espelho da Falta" "Quando damos de nossa autenticidade, não estamos sacrificando, mas convidando o outro a um encontro genuíno." - Dan Mena. Portanto, a capacidade de estar sozinho(a) é ironicamente a condição para a capacidade de amar e de se relacionar, onde cuidado não é sobre completar o outro, mas sobre oferecer uma presença que respeita a solitude e, ao mesmo tempo, acolhe incondicionalmente. O Cérebro que Cuida e Relaciona Agora, vamos olhar para o cérebro — essa máquina incrível e fascinante. Somos biologicamente programados para o vínculo, A "neurocepção de segurança" , conceito de Porges, explica como nosso sistema nervoso detecta se estamos em um ambiente seguro para nos abrirmos ao outro. Quando me sinto seguro(a), posso dar — mesmo que não tenha tudo. Sistemas emocionais básicos, como o do cuidado e da empatia, nos impulsionam a agir altruisticamente. Mas aqui vai uma reflexão: se o cérebro nos prepara para dar, por que às vezes falhamos? A resposta está na experiência. Quando nossos recursos emocionais estão na falha, esgotados — seja por trauma, cansaço mental, estresse ou solidão —, "dar o que não se tem" pode se tornar um fardo muito pesado . "Na clínica, o silêncio é o presente mais valioso que não possuo." - Dan Mena. Ainda assim, a neurociência nos oferece esperança: nossas ligações podem nos curar. O ato de cuidar, mesmo vindo de um lugar de fragilidade, ativa circuitos de recompensa no cérebro. Talvez "dar o que não se tem" seja, também, uma forma de reconectar com nossa essência primitiva, menos interesseira, focada na sobrevivência da tribo e na importância do sujeito para ela. "Com a neurociência, aprendemos que o cérebro se molda pelas relações; na psicanálise, entendemos que essas associações são moldadas pelo desejo." - Dan Mena . Temos uma ferramenta: "A empatia é uma função do cérebro social que nos permite sentir o outro sem nos perdermos em sua dor." — Stephen Porges, The Polyvagal Theory (2011). Porges nos convida a pensar como o cuidado é um equilíbrio delicado entre elos e autonomia, algo que aparece comumente, tanto na clínica quanto na vida cotidiana. Onde o Desejo, a Empatia e a Autenticidade se Encontram E se eu te dissesse que essas três perspectivas que analisamos acima — psicanálise, psicologia e neurociência — não são opostas, mas complementares? Lacan fala do desejo como motor do amor; a psicologia, da autenticidade como base do cuidado; a neurociência, da empatia como ponte biológica. Logo, é juntas que nos mostram que "dar o que não se tem" é um ato polifacético. Mas há conflitos. A neurociência, tem uma tendência a medir e explicar, isso implica que possa correr o risco de medicalizar o amor, o transformando em uma performance de bem-estar. A psicologia, busca funcionalidade e adaptabilidade social do indivíduo, enquanto a psicanálise resiste a qualquer normatização. Quando penso que na realidade todos são conceitos, verifico que há além da tecnicidade e hermenêutica própria, "pacientes" , pessoas que querem "soluções" e outros que precisam apenas ser ouvidos(as) em sua dor, simples assim. A cultura da positividade tóxica presente na nossa era, nos pressiona a "dar o melhor de si" . Mas, e se o melhor para todos fosse reconhecer que nem sempre temos o que dar? Talvez aí esteja a verdadeira ética do cuidado: respeitar a falta, tanto a nossa quanto a do outro. "A Dança do Desejo" "A positividade tóxica nos afasta da verdade de nossas emoções" - Dan Mena. "O amor não é uma questão de harmonia, mas de lidar com a diferença que o desejo introduz." — Colette Soler, O Que Lacan Dizia das Mulheres (2003). Soler nos promove a pensar o amor como um espaço de tensão criativa, não de fusão ilusória. A Clínica: O Espaço do Não Ter No exercício da minha atuação como psicanalista, aprendi uma lição fundamental: eu não curo ninguém. Meu papel não é oferecer versões melhoradas, (se é que isso é possível), dar respostas ou preencher lacunas. É sustentar o não-saber, permitindo que o paciente encontre suas próprias verdades. "Dar o que não se tem" , na clínica, é oferecer silêncio, escuta, presença — coisas que não possuo como objetos, mas que surgem nesse encontro. Acredito firmemente que Lacan fala do "desejo do analista" como uma posição ética: não querer "dar tudo" ao cliente, mas abrir lugar para o autêntico querer da sua expressão. Já vi casos em que tentar "dar demais" — sugestões, acolhimento excessivo — sufocou o processo analítico. Um paciente me disse certa vez e guardei isso como uma pérola rara : "Você não me deu nada, e isso me deu tudo" . Ele entendeu que o vazio que eu sustentava na sua resistência era o que ele precisava para se ouvir. "Na ausência de respostas, o analista oferece a presença que permite ao analisando encontrar suas próprias perguntas." - Dan Mena. "O analista não dá ao paciente o que ele pede, mas o que ele não sabe que deseja." — J.-A. Miller, A Orientação Lacaniana (1998). Miller reforça a ideia de que o ato clínico é um não-dar que, contraditoriamente a lógica, oferece o essencial. "Autenticidade é dar o que sou, não o que gostaria de ser." - Dan Mena. O Dom que Nasce do Vazio Neste ponto eu volto à provocação inicial: é possível amar ou cuidar sem completude? Sim, eu acredito que sim — e mais: creio que é propriamente na incompletude que o amor ganha força. "Dar o que não se tem" não é fraqueza; é coragem. É confiar que nossa ausência pode ser ao final um presente, um espaço real onde o outro floresce. "Em um mundo de excessos, o vazio é o nosso maior tesouro." - Dan Mena. Vivemos tempos de hiper-positividade, onde somos cobrados a sermos plenos(as), produtivos(as), perfeitos(as). Mas eu insisto: parem. Respirem. Assumam suas faltas. É delas que nasce o princípio do cuidado, o respeito pela desproporção, a possibilidade de um amor que não sufoca, mas liberta. O que vocês têm dado aos outros? E o que, sem saber, têm recebido? Desenho do Invisível Sob um horizonte novo, “Dar o que não se tem” , molda o intangível, um ato que desenha contornos onde só havia sombras. Em vez de nos determos no que já foi dito, me permitam mostrar um lugar ainda não visitado: o território onde a ausência se torna um mapa para o impossível. Num determinado instante em que alguém, sem respostas, oferece uma pergunta ao outro. Não é o saber que se dá, mas a curiosidade — um vazio que provoca o pensamento a se desdobrar. Nas conversas mais simples que podemos manter, nas pausas que dizem mais que as palavras, é essa oferta desprovida de narrativas floreadas e certezas que podem acender em nós alguma novidade. Não se trata de preencher entrelinhas, mas de fato poder habitá-las, de fazer da falta um espaço onde o outro pode se encontrar e existir nas suas possibilidades. E se olharmos para o tempo? Dar o que não se tem é também entregar o tão precioso instante, o passado que não se apaga, lidar com o presente como um fragmento fugaz que ninguém possui. Quando paramos para ouvir, para estar com alguém da forma que for, damos algo que escapa às nossas mãos — não porque o temos, mas porque o deixamos genuinamente existir. É um dom que não se guarda, que não se mede, mas que toca na memória de quem o recebe como um reverbero de eternidade. Por fim, pensemos no futuro que não vemos, e do qual não temos o mínimo poder. Ao sonhar juntos, ao planejar o que ainda não é, damos ao outro uma promessa que não podemos sustentar, nem segurar. É a utopia compartilhada, o projeto sem forma, que ganha vida precisamente por não ser nossa. Aqui, a falta não é limite, mas possibilidade — um aceno para criar, juntos, o que sozinhos não teríamos. Assim, “dar o que não se tem” é traçar o invisível com linhas de confiança e imaginação. Não é sobre ter, mas sobre ousar; não é sobre possuir, mas sobre oferecer o possível, o que cabe dentro de cada um. Fazer da nossa ausência um presente — não é um vazio a temer. Porque é nesse gesto, tão simples, que aparece magicamente o ser que nos habita, que aparece em sua mais bela representação imperfeita. Que possamos, juntos, transformar o vazio em encontro, a fragilidade em força, a ausência em poesia. Porque, como já escrevi: "Dar o que não se tem é o gesto mais honesto de amor: é confiar ao outro a própria ausência como espaço de encontro." - Dan Mena. "Horizonte Aberto" Palavras-Chave psicanálise, Lacan, desejo, falta, amor, cuidado, psicologia, Winnicott, neurociência, empatia, altruísmo, clínica, analista, ética, incompletude, autenticidade, relacionamento, saúde mental, bem-estar, comportamento humano, danmena FAQ - Peguntas Frequentes O que significa "dar o que não se tem" na psicanálise?  Um ato simbólico de oferecer a própria falta como espaço de conexão. Por que a falta é tão importante segundo Lacan?  Porque ela estrutura o desejo, base de todo vínculo humano. Como o amor se relaciona ao desejo?  Amar é dar algo que não possuímos plenamente, movidos pelo desejo. O que Winnicott ensina sobre cuidado?  Que ele nasce da presença, não da perfeição. Como a neurociência explica a empatia?  Por circuitos cerebrais que nos conectam ao outro. O que é autenticidade no dar?  Oferecer-se genuinamente, sem máscaras ou compensações. Quais os riscos de dar para ser amado?  Cair na armadilha da doação compensatória. Como o analista lida com a falta?  A sustentando, sem preenchê-la. Qual é o desejo do analista?  Uma posição ética de não querer "dar tudo". Como a positividade tóxica afeta o amor?  Nos pressiona a fingir plenitude, negando a falta. Podemos amar sem estarmos completos?  Sim, a incompletude é a condição do amor verdadeiro. O que a neurocepção de segurança significa?  A capacidade do cérebro de sentir segurança para se abrir. Por que assumir a incompletude importa?  Porque nos torna mais verdadeiros e conectados. Como a clínica psicanalítica usa o vazio?  Como um espaço para o desejo do paciente emergir. Qual a ética do cuidado?  Respeitar a alteridade e a falta do outro. Bibliografia Lacan, J. (1960). O Seminário, Livro 8: A Transferência. Miller, J.-A. (1998). A Orientação Lacaniana. Soler, C. (2003). O Que Lacan Dizia das Mulheres. Winnicott, D. W. (1971). O Brincar e a Realidade. Rogers, C. R. (1961). Tornar-se Pessoa. Maslow, A. H. (1968) Toward a Psychology of Being. Damásio, A. (1994). O Erro de Descartes. Goleman, D. (1995). Inteligência Emocional. Panksepp, J. (1998). Affective Neuroscience. Porges, S. W. (2011). The Polyvagal Theory. Freud, S. (1915). Observações sobre o Amor de Transferência. Klein, M. (1957). Inveja e Gratidão. Bion, W. R. (1962). Aprendendo com a Experiência. Žižek, S. (1997). O Mais Sublime dos Histéricos. Laplanche, J., & Pontalis, J.-B. (1967). Vocabulário da Psicanálise. Safra, G. (2004). A Face Estética do Self. Zimerman, D. E. (1999). Fundamentos Psicanalíticos. Nasio, J.-D. (1992). Cinco Lições sobre a Teoria de Jacques Lacan. Melhores Links sobre o Tema EROS O Poder do Desejo Self Verdadeiro e Falso A Natureza do Desejo Psicologia do Amor Visite minha loja ou site:   https://uiclap.bio/danielmena    https://www.danmena.com.br   ORCID™ - Pesquisador - iD logo são marcas comerciais usado aqui com permissão. "Open Researcher and Contributor ID" Membro Supervisor do Conselho Nacional de Psicanálise desde 2018 — CNP 1199. Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise desde 2020 — CBP 2022130.  Dr. Honoris Causa em Psicanálise pela Christian Education University — Florida Department of Education — USA. Enrollment H715 — Register H0192. De 1 a 5 - Quantas estrelas merece o artigo?

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